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Dimensões Institucionais da Igualdade de Gênero: o Caso Maria da Penha

Institutional Dimensions of Gender Equality: the Maria da Penha Case

Resumo

Este artigo explora a complexa interação entre a letra da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e o contexto institucional no qual ela funciona. Após detalhar as mudanças institucionais introduzidas pela lei, analisamos as medidas adotadas pelo governo brasileiro para implementar reformas, apontando inúmeras deficiências. Ademais, mostramos que os tribunais brasileiros não têm reconhecido a importância das instituições previstas na lei. Concluímos o artigo propondo um caminho alternativo, denominado modularidade: rejeitamos a ideia de que mudanças legais e institucionais operam de forma hierárquica ou independente, em prol do entendimento de que a Lei e as instituições podem se complementar ou compensar mutuamente os seus pontos fracos.

Palavras-chave:
Lei Maria da Penha; Instituições; Modularidade

Abstract

This article explores the complex interaction between the Maria da Penha Statute (Law 11.340/06) and the institutional context in which such statute operates. After presenting the details of the institutional changes provided by the Statute, we analyse the measures adopted by the Brazilian Government to implement reforms, identifying a number of shortcomings. We also show that the Brazilian courts have neglected the role of institutions as prescribed by the Maria da Penha Statute. We conclude the article by presenting an alternative path called modularity: we reject the idea that law and institutions have either a hierarchical relationship or are independent of one another; instead, we suggest that they can be complementary or may compensate for each other weaknesses.

Keywords:
Maria da Penha Statute; Institutions; Modularity

Introdução1 1 Este texto é uma versão em português do capítulo que será publicado no livro “Frontiers of Gender Equality”, editado por Rebecca Cook, pela University of Pennsylvania Press, no prelo. Agradecemos a Rebecca Cook e à editora por permitirem a publicação antecipada em português.

A promoção da igualdade de gênero frequentemente requer instrumentos jurídicos. Porém, esses instrumentos são somente uma peça do quebra-cabeça. As outras peças são instituições funcionais responsáveis por aplicar, arbitrar e administrar regras jurídicas. Enquanto mudanças legislativas ou jurisprudenciais podem promover a igualdade de gênero, instituições funcionais também têm importante papel a desempenhar nesse processo.

Por meio de um estudo de caso, este artigo explora a complexa interação entre a letra da lei e o contexto institucional no qual a lei opera. Em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabilizou o Brasil por violar os direitos de Maria da Penha Maia Fernandes, uma vítima de violência doméstica, e recomendou que o país adotasse medidas para combater com efetividade a violência contra as mulheres. Em 2006, o governo federal brasileiro respondeu com a promulgação de uma lei com mecanismos para reduzir e prevenir a violência doméstica e familiar contra mulheres, a “Lei Maria da Penha” (Lei 11.340/2006), doravante referida como “a Lei”. A Lei adotou uma nova definição legal de violência doméstica com sanções penais mais severas e criou “medidas protetivas” para mulheres em perigo iminente.

A Lei também exigiu uma série de reformas institucionais, incluindo inovações institucionais tais quais varas especializadas, unidades de investigação especializadas e equipes multidisciplinares (com assistentes sociais, psicólogos etc.) para fornecer apoio às vítimas. A Lei também requereu a implementação de delegacias de polícia especializadas e com funcionárias mulheres em todos os estados do Brasil. Diferentes poderes do Estado (por exemplo, o Executivo e o Judiciário) e departamentos dentro do Poder Executivo (serviço de assistência social, sistema público de saúde, polícia) foram incumbidos de implementar essas inovações. A Lei também trouxe medidas de prevenção, exigindo que o Poder Executivo adote “medidas integradas de prevenção”, incluindo currículos escolares, campanhas educacionais, treinamento de funcionários e financiamento de pesquisas. Essas políticas deveriam ser implementadas por governos municipais, estaduais e federal, em um trabalho conjunto e com consultoria de atores não-governamentais.

Após detalhar essas mudanças, analisamos as medidas adotadas pelo governo brasileiro para implementar as reformas institucionais, bem como as suas deficiências. Ainda que a Lei tenha sido considerada um dos avanços legislativos mais importantes do mundo na proteção de mulheres, ao lado de iniciativas similares na Mongólia e na Espanha (ONU MULHERES, 2009), a sua efetividade variou de estado para estado, dependendo da robustez das instituições responsáveis pela implementação das reformas exigidas pela Lei.

Mostramos que os tribunais brasileiros têm sido negligentes no reconhecimento da importância das instituições na Lei. Em 2012, duas ações constitucionais ligadas à Lei foram julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. Elas lidavam com diferentes dimensões da igualdade: enquanto uma reconheceu a necessidade de haver legislação exclusiva para mulheres - afirmando igualdade substantiva - a outra falhou em reconhecer que diferentes grupos de mulheres pudessem ser protegidos por diferentes mecanismos legais e instituições e que levar em consideração as diferenças é o modo mais efetivo de promover a igualdade de gênero. Analisamos essas decisões, apontando o alheamento de Ministros e Ministras no que diz respeito à importância do contexto institucional no qual a Lei deveria operar, e como tal contexto poderia auxiliar a Lei a levar em consideração as diferentes vulnerabilidades entre mulheres vítimas de violência. Argumentamos que essa foi uma oportunidade perdida para o Supremo Tribunal Federal atentar às dimensões institucionais e reformas a pela própria Lei.

Concluímos o artigo propondo um caminho alternativo, denominado modularidade. No Brasil - e alhures - mudanças legais e institucionais frequentemente parecem correr como conversas paralelas e não relacionadas, enquanto na realidade as interações entre elas são bastante complexas. A partir do contexto institucional prescrito pela Lei Maria da Penha, a modularidade sugere que em vez de assumir que mudanças legais e institucionais operam de uma forma hierárquica ou independente, deveríamos assumir que a Lei e as instituições podem se complementar ou compensar mutuamente os seus pontos fracos. Por exemplo, em situações nas quais a lei pode ser super ou sub-inclusiva, as instituições podem desempenhar um papel importante no calibração do processo de aplicação da lei para atingir os objetivos legislativos almejados. Como nosso estudo de caso mostra, ao enxergar somente o lado legal da equação, o Judiciário perdeu a oportunidade de alinhar o funcionamento institucional com os objetivos da lei e de utilizá-los para alcançar a igualdade de gênero.

Nossa conclusão principal é a de que acadêmicos da área jurídica e juristas deveriam estar mais atentos às complexas interconexões entre o direito e as instituições para a promoção da igualdade de gênero.

1. A Lei Maria da Penha e as Suas Dimensões Institucionais

1.1 A Decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)

Em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes, uma biofarmacêutica brasileira, sofreu uma dupla tentativa de homicídio pelo seu marido que a tornou paraplégica. Em 1998, sem qualquer resposta efetiva do sistema de justiça criminal brasileiro, Maria da Penha - juntamente com duas ONGs, CEJIL e CLADEM - levou uma denúncia à CIDH. Em 2001, quando a Comissão produziu o seu relatório, não havia ainda uma decisão final do caso nos tribunais brasileiros. A CIDH concluiu que o Estado brasileiro havia sido negligente no enfrentamento e na resolução do caso (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2001). Em 2002, quando finalmente uma decisão judicial final foi proferida, o marido de Maria da Penha foi condenado a seis anos de reclusão.

Embora a Comissão não tenha tecnicamente encontrado uma violação de proteção da igualdade (Art. 24 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos - CADH), ela encontrou violações relacionadas ao direito a um julgamento justo (Art. 8 da CADH) e à proteção judicial (Art. 25 da CADH). Ela também considerou que o Brasil estava violando o Artigo 7 da Convenção de Belém do Pará referente à violência contra mulheres. A CIDH explica que essas violações formam um padrão de discriminação contra a Sra. Penha Maia Fernandes e outras mulheres no Brasil. O caso evidenciou a ineficiência do Estado brasileiro em prevenir e combater a violência contra mulheres, especialmente a violência doméstica. A CIDH considerou que isso gerava desigualdade, dado que é trinta vezes mais provável que uma mulher seja vítima de violência doméstica em comparação com um homem.

Cumpre ressaltar que, embora tenha-se reconhecido que há muitas causas dessa desigualdade, a Comissão focou-se em como o direito foi aplicado desigualmente pelas instituições brasileiras. De acordo com a Comissão, o problema da igualdade se manifestava não no modo pelo qual o direito tratava as mulheres, mas em como a polícia brasileira, o Judiciário e outros serviços de apoio - por exemplo, a perícia forense das vítimas - lidavam com esses casos. Mais especificamente, a Comissão mencionou que policiais sem treinamento são frequentemente não receptivos a mulheres que denunciam violência, o que por sua vez desencorajara as mulheres a denunciar casos; mesmo em estados com delegacias especializadas - conhecidas como Delegacias da Mulher -, somente uma fração das denúncias realizadas são de fato investigadas; e o Judiciário brasileiro, por sua vez, ainda interpreta as leis existentes de maneiras a impor o ônus da prova às mulheres, revitimizando-as. Devido à falta de instituições funcionais e efetivas, apenas 2% dos casos de violência contra mulheres denunciados no Brasil terminaram em punições (CIDH, 2001).

Em seu relatório, a CIDH recomendou ao Estado brasileiro a “prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2001). Mais especificamente, a Comissão recomendou:

  • a) Fornecer treinamento especializado de sensibilização para funcionários públicos e policiais, voltado à compreensão da importância de combater a violência doméstica;

  • b) Simplificar os procedimentos judiciais para reduzir a duração do processo, sem impactos negativos nos direitos, garantias e devido processo legal;

  • c) Estabelecer mecanismos alternativos de resolução de conflitos para oferecer soluções rápidas e efetivas para disputas familiares;

  • d) Multiplicar o número de delegacias especiais para proteger os direitos de mulheres, bem como fornecer os recursos necessários para seu efetivo funcionamento;

  • e) Incluir discussões sobre direitos das mulheres, como definidas na Convenção de Belém do Pará, no currículo escolar.

A próxima seção discute as consequências do relatório. Embora houvesse no Brasil uma forte e longeva mobilização da sociedade civil pelo fim da violência contra as mulheres, não houve reformas significativas até o relatório da CIDH (BARSTED, 2011BARSTED, Leila Linhares. Lei Maria Da Penha: Uma Experiência Bem-Sucedida De Advocacy Feminista. In: CAMPOS, Carmen Hein de. Lei Maria Da Penha Comentada Em Uma Perspectiva Jurídico-Feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 13-39.). Nesse contexto, o recurso à CIDH pode ser interpretado como uma estratégia de contornar os obstáculos domésticos e criar pressão externa (isto é, internacional) para produzir domesticamente um “efeito bumerangue” (KECK; SIKKINK, 1998). A Lei é um exemplo bem-sucedido dessa estratégia (PANDJIARJIAN, 2008PANDJIARJIAN, Valéria. Lei Maria Da Penha: Um Compromisso para a Justiça Brasileira. Dourados Agora, novembro de 2008. Disponível em: https://www.douradosagora.com.br/noticias/brasil/lei-maria-da-penha-um-compromisso-para-a-justica-brasileira. Acesso em: 07 dez. 2020
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).

1.2 O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

Logo após a publicação do relatório da CIDH, o Brasil iniciou um longo processo de deliberação envolvendo o governo e a sociedade civil em torno da urgência de combater a violência doméstica e de gênero. Em 2002, grupos da sociedade civil organizaram a Conferência de Mulheres Brasileiras. Em 2003, o governo federal criou a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres (SNPM). Até então, as políticas para mulheres eram limitadas a delegacias especializadas e abrigos, que existiam somente em alguns estados. O objetivo da Secretaria era expandir o escopo dessas políticas e torná-las nacionais. Em 2004, a 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres foi convocada pelo Governo Federal. Com a participação de gestores públicos, mulheres de diferentes regiões do país e organizações da sociedade civil, a conferência criou um consórcio nacional de ONGs, que defendia uma legislação específica sobre a violência doméstica contra mulheres (MACIEL, 2011MACIEL, Débora Alves. Ação Coletiva, Mobilização Do Direito E Instituições Políticas: O Caso Da Campanha Da Lei Maria Da Penha. Revista Brasileira De Ciências Sociais, São Paulo, v. 26, n. 77, p. 97-112, 2011.). Em 2005, em grande parte seguindo as diretrizes elaboradas durante a Primeira Conferência, o governo federal promulgou o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.

O Plano Nacional foi concebido como uma importante ferramenta para promover igualdade de gênero, o que sempre fora anunciado como uma prioridade para o partido no poder de 2003 a 2016 (o Partido dos Trabalhadores). Em 2013, o Poder Executivo publicou um documento que declarava os princípios que guiariam a implementação do Plano, que incluíam a autonomia das mulheres em todas as dimensões da vida, a igualdade efetiva entre mulheres e homens em todas as esferas, o respeito pela diversidade e a eliminação de todas as formas de discriminação, a secularidade do Estado, a universalidade de todos os serviços públicos e benefícios estatais, a participação ativa de mulheres em todas as fases do processo de formulação de políticas, a transversalidade como um princípio guiador de todas as políticas públicas. (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2013).

Enquanto a promoção da igualdade de gênero era um princípio central do Plano Nacional, combater a violência contra mulheres foi a política pública prioritária. Uma das principais preocupações da política era a falta de coordenação entre diferentes níveis de governo e diferentes instituições. Em uma tentativa de resolvê-la, o Plano Nacional propôs a criação de uma rede de atendimento para mulheres por meio de organizações governamentais e não-governamentais. Essa rede deveria coordenar a assistência psicológica, jurídica, social, médica, policial e forense para mulheres vítimas de violência. A rede também coordenaria serviços relacionados à educação, saúde, emprego, assistência social, moradia e justiça. Ademais, o Plano incluía a criação de unidades e departamentos especializados para atender mulheres na polícia, no sistema de saúde, nos departamentos de assistência social, no Ministério Público e nas defensorias públicas.

Essa “rede de atendimento” foi inspirada e informada pelos estudos que mapearam a “rota crítica”, isto é, o caminho tomado por mulheres para se libertarem da violência. Conduzidos pela Organização Pan-Americana da Saúde em dez países latinoamericanos, esses estudos mostravam os fatores que influenciavam as decisões das mulheres em buscar ajuda, suas dificuldades em levar a cabo essa decisão e suas percepções da assistência institucional (SAGOT; CARCEDO, 2000SAGOT, Montserrat; CARCEDO, Ana. Ruta Crítica De Las Mujeres Afectadas Por La Violencia Intrafamiliar En Aḿerica Latina: Estudios De Caso De 10 Países. Organización Panamericana de la Salud, 2000.; ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD, 1996; 1997a; 1997b; 1998). Eles descobriram que muitas mulheres que buscavam ajuda não encontravam proteção alguma; essas mulheres enfrentavam interações difíceis e desencorajadoras com funcionários públicos, combinadas com a ausência ou falta de acesso a serviços de apoio. Para prevenir isso, a “rede de atendimento” do Plano Nacional visava a oferecer pontos diversos de entrada no sistema (serviços de saúde de emergência, delegacias, serviços de assistência social), que, idealmente, trabalhariam de modo coordenado para fornecer assistência qualificada, integral e não-vitimizadora a mulheres que foram vítimas de violência (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2011a).

A promulgação da nova lei, em 2006, fortaleceu e legitimou essas iniciativas do poder Executivo, como discutiremos em seguida.

1.3 A Lei Maria da Penha e suas Inovações Institucionais

A forte mobilização nacional por uma nova lei, combinada com a pressão internacional e um Governo Federal apoiador dessas políticas, pavimentou o caminho para a promulgação de uma nova lei contra a violência doméstica no Brasil, em 2006, que foi batizada Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). A exposição de motivos da lei faz referência à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e outros tratados internacionais que protegem uma gama de direitos humanos das mulheres, incluindo a igualdade.

A Lei é considerada um ponto de inflexão na proteção das mulheres contra a violência no Brasil, pois introduziu diversas inovações. Criou medidas para prevenção, provisão de assistência social, proteção emergencial, remédios civis (baseados no direito de família) e sanções penais para a violência doméstica. É a primeira lei brasileira que define a violência doméstica como uma violência de gênero e que adota uma definição ampla de violência, incluindo danos físicos, psicológicos, morais, sexuais e patrimoniais.

Uma das inovações mais importantes da Lei é a criação das medidas protetivas de urgência, tais quais a proibição de contato, a remoção de parceiros do lar, a provisão de alimentos e suprimentos e a proteção policial (art. 12, III, Lei 11.340/06). Essas deveriam ser asseguradas por decisões judiciais em 48 horas a partir registro do Boletim de Ocorrência para garantir a segurança e a subsistência das vítimas2 2 Uma alteração à Lei ocorrida em meio de 2019 (Lei nº 13.827/19) autoriza, em certos casos, a concessão de medidas protetivas de urgência pela autoridade policial. .

Institucionalmente, a lei fez das delegacias da mulher (delegacia especializada de atendimento à mulher e delegacia de defesa da mulher) uma política nacional. Essa inovação já havia sido implementada em São Paulo, nos anos 1980, e adotada em outros estados (SANTOS, 2001SANTOS, Cecília MacDowell. Percursos E Percalços. Relatório De Direitos Humanos No Brasil. Rio de Janeiro: Parma, 2001.; 2015; JUBB, 2010JUBB, Nadine (ed.). Women’s Police Stations in Latin America: An Entry Point for Stopping Violence and Gaining Access to Justice. Centre for Planning and Social Studies, 2010.; SOARES, 1999SOARES, Bárbara. Delegacia de atendimento à mulher: questão de gênero, número e grau. In: SOARES, E. L. et al. Violência e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará/ISER, 1999.). Além de terem policiais femininas, essas delegacias especializadas seriam o ponto de entrada de um pacote abrangente de serviços que incluiria assistência social e psicológica às vítimas. Outra inovação importante foi o advento das varas especializadas, que deveriam ter competência exclusiva em casos de violência doméstica, coordenando decisões jurídicas criminais e de família. As varas especializadas foram concebidas para criar um balcão único para vítimas, em vez de terem que buscar respostas para suas questões penais e civis em órgãos diferentes. Delegacias e varas especializadas teriam uma equipe treinada para lidar com casos de violência doméstica.

A Lei também impôs penas de prisão mais severas, que variam de três meses a três anos (Lei 11.340/06, art. 44), possibilitando a prisão provisória em alguns casos3 3 No campo penal as mudanças introduzidas pela Lei foram no sentido de agravar a pena ou tratamento penal para crimes cometidos em contextos de violência doméstica. Não foram introduzidos novos crimes até a promulgação da Lei nº 13.641/18, que criou o delito de descumprimento de medida protetiva, com detenção de três meses a dois anos. . Antes da Lei, muitos casos de violência doméstica eram tratados como infrações penais menores nos Juizados Especiais Criminais e, em consequência, eram punidos de forma leve (Lei 9.099/95). Há relatórios indicando que nesses Juizados 90% dos casos seriam descartados sem solução e as penalidades aplicadas seriam insignificantes - por exemplo, a provisão de duas cestas básicas para instituições de assistência social (CIDH, 2001).

Essas mudanças visavam a enfrentar os dois problemas identificados pela CIDH (e antes disso por diversas ativistas e organizacões): i) a polícia brasileira não parecia preparada para lidar com notificações de violência doméstica, e ii) o Judiciário brasileiro parecia lento demais e, por vezes, relutante em fornecer remédios efetivos para auxiliar as vítimas (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2001). Ainda que as sanções penais impostas pela Lei tenham tido um valor simbólico importante, sinalizando a ausência de tolerância com esse tipo de violência, seu efeito dependia da aplicação efetiva da lei. Cabe destacar que a Lei reconheceu o escopo limitado da legislação penal e criou medidas protetivas que combinariam remédios civis e os serviços fornecidos pela rede de atendimento. Essas inovações assumiam que a especialização aprimoraria o desempenho institucional da polícia e do Judiciário.

Embora a Lei combinasse inovações legais e institucionais, sua implementação enfrentaria desafios significativos, como discutiremos em seguida.

2. A Implementação da Lei Maria da Penha: Êxitos e Lacunas

Há múltiplas análises dos resultados gerados pela Lei, conduzidas pelo Poder Executivo com apoio de organizações nacionais e internacionais como ONGs (OBSERVE, 2010; CEPIA, 2013), a ONU (2011), o Congresso Nacional (CPMI, 2013; SENADO FEDERAL, 2016), o Judiciário (CNJ, 2018) e pesquisadores individuais (CARTAZANS; LOPES, 2011; CERQUEIRA et al., 2015CERQUEIRA, Daniel et al. Avaliando A Efetividade Da Lei Maria Da Penha. Brasília: IPEA, 2015. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2048k.pdf. Acesso em: 18 nov. 2020.
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; BANDEIRA; ALMEIDA, 2015BANDEIRA, Lourdes Maria; ALMEIDA, Tânia Mara Campos. Vinte Anos Da Convenção De Belém Do Pará E A Lei Maria Da Penha. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 501-517, 2015.; BERNARDES; ALBUQUERQUE, 2016BERNARDES, Márcia Nina; ALBUQUERQUE, Mariana Imbelloni Braga. Violências Interseccionais Silenciadas Em Medidas Protetivas De Urgência / Intersectional Violence Silenced In Judicial Proceedings. Revista Direito E Práxis, Rio de Janeiro, v. 7, n. 15, p. 715-740, 2016.; PASINATO, 2016PASINATO, Wânia. Dez Anos De Lei Maria Da Penha. SUR, São Paulo, v. 13, n. 24, p. 155-163, 2016. Disponível em: https://www.sur.conectas.org/wp-content/uploads/2017/02/14-sur-24-por-wania-pasinato.pdf. Acesso em: 23 nov. 2020.
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) . Apesar da riqueza de informações, os dados não são sempre consistentes. Aqueles que se apoiam nos dados governamentais frequentemente indicam que as informações podem ser inconsistentes em diferentes níveis de governo e entre os estados (CPMI, 2013). Estudos que coletam dados independentemente também diferem dos dados oficiais do governo, o que pode ser explicado pela subnotificação, assim como por imprecisões em bases de dados oficiais. Ao considerar essas discrepâncias, focaremos nos padrões gerais e nas conclusões comuns a diferentes estudos.

2.1 Violência Doméstica no Brasil Antes e Depois da Lei

O problema da violência doméstica é significativo no Brasil. Com uma taxa de 4,8 homicídios de mulheres por 100.000/ano, o Brasil tinha, em 2015, o 5° pior indicador de violência contra mulheres no mundo (ONU, 2016). Essa taxa de homicídios inclui a violência cometida por parceiros assim como a violência por desconhecidos. O número total de mulheres vítimas de homicídios é com frequência utilizado como um proxy (um indicador a partir do qual se infere) para taxas gerais de violência doméstica, dada a dificuldade de coletar dados confiáveis. Entretanto, esses números não são perfeitamente correlacionados. O estudo mais recente sobre violência contra mulheres no Brasil mostra que, entre 2012 e 2017, a taxa de homicídios de mulheres nas suas residências - que é presumida como mais provável de ser um resultado de violência doméstica - aumentou 17,1%, enquanto a taxa de homicídios de mulheres fora das suas residências diminuiu 3,3%. É particularmente alarmante o aumento de 29,8% de homicídios de mulheres em suas residências por armas de fogo entre 2007 e 2017 (IPEA; FBSP, 2019, p. 40). Já o Atlas da Violência 2020 aponta que, no ano de 2018, verificou-se a taxa de 4,3 assassinatos a cada 100 mil mulheres, o que indica uma morte a cada 2 horas, sendo que 68% das vítimas eram negras (IPEA; FBSP, 2020, p. 38-46).

Utilizando esse proxy de taxa de homicídios de mulheres para estimar o nível geral de abuso doméstico, a Lei parece ter reduzido a violência no curto prazo, mas o resultado positivo não se sustentou ao longo do tempo. Embora o número total de mulheres assassinadas no Brasil tenha permanecido constante entre 2001 e 2011, houve uma pequena queda em 2007, o ano seguinte a promulgação da Lei (GARCIA; FREITAS; HÖFELMANN, 2013GARCIA, Leila Posenato; FREITAS, Lúcia Rolim Santana de; HÖFELMANN, Doroteia Aparecida. Avaliação Do Impacto Da Lei Maria Da Penha Sobre A Mortalidade De Mulheres Por Agressões No Brasil, 2001-2011. Epidemiologia E Serviços De Saúde, Brasília, v. 22, n. 3, p. 383-394, 2013.; WAISELFISZ, 2015WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa Da Violência 2015: Homicídio De Mulheres No Brasil. Brasília: OPAS/OMS, ONU Mulheres, SPM e Flacso, 2015.). Um estudo com foco na taxa de homicídios de mulheres dentro de suas residências entre 2000 e 2011 confirma o declínio imediatamente após a promulgação da Lei, particularmente nas regiões mais violentas: Norte, Centro-Oeste e Sudeste (CERQUEIRA et al, 2015CERQUEIRA, Daniel et al. Avaliando A Efetividade Da Lei Maria Da Penha. Brasília: IPEA, 2015. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2048k.pdf. Acesso em: 18 nov. 2020.
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).

Apesar do declínio em 2007, a taxa de homicídios femininos rapidamente aumentou entre 2008 e 2013 (WAISELFISZ, 2015WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa Da Violência 2015: Homicídio De Mulheres No Brasil. Brasília: OPAS/OMS, ONU Mulheres, SPM e Flacso, 2015.) e continua a crescer. Uma análise dos casos de violência doméstica reportados a unidades de saúde parece confirmar que a Lei não apresentou resultados que se sustentaram ao longo do tempo: em 2013-2014, a taxa de violência doméstica foi 3,52 vezes maior que em 2009-2010 (RODRIGUES et al, 2013). É importante reconhecer que esses números agregados mascaram como as desigualdades sociais e econômicas geram uma distribuição muito desigual do problema: enquanto o número total de homicídios de mulheres aumentou entre 2007-2017, o total de homicídios de mulheres negras aumentou 60,5%, enquanto o aumento para mulheres não-negras foi de 1,7% para o mesmo período (IPEA, 2019, p. 38).

A falta de progressos significativos após a Lei ser promulgada pode ser relacionada a sua falta de implementação efetiva. Em uma análise dos resultados nacionais, Cerqueira et al. (2015CERQUEIRA, Daniel et al. Avaliando A Efetividade Da Lei Maria Da Penha. Brasília: IPEA, 2015. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2048k.pdf. Acesso em: 18 nov. 2020.
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) tem como hipótese que os resultados observados em 2007, o ano após a Lei ser promulgada, podem ser atribuídos à expectativa de maior punição, considerando a severidade das sanções imposta pela Lei e a publicidade em torno de sua promulgação. Com efeito, pesquisas indicam que 98% dos brasileiros conheciam a Lei (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO; DATA POPULAR, 2013). Uma vez que ela passou a viger, entretanto, a aplicação não foi efetiva. Cerqueira et al (2015) sugerem que a expectativa de maior punição foi nivelada por baixo, considerando a baixa probabilidade de punição . Embora Cerqueira et al (2015) não explorem isso, outros fatores podem ter também influenciado o aumento das taxas de violência de gênero. Um é a falta de implementação efetiva das políticas preventivas e dos mecanismos protetivos da Lei. Outro é a ascensão de políticos de extrema direita com discursos sexistas, o que pode não só incitar a violência, mas também ter o potencial de reforçar a atitude não receptiva da polícia diante de vítimas e a resistência do Judiciário em impor sanções e/ou assegurar medidas protetivas de urgência (HERNANDES, 2019HERNANDES, Bruna Daniely Maciel. Violência Contra As Mulheres E Conservadorismo Político: Uma Análise Empírica Do Rio Grande Do Sul Em 2012 E 2016. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Econômicas) - UNIPAMPA, Santana do Livramento, 2019.) .

Embora os números agregados mostrem que a Lei não produziu resultados significativos, os números variam bastante por estado. Alguns estados tiveram progressos mais significativos e constantes que outros. Os melhores resultados podem ser encontrados nos estados de São Paulo, Santa Catarina e no Distrito Federal. Os piores desempenhos estão no Rio Grande do Norte, no Nordeste, e em dois estados da Região Norte, Acre e Roraima. (IPEA, 2019, p. 36-37). Similares às estatísticas nacionais, essas análises são baseadas nas taxas de homicídios de mulheres. Análises baseadas em outros indicadores, tais quais os homicídios de mulheres no lar ou o número de casos de violência doméstica reportados por profissionais/unidades de saúde, também mostram variações regionais importantes, mas em geral as listas de estados identificada como melhores e piores em ambos estudos não diferem tanto (IPEA, 2019, p. 35-39).

As variações por estado devem-se, dentre outros possíveis fatores demográficos e sócio-econômicos, à estrutura do sistema federalista do Brasil. Embora as leis penais sejam federais e, por isso, as mesmas em todo o país,

[…] a gestão do dia a dia dos tribunais, promotorias, polícias e serviços prisionais é descentralizada e delegada a autoridades políticas estaduais. Isso significa que o controle do sistema de justiça criminal é fragmentado. Isso também significa, vale ressaltar, que diferentes braços do governo exercem influências em níveis distintos de governo. (MACAULAY, 2011MACAULAY, Fiona. Federalism And State Criminal Justice Systems. In: Corruption And Democracy In Brazil: The Struggle For Accountability, 1ª ed. University of Notre Dame Press, 2011., p. 226).

Essa fragmentação leva a discrepâncias no desempenho de polícias e tribunais em diferentes estados.

2.2. Implementação Falha e suas Dimensões Institucionais

A baixa implementação da Lei tem múltiplas dimensões, que incluem a falta de criação de instituições especializadas e também a falta de aplicação efetiva de mecanismos específicos criados pela Lei.

Uma análise sistemática foi conduzida pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), em 2012 e 2013. Em sua investigação nacional, a CPMI apontou uma série de falhas institucionais. Por exemplo, no geral, o número de delegacias de mulheres havia aumentado de 125 em 1992 para 432 em 2012, um aumento de 245,6%. Entretanto, o número ainda é muito menor que o necessário para efetivamente atender à demanda: o Brasil tem um total de 5.570 municípios, o que sugere que sequer 10% deles possui uma dessas delegacias (CPMI, 2013, p. 49-51) . Além disso, em muitos casos, as delegacias de mulheres que existem não têm os recursos financeiros, logísticos e humanos para funcionar de modo apropriado. Dezenove inspeções in loco revelaram completo abandono ou deficiências operacionais severas em todas as delegacias, exceto em uma (CPMI, 2013, p. 49). A Comissão também documentou serviços forenses precários, o que leva os casos a serem regularmente descartados pelo Judiciário por falta de evidências (CPMI, 2013, p. 53).

Outro conjunto de falhas institucionais está relacionado ao Judiciário. Apenas alguns estados implementaram varas especializadas como prescritas pela Lei. Na maioria dos estados, os casos de violência doméstica ficaram a cargo de juízes criminais não-especializados, o que criou uma série de problemas. Em primeiro lugar, houve resistência à lei. No sistema de controle de constitucionalidade descentralizado no Brasil, qualquer corte tem competência para declarar uma lei inconstitucional, e alguns juízes de instâncias inferiores o fizeram, recusando-se a aplicar a Lei (veja seção 3 infra)4 4 Sobre a disputa concernente à constitucionalidade da Lei Maria da Penha no Judiciário brasileiro, confira-se Machado, Rodriguez, Prol, Silva, Ganzarolli, Elias (2013). Confira-se também Machado et al. (2015). . Em segundo lugar, alguns juízes adotaram interpretações que eram flagrantemente divergentes das prescrições legais. Por exemplo, a Lei proibiu o uso de mecanismos alternativos de justiça criminal (por exemplo, acordos ou suspensão condicional do processo) em casos de violência doméstica. No entanto, alguns juízes ignoraram essas proibições (CAMPOS, 2015CAMPOS, Carmen Hein. A CPMI Da Violência Contra A Mulher E A Implementação Da Lei Maria Da Penha. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 519-531, 2015.). Em terceiro lugar, por se tratar, frequentemente, de juízes criminais, eles resistem (DINIZ; GUMIERI, 2015), (CPMI, 2013, p. 53-54).

Por último, mas não menos importante, mesmo as varas especializadas - nos poucos estados onde elas existem - enfrentam desafios. Na maioria, falta uma equipe adequada e multidisciplinar completa, como determinado pela Lei; em alguns casos, o número total de funcionários públicos é insuficiente para lidar com o grande volume de processos. Na maioria dos casos, a criação de varas especializadas teve um efeito perverso: um grande volume de processos foi concentrado nas mãos de poucos juízes, criando acumulação e atrasos excessivos em processos de violência doméstica (CPMI, 2013, p. 248). Ademais, não há mecanismos de monitoramento da aplicação das medidas protetivas de urgência, ou os mecanismos existentes são pouco efetivos (DINIZ; GUMIERI, 2015, p. 219); na maioria dos estados, não há sequer o registro de quantas medidas protetivas foram concedidas (CPMI, 2013).

2.3. O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher

A Lei explicitamente requer que União, Estados e Municípios trabalhem em conjunto para implementar a Lei. Em 2007, o governo federal propôs o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, uma estratégia integrada para descentralizar as políticas públicas por meio de um acordo federal (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2011a). O Pacto, dentre outros objetivos, foi concebido para garantir a implementação da Lei e a expansão e o fortalecimento da rede de atendimento descrita na seção 1.2 supra. Por meio do Pacto, o Governo Federal (isto é, a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres) criou uma série de diretrizes e estabeleceu padrões técnicos para a provisão de serviços para mulheres (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2006; 2010; 2011b; 2011c). Transferências de verbas federais e acordos de cooperação foram concebidos para fornecer aos estados e municípios recursos para implementar padrões nacionais. O Pacto foi firmado por 26 estados brasileiros e o Distrito Federal e um orçamento de R$ 1 bilhão foi destinado para transferências federais pelo período de 2008 a 2011 (IPEA, 2008).

Em 2011, uma avaliação do Pacto Nacional apresentou resultados mistos. O relatório, produzido pela Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, indicou que houve um aumento significativo das varas especializadas para mulheres, assim como um nível mais alto de padronização no fornecimento dos serviços. Entretanto, a Secretaria também reportou que “houve dificuldades e obstáculos enormes”. Entre eles, listaram a falta de compliance de estados e municípios, que impediram a continuidade das transferências federais, isto é, havia recursos da União disponíveis, mas eles não foram desembolsados, porque alguns estados e municípios não cumpriam os requisitos para receber os fundos. Essa falta de compliance foi, por vezes, devida à pura resistência, dado que alguns governos concebiam a violência contra as mulheres como um problema menor e privado. Em outros casos, havia obstáculos culturais, como funcionários públicos que implementaram versões distorcidas das políticas prescritas - por exemplo, protegendo família e crianças em vez das mulheres. Ademais, havia grande resistência institucional em agir coordenadamente. O relatório também fez referência à falta de dados e estatísticas confiáveis sobre a violência contra mulheres (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2011a).

Em 2013, a Presidenta Dilma Rousseff lançou o programa federal “Mulher: Viver sem Violência”. O governo federal se comprometeu a investir R$227,3 milhões para criar no país centros para atender mulheres afetadas pela violência doméstica. Esses centros são conhecidos como Casa da Mulher Brasileira e são desenhados para oferecer serviços públicos integrados para mulheres vítimas de violência, incluindo saúde, justiça, segurança pública, assistência social, bem como para promover a autonomia financeira. O programa deveria ter sido implementado entre 2013 e 2016, mas somente seis centros foram criados. Em 2016, Dilma Rousseff sofreu impeachment e houve uma série de reveses nessas políticas, incluindo a remoção do status de Ministério da Secretaria das Mulheres.

Em resumo, até 2016, o Governo Federal promoveu uma série de incentivos, como o fornecimento de apoio técnico e financeiro para estados implementarem e/ou fortalecerem as instituições prescritas pela Lei Maria da Penha. Entretanto, resultados contínuos dependiam de liderança e apoio de estados e municípios. Devido à resistência em algumas localidades, a implementação foi desigual em todo o país.


Linha do Tempo: Combatendo a Violência Doméstica contra Mulheres no Brasil

3. Ações no Supremo Tribunal Federal envolvendo a Lei Maria da Penha

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou duas ações referentes à constitucionalidade da Lei. Ambas ações eram tentativas de resolver interpretações judiciais divergentes. A primeira abordava a disputa sobre a constitucionalidade da Lei, enquanto a segunda ação era uma tentativa de harmonizar interpretações divergentes sobre uma disposição específica.

A questão na primeira ação era: algumas instâncias inferiores argumentavam que, por proteger somente as mulheres, a Lei teria violado o princípio da igualdade da Constituição Brasileira. Dado o sistema difuso de controle de constitucionalidade no Brasil, qualquer instância pode declarar uma lei inconstitucional. Como resultado, diferentes instâncias emitiam diferentes decisões em casos concretos, gerando incerteza: uma mulher vítima de violência doméstica não poderia saber se o seu caso seria julgado por um juiz que chancelaria ou recusaria a constitucionalidade da Lei.

Em uma tentativa de resolver o problema, em dezembro de 2007, o Presidente Lula, representado pelo Advogado Geral da União, impetrou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2012a). Em contraste com o controle concreto, que somente se aplica ao caso particular (inter partes), o controle abstrato de constitucionalidade se aplica a todos os requerentes (erga omnes). Portanto, se o Supremo Tribunal Federal declarasse a constitucionalidade da lei, os conflitos envolvendo sua aplicação deveriam desaparecer.

Em 2010, antes de uma decisão no primeiro caso ter sido emitida, o Procurador-Geral da República impetrou outra ação (BRASIL, 2012b) relacionada à Lei. No direito penal brasileiro, casos de lesão corporal não necessariamente são levados a julgamento (Lei 9.099/95): após a agressão ter sido registrada pela polícia, a vítima tem uma escolha de representar ou não ao Ministério Público para que ele ofereça a denúncia. Portanto, geralmente o consentimento da vítima é um pré-requisito para processar crimes de lesões corporais. Porém, a Lei Maria da Penha especificamente indicou que a Lei 9.099/95 não se aplica a casos de violência doméstica. Uma das consequências visadas pela Lei era justamente remover a opção das mulheres de decidir sobre a ação penal pública: uma vez que um Boletim de Ocorrência fosse registrado (pela vítima ou um terceiro), o desenvolvimento dos procedimentos de investigação seria automático, podendo levar ao oferecimento de denúncia - isto é, à vítima não seria facultada a escolha de proceder ou não com o processo penal. Alguns juízes, entretanto, argumentaram que as mulheres ainda tinham uma escolha, isto é, que a lei antiga seria ainda aplicável; tais juízes acreditavam que excluir a escolha estabelecida pela Lei 9.099/95 era inconstitucional. Essas interpretações divergentes, de acordo com o Procurador-Geral da República, tinham de ser eliminadas, porque geravam tratamentos diferentes para casos similares. A petição favorecia a interpretação de acordo com a qual as mulheres não deveriam ter escolha, argumentando que essa seria a forma mais efetiva de proteger vítimas de violência doméstica e, consequentemente, promover a igualdade substantiva.

O Supremo Tribunal Federal julgou conjuntamente ambas as ações, considerando que ambas eram referentes à mesma legislação - a decisão foi proferida em 2012. Descreveremos os pontos levantados pelas duas ações seguidos por nossa análise da decisão.

3.1. Primeira Questão sobre Igualdade: É Inconstitucional a Proteção Exclusiva de Mulheres?

No que diz respeito à primeira ação, o Tribunal decidiu que, apesar de ser aplicável somente a mulheres, a Lei é constitucional. Não houve voto divergente nesse caso e a decisão foi baseada na distinção entre igualdade formal e substantiva. O argumento de que a lei violaria o princípio da igualdade na Constituição é baseado em uma concepção formal de igualdade, e o Supremo Tribunal Federal entendeu que a Lei deve ser interpretada com base na ideia de igualdade substantiva (BRASIL, 2012a). Isso significa que se há uma desigualdade real, a Lei pode tratar certos grupos de modo diferente a fim de compensar a existência de tal desigualdade.

Diferentemente de cortes supremas que emitem votos majoritários e, em certos casos, votos divergentes, no Brasil, cada Ministro emite seu voto individual sobre a decisão. Como resultado, no julgamento em questão houve 11 votos, resultando na pluralidade de argumentos para a mesma decisão. Não relataremos o que cada um dos onze Ministros disse sobre o caso, somente destacaremos alguns trechos do voto do relator.

O Ministro Marco Aurélio postulou que a Lei deveria ser interpretada à luz da Constituição e de tratados internacionais, o que permite uma discriminação positiva com o objetivo de ir ao encontro das peculiaridades dos grupos em desvantagem e compensar as desigualdades resultantes de históricos vieses culturais. Em sua visão, a fim de reduzir a violência doméstica, uma lei baseada exclusivamente no gênero da vítima não é uma medida desproporcional ou ilegítima, já que mulheres são mais vulneráveis quando se trata da violência doméstica. De acordo com ele, no âmbito familiar, agressões contra mulheres são significativamente mais numerosas que aquelas sofridas por homens.

Ademais, o Ministro Marco Aurélio declarou que, ao focar em mulheres, a Lei leva em consideração a invisibilidade das vítimas que sofrem violência em suas próprias casas. A Lei foi concebida para mitigar a situação da discriminação social e cultural e seria necessária por tanto tempo quanto a situação persistisse no país. Ele também destacou que o Brasil tem outras leis protegendo exclusivamente grupos vulneráveis, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso.

3.2. Segunda questão sobre Igualdade: Deveria o processo penal prosseguir sem o consentimento da vítima?

Quanto à segunda ação, a questão era se a Lei deveria requerer o consentimento das mulheres como uma condição para o início e o desenvolvimento do processo penal. A maioria dos Ministros decidiu que um caso de violência doméstica não deveria exigir o consentimento da mulher para abertura do processo. O Supremo Tribunal Federal questionou qual das duas opções seria mais protetora das mulheres e concluiu que a possibilidade de denúncia sem o consentimento das vítimas forneceria melhor proteção em casos de violência doméstica. Houve um voto divergente.

O relator, Ministro Marco Aurélio, iniciou seu voto indicando que a decisão do Tribunal deveria considerar as evidências empíricas disponíveis. Ele então ponderou que, na vasta maioria dos casos, a vítima não consente com a denúncia. De acordo com as estatísticas utilizadas pelo tribunal, as desistências ocorrem em até 90% dos casos de violência doméstica. O Ministro inferiu, a partir desses dados, que a retirada da autorização para a ação penal pública condicionada não constitui uma expressão do livre desejo da vítima, mas, em vez disso, uma expressão da sua submissão ou a esperança de que o agressor não voltaria a agredi-la.

O Tribunal não possuía dados qualitativos - por exemplo, entrevistas com vítimas ou outras quaisquer informações - para alicerçar essa linha argumentativa. No entanto, o Ministro Marco Aurélio concluiu que era seguro fazer tal inferência porque, na maior parte dos casos, as agressões de fato escalonavam após a retirada da autorização para a ação penal. Ele argumentou que a violência aumentava porque os mecanismos que poderiam impedir que o agressor repetisse esse tipo de comportamento tinham sido removidos - isto é, a autorizacão havia sido retirada. O mecanismo de escolha estabelecido pelo direito penal brasileiro, segundo o voto do Ministro, contribuía para reduzir ainda mais a proteção da vítima e para perpetuar a situação de violência, discriminação e violação da sua dignidade.

O Ministro Marco Aurélio reconheceu que permitir que o processo penal prosseguisse sem o consentimento da vítima infringe a autonomia das mulheres. No entanto, ele considerou essa uma proteção necessária, já que permitir que a mulher decida sobre o desenvolvimento do processo penal negligenciaria o medo, a pressão psicológica e econômica e as ameaças que elas podem sofrer. Ele considerou que dar às mulheres uma escolha nessa questão contribuiria ainda mais para a significativa desigualdade de poder entre homens e mulheres, que existe devido a condições históricas e culturais. Ele não forneceu qualquer evidência empírica para sustentar essa parte de seu argumento.

O Ministro Cezar Peluso proferiu voto divergente a respeito dessa matéria. De acordo com ele, a decisão da Suprema Corte criaria um risco: mulheres poderiam se sentir intimidadas a buscar ajuda e simplesmente deixariam de registrar boletins de ocorrência, já que elas não seriam capazes de influenciar o curso da ação penal ou não poderiam interrompê-lo. De acordo com ele, haveria também riscos em casos em que as mulheres decidissem registrar boletim de ocorrência: a falta de poder para decidir sobre o processo desencadearia ainda mais violência, pois os agressores não teriam nada a perder uma vez que a violência fosse registrada pela polícia e os procedimentos criminais tivessem início. Por fim, ele considerou que haveria consequências imprevisíveis para a família se o agressor fosse condenado. Peluso não apresentou qualquer evidência para sustentar esses argumentos.

O Ministro Peluso esclareceu que sua posição não deveria ser compreendida como “mera oposição à douta maioria, senão também como advertência para o legislador”, que retirou a possibilidade de as mulheres decidirem, na tentativa de protegê-las. Na visão de Peluso, deveria ser permitido às mulheres decidir sobre seu destino; preservar isso seria preservar a sua dignidade. Apesar dessas fortes afirmações, o Ministro pareceu reticente sobre a proteção das mulheres, sugerindo que o tribunal deveria reconciliar valores: a proteção das mulheres e a família. Isto é, além de contemplar a mulher e seu parceiro, a solução deveria contemplar suas crianças e outros familiares. Historicamente, no Brasil, o discurso da “proteção da família” tem sido utilizado para impedir a implementação de políticas para proteger as mulheres contra a violência.

3.3. Crítica à Decisão do Supremo Tribunal Federal: Igualdade Desigual

É louvável que o Supremo Tribunal Federal tenha adotado uma noção substantiva de igualdade ao afirmar a constitucionalidade da Lei. O Tribunal também se recusou a ser formalista ao julgar a segunda questão, adotando uma posição consequencialista, buscando os mecanismos de proteção mais efetivos para mulheres vulneráveis vitimizadas pela violência doméstica.

A adoção de um raciocínio consequencialista, entretanto, foi superficial. O Supremo considerou um conjunto limitado de evidências empíricas, fez suposições causais não embasadas, e acabou não avaliando a realidade do problema nem suas complexidades, como a interseccionalidade, por exemplo. O resultado foi uma decisão que poderia exacerbar desigualdades existentes: alguns grupos de mulheres estarão mais protegidos que outros, criando outra preocupação com a igualdade.

Tanto os votos majoritários quanto o divergente fizeram inferências causais e previsões que não são embasadas em qualquer análise empírica sólida. Não sabemos quais são as consequências da ação penal incondicionada após a notícia de crime atinente à violência doméstica. O STF cita dados segundos os quais 90% das representações das mulheres vítimas de violências são retiradas e que há, frequentemente, uma escalada de violência após a renúncia. A partir disso, o Supremo Tribunal Federal simplesmente assume que ações penais incondicionadas reduzirão a violência. O voto divergente prevê o oposto, seja porque as mulheres não registrarão boletins de ocorrência ou porque homens não terão nada a perder. Nenhuma das posições reconhece que essas predições são, na melhor das hipóteses, suposições e não oferecem base alguma para determinar qual voto fornece uma proteção melhor para mulheres.

A principal falha da decisão, no entanto, diz respeito ao princípio da igualdade. Uma vez que o Tribunal determinou que a Lei trata de questões atinentes à desigualdade entre homens e mulheres, e que o conceito de igualdade deve ser substantivo, a interpretação da lei deveria seguir o mesmo princípio e contemplar as distintas necessidades de diferentes subgrupos de mulheres, que variam de acordo com vulnerabilidades específicas. Assim, mesmo se houvesse evidência empírica robusta para mostrar qual das duas opções seria a mais protetora, cada uma dessas soluções deixaria de proteger algum grupo de mulheres. Como Denise Réaume afirma:

combater a violência doméstica por meio da determinação de que a polícia registre ocorrências sem conceder discricionariedade alguma para retirar a denúncia não protege da violência mulheres pobres, mulheres não brancas e mulheres imigrantes, porque não leva em consideração suas circunstâncias. Uma mulher que é dependente economicamente de seu marido abusivo, ou que tem medo de deportação caso seu marido seja preso, ou que relute em submeter seu parceiro a um sistema penal racista frequentemente não buscará auxílio algum do Estado, preferindo não recorrer a uma intervenção policial agressiva” (RÉAUME, 1996RÉAUME, Denise G. What's Distinctive About Feminist Analysis Of Law?: A Conceptual Analysis Of Women's Exclusion From Law. Legal Theory, [S.l.], v. 2, n. 4, p. 265-300, 1996.: 281, tradução livre).

Mas como o STF deveria decidir qual grupo de mulheres deve ser protegido? Mesmo se soubéssemos o percentual de mulheres protegidas por cada uma dessas opções e mesmo se pudéssemos verificar qual dos posicionamentos é aquele que protege a vasta maioria de mulheres, é realmente justo para aquelas que não estão protegidas pela Lei serem deixadas para trás? E se esse for o grupo mais vulnerável, dentro do grupo de mulheres vulneráveis que são vítimas de violência doméstica? E se alguém se dispuser a argumentar que deixar um grupo de mulheres pra trás é justo, quão amplo precisa ser o percentual de mulheres que se beneficiam da decisão para que ela seja justificável? É necessário ser 90%, mais do que isso ou seria suficiente a simples maioria de mulheres (50% mais uma)? Todas essas questões apontam para o desafio de identificar uma solução única que seja também capaz de promover a igualdade substantiva.

Em resumo, o Supremo Tribunal Federal parece supor que há uma solução que seria a mais efetiva em proteger todas as mulheres e que essa proteção seria assegurada por meio de provisões penais. Entretanto, os Ministros deixaram de considerar que cada mulher tem um conjunto muito específico de necessidades e vulnerabilidades. Ao ignorar essas diferenças, o Tribunal pode estar protegendo um grupo enquanto torna outro mais vulnerável. Pode haver mulheres para as quais o mero registro de um boletim de ocorrência, com ou sem a opção de renunciar à representação, possa desencadear o aumento da violência. Essas são, possivelmente, as mais vulneráveis, e a rede de atendimento juntamente com as medidas protetivas poderiam desempenhar papel importante na proteção dessas mulheres. Em outras palavras, o STF falhou ao não considerar que, possivelmente, nenhuma das opções contempladas efetivamente protegerá todas as mulheres.

4. Repensando a Decisão do Supremo Tribunal Federal

Enquanto a seção anterior forneceu uma descrição crítica da decisão do Supremo Tribunal Federal, esta seção se dedica à discussão de como a decisão poderia ser aperfeiçoada. Embora esta seção não tente reescrever a decisão, ela aponta os pilares sobre os quais uma decisão alternativa poderia ser construída.

4.1. Reconhecendo a Importância das Instituições

O Tribunal analisa isoladamente a questão da escolha de não prosseguir com a ação penal, sem considerar como essa escolha - ou sua ausência - se relaciona com outras dimensões e mecanismos garantidos pela Lei. Ao fazer isso, o Tribunal deixou de considerar o fato de que a proteção das mulheres vai além de registrar um boletim de ocorrência ou de uma representação para a ação penal incondicionada. A lei criou uma rede complexa de serviços de apoio com uma equipe multidisciplinar, que inclui psicólogos e assistentes sociais, abrigos, assim como remédios jurídicos de direito de família que visam a garantir conforto financeiro e material à mulher e à família, como discutido anteriormente (seção 1). Se as mulheres estão sofrendo pressão excessiva ou estão enfrentando o risco de aumento da violência, a equipe multidisciplinar poderia direcionar as vítimas a instituições capazes de atender às suas necessidades, enquanto auxiliam o Judiciário a tomar as precauções que sejam necessárias à garantia da sua segurança. Uma das ferramentas legais mais importantes da Lei são as medidas protetivas de urgência, que podem garantir segurança física, financeira, material e emocional a essas mulheres. As medidas protetivas, quando combinadas com uma rede efetiva de serviços, podem prover as garantias que as mulheres necessitam para tomar decisões sem pressão ou prevenir o aumento da violência. Em outras palavras, a Lei já criou uma série de mecanismos para enfrentar os problemas discutidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal. No entanto, não há uma única referência a esses mecanismos na decisão da corte.

Apesar do fato de que o Ministro Marco Aurélio tenha afirmado a disposição do Tribunal de considerar evidências empíricas pertinentes ao caso, o Tribunal deixou de analisar se esses outros mecanismos - todos estabelecidos pela Lei e pelo Plano Nacional para prevenir o problema que eles estavam discutindo - estavam funcionando. Se o Tribunal tivesse considerado essa questão, teria encontrado um cenário desalentador. De fato, poucos estados criaram equipes multidisciplinares e nos poucos que existem frequentemente falta pessoal e treinamento adequado (CAMPOS, 2015CAMPOS, Carmen Hein. A CPMI Da Violência Contra A Mulher E A Implementação Da Lei Maria Da Penha. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 519-531, 2015.). Os abrigos, por sua vez, são também poucos e distantes, incapazes de atender à demanda (CAMPOS, 2015: 527-528). Aqueles que existem tem regimes rígidos, sendo comparados a prisões, e mulheres frequentemente preferem enfrentar o risco de abuso em casa do que serem trancadas nesses lugares, distantes de seus filhos e família (CAMPOS, 2015).

Se o Supremo Tribunal Federal tivesse considerado o papel do Judiciário nesse contexto, o cenário seria igualmente desalentador. Uma literatura abundante sobre as medidas protetivas de urgência (concebidas para manter as mulheres em segurança enquanto o processo se desenvolve) mostra que a maioria dos juízes tem falhado em fornecer qualquer tipo de proteção efetiva a mulheres que registram denúncias. Os problemas são múltiplos: em alguns estados, leva-se muitos meses para que as cortes garantam medidas protetivas (CPMI, 2013); em outros, há ausência sistemática de compliance e poucos esforços para tornar as medidas efetivas (CAMPOS, 2015CAMPOS, Carmen Hein. A CPMI Da Violência Contra A Mulher E A Implementação Da Lei Maria Da Penha. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 519-531, 2015.: 529-530; BERNARDES; ALBUQUERQUE, 2016BERNARDES, Márcia Nina; ALBUQUERQUE, Mariana Imbelloni Braga. Violências Interseccionais Silenciadas Em Medidas Protetivas De Urgência / Intersectional Violence Silenced In Judicial Proceedings. Revista Direito E Práxis, Rio de Janeiro, v. 7, n. 15, p. 715-740, 2016.: 736-737); em um terceiro grupo de estados, juízes estão sendo acusados de requerer mais do que é prescrito pela lei para conceder as medidas protetivas de urgência - por exemplo, interpelando as mulheres a produzir duas testemunhas do abuso -, reduzindo de modo significativo a porcentagem de mulheres que teria direito a elas (CPMI, 2013: 361). Nos casos em que as medidas protetivas de urgência foram garantidas, elas se mostraram excessivamente focadas em soluções criminais, especialmente em locais onde varas especializadas não foram criadas (CPMI, 2013: 53-54). Nesses casos, as ocorrências de violência doméstica ficaram nas mãos de juízes não treinados e não familiarizados ou não dispostos a empregar as proteções patrimoniais oferecidas pela lei para garantir alimentos e abrigo às vítimas de violência doméstica (CPMI, 2013; MACHADO; GUARANHA, 2020______; GUARANHA, Olívia Landi C. Dogmática jurídica encarnada: a disputa interpretativa em torno das medidas protetivas de urgência e suas consequências paraa vida das mulheres; Revista Direito GV, São Paulo, v. 16, n. 3, e1972, set./dez. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/2317-6172201972. Acesso em: 30 nov. 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-617220197...
).

Se o Supremo Tribunal Federal tivesse considerado essas falhas na implementação das medidas protetivas de urgência, das delegacias especializadas, das varas especializadas e da “rede de assistência”, talvez a corte tivesse visualizado um cenário mais apto a explicar porque 90% das mulheres renunciam à ação penal. A Lei reconhece que diferentes grupos de mulheres podem ser protegidos por diferentes medidas e instituições. Considerar essas diferenças é o modo mais efetivo de promover a igualdade de gênero. Por exemplo, há razões múltiplas pelas quais mulheres podem renunciar à ação penal. Algumas mulheres podem ser ameaçadas por violência física, precisando que o parceiro seja retirado do lar ou de acomodação em abrigos. Essas necessidades poderiam ser avaliadas e identificadas pela polícia especializada ou por qualquer outro ponto de entrada na rede de atendimento. Outras mulheres podem ser ameaçadas economicamente, caso elas sejam financeiramente dependentes de seus parceiros e, por isso, podem necessitar de apoio financeiro, tais quais as soluções de direito civil oferecidas pela Lei. Para avaliar e identificar essas mulheres, é necessário que uma assistente social possa estar envolvida no processo. Uma rede de assistência multidisciplinar é crucial para desempenhar o papel de identificar as necessidades específicas de cada mulher - algumas podem necessitar de outras medidas imediatamente após o registro do boletim de ocorrência na delegacia, enquanto outras podem esperar um pouco mais. Essas considerações requerem também um judiciário especializado, que compreenda as necessidades particulares das vítimas, que esteja em constante contato com a equipe multidisciplinar e que seja capaz de responder pronta e efetivamente, assegurando medidas protetivas de urgência quando necessárias.

Resumidamente, o Supremo Tribunal Federal falhou ao não perceber que a solução ao problema que se discutia já era fornecida pela própria Lei; Ministros e Ministras apenas precisavam considerar outras, além da provisão que estava sendo questionada nas ações, levando em conta a natureza complexa do problema e suas dimensões institucionais.

Em geral, o Supremo Tribunal Federal não se abstém de lidar com as interações complexas entre o direito e as instituições, como ilustrado pelas decisões concernentes ao direito à saúde, direito à educação e, mais recentemente, quanto a violações de direitos humanos no sistema penal (ainda que a eficácia dessas decisões possa ser questionada). O problema é que a corte não parece fazer isso de uma maneira reflexiva e cuidadosa. Como na maioria dos tribunais da América Latina, ao Supremo Tribunal Federal faltam meios e expertise para lidar com questões que desafiam as distinções entre direitos e políticas públicas e se distanciam de uma concepção liberal de proteção de direitos (BRINKS; GAURI, 2008BRINKS, Daniel M.; GAURI, Varun (eds.). Courting Social Justice: Judicial Enforcement of Social And Economic Rights In The Developing World. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.). Como resultado, em alguns casos, o engajamento é meramente simbólico: em uma decisão sobre o sistema prisional, o Tribunal diagnosticou um problema, mas não demandou mudanças institucionais significativas no sistema. Em contraste, em casos referentes ao direito à saúde, cortes demandaram que o sistema público de saúde pagasse pelos remédios e tratamentos que não estavam incluídos em suas políticas, baseadas no fato de que o requerente morreria, caso não tivesse acesso. Alguns argumentam que essas decisões individuais distorcem a alocação de recursos no sistema público de saúde (FERRAZ, 2017FERRAZ, Octavio Luiz Motta. The Right To Health In The Courts Of Brazil: Still Worsening Health Inequities?. Revista del Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, p. 195-228, 2017.). Por outro lado, elas podem ter indiretamente aprimorado o processo de produção de decisões no executivo e no judiciário (PRADO, 2013PRADO, Mariana Mota. The Debatable Role of Courts In Brazil's Health Care System: Does Litigation Harm Or Help?. The Journal Of Law, Medicine & Ethics, [S.l.], v. 41, n. 1, p. 124-137, 2013.; RIBEIRO; HARTMANN, 2015RIBEIRO, Leandro Molhano; HARTMANN, Ivar A. A Judicialização Do Direito À Saúde E As Mudanças Institucionais No Brasil. In: PRADO, Mariana Mota (org.). O Judiciário E O Estado Regulador Brasileiro. São Paulo: FGV Direito SP, 2015.). Ambas questões (intervenções judiciais inefetivas ou intrusivas/distorcidas) são também visíveis nos casos relativos ao acesso a creches, escolas públicas obrigadas a acolher crianças com deficiência e demandas por reformas em escolas de áreas rurais e urbanas (HOFFMAN; BENTES, 2008HOFFMAN, Florian F.; BENTES, Fernando R. N. M. Accountability for Social and Economic Rights in Brazil. In: BRINKS, Daniel M.; GAURI, Varun (eds.). Courting Social Justice: Judicial Enforcement of Social And Economic Rights In The Developing World. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 100-145.). Enquanto algumas dessas decisões são vistas como uma invasão do judiciário na seara das políticas públicas, onde juízes não teriam expertise para atuar, no caso em questão, as políticas públicas são determinadas pela Lei, criando um contexto mais confortável para a atuação judicial. Todavia, apesar de ter se aventurado na seara de políticas públicas nesse outros casos, no caso de violência doméstica o Tribunal usou apenas o direito penal, limitando de maneira injustificada o instrumental legal disponível para lidar com o problema.

Nesse contexto, se o Supremo Tribunal Federal tivesse determinado que o Poder Executivo enfrentasse as deficiências institucionais da Lei Maria da Penha, não teria sido uma decisão sem precedentes. A corte poderia ter desempenhado papel ativo em criar accountability com relação às instituições, aplicando e reforçando as obrigações criadas pela Lei - por exemplo, a criação de delegacias da mulher - e impondo prazos para o seu cumprimento. Uma resposta mais radical - muito improvável no contexto brasileiro - envolveria criar instituições para contornar aquelas inefetivas (PRADO; TREBILCOCK, 2019PRADO, Mariana Mota; TREBILCOCK, Michael J. Institutional Bypasses: A Strategy To Promote Reforms For Development. Cambridge University Press, 2019.), como ilustrado pela decisão no caso de Vishaka, na Índia.

4.2 Questionando a Centralidade do Direito Penal

Além de considerar as dimensões institucionais da Lei, a decisão do Supremo Tribunal Federal poderia ser aperfeiçoada se adotasse uma abordagem híbrida, que integrasse direito civil e penal. Em vez disso, o Supremo Tribunal Federal parece julgar a partir da premissa equivocada de que o direito penal por si só é capaz de proteger as mulheres.

O problema é que não está claro se o direito penal é um bom instrumento para proteger as mulheres. Movimentos sociais progressistas - incluindo os feministas - têm, crescentemente, recorrido ao direito penal para avançar suas agendas (MILLER; ROSEMAN, 2019MILLER, Alice M.; ROSEMAN, Mindy Jane. Beyond Virtue And Vice: Rethinking Human Rights And Criminal Law. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2019.). No entanto, isso levanta questões complexas. Por um lado, o direito penal pode ter um valor simbólico. No caso da violência doméstica, a criminalização sinalizou o interesse público em uma questão que era tradicionalmente tratada como pertencente ao âmbito privado. Por outro lado, não há clareza sobre o efeito dissuasório na ameaça da punição criminal. Mesmo se assumirmos um amplo efeito dissuasório, o direito penal pode não ter um papel protetivo nos casos em que a violência já ocorreu. Pesquisadoras indagam se acusar, sentenciar e punir um agressor poderia melhorar as vidas de mulheres ou mesmo servir à a promoção da igualdade (HALLEY, 2008HALLEY, Janet. Rape In Berlin: Reconsidering The Criminalisation Of Rape In The International Law Of Armed Conflict. Melb. J. Int'l L, Melbourne, v. 9, n. 1, p. 78-124, 2008.; KIM 2019KIM, Mimi E. The Carceral Creep: Gender-Based Violence, Race, And The Expansion Of The Punitive State, 1973-1983. Social Problems, [S. l.], v. 67, n. 2, p. 251-269, 2019.; BERNSTEIN 2007BERNSTEIN, Elizabeth. The Sexual Politics Of The “New Abolitionism”. Differences, Durham, v. 18, n. 3, p. 128-151, 2007.). Outras autoras apontam o paradoxo de tentar enfrentar questões estruturais por meio de categorias liberais, como o crime e a culpa individual (BROWN; HALLEY, 2002BROWN, Wendy; HALLEY, Janet. Introduction. In: BROWN, Wendy; HALLEY, Janet. Left Legalism⁄Left Critique. Duke University Press, 2002.).

Outra questão é a interseccionalidade. Recorrer primordialmente ao direito penal levanta questões sobre qual grupo de mulheres será provavelmente melhor protegido. Com efeito, para algumas mulheres, recorrer ao direito penal para regular conflitos pode gerar desvantagens significativas. Por exemplo, para algumas mulheres, qualquer contato com a polícia pode ser percebido como uma ameaça, como no caso de mulheres dependentes de substâncias ilícitas, imigrantes ilegais ou que morem em territórios controlados pelo crime organizado; mulheres negras tem razões para não se aproximarem da polícia, dada a situacão de racismo institucional; outras podem simplesmente considerar uma sentença de prisão aos agressores como uma solução indesejada, como no caso de mulheres que são financeiramente dependentes de seus agressores ou cujos agressores são seus filhos. Essas questões estão fortemente correlacionadas com classe e raça, enfatizando a dimensão interseccional do problema.

A centralidade do direito criminal também cria um falso dilema entre proteger a integridade física das mulheres ou respeitar sua autonomia. Há uma tensão real entre respeitar a esfera de ação das mulheres e reconhecer que elas são coagidas e constrangidas em suas ações. Essa tensão parece não ser solucionável se assumirmos que (i) o papel do direito penal é proteger, (ii) é necessário haver uma solução padronizada que se aplique a todas as mulheres, (iii) as soluções são operadas disjuntivamente - por exemplo, mulheres deveriam ou ter uma escolha ou não. Estes três pressupostos - que estão todos presentes na decisão do Supremo Tribunal Federal - necessariamente criarão um dilema entre autonomia e proteção. Tal dilemma, entretanto, desaparece se esses pressupostos são abandonados.

Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal Federal poderia ter considerado que a proteção das mulheres é alcançada com prevenção, educação e assistência robustas. A Lei Maria da Penha inseriu a ameaça da punição penal em um contexto de proteção integral, em que mulheres teriam acesso a abrigos e a apoio financeiro, social e psicológico por meio de uma rede de serviços especializados e decisões judiciais protetivas na esfera cível. A fim de considerar tudo isso, o Tribunal precisaria analisar os remédios legais de um modo integrado, não compartimentalizado. Assim como disposto pela Lei, o Tribunal poderia ter concebido a violência doméstica como um problema que requer respostas simultâneas e coordenadas de direito civil e penal, aliado a políticas de assistência.

Em segundo lugar, o Supremo Tribunal Federal poderia conceber o direito penal como uma potencial porta de entrada para mulheres acessarem a rede de serviços, mas não uma porta necessária. Portanto, em alguns casos, o papel do aparato da justiça criminal é simplesmente permitir que outras instituições entrem em cena e auxiliem. Em outros casos, a melhor solução para a mulher é prosseguir com a ação penal, contando com medidas protetivas e serviços de assistência. Porém, nesses casos, se a mulher decide prosseguir com o processo, o Estado deveria apoiar sua decisão e assumir a tarefa de mitigar as possíveis consequências negativas daí advindas. Se o Tribunal tivesse expandido o escopo da análise para considerar as dimensões institucionais da Lei, ele poderia ter vislumbrado uma solução por meio da qual instituições judiciais, delegacias da mulher e rede de atendimento trabalhariam conjuntamente para afirmar a autonomia das mulheres e, ao mesmo tempo, reforçar sua proteção.

Em terceiro lugar, esse processo de integração poderia ser guiado pelas próprias mulheres. Isso significa que as instituições deveriam trabalhar em conjunto para fornecer às mulheres o apoio e informação que elas precisam para tomar decisões informadas. Em outras palavras, o papel da rede de assistência não é proteger uma vítima passiva da violência, mas sim de criar condições para que as mulheres exerçam sua autonomia. Fredman argumenta: “a autonomia é protegida ao se impor uma obrigação positiva ao Estado de fornecer uma gama de opções disponíveis aos cidadãos, assegurando que todos tenham a capacidade de buscar as opções que valorizam, e que todas as opções valorizadas sejam tratadas da mesma forma” (FREDMAN, 2008FREDMAN, Sandra. Human Rights Transformed. Oxford: Oxford University Press, 2008.).

Em resumo, o dilema apresentado pelo Supremo Tribunal Federal entre afirmar a autonomia das mulheres e deixá-las vulneráveis à violência (ou vice-versa) é falsa.

4.3. Considerações para um Caminho Alternativo: Modularidade

As duas seções anteriores chamaram atenção ao fato de que a decisão do Supremo Tribunal Federal poderia ter sido menos focada na lei penal e poderia ter considerado o papel que as instituições desempenham na proteção das mulheres. Esta seção une esses dois elementos para propor um sistema - que denominamos de modularidade - para lidar com casos de violência doméstica de um modo que promova e fortaleça a igualdade.

Para desenvolver a ideia de modularidade, esta seção tenta identificar alguns dos pressupostos implícitos sobre as interações entre o direito e as instituições que são articulados em círculos acadêmicos e de implementação de políticas públicas. Sob o risco de simplificar demasiadamente um assunto complexo, argumentamos que as visões sobre a interação entre direito e instituições são, em geral, baseadas em três estruturas: hierarquia, independência ou modularidade. Vamos descrever cada uma a sua vez.

A visão hierárquica sustenta que instituições desempenham um papel essencial na implementação de mudanças legislativas e jurisprudenciais e, com isso, asseguram a igualdade de gênero. Essa visão parece assumir que o legislativo é responsável pelo cerne do trabalho concernente à igualdade, e que as instituições existem para garantir que o direito produzirá os efeitos no mundo real. De acordo com a visão hierárquica, as instituições não têm papel independente a desempenhar: elas existem simplesmente para garantir que a legislação seja efetiva. Implícito nessa construção está o pressuposto de que há co-dependência: as leis não podem alcançar nada sem as instituições e as instituições são desprovidas de propósito sem as leis. Ademais, há uma sequência natural, quase uma subordinação entre as duas: o direito vem primeiro e as instituições o seguem. Essa visão encontra-se implícita no relatório da ONU de 2011, no qual se afirma que, para casos da violência doméstica, tornar leis efetivas requer uma série de instituições estatais, como tribunais, forças policiais, serviços de bem-estar e outras formas de apoio estatal.

A visão independente concebe as leis e as instituições como ferramentas separadas, que buscam alcançar seus próprios objetivos. O direito pode promover a igualdade de gênero enquanto as instituições também a promovem. Embora essas intervenções possam operar paralelamente, reforçando uma a outra, elas também podem alcançar seus objetivos independentemente. Aqueles que enfatizam a natureza simbólica da legislação estão certamente dentro desse campo: promulgar uma lei criminalizando a violência doméstica pode ser uma mensagem social forte de recriminação desse comportamento, potencialmente iniciando mudanças culturais, independentemente da aplicação da lei penal. Aqueles que acreditam que a inovação institucional pode levar a mudanças estão também nesse grupo (WAYLEN, 2013WAYLEN, Georgina. Informal Institutions, Institutional Change, And Gender Equality. Political Research Quarterly, [S.l.], v. 67, n. 1, p. 212-223, 2013.). A implementação das delegacias de mulheres em São Paulo, na década de 1980, não foi acompanhada de qualquer tipo de mudança legislativa, sendo um exemplo dessa visão (SANTOS, 2001SANTOS, Cecília MacDowell. Percursos E Percalços. Relatório De Direitos Humanos No Brasil. Rio de Janeiro: Parma, 2001.). As instituições não são subordinadas ao direito e as leis não dependem das instituições; em vez disso, cada uma tem sua própria missão e objetivos, pondendo afetar-se mutuamente (positivamente e negativamente) ou não.

Já a visão de modularidade concebe o direito e as instituições como módulos que podem ser combinados de diferentes formas, e ser utilizados para uma variedade de propósitos. Essa visão assume que o funcionamento isolado é possível, mas não necessário. Em alguns casos, ao operarem em conjunto, o direito e as instituições podem reforçar um ao outro, impulsionando resultados. Ao mesmo tempo, essa visão desconsidera a possibilidade de que o direito e as instituições sejam completamente independentes, como sugerido pela visão independente. Ao invés disso, o pressuposto é que o direito e as instituições estão conectados e seus resultados são relacionados, embora não sejam interdependentes.

O Supremo Tribunal Federal parece ter adotado a visão independente ou a hierárquica, sem analisar criticamente seus pressupostos implícitos. O resultado foi uma decisão fraca. A rigidez da visão hierárquica poderia comprometer a possibilidade de aproveitar outras oportunidades de promover reformas menores e incrementais, como as delegacias de mulheres inauguradas em São Paulo, nos anos 1980. A visão independente, por contraste, pode permitir que essas oportunidades sejam aproveitadas, mas o desenho da reforma pode não considerar o ambiente jurídico ou institucional no qual a lei ou a instituição está embutida. Isso pode gerar reformas que aproveitem a oportunidade de mudança, mas não maximizem os seus resultados. À luz disso, a modularidade pode ser a opção mais efetiva.

Acreditamos que a visão da modularidade já tenha sido adotada pela Lei Maria da Penha. A Lei abandonou uma visão rígida e compartimentalizada, cujo pressuposto é o de que uma vez que uma legislação está em vigor, as instituições deveriam segui-la como exemplo. Em vez disso, a Lei promove uma concepção de instituições (polícia, serviços sociais, serviços de saúde) e diferentes esferas do direito (civil e criminal) como interligadas e interativas, de modo que elas se informam e complementam reciprocamente, como sugerido pela modularidade. Nesse sentido, as delegacias das mulheres, os abrigos ou equipes interdisciplinares para apoiar mulheres vítimas de violência não foram concebidos simplesmente como políticas que iriam “implementar” a legislação penal da violência contra a mulher. Essas instituições são tão essenciais à proteção das mulheres quanto as próprias disposições legais (e em algums casos sua importância independe da legislação penal). No entanto, como mostramos neste artigo, não houve somente obstáculos à implementação, mas atores jurídicos falharam em reconhecer que a Lei não foi concebida para operar em um vácuo institucional. A decisão do Supremo Tribunal Federal talvez seja o exemplo mais importante desse fracasso mas, infelizmente, não é o único.

5. Conclusão

A Lei trouxe uma série de inovações institucionais no Brasil para lidar com a violência doméstica, tendo sido suscitada por um relatório da CIDH no qual foi apontado que o Brasil tem instituições disfuncionais. No caso da Maria da Penha - uma tentativa de homicídio - a polícia e o judiciário não lidaram adequadamente com o caso. Além da inadequação legislativa para enfrentar a violência doméstica, a CIDH indicou que a questão urgente era uma reforma institucional.

Como o caso brasileiro revela, no entanto, houve desafios significativos na implementação de um sistema institucional para combater a violência doméstica e promover a igualdade de gênero. Dependência da trajetória, falta de recursos, resistência política e dimensões sociais, culturais e históricas são alguns dos obstáculos que reformadores enfrentaram. Porém, o mais preocupante é a falta de diálogo entre operadores do direito e gestores de políticas públicas sobre a importância de adotar uma visão integrada da Lei e das instituições. A decisão do Supremo Tribunal Federal talvez seja o exemplo mais ilustrativo de como a letra da lei tem sido interpretada em um vácuo institucional, com grandes custos para as vítimas de violência doméstica.

Ao propor uma nova maneira de tratar essa questão, desafiamos os pressupostos que segregaram o direito e as instituições no processo de promoção da igualdade de gênero. Mais especificamente, questionamos a ideia de que, na luta por igualdade, assegurar direitos é o primeiro passo, que deveria ser seguido por numerosas reformas institucionais requeridas para tornar efetiva a proteção dos direitos. Sugerimos, em vez disso, que reformas legais e institucionais podem interagir de modos complexos, que devem ser analisados mais cuidadosamente por pesquisadores/as e ser mais frequentemente considerados por gestores/as de políticas públicas e operadores/as do direito.

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  • SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES; SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA; ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME. Norma Técnica De Padronização Das Delegacias Especializadas De Atendimento Às Mulheres. Brasília, 2010.
  • SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES; SECRETARIA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES. Mulheres Do Campo E Da Floresta: Diretrizes E Ações Nacionais. Brasília, 2011b.
  • _____. Rede De Enfrentamento À Violência Contra As Mulheres. Brasília, 2011c.
  • SENADO FEDERAL. Políticas Adotadas Pelo Poder Executivo Relacionadas a Medidas De Enfrentamento À Violência Contra A Mulher. Brasília, 2016.
  • SOARES, Bárbara. Delegacia de atendimento à mulher: questão de gênero, número e grau. In: SOARES, E. L. et al. Violência e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará/ISER, 1999.
  • WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa Da Violência 2015: Homicídio De Mulheres No Brasil. Brasília: OPAS/OMS, ONU Mulheres, SPM e Flacso, 2015.
  • WAYLEN, Georgina. Informal Institutions, Institutional Change, And Gender Equality. Political Research Quarterly, [S.l.], v. 67, n. 1, p. 212-223, 2013.
  • 1
    Este texto é uma versão em português do capítulo que será publicado no livro “Frontiers of Gender Equality”, editado por Rebecca Cook, pela University of Pennsylvania Press, no prelo. Agradecemos a Rebecca Cook e à editora por permitirem a publicação antecipada em português.
  • 2
    Uma alteração à Lei ocorrida em meio de 2019 (Lei nº 13.827/19) autoriza, em certos casos, a concessão de medidas protetivas de urgência pela autoridade policial.
  • 3
    No campo penal as mudanças introduzidas pela Lei foram no sentido de agravar a pena ou tratamento penal para crimes cometidos em contextos de violência doméstica. Não foram introduzidos novos crimes até a promulgação da Lei nº 13.641/18, que criou o delito de descumprimento de medida protetiva, com detenção de três meses a dois anos.
  • 4
    Sobre a disputa concernente à constitucionalidade da Lei Maria da Penha no Judiciário brasileiro, confira-se Machado, Rodriguez, Prol, Silva, Ganzarolli, Elias (2013). Confira-se também Machado et al. (2015).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2020
  • Aceito
    04 Fev 2021
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