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Um gesto de leitura na discursividade do objeto constituição

A reading gesture in the discursivity of the constitution as an object

Resumo

Reflete sobre o objeto constituição como objeto jurídico-linguístico. Para tanto, instala uma escuta materialista da prática jurídico-doutrinária, constituindo um corpus analítico baseado no funcionamento discursivo de algumas definições em dizeres classificatórios sobre constituição. Compreende que a prática discursiva da doutrina jurídica possui um caráter dividido e dominado conjunturalmente pela eficácia da ideologia da transparência.

Palavras-chave:
Discurso jurídico; Ideologia; Doutrina

Abstract

This is a reflection on the constitution as a legal-linguistic object. Therefore, a materialist listening is applied to the legal-doctrinal practice, constituting an analytical corpus based on the discursive functioning of some definitions in classificatory statements about constitution (as an object). It is understood that the discursive practice of the legal doctrine has a divided character, and is dominated, at the moment, by the effectiveness of the transparency ideology.

Keywords:
Legal discourse; Ideology; Doctrine

Introdução

Há, sem dúvida, em nossa sociedade e, imagino, em todas as outras, mas segundo um perfil e facetas diferentes, uma profunda logofobia, uma espécie de temor surdo desses acontecimentos, dessa massa de coisas ditas, do surgir de todos esses enunciados, de tudo o que possa haver aí de violento, de descontínuo, de combativo, de desordem, também, e de perigoso, desse grande zumbido incessante e desordenado do discurso.

Michel Foucault1 1 Epígrafe extraída de Foucault (2014, p. 47-48).

Crise do direito. Crise jurídica. Crise da constituição. Crise constitucional. Crise hermenêutica. Crise da hermenêutica. Crise da jurisdição. Crise do judiciário. Crise democrática. Crise de legitimidade democrática. Crises da democracia. 2 2 Marcadas em itálico, tem-se uma série de construções sintagmáticas extraídas de textos representativos, na memória social, de tomadas de posição denegatórias em face das atuais contradições reais que se processam na formas política e jurídicas do Modo de Produção Capitalista, agrupadas sob a palavra crise. Sob a diversidade e proliferação dessas formas que tocam numa série, perpetuamente reorganizável, de objetos paradoxais, funcionando “[...] em relações de força móveis, em mudanças confusas, que levam a concordâncias e oposições extremamente instáveis” (PÊCHEUX, 2015aPÊCHEUX, M. Ideologia - aprisionamento ou campo paradoxal? In: ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: Michel Pêcheux. Campinas: Pontes, 2015a., p. 116), tais como: direito, constituição, hermenêutica, interpretação, judiciário, democracia etc., parece se instalar, em nossa ontologia do presente,3 3 Sobre a noção de ontologia do presente, v. Foucault (2008). um espécie de temor apocalíptico quanto à instabilidade imaginária do chamado Estado democrático de direito.

No cerne dessa problemática, perguntas - tais como: o que (não) diz a constituição? O que (não) quis dizer o constituinte? O que (não) deve dizer o juiz sobre a constituição? O que é uma constituição? - entrecruzam-se, repetem-se e movimentam identificações e tomadas de posição distintas, em discussões acaloradas na Suprema Corte, no campo das mídias televisivas e digitais, dentre outros espaços enunciativos, pondo em jogo a eficácia material da ilusão de que, no jurídico, tudo já tem sentido e isso não constitui problema algum.

É sob a tentativa de contribuir com a instalação de uma escuta materialista desses sentidos, cuja opacidade é visibilizada a partir de um gesto de leitura, que este texto se articula e propõe as suas questões. Isso numa conjuntura em que os dizeres constitucional e sobre constituição suscetibilizam a agudização e o alarido do que pode e deve significar ser sujeito e, a um só tempo, ser falante em uma formação social como a nossa.

Proponho aqui três movimentos. Num primeiro momento, discorrerei, brevemente, sobre algumas das possíveis relações entre direito e linguagem. Num segundo, sobre a prática discursiva jurídico-doutrinária. Num terceiro, finalmente, construirei o meu gesto de análise, a partir do funcionamento discursivo de alguns enunciados definitórios materializados em dizeres classificatórios sobre constituição.

Tentarei, por meio do dispositivo discursivo-analítico de leitura,4 4 A prática de leitura a que aludi se desdobra com e a partir da fundação do que se convencionou chamar Análise de Discurso - perspectiva avessa àquelas empreendidas pelas análises de conteúdo. Trata-se de um dispositivo, de orientação materialista, formulado por Michel Pêcheux e seu círculo, na França, em 1969, que passou a congregar diversos gestos de ampliação, revisão e deslocamento, por exemplo, no Brasil, a partir dos trabalhos de Eni Orlandi e demais pesquisadores. suscetibilizar os efeitos de uma prática compreensiva que vise à deslocalização tendencial do sujeito enunciador, através de um desregramento que, sistemático, trata de desfazer e afetar os liames do performativo, para que o dito, o escrito e o escutado possam, finalmente, identificarem-se ao “[...] puro efeito de um eco anônimo devolvido pelas bordas [...]” (PÊCHEUX, 2016PÊCHEUX, M. Abertura do Colóquio. In: CONEIN, B. et al. Materialidades discursivas. Campinas: Editora da Unicamp, 2016., p. 28).

2 Linguagem e direito

Propondo-se a responder ao questionamento de como trabalhar (n)a relação entre linguística e direito, Sigales-Gonçalves (2020) discerne dois tipos de preocupação. A primeira se refere ao trabalho profissional quanto à mencionada relação. A segunda, ao trabalho teórico entre as duas ciências e seus respectivos objetos, a saber: a língua e o direito. A autora, então, define o que seria um objeto advindo de um tal entremeio possível: o objeto linguístico-jurídico. Em suas palavras:

Compreendemos objetos linguístico-jurídicos como objetos relativos a fatos de língua (objeto linguístico) levados à esfera jurídica (objeto jurídico), seja para a aplicação na transformação de práticas de instituições jurídicas e de operadores do direito, seja para a compreensão da estrutura e do funcionamento do Direito (SIGALES-GONÇALVES, 2020, p. 370).

Quanto aos possíveis caminhos de definição desse objeto híbrido, Sigales-Gonçalves indica pelo menos três: a linguística forense, o direito linguístico e a interação em contextos jurídicos, bem como as análises do discurso jurídico. A primeira perspectiva trabalha a língua como prova para a resolução de litígios jurídicos, como, por exemplo: em se tratando de língua escrita, casos de atribuição de autoria, verificação de plágio e disputa por nomes de marcas; em se tratando de material sonoro, leva-se em conta os aspectos fonético-acústicos do disfarce da voz, do uso de técnicas acústicas para a verificação do locutor, do efeito do celular no sinal de fala, da prosódia etc. A segunda, ainda em vias de constituição efetiva no Brasil, ocupa-se, em suma, dos direitos e deveres linguísticos, a partir de práticas diversas de regulação da língua e dos falantes em relação a ela. Na terceira, a delimitação do objeto recai sobre a descrição e análise do funcionamento de práticas discursivas, seja a partir dos estudos da fala-em-interação, seja a partir da Análise do Discurso, em suas variadas vertentes.

Aproximando-se da última perspectiva, Warat (1985WARAT, L. A. O Direito e sua linguagem. Porto Alegre: Safe, 1985.) percorre as principais tendências desde as quais o direito representa a sua relação com a linguagem: a semiologia saussuriana, o neopositivismo lógico, a filosofia da linguagem ordinária e a nova retórica. A essas, o autor contrapõe a sua proposta, a qual denomina Semiologia do Poder. Segundo ele:

[...] a semiologia do poder pretende analisar a significação como instrumento de controle social, como estratégia normalizadora e disciplinar dos indivíduos, como fórmula produtora do consenso, como estágio ilusório dos valores de representação, como fetiche regulador da interação social, como poder persuasivo provocador de efeitos de verossimilhança sobre as condições materiais da vida social, como fator legitimador do monopólio da coerção e como fator de unificação do contraditório exercício do poder social (WARAT, 1985WARAT, L. A. O Direito e sua linguagem. Porto Alegre: Safe, 1985., p. 18).

O programa investigativo apresentado pelo autor, desta maneira, visa a desmistificar as diversas práticas discursivas conforme as quais o saber jurídico se legitima, bem como a destruição dos mitos que o organizam enquanto senso comum teórico (WARAT, 1982WARAT, L. A. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. Sequência: estudos jurídicos e políticos, v. 3, n.5, p. 48-57, 1982.). Isso porque Warat compreende que as incidências, no saber jurídico, de teorias sobre a linguagem respondem à dicotomia saussuriana língua/fala5 5 Sobre o tema, consultar Saussure (2012). e, que a despeito de tentarem desestruturar a doxa linguística dos juristas, converteram-na em uma episteme conforme o modelo positivista, isto é, cederam à ilusão de uma linguagem purificada, sintática e semanticamente, muito embora tenham revelado questões pragmáticas “[...] com as quais se pretendia ora denunciar as forçosas imprecisões e aberturas significativas das palavras da lei, ora indicar as funções tópico-retóricas da maior parte das noções e categorias do saber jurídico dominante” (WARAT, 1985, p. 99). Contudo, ainda que tais questões pragmáticas tenham sido visibilizadas, para o autor, há uma comprovada insuficiência analítica no que se refere à relação das enunciações jurídicas com as práticas políticas e ideológicas da sociedade, bem como quanto às suas próprias dimensões políticas, do que a semiologia política que propõe se ocupa.

Desde o intento de esboçar uma reflexão sobre a discursividade de constituição,6 6 Importante salientar que uma revisão bibliográfica sobre o que se convencionou chamar teorias discursivas da constituição extrapola os objetivos deste texto, haja vista que o que se visa aqui é a instalação de um empreendimento leitor avesso a tais propostas no sentido mesmo em que parte da démarche de um conceito de discurso bastante específico. Resta pendente, então, como agenda teórica para investigações futuras um tal exercício analítico de investigação acerca do funcionamento ideológico da noção de discurso em tais teorias e seus efeitos sobre o objeto constituição. Para uma exposição crítica sobre as denominadas teorias discursivas da constituição, v. Streck (2011). significante que nomeia um objeto linguístico-jurídico, nos termos acima discutidos, este trabalho se inscreve, linhas gerais, na terceira perspectiva que situa um objeto desdobrado na relação entre direito e linguagem, a partir da descrição e análise do funcionamento das práticas discursivas jurídicas.7 7 O conceito de prática discursiva aqui empregado remonta à Arqueologia do saber (1969), de Foucault, conforme o que o objeto discursivo é havido em termos de uma prática tomada em um dado sistema de formação, em radical oposição a sua acepção tradicional enquanto conjunto de signos, isto é, de “[...] elementos significantes remetendo a conteúdos ou representações [...]” (FOUCAULT, 2019, p. 60). Tal oposição atua no sentido de reincluir o “a mais” irredutível à língua e à fala. Por meio deste conceito, assim, pode-se levar em conta o extralinguístico, o ideológico, desde uma perspectiva antissubjetiva (MALDIDIER; NORMAND; ROBIN, 2014), como uma força material e não como puro não-ser (PÊCHEUX, 2014). Dessa maneira, tendo em conta que, a priori e em si, uma constituição não diz nada, compreendo, junto com Canotilho (2002CANOTILHO, J. J. G. O Estado adjetivado e a teoria da Constituição. Revista da procuradoria-geral do estado, v. 25, n. 56, 2002., p. 5), que “[...] as ‘imagens’ e representações do Estado e da Constituição são [...] ‘construções intelectuais’ e não ‘descrições da realidade’ [...]” as quais, “[...] devidamente contextualizadas, [...] transportam, desde logo, um ímpeto político-ideológico particularmente forte”.

Aproprio-me aqui da crítica feita por Warat quanto às incidências tradicionais do saber linguístico sobre o saber jurídico, ao que acrescento que tais dão a ver “[...] processos espontaneamente representados-deformados, tornados, propriamente irreconhecíveis [...]” (PÊCHEUX, 2014PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014., p. 80) numa dada conjuntura. Ainda, reinscreverei a noção de senso comum teórico dos juristas (WARAT, 1982WARAT, L. A. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. Sequência: estudos jurídicos e políticos, v. 3, n.5, p. 48-57, 1982.), doravante SCTJ, numa perspectiva desde a qual se possa ler as maneiras pelas quais o saber jurídico se apossa do saber linguístico convertendo-o em matéria-prima representacional de sua filosofia espontânea da linguagem.8 8 Sobre o conceito de filosofia espontânea dos cientistas, v. Althusser (1976).

Com respeito, assim, à instalação de uma escuta analítica do funcionamento da ilusão epistêmica do direito e que considera a necessidade teórica de se observar a forma como o político e a exterioridade determinam os funcionamentos linguísticos, subjetivo um dispositivo de investigação que tem a produção de sentido como possibilitada pela inscrição da língua na história, compreendendo a metáfora não como desvio lateral, mas condição (uma palavra por outra) de haver encontro do significante com a exterioridade, lugar de existência material do objeto discurso, enquanto objeto teórico. Desde essa perspectiva teórico-analítica, a que se pode também chamar Semântica Discursiva (HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 2007HAROCHE, C.; PÊCHEUX, M.; HENRY, P. A semântica e o corte saussuriano: língua, linguagem, discurso. In: BARONAS, R. L. (org.). Análise do discurso: apontamentos para uma história da noção-conceito de formação discursiva. São Carlos: Pedro & João, 2007.), é possível pensar a relação de entremeio entre: sujeito, como efeito da ideologia e de seu assujeitamento ao inconsciente; língua, enquanto base comum de processos discursivos diferenciados; e história, como objetividade material contraditória, pelo que se organizam filiações e tomadas de posição diversas.

3 A prática discursiva jurídico-doutrinária

As análises produzidas a partir do dispositivo conceitual da Semiologia do poder têm privilegiado a relação entre ensino e saber jurídico, com o intuito de mostrar como que, não acidentalmente, o discurso do professor de direito contribui na formação do SCTJ, esse último compreendido como:

[...] um conhecimento constituído, também, por todas as regiões do saber, embora aparentemente, suprimidas pelo processo epistêmico. O senso comum teórico não deixa de ser uma significação extra-conceitual no interior de um sistema de conceitos, uma ideologia no interior da ciência, uma doxa no interior da episteme (WARAT, 1982WARAT, L. A. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. Sequência: estudos jurídicos e políticos, v. 3, n.5, p. 48-57, 1982., p. 52).

Ele designa, portanto, “[...] as condições implícitas de produção, circulação e consumo das verdades nas diferentes práticas de enunciação e escritura do direito” (WARAT, 1987WARAT, L. A. As vozes incógnitas das verdades jurídicas. Sequência: estudos jurídicos e políticos, v. 8, n.14, p. 57-61, 1987., p. 57). Em relação a isso, o discurso docente, como lugar de poder:

[...] estabelece os ‘topoi’ e as fórmulas tópicas, mediante as quais se constitui o imaginário teórico dos juristas, organizador de seus diferentes discursos. Encoberto pelo saber jurídico dominante, existe um pensamento tópico que permite aos juristas assumir as principais categorias organizadoras do seu saber como coisas óbvias e não problemáticas. Esse universo tópico latente, baseado em costumeiros pontos de vista, é o que rouba aos juristas a possibilidade de compreender o papel do jurídico nos jogos sociais não previstos no sistema tópico postulado. Eis a função das escolas de direito, que nos permite apontá-las como o lugar logotécnico dominante (WARAT; ROCHA; CITTADINO, 1981WARAT, L. A.; ROCHA, Leonel Severo; CITTADINO, Gisele. O poder no discurso docente das escolas de direito. Sequência: estudos jurídicos e políticos, v. 2, n.2, p. 146-152, 1981., p. 146).

Colados a esse processo de construção das obviedades jurídicas através do ensino estão os discursos doutrinários materializados nos manuais de direito, a partir do que o saber jurídico vai levando adiante a sua “crise dogmática” (STRECK, 2007STRECK, L. L. Crise dogmática: manuais de direito apresentam profundo déficit de realidade. Revista Consultor Jurídico, v. 9, 2007.), por meio de uma operacionalidade jurídica estandardizada e do caráter pré-fabricado que ela outorga a determinadas fórmulas convocadas à repetição no discurso docente. Dessa maneira, não apenas a análise da prática discursiva do professor de direito é fundamental para a compreensão das condições pelas quais o SCTJ se produz e se sustenta. Faz-se igualmente oportuno investigar outras práticas discursivas jurídicas, a exemplo da prática discursiva jurídico-doutrinária, viés que assumirei como ponto de partida desta reflexão. Sendo a prática discursiva jurídico-doutrinária um lugar de fabricação de obviedades de sentido, uma análise, como a que aqui é empreendida, proposta a investigar as leis de funcionamento e eficácia material do imaginário teórico dos juristas em nossa formação social se mostra bastante profícua.

Para Edelman (1976EDELMAN, B. O direito captado pela fotografia. Coimbra: Centelho, 1976.), a doutrina jurídica representa o apêndice professoral do capital, um corpus de comentários das leis e decisões judiciais e de obras “teóricas” acerca do direito. A doutrina é, de acordo com esse autor, o espaço privilegiado de funcionamento da ideologia jurídica, isto é, o lugar em que se elabora a defesa e ilustração do discurso jurídico, do ensino jurídico e da produção da prática jurídica. Partindo disso, proponho pensar a prática discursivo-doutrinária do direito como uma prática estruturante da ideologia jurídica na língua,9 9 O conceito de língua adotado não reitera a dicotomia saussuriana língua/fala. Antes, considera a língua como a base comum de processos discursivos diferenciados. Desse modo, o discurso não substitui teoricamente a fala e tampouco se opõe à língua, mas tem, nessa última, a sua materialidade específica. Sobre isso, ver Pêcheux (2014). um discurso sobre o jurídico, compondo-se de enunciados definitórios, predicativos, que, didaticamente, representam as suas asserções como objetivamente “verdadeiras” pelo apagamento do sujeito da enunciação. Assim, um lugar ritual de fabricação de pré-construídos, isto é, de evidências de saber para o direito; de definição de pertenças prévias e recíprocas, de diferenciação, ligação e questionamento dos sujeitos nela inscritos e dos enunciados a partir daqueles.10 10 Essa minha formulação parte de um movimento heurístico de apropriação e articulação das noções de doutrina de Edelman (1976) e de Foucault (2014).

Como prática de dizer sobre o jurídico, a enunciação doutrinária torna objeto aquilo de que fala e contribui na institucionalização de sentidos, o que é licitado pela eficácia material das ilusões de linearidade e de homogeneidade da memória.11 11 A propósito da distinção metodológica entre dizer sobre e dizer de, v. Mariani (1996). O enunciador tomado nessa prática se inscreve num lugar de autoridade e transita “[...] na co-relação entre o narrar/descrever um acontecimento [juridicizado] singular, estabelecendo sua relação com um campo de saberes já reconhecido pelo interlocutor” (MARIANI, 1996MARIANI, B. O comunismo imaginário: práticas discursivas da imprensa sobre o PCB (1922-1989). Tese (Doutorado em Linguística) Instituto de estudos da linguagem, Universidade de Campinas. São Paulo, p. 256. 1996., p. 64). É trabalhada, então, nos termos de Orlandi (1990ORLANDI, E. P. Terra à vista. Discurso do confronto: velho e novo mundo. São Paulo: Cortez & Ed. da UNICAMP, 1990.), a polifonia através da organização das diferentes vozes dos discurso do direito em sentido estrito. A memória discursiva12 12 O conceito de memória discursiva aqui empregado em nada se reporta aos traços corticais dentro de um organismo, aos traços cicatriciais sobre esse mesmo organismo, ou ainda aos traços comportamentais depositados em seu exterior. Ao revés, trata-se de um conjunto complexo, exterior e preexistente ao organismo, cujas séries de tecidos de índices legíveis são suscetíveis de constituir um corpo sócio-histórico de traços (PÊCHEUX, 2015b). Em outras palavras “[...] a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível” (PÊCHEUX, 1999, p. 52). é aí organizada, disciplinada e reduzida como memória jurídica responsável pela alimentação do SCTJ e pela sustentação de ilusão epistêmica que lhe dá forma:

[...] com um arsenal de sintagmas prontos, pequenas condensações de saber, fragmentos de teorias vagamente identificáveis, coágulos de sentido surgidos do discurso dos outros, elos rápidos que formam uma minoria do direito a serviço do poder (WARAT, 1987WARAT, L. A. As vozes incógnitas das verdades jurídicas. Sequência: estudos jurídicos e políticos, v. 8, n.14, p. 57-61, 1987., p. 59).

De meu interesse é, portanto, investigar de que maneira o discurso doutrinário sobre constituição, disciplinariza a memória do dizer e constrói os seus sintagmas prontos, as suas evidências de sentido, especificamente, ao converter o saber linguístico em matéria-prima representacional da filosofia espontânea da linguagem dos juristas, região específica de seu senso comum teórico.

4 Um gesto analítico

Uma reflexão sobre a discursividade em que se inscreve o objeto linguístico-jurídico constituição, em minha perspectiva, precisa considerar, sem prejuízo do concurso das respectivas exterioridades à prática discursiva jurídica: a) o discurso da constituição; b) o discurso sobre constituição (por exemplo, a doutrina jurídico-constitucional); e/ou c) a forma como o discurso sobre constituição organiza as diferentes vozes no discurso da constituição e os efeitos de sentido13 13 Sobre o conceito de efeitos de sentido, ver Pêcheux (2019). que disso decorrem. Nesta seção, elejo o segundo tipo de funcionamento da prática discursiva jurídica, propondo uma investigação do discurso jurídico-doutrinário. Desejo visibilizar como, a partir desse funcionamento específico, o SCTJ põe em jogo a sua filosofia espontânea da linguagem ao dizer sobre constituição.

Percorrendo a memória de arquivo jurídico-doutrinária14 14 O arquivo é aqui compreendido, nos termos de Pêcheux (1994, p. 57), como um “[...] campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão” que possui, como um de seus incontornáveis feixes, a materialidade da língua (BARBOSA FILHO, 2017). Para uma análise sobre o funcionamento do arquivo jurídico, especificamente quanto à prática de escrita da lei, consultar Zoppi-Fontana (2005). Nos termos de Orlandi (2006, p. 22), ainda, compreendo que “[...] a memória de arquivo representa o discurso documental, a memória institucionalizada que é aquela justamente que fica disponível, arquivada em nossas instituições e da qual não esquecemos. A ela temos acesso, basta para isso consultar os arquivos onde ela está representada”. de dizeres sobre constituição e considerando que, metodologicamente, não é relevante uma exaustividade horizontal15 15 Tendo por base que, na Semântica Discursiva a que me filio, a delimitação de corpus não obedece a critérios empírico-positivistas, mas teóricos, a forma de análise aqui empreendida não visará a uma exaustividade de extensão e completude do objeto empírico, posto seu caráter inesgotável advindo do fato de nenhum discurso ser fechado em si mesmo. Ainda, não tratarei de dados como ilustrações, mas de fatos de linguagem, cuja exaustividade pertinente é a vertical, considerada em relação aos objetivos e alcance da análise, levando a consequências teóricas relevantes. Sobre essa especificidade, ver Orlandi (2015). do intradiscurso16 16 Em termos gerais, entenda-se o “[...] intradiscurso de uma sequência discursiva [...] como o lugar onde se realiza a sequencialização dos elementos do saber [...]” (COURTINE, 2009, p. 101). em que as sequências apresentadas a seguir são tomadas, recorto,17 17 Os recortes são considerados aqui, nos termos de Orlandi (1984), unidades discursivas, isto é, fragmentos de linguagem-e-situação, pedaços não mensuráveis em sua linearidade. O seu princípio de efetuação é a incompletude, dando-se conforme os tipos de discurso, a configuração de suas condições de produção, o objetivo e o alcance da análise. no campo dos discursos de classificação das constituições, aquele cuja relação entre linguagem e direito me parece mais bem pronunciar-se como um sintoma: o critério classificatório dito ontológico (ontologische klassifierung der Verfassungen), proposto por Karl Loewenstein (1959), para quem uma constituição (Verfassung) pode ser: a) normativa (normative); b) nominal (nominalistische); c) semântica (semantische).

Partirei de gestos de interpretação materializados em diferentes manuais jurídicos, tendo como referência, para a organização de corpus e em função de meus objetivos analíticos, o funcionamento dicursivo dos enunciados definitórios, havidos como mecanismos de produção de um efeito de ilusão referencial (MARIANI, 1996MARIANI, B. O comunismo imaginário: práticas discursivas da imprensa sobre o PCB (1922-1989). Tese (Doutorado em Linguística) Instituto de estudos da linguagem, Universidade de Campinas. São Paulo, p. 256. 1996.). Quanto à especificidade semântica do dizer classificatório em questão, proponho entendê-lo como espaço político18 18 Sobre o conceito de político aqui empregado, v. Rancière (1996). de funcionamento de uma fantasia categorial, através de operações de saturação, estabilização e generalização, tais como divisão, distinção, repartição, ordenação, coordenação, hierarquização etc. do sensível. Sejam as sequências discursivas19 19 Por sequência discursiva se deverá entender aqui toda sequência verbal, oral ou escrita (COURTINE, 2009) e/ou não-verbal, cuja materialidade não é a do excerto ou mero fragmento textual linear. :

  1. [...] merece ser conhecida uma classificação aventada há várias décadas, que, entretanto, mantém-se fértil. Loewenstein propõe uma separação em categorias que adjetiva como ontológica. Segundo o critério da ‘observância realista das normas constitucionais por governantes e governados’, aparta as constituições normativas das nominais e semânticas. As constituições normativas são as que logram ser lealmente cumpridas por todos os interessados, limitando, efetivamente, o poder. As constituições nominais são formalmente válidas, mas ainda não tiveram alguns dos seus preceitos ‘ativados na prática real’. [...] Por fim, a Constituição semântica seria a formalização do poder de quem o detém no momento (MENDES, 2012, p. 97-98).

  2. Constituição semântica - É aquela que só serve para legitimar os interesses da classe dominante, sem que seus mandamentos tenham eficácia. Os direitos ofertados por esse tipo de Constituição são meramente formais, sem realidade prática, e se destinam apenas à retórica política, sem ensejar uma concretização efetiva para a população mais carente. Funciona como um instrumento para as elites legitimarem o seu poder, sem a participação política da cidadania. As Constituições semânticas produzem uma democracia de fachada, em que a maioria da população tem apenas direitos formais (AGRA, 2018, p. 96, grifo do autor).

  3. Por sua vez, constituição nominalista é aquela cujo texto da Carta Constitucional já contém verdadeiros direcionamentos para os problemas concretos, a serem resolvidos mediante aplicação pura e simples das normas constitucionais. Ao intérprete caberia tão somente interpretá-las de forma gramatical-literal. Por outro lado, constituição semântica é aquela cuja interpretação de suas normas depende da averiguação de seu conteúdo significativo, da análise de seu conteúdo sociológico, ideológico, metodológico, possibilitando uma maior aplicabilidade político-normativa-social do texto constitucional (MORAES, 2008, p. 11, grifo do autor).

Essas são as três sequências discursivas de referência selecionadas em minha montagem de corpus. Na prática discursiva jurídico-doutrinária, tais sequências estão presentes no espaço enunciativo dos manuais jurídicos, um dos lugares rituais de defesa, ilustração e suplementação das ilusões sustentantes do discurso jurídico. Elas põem em funcionamento um dizer definitório, de efeito classificatório, sobre o objeto constituição, nos termos que discuti acima. Para analisar as relações de sentido em jogo, darei consequência aos seguintes conceitos operacionais: a falta, o excesso e o estranhamento (ERNST, 2009ERNST, A. G. A falta, o excesso e o estranhamento na constituição/interpretação do corpus discursivo. Seminário de estudos em análise do discurso, v. 4, 2009.). Sob a dependência dos propósitos analíticos deste empreendimento leitor, observareo aquilo que é dito demais, dito de menos e que emerge de maneira inesperada nos enunciados, cada um desses havido como um gesto de repetição20 20 No sentido de que “[...] o sujeito tem de inserir seu dizer no repetível (interdiscurso, memória discursiva) para que seja interpretável” (ORLANDI, 2004, p. 48). através do que um mesmo se faz retornar

[...] mas que, justamente pelo fato de retornar em um outro lugar e um outro tempo, é outro (a repetição é ela mesma a ínfima diferença que permite seu reconhecimento e seu esquecimento), a ruptura da identidade do que retorna, disseminada, no que a repete, a insistência do que se repete relacionada ao deconhecimento da ‘causa’ dessa repetição, a suspeita de que essa ‘causa’ esteja ligada a uma perda, uma ‘falha’ irremediável (não há um acontecimento, um texto originário que se repetiria) (COURTINE; MARANDIN, 2017, p. 46).

As sequências recortadas apresentam uma forma sintática relativamente regular. Elas são introduzidas por SN (Det+N+ADJ) + VSER + X, sendo: SN (sintagma nominal), Det (determinante), N (nome), ADJ (adjetivo), VSER (verbo ser), X (paráfrase definitória). Veja-se o quadro a seguir:

Quadro
gestos de classificação

Descrevendo, inicialmente, a primeira parte (SN) das definições, observo que a posição de determinante do nome (Det) aparece ora preenchida, por um artigo definido plural (as) ou singular (a), como em 1 (a. As constituições normativas.../ b. As constituições nominais.../ c. ...a Constituição semântica...), ora não preenchida (Ø), como em 2a (Ø Constituição Semântica...) e 3 (a. ...Ø constituição nominalista.../ b. ...Ø constituição semântica...). Nos casos em que não há realização do determinante na superfície linguística (2a e 3a e 3b), a saturação do N, conforme interpreto, realiza-se estritamente no discurso, isto é, indica um processo discursivo mediante o qual a memória do dizer intervém para que os sentidos dos SN sejam específicos e não indefinidos.21 21 Filio-me aqui à concepção de Sírio Possenti para quem, conforme Martins e Borges (2015), a leitura dos nomes (aparentemente) nus é sempre específica. Caso contrário, restaria prejudicado o efeito de completude gestado pelos enunciados definitórios. É assim que a falta dos determinantes, segundo penso, investe os SN singulares (2a, 3a e 3b) como entradas, que, conforme o esquema de um dicionário ou enciclopédia, introduzem suas definições sob o efeito-verbete no interior das sequências em que ocorrem.

Ao observar o funcionamento determinativo dos adjetivos22 22 Apesar de, para a maioria dos linguistas, os adjetivos não pertencerem ao rol dos determinantes linguísticos, concordo com Indursky (2013) quando afirma que podem se qualificar ideologicamente enquanto determinantes discursivos. atuando na saturação discursiva do nome constituição, considero que “[...] o processo de determinação de um substantivo envolve questões sintáticas e semânticas [...]” (INDURSKY, 2013INDURSKY, F. A fala dos quartéis e as outras vozes. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013., p. 214) e que “[...] o adjetivo pode funcionar como um elemento capaz de saturar o substantivo, constituindo-se em um determinante discursivo [...]” (p. 215, grifo da autora). Sendo assim, a construção de referentes discursivos através da combinação N + ADJ será tomada aqui como efeito de uma injunção ideológica que compele o seu enunciador à saturação de expressões nominais, para limitar sua extensão e limitar a sua referência atual, de maneira a produzir-se um efeito de completude definitória. Por meio da determinação discursiva, então, as expressões nominais se qualificam a ocupar o lugar de entradas no intradiscurso dos enunciados definitórios em análise.

Dentre os quatro determinantes discursivos que compõem as aludidas entradas dos enunciados definitórios materializados nas sequências em exame, três são os que me chamam mais atenção devido ao seu aspecto metalinguageiro: nominais, semântica e nominalista. Esses adjetivos, em minha leitura, interferem na cadeia sob a forma de uma ponte de heterogeneidade (AUTHIER-REVUZ, 1990AUTHIER-REVUZ, J. Heterogeneidades enunciativas. Cadernos de estudos linguísticos 19, Campinas, Unicamp/IEL, 1990.), desde a qual são remetidos à língua como exterior ao discurso em enunciação. Trata-se da convocação de um outro saber, qual seja, o saber linguístico, a partir do qual os enunciados definitórios têm representada a sua constituição. Dessa maneira, o lugar da determinação discursiva dos N por meio dos mencionados adjetivos é também o lugar em que se pode ler o funcionamento de um imaginário de língua afetando os enunciadores desde a prática discursiva jurídico-doutrinária em que são tomados.

Ao refletir, assim, a respeito da(s) imagem(ns) de língua que licencia(m) a saturação discursiva dos N por meio dos adjetivos em questão, o exame das paráfrases definitórias se mostra salutar. Por uma questão de recorte, alcance e objetivos analíticos, deterei-me naquelas que definem constituição semântica (1c, 2a e 3b). Tais se inscrevem num processo discursivo em que têm lugar diferentes versões definitórias, afetadas pela variança23 23 Para Orlandi (2001), a variança é condição da formulação e constitui as possibilidades múltiplas pelas quais o discurso se textualiza, tomando-se aí o texto como o sintoma de um sítio significante. Isto porque, na abertura do simbólico, o texto se presta a vários gestos de interpretação, tanto de repetição (paráfrase), quanto de diferença (polissemia), sendo unidade de análise em relação à situação (ORLANDI, 2020), cujo valor não se define pela extensão, mas por se tratar de um modo de individualização do discurso, um fato de linguagem em que está em jogo a dispersão do sujeito. como base para a sua textualização (ORLANDI, 2001ORLANDI, E. P. Discurso e texto. Campinas: Pontes, 2001.). Elas estabelecem, ainda, relação parafrástica entre si, ao tempo que, afetadas pela variança, são atravessadas pela polissemia. Assim, ao se ler a definição presente em 2a como paráfrase de 1c, fica visibilizado o efeito metafórico24 24 “Chamaremos efeito metafórico o fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual, para lembrar que esse ‘deslizamento de sentido’ entre x e y é constitutivo do ‘sentido’ designado por x e y [...]” (PÊCHEUX, 2019, p. 54). constituindo o dito em 2a como formulação do não dito em 1c.

1c: a formalização do poder de quem o detém no momento

2a’: a legitimação dos interesses da classe dominante...25 25 O sinal de apóstrofe indica que se trata de uma sequência submetida a uma paráfrase metodológica.

É possível ler “da classe dominante” (2a), desse modo, como a formulação do tangenciado pela construção “de quem o detém no momento” (1c). Essa variança parece indicar algo quanto à filiação histórica em relação a que tomam posição os enunciadores de uma e de outra sequência. Para interpretá-la, levantarei duas hipóteses. Seja o conceito de formação discursiva (doravante FD):

[...] aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa etc.) (PÊCHEUX, 2014PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014., p. 147).

Havendo tais versões definitórias como gestos de interpretação quanto ao saber inerente à FD em que se inscrevem os respectivos enunciadores, cabe constatar que - enquanto tomadas de posição em face do Sujeito (Universal), isto é, da forma-sujeito que governa a respectiva FD - tais gestos não se constituem como atos originários de seus sujeitos-falantes26 26 Convém sublinhar que aqui não trato do sujeito empírico, ou ainda do indivíduo bio-psíquico, mas de uma concepção de sujeito que o toma como descentrado, afetado tanto pelo real da língua quanto pelo real da história, sem o controle do modo como se dá essa afetação (ORLANDI, 2015). . Antes, são o efeito, na forma-sujeito, da “exterioridade” do real ideológico-discursivo, em que cada tomada de posição:

[...] resulta de um retorno do ‘Sujeito’ no sujeito, de modo que a não-coincidência subjetiva que caracteriza a dualidade sujeito/objeto, pela qual o sujeito se separa daquilo de que ele ‘toma consciência’ e a propósito do que ele toma posição, é fundamentalmente homogênea à consciência-reconhecimento pela qual o sujeito se identifica consigo mesmo, com seus ‘semelhantes’ e com o ‘Sujeito’ (PÊCHEUX, 2014PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014., p. 160).

Em relação ao que precede, compreendo que as paráfrases definitórias 1c e 2a materializam tomadas de posição distintas em relação ao saber que interpela os seus enunciadores e que constitui o sentido de seus enunciados. Numa primeira hipótese, pode-se interpretar que a variança que aí se textualiza é indicativa de que os enunciadores se reconhecem diferentemente em uma mesma FD, considerando-se que o recalcado em 1c possa ser nela licitado. Isto é, o não formulado em 1c e sim em 2a, nestes termos, poderia ser dito, mas não o foi por não ser conveniente27 27 De acordo com Indursky (2013), uma FD indica não apenas o que pode e dever ser dito, bem como o que não pode e não deve, ela indica, também, o que pode mas não convém ser dito. a um gesto de definição que se representa como abstrato e indeterminado28 28 Inclusive sob a repetição de um efeito de indeterminação e generalidade similar ao das leis penais. em relação às conjunturas e objetos a que pode significar.

Numa segunda hipótese, é possível supor que a variança entre o não-formulado em 1c e o formulado em 2a é indicativa de filiações diversas, isto é, do reconhecimento de seus respectivos enunciadores em FD opostas especificamente quanto ao objeto (constituição semântica). Dessa maneira, teria-se que: a) o não-formulado em 1c pertenceria ao indizível da FD que afeta o seu enunciador; b) o formulado em 2a traduziria a materialização do que pode/deve ser dito na FD outra; c) a variança entre 1c e 2a indicaria que há uma fronteira dividindo contraditoriamente o dizível em formas-sujeito distintas, pelo que se facultam tomadas de posição diversas para os enunciadores de uma e de outra versão definitória.

Na forma como eu leio, as paráfrases definitórias 1c e 2a textualizam o político de modo diferenciado. Em 1c, por denegação. Em 2a, pelo efeito de divisão. No primeiro caso, permanece não dito o titular do poder, através da construção (quem o detém no momento). No segundo, esse não só é dito (classe dominante) como implica, transversamente, o seu outro (classe dominada). Dessa maneira, formalizar o poder de x e legitimar os interesses de y se opõem semanticamente, oposição que realiza um dos efeitos materiais da determinação histórica do discurso do direito como nova língua de madeira da época moderna, “[...] na medida em que ela representa no interior da língua, a maneira política de negar a política” (PÊCHEUX, 1990PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos lingüísticos, v. 19, p. 7-24, 1990., p. 11).

Contudo, se, por um lado, a paráfrase definitória formulada pelo enunciador de 2a, parece materializar uma tomada de posição identificada em relação a sua forma-sujeito respectiva; por outro, a formulada pelo enunciador de 1c indica um movimento de recuo crítico em relação a ela. Isso, como interpreto, em face do efeito de sentido de distanciamento produzido pelo funcionamento do verbo ser no futuro do pretérito do indicativo (seria). Ademais, cabe mencionar que é somente na sequência 1, em que está linearizada 1c, que há a ocorrência do discurso relatado, enquanto marcação formal-enunciativa da distância, já que, nas demais sequências, os gestos definitórios incorporam o saber proveniente da memória, ou o deslocam, sob um efeito de homogeneidade e mediante uma tomada de posição identificada de seus enunciadores em relação ao Sujeito Universal de sua(s) respectiva(s) FD. Segundo penso, essa posição de recuo é efeito da sobredeterminação do interdiscurso29 29 Para Pêcheux (2014, p. 148-149, grifo do autor): “Toda formação discursiva dissimula, pela transparência do sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao ‘todo complexo com dominante’ das formações discursivas, intrincado no complexo das formações ideológicas [...]”, sendo esse todo complexo, determinante da “[...] reconfiguração das FD nas quais se constroem os enunciados [...]” (COURTINE; MARANDIN, 2016, p. 52), denominado interdiscurso. sobre as fronteiras da FD matriz de sentido de 1c.

Contrastando a relação parafrástica entre as versões definitórias 1c e 2a - as quais, definindo um mesmo objeto, o fazem sob formas diferentes - com a observada em 3b, compreendo que, nessa última, a paráfrase definitória é invadida radicalmente pela polissemia:

3b. … aquela cuja interpretação de suas normas depende da averiguação de seu conteúdo significativo...

Não há qualquer alusão ao poder político e/ou ao seu titular, como ocorre em 1c e 2a. Neste caso, a definição põe em jogo outro sentido de constituição semântica, dessa vez, como relativo à averiguação de seu conteúdo significativo. É em face, assim, de um discurso sobre a interpretação que o enunciador em questão formula a paráfrase definitória, a qual opera sentidos diversos em relação às demais; de onde acredito poder dizer que as definições examinadas (1c/ 2a e 3b) se inscrevem em redes de memória distintas, as quais se tocam na relativa estabilidade da superfície significante, isto é, através da retomada de construções sintagmáticas já existentes no interdiscurso, mas se disjugem nos termos de sua interincompreensão e desentendimento recíprocos30 30 Sobre o conceito de interincompreensão, v. Maingueneau (2005). .

Da ordem do ex-cêntrico o fato de que é somente em 3b que o determinante discursivo semântica se relaciona ao sentido da constituição que classifica, relação que se sustenta na imaginarizada oposição entre denotação (constituição nominalista) e conotação (constituição semântica). Em 1c e 2a, paradoxalmente, semântica diz respeito a um sem-sentido especificamente jurídico-normativo: discursivização do não-sentido do sentido como sem-sentido e tamponamento do político como próprio ao sentido. Em 1c, o sem-sentido de uma forma que não informa a matéria (prática real). Em 2a, o de uma legitimação que é estritamente política, passando supostamente ao largo do jurídico.

Se em 1c e 2a o saber discursivizado materializa gestos de interpretação possibilitados mediante a incorporação contraditória do discurso outro pela(s) sua(s) respectiva(s) FD, discurso esse que tem na classificação ontológica das constituições de Loewenstein um de seus principais lugares de ancoragem imaginária e efeito de fundação;31 31 Nos termos de Orlandi (1993), um discurso fundador é um dizer referencial que instala as condições de formações de outros dizeres, estabilizando uma região de sentidos, “um sítio de significância” configurando múltiplos processos de identificação. em 3b, diferentemente, a retomada do mesmo saber é afetada por uma infelicidade performativa (PÊCHEUX, 2015cPÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas, SP: Pontes, 2015c.), por um esquecimento que a situa na ordem de uma memória lacunar ou com falhas (COURTINE, 1999COURTINE, J. J. O chapéu de Clémentis. In: INDURSKY, F; FERREIRA, M.C.L. (Orgs.). Os múltiplos territórios da análise do discurso. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 1999.), licitando variança como sintoma de que o objeto do discurso é agenciado por outro nível de opacidade, como relativo a outra FD em tensão com aquela(s) em que se reconhecem os enunciadores de 1c e 2a. Em 3b, assim, o enunciador pode se constituir como autor do enunciado definitório, historicizando a sua relação com o Outro (interdiscurso); enquanto que, em 1c e 2a, as paráfrases definitórias textualizam, entre si, gestos de repetição formal.32 32 De acordo com Orlandi (2004), se a repetição histórica põe em jogo uma historicização do dizer e a sua costura com outros enunciados presentes na memória, marcando uma posição de autoria; a repetição formal guarda pouca diferença em relação ao já-lido e ao já-ouvido, não indo além de um mero exercício gramatical.

O procedimento de descrição das definições em funcionamento no dizer classificatório sobre as constituições auxilia, segundo a análise proposta, em compreender que: a) a prática discursiva jurídico-doutrinária é dividida em seu interior; b) nenhum dos gestos definitórios analisados é materialmente neutro; pelo contrário, as operações linguístico-discursivas de saturação em jogo na ilusão categorial da doutrina jurídica são da ordem do político e, por meio da circunscrição de suas pertenças, intervêm no sensível em termos de reprodução não econômica das relações de produção (ALTHUSSER, 2008ALTHUSSER, L. Sobre a reprodução. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.). É assim que, segundo penso, a filosofia espontânea da linguagem, enquanto região do SCTJ e de seus modos de fazer laço social na história, empurra algo para o impossível,33 33 Se todo discurso cria um laço em torno de um impossível, isto é, de um mal-estar (LACAN, 1992), entendo que esse impossível se especifica nos limites instáveis e cambiantes de uma filiação histórica (FD), sendo por ela determinado. considerando as relações interpretáveis como efeitos de antecipação gestados no sempre-ainda (COURTINE, 2009COURTINE, J. J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EdUFSCar, 2009.) da(s) FD em presença.

Se as ditas constituições normativas podem, então, funcionar como um parâmetro constitucional no imaginário democrático, a chamada constituição semântica se inscreve, de maneira dominante, na memória de um futuro constitucional que não pode acontecer.34 34 Sobre o conceito de memória do futuro, v. Mariani (1996). É interessante observar, a esse respeito, como que, nas sequências discursivas a seguir, as quais integram o domínio de atualidade35 35 Segundo Courtine (2009), no domínio de atualidade são agrupadas as sequências discursivas conjunturalmente coexistentes com as sequências discursivas de referência, mantendo entre si um aspecto “dialogado”, sob a forma de efeitos de citação, resposta ou refutação. constituído para as três sequências discursivas de referência em análise, os sentidos de constituição semântica: a) comparecem para significar, de maneira estabilizada, a constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937; b) são atualizados pela discursivização de um futuro espectral rondando o presente político da constituição em vigor:36 36 O SN em questão, convém anotar, comparece também para significar as Constituições de 1967, a Emenda Constitucional de 1969, além da de 1937, em materiais como, por exemplo, apostilas preparatórias para concursos de carreiras jurídicas. Contudo, no espaço jurídico-doutrinário dos manuais jurídicos brasileiros consultados, a posição dominante é a de que somente a Constituição de 1937 foi uma constituição semântica.

4. A Constituição do Estado Novo ou Polaca - pela clara vinculação com os ideais nazi-fascistas - foi elaborada por Francisco Campos e deveria ser submetida ao plebiscito nacional, fato que nunca aconteceu. Texto outorgado em 10 de novembro de 1937, teve como base a ditadura de Getúlio Vargas e sua implantação era justificada pelo medo da infiltração comunista em terra brasilis. Sua característica principal foi a centralização do poder nas mãos do Executivo que governava através de decretos. Foi uma constituição semântica uma vez que servia apenas para legitimar o poder de Vargas (TRINDADE, 2015TRINDADE, A.F.R. Manual de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2015., online, grifo meu).

5. Embora Loewenstein não cogitasse naquelas décadas de uma onipotência do judiciário, parece que este último poder assumiu uma condição de protagonista político no Brasil. Contudo, na medida em que o judiciário age a partir de estratégias políticas de ocupação de espaços de poder em vez de se colocar como guardião da Constituição e das leis, esse fortalecimento do protagonismo judicial pode paradoxalmente conduzir a um constitucionalismo semântico no modelo loewensteiniano. Se a Constituição deixa de ser parâmetro decisório e é substituída pela “opinião pública” ou pela “voz das ruas”, como já dito por Ministros da atual composição do Excelso Pretório, o risco desse semantismo constitucional é considerável e é possível alegoricamente encomendar um réquiem hermenêutico para a Constituição balzaquiana brasileira (GALINDO, 2018GALINDO, B. Os 30 anos da Constituição: a balzaquiana brasileira e o constitucionalismo semântico. Justificando. 2018. Disponível em: https://www.justificando.com/2018/12/03/os-30-anos-da-constituicao-a-balzaquiana-brasileira-e-o-constitucionalismo-semantico/. Acesso em: jan. 2020.
https://www.justificando.com/2018/12/03/...
, p. 4, grifo meu).

A sequência 4 foi recortada de intradiscurso, produzido em um manual de direito constitucional, em que o enunciador diz sobre a história das constituições brasileiras, pondo-se em jogo um efeito de estabilização da memória política do país. O funcionamento do verbo ser no pretérito perfeito do indicativo (foi) não é, então, neutro ou descritivo, mas intervém como a materialização de uma tomada de posição afirmada contra o exercício autoritário e centralizado do poder no governo Vargas, no que a definição de constituição semântica ganha corpo para significar a constituição do período (1937). Encontro aqui posição de interpretação análoga à afirmada pelos enunciadores das versões definitórias 1c e 2a, com a ressalva de que, tal como em 2a, em 4 o titular do poder é designado. Neste caso, por força da redução da contradição histórica ao efeito de exemplificação do antagonismo quanto à conjuntura de que se fala e em relação ao que o verbete é convocado a se atualizar.

A sequência 5 foi recortada do intradiscurso de texto publicado em espaço enunciativo informatizado de divulgação de notícias e artigos jurídicos denominado Justificando - mentes inquietas pensam o Direito. Em sua seção de apresentação, afirma-se uma tomada de posição pró-democracia e contra “[...] um Judiciário tão partidarizado, reacionário e desvinculado da Constituição Federal, dos fundamentos da República” (online). O enunciador articulista retoma sentidos de constituição semântica para, assim, a despeito de discursivizar uma reflexão sobre os a época (2018) trinta anos da constituição atualmente vigente, fazer frente a um futuro político que ameaça se concretizar: o de um constitucionalismo semântico que se reescritura,37 37 Partindo de Guimarães (2005), compreendo o processo semântico de reescritura como uma operação mediante a qual a enunciação de um texto rediz o já-dito, fazendo-o diferente de si. na linearidade da sequência, como semantismo constitucional.

Ao se redizer o já-dito verbetizado pela memória institucional, esse emerge ressignificado, convocando à deriva as posições que o interpretam como relativo ao sentido (3b) e a um sem-sentido jurídico-normativo (1c e 2a). Transformadas, as aludidas posições se qualificam a ocupar um lugar na sequência, através da conjunção de processos morfológico-derivacionais (afixação) e sintáticos, injungidos pela ideologia, que atuam sobre a entrada. Esses processos possibilitam, assim, o efeito da sinonímia contextual entre os SN constitucionalismo semântico e semantismo constitucional. Tem-se, então, o sem-sentido de um judiciário onipotente e protagonista, que averigua o significado da constituição, ao invés de se colocar como guardião de sua literalidade, a partir da “opinião pública” ou da “voz das ruas”, o que faz da interpretação uma de suas estratégias políticas de ocupação de espaços de poder.

Sem-sentido porque, em minha compreensão, opõe-se a um dizer fundador (ORLANDI, 1993ORLANDI, E. P. Discurso fundador: a formação do país e a construção da identidade nacional. Campinas, Pontes, 1993.) das constituições modernas, com que se identifica o enunciador, cuja significância domina e instala as condições de formação de dizeres sobre a interpretação judicial no espaço jurídico regulamentar (PÊCHEUX; GADET, 2004GADET, F.; PÊCHEUX, M. A língua inatingível: o discurso na história da linguística. Campinas, SP: Pontes, 2004.). Trata-se de um dizer ancorado da discursividade iluminista da separação de poderes, segundo penso. A sua materialidade repetível38 38 Embasa este meu gesto de leitura a noção enunciado como materialidade repetível (FOUCAULT, 2019) e sua revisão conforme Courtine (2009). - o juiz é a boca que pronuncia as palavras da lei e dos três poderes, o de julgar é, de alguma forma, nulo -,39 39 Tem-se aqui dois esquemas de saber recuperáveis no texto O Espírito das Leis (1748), de Montesquieu, enquanto dizer fundador das Constituições Modernas. introjetada pela FD em que está inscrito o enunciador em questão, horizontaliza-se na sequência examinada, tendo como uma de suas reformulações possíveis: “o judiciário age a partir de estratégias políticas de ocupação de espaços de poder em vez de se colocar como guardião da Constituição e das leis”.

Retornando às duas hipóteses que levantei anteriormente com respeito às tomadas de posição 1c e 2a indicarem ou não a presença de FD opostas, ou modalidades distintas de identificação dos enunciadores em questão quanto a uma mesma; impende insistir no fato de que “[...] uma FD não é ‘uma só linguagem para todos’, tampouco ‘cada um com sua linguagem’, mas ‘as linguagens em um mesmo’” (COURTINE; MARANDIN, 2016COURTINE, J. J.; MARANDIN, J.M. Que objeto para a análise do discurso? In: CONEIN, B. et al. (Org.). Materialidades discursivas. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2016., p. 39, grifo dos autores). Direi, portanto, e sem mais delongas, que as tomadas de posição 1c e 2a se inscrevem num mesmo saber, de onde constituição semântica pode e deve ser significada como um sem-sentido jurídico-normativo, mesmo que seja licitada alguma variança e oposição intrínsecas (sob as formas e os efeitos da abstração e da representação democrática da divisão, repectivamente). A essa matriz de sentido, relativamente idêntica e divida em relação a si mesma, notarei FD1. Por outro lado, a 3b corresponde outro nível de opacidade, estruturando historicamente outras formas de repetição e regularização do objeto. A esse saber outro notarei FD2.

Ao interpretar os efeitos de diálogo entre as posições 1c, 2a e 3b e seu domínio de atualidade, delimitado aqui pelas sequências 4 e 5, pode-se compreender que, ao significar o objeto do discurso em questão, o enunciador de 4 se reconhece na forma-sujeito da FD1. Por outro lado, o saber que estrutura o enunciador de 5 não se refere nem à FD1, tampouco à FD2, mas a um fusionamento das posições por elas comandadas, que, sobredeterminado pelo interdiscurso, faz delas a matéria-prima de um saber-matriz outro, a que notarei FD3. Segundo penso, essa terceira forma de dispor dos objetos só é possível porque as FD1 e 2 não representam gramáticas ideológicas diversas ou põem em jogo repetições isoladas, mas realizam e desenvolvem uma mesma formação ideológica: a dominante conjuntural que outorga o lugar de dominância à FD3, quanto aos sentidos ora descritos, para conter uma alteridade, de cujo sintoma é o protagonismo judicial: espaço virtual de representação do discurso outro e de investimento das fronteiras cambiantes e porosas da FD3.

Para situar essa opacidade, pergunto: o que é necessário40 40 Não se trata aqui de investigar uma necessidade supostamente decidida no e pelo cogito. Antes, cuido de produzir conhecimento a partir dos efeitos tangíveis, na materialidade da língua, de uma ignorância pelo que o pensado dissimula o impensado no próprio pensamento (PÊCHEUX, 2014). que seja a língua para que constituição semântica possa fazer sentido, na prática discursiva jurídico-doutrinária, pela estabilização da memória constitucional e enquanto delimitação de um futuro espectral rondando a constituição atualmente vigente? Direi: uma máquina retórica, fragmentada e descontextualizada, sob imagens de língua aparentemente distintas, isto é, pequenas condensações de saber vagamente identificáveis (FD1 e FD2), para ser, novamente, reunida e repetida como diferente de si mesma (FD3). É assim que se pode processar, no discurso, um semântico: a) como relativo a um sem-sentido normativo, em que a constituição é uma mercadoria fabulosa para inglês ver, isto é, uma inflexão do significado (democrático) da verdade como propaganda ideológica de um exercício anti-democrático do poder; b) como relativo a uma “classe” de constituição interpretável em oposição a uma “classe” de constituição aplicável; c) reescrito como o sem-sentido de um judiciário que interpreta o significado da constituição atualmente vigente, ao invés de aplicá-la em sua literalidade/normatividade. É só uma noção de língua enquanto máquina retórica que pode conter, no interior de si mesma, o par assimétrico denotação/conotação, realizando o primado imaginário do literal sobre a metáfora. Nos termos de Pêcheux (1990PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos lingüísticos, v. 19, p. 7-24, 1990., p. 11-12):

Espaço da artimanha e da linguagem dupla, linguagem de classe secreta onde o ‘bom entendedor’ encontra sempre sua salvação, a língua da ideologia jurídica permite conduzir a luta de classes sob a aparência da paz social: o que os clássicos do marxismo chamaram ‘fraseologia’ ou ‘frase democrática’.

Assim, a filosofia espontânea da linguagem do jurídico, enquanto região específica de seu senso comum teórico, leva adiante, em termos de reprodução não-econômica e relativamente interna das relações de produção atuais, a ilusão do literal como sustentáculo do Estado de direito. E isso sob a simulação de esquemas lógico-formais necessária ao espaço jurídico regulamentar. Falo de uma formação ideológica sustentante do imaginário jurídico de língua, qual seja, a ideologia da transparência, que, junto a outra, a de que somos todos sujeitos, opera efeitos específicos em nossa formação social. Conforme Althusser (2008ALTHUSSER, L. Sobre a reprodução. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008., p. 284, grifo do autor):

Como todas as evidências, incluindo as que fazem como que uma palavra ‘designe uma coisa’ ou ‘possua uma significação’ (portanto, incluindo as evidências da ‘transparência’ da linguagem), essa ‘evidência’ de que você e eu somos sujeitos - e de que isso não crie problema - é um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar. Com efeito, o caráter próprio da ideologia é impor (sem que se dê por isso, uma vez que se trata de ‘evidências’) as evidências como evidências, que não podemos deixar de reconhecer e diante das quais a inevitável e natural reação de exclamar (em voz alta, ou no ‘silêncio da consciência’): ‘é evidente! é isso mesmo! é mesmo verdade!’

Isso deve significar, numa formação social em que domina o Modo de Produção Capitalista, que à ilusão “plenamente visível” de que somos todo sujeitos de direito - leia-se: livremente submissos - alinhe-se a da sistematicidade jurídica, conforme a qual, saturando-se, o direito possa colocar em prática a sua necessidade histórica de redução das contradições possíveis, tratando de assegurar o primado ideológico do literal sobre o sentido outro.

5 Linguagem e senso comum (teórico dos juristas)

Definir e classificar são da ordem do político. Por meio dessas operações linguageiras, a doutrina elabora a sua defesa e ilustração do discurso, do ensino e da produção da prática jurídicos. Isso, pondo em jogo um procedimento de comentário, desde o que se representa no interior da ilusão enunciativa, mas também epistêmica, de que os sentidos adquirem nela o seu início e, assim, assegurar a redução da memória do dizer à memória jurídica. Como discurso sobre o jurídico, estruturante da ideologia jurídica na língua, a prática definitória e classificatória jurídico-doutrinária se ritualiza por meio da fabricação de pré-construídos. Como verdadeiros coágulos de sentido, fragmentos descontextualizados do discurso outro, esses são desnivelados e reconvocados através de gestos de repetição e paráfrase. Pertenças constantemente reinvestidas e estabilizadas pelos seus suportes: sujeitos e enunciados. Dizer sobre constituição, classificá-la em espécies categoriais é, então, dispor da eficácia material da ideologia em dada conjuntura, atuando na saturação sintática e discursiva dos objetos: generalizar, estabilizar, dividir, distinguir, repartir, ordenar, coordenar para hierarquizar sentidos na relação com uma memória que se representa como linear e homogênea, embora constantemente surpreendida, aqui e ali, na insistência do outro sentido. Trabalho da heterogeneidade.

Diante disso, refletir sobre o SCTJ me leva, a partir do gesto analítico empreendido, a reinscrever a própria noção genérica de senso comum na contradição. Ora, como entendo, sequer o senso comum em geral poderia, numa perspectiva materialista, ser concebido como um a priori sócio-histórico, um campo de evidências compartilhado pelos sujeitos nele inscritos, ou ainda como uma época no sentido de um certo mentalismo historiográfico. Nisso está a relevância do conceito de FD como operador da clivagem, representativo do fato de que as evidências constitutivas do senso comum são sempre e conjunturalmente cindidas, já que sobredeterminadas por um estado interdiscursivo de combinações e dominâncias. Precisamente pelo que precede, não se poderia circunscrever o SCTJ ao campo relativo a uma sociedade (jurídica) de discurso,41 41 Sobre a noção de sociedades de discurso, v. Foucault (2014). conservadora e produtora de discursos circulantes em espaços restritos. Antes, ao tratar do SCTJ, supondo o lugar do Outro e do real histórico, torna-se admissível o seu desdobramento no social como dispersão. Disso parecem representativas formulações cotidianas, nas quais talvez se poderia ler a transformação conjuntural das condições de enunciação doutrinária, tais como:

  1. Judiciário não é legislativo.42 42 Formulação extraída de tweet publicado em 05 de junho de 2018 em perfil de sujeito que se descreve como jurista.

  2. [...] o supremo NÃO legisla [...].43 43 Formulação extraída de comentário em transmissão do Youtube, feita pelo canal Põe na roda, da votação do Supremo sobre a criminalização da homofobia no Brasil em 14 de fevereiro de 2019.

  3. A obrigação do STF não é criar leis e sim proteger a constituição, único que deve debate sobre esse assunto e criar leis é o legislativo que são eleitos pelo povo Brasileiro.44 44 Formulação extraída de comentário em transmissão do Youtube, feita pelo canal Põe na roda, da votação do Supremo sobre a criminalização da homofobia no Brasil em 14 de fevereiro de 2019.

Formulações que fazem frente ao espectro do “semantismo constitucional” (sequência 5), desdobrado na dispersão do social como juridismo45 45 Sobre o conceito de juridismo, v. Lagazzi (1988) e Modesto (2019). - por exemplo, pela possibilidade da sinonímia entre as palavras lei e decisão e dos campos lexicais a elas associados, no cotidiano das mídias digitais (Twitter e Youtube, especificamente). Em a, b e c é possível ler a retomada de evidências sustentantes do imaginário teórico do jurídico, dando lugar a posições doutrinárias inscritas em diferentes ordens do cotidiano, distintos regimentos enunciativos e jogos de linguagem. Isso, conforme penso, corrobora a tese de que nem a doutrina jurídica é um mundo à parte do social, uma sociedade de discurso, nem o SCTJ constitui o campo homogêneo e circunscrito das suas ideias, a sua “secreta” superestrutura abstrata e imaterial. Ao revés, tem-se a eficácia material de uma ideologia, a do direito, e de suas obviedades sobre um mundo que é, ao mesmo tempo, Um e não-Um, que não para de se dividir.

Retornando à problemática da filosofia espontânea da linguagem e de sua estruturação material na discursividade da língua como SCTJ (divisão do trabalho das evidências do imaginário teórico do direito em FD), desejo, ainda, sublinhar outro sintoma implicado na relação direito/linguagem. Ao retomar de Warat (1987WARAT, L. A. As vozes incógnitas das verdades jurídicas. Sequência: estudos jurídicos e políticos, v. 8, n.14, p. 57-61, 1987.) a compreensão de que o fazer científico do jurídico se constitui no interior e pelos efeitos de uma ilusão epistêmica, toco a questão, posta por Bobbio (1990), da jurisprudência, definida como ciência do direito em sentido estrito (LARENZ, 1997LARENZ, K. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Serviço de Educação Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.), enquanto análise da linguagem: “Sobre esta base, y sólo sobre esta base, se convierte en ciencia” (BOBBIO, 1990, p. 184). Aproximo essa afirmação de outra do mesmo autor:

[...] hasta hoy el jurista no ha podido nunca reencontrarse a sí mismo y a su trabajo en las principales figuras de ‘científico’ propuestas por las distintas concepciones de la ciencia. En otras palabras, hasta hoy la jurisprudencia no ha logrado nunca reconocerse plenamente a sí misma en la definición de ciencia que ha ido siendo formulada por las distintas teorías de la ciencia (BOBBIO, 1980BOBBIO, N. Ciencia del Derecho y Análisis del Lenguaje. In: ______. Contribución a la teoría del Derecho. Valencia: Fernando Torres ed., 1980., p. 172).

Não estariam as condições mesmas desse “reconhecimento do jurista no lugar de cientista” obstruídas desde sempre pelos processos ideológico-espontâneos que simulam constitutivamente a relação entre os mecanismos da dedução conceitual e os operadores jurídicos? E, se o direito não é um “domínio de aplicação” da Lógica, pura e simplesmente (PÊCHEUX, 2014PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014.), não podendo o jurista realizar algo mais, na mais otimista das hipóteses, do que uma prática folk integrável (PAVEAU, 2018PAVEAU, M.A. Não linguistas fazem linguística? Uma abordagem antieliminativa das ideias populares. Policromias-Revista de Estudos do Discurso, Imagem e Som, v. 3, n. 2, p. 21-45, 2018.), como resta e o que resta da/à jurisprudência?

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  • 1
    Epígrafe extraída de Foucault (2014FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 47-48).
  • 2
    Marcadas em itálico, tem-se uma série de construções sintagmáticas extraídas de textos representativos, na memória social, de tomadas de posição denegatórias em face das atuais contradições reais que se processam na formas política e jurídicas do Modo de Produção Capitalista, agrupadas sob a palavra crise.
  • 3
    Sobre a noção de ontologia do presente, v. Foucault (2008FOUCAULT, M. O que são as Luzes? In: MOTTA, M. B. (Org.). Ditos e escritos: arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.).
  • 4
    A prática de leitura a que aludi se desdobra com e a partir da fundação do que se convencionou chamar Análise de Discurso - perspectiva avessa àquelas empreendidas pelas análises de conteúdo. Trata-se de um dispositivo, de orientação materialista, formulado por Michel Pêcheux e seu círculo, na França, em 1969, que passou a congregar diversos gestos de ampliação, revisão e deslocamento, por exemplo, no Brasil, a partir dos trabalhos de Eni Orlandi e demais pesquisadores.
  • 5
    Sobre o tema, consultar Saussure (2012SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2012.).
  • 6
    Importante salientar que uma revisão bibliográfica sobre o que se convencionou chamar teorias discursivas da constituição extrapola os objetivos deste texto, haja vista que o que se visa aqui é a instalação de um empreendimento leitor avesso a tais propostas no sentido mesmo em que parte da démarche de um conceito de discurso bastante específico. Resta pendente, então, como agenda teórica para investigações futuras um tal exercício analítico de investigação acerca do funcionamento ideológico da noção de discurso em tais teorias e seus efeitos sobre o objeto constituição. Para uma exposição crítica sobre as denominadas teorias discursivas da constituição, v. Streck (2011STRECK, L. L. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.).
  • 7
    O conceito de prática discursiva aqui empregado remonta à Arqueologia do saber (1969), de Foucault, conforme o que o objeto discursivo é havido em termos de uma prática tomada em um dado sistema de formação, em radical oposição a sua acepção tradicional enquanto conjunto de signos, isto é, de “[...] elementos significantes remetendo a conteúdos ou representações [...]” (FOUCAULT, 2019FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2019., p. 60). Tal oposição atua no sentido de reincluir o “a mais” irredutível à língua e à fala. Por meio deste conceito, assim, pode-se levar em conta o extralinguístico, o ideológico, desde uma perspectiva antissubjetiva (MALDIDIER; NORMAND; ROBIN, 2014MALDIDIER, D.; NORMAND, C.; ROBIN, R. Discurso e ideologia: bases para uma pesquisa. In: ORLANDI, E. P. Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014.), como uma força material e não como puro não-ser (PÊCHEUX, 2014PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014.).
  • 8
    Sobre o conceito de filosofia espontânea dos cientistas, v. Althusser (1976ALTHUSSER, L. Filosofia e filosofia espontânea dos cientistas. Lisboa: Editorial Presença, 1976.).
  • 9
    O conceito de língua adotado não reitera a dicotomia saussuriana língua/fala. Antes, considera a língua como a base comum de processos discursivos diferenciados. Desse modo, o discurso não substitui teoricamente a fala e tampouco se opõe à língua, mas tem, nessa última, a sua materialidade específica. Sobre isso, ver Pêcheux (2014PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014.).
  • 10
    Essa minha formulação parte de um movimento heurístico de apropriação e articulação das noções de doutrina de Edelman (1976EDELMAN, B. O direito captado pela fotografia. Coimbra: Centelho, 1976.) e de Foucault (2014FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2014.).
  • 11
    A propósito da distinção metodológica entre dizer sobre e dizer de, v. Mariani (1996MARIANI, B. O comunismo imaginário: práticas discursivas da imprensa sobre o PCB (1922-1989). Tese (Doutorado em Linguística) Instituto de estudos da linguagem, Universidade de Campinas. São Paulo, p. 256. 1996.).
  • 12
    O conceito de memória discursiva aqui empregado em nada se reporta aos traços corticais dentro de um organismo, aos traços cicatriciais sobre esse mesmo organismo, ou ainda aos traços comportamentais depositados em seu exterior. Ao revés, trata-se de um conjunto complexo, exterior e preexistente ao organismo, cujas séries de tecidos de índices legíveis são suscetíveis de constituir um corpo sócio-histórico de traços (PÊCHEUX, 2015bPÊCHEUX, M. Leitura e memória: Projeto de pesquisa. In: ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: Michel Pêcheux. Campinas: Pontes, 2015b.). Em outras palavras “[...] a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível” (PÊCHEUX, 1999, p. 52).
  • 13
    Sobre o conceito de efeitos de sentido, ver Pêcheux (2019PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. Campinas, SP: Pontes, 2019.).
  • 14
    O arquivo é aqui compreendido, nos termos de Pêcheux (1994PÊCHEUX, M. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, E (Org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1994., p. 57), como um “[...] campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão” que possui, como um de seus incontornáveis feixes, a materialidade da língua (BARBOSA FILHO, 2017BARBOSA FILHO, F. R. A resistência do arquivo. In: Anais do VIII Seminário de Estudos em Análise do Discurso (SEAD), realizado de 12 a 15 de setembro de 2017. Disponível em: <https://5e63f736-c0bf-426c-b8fc-6d3b71d6b5ef.filesusr.com/ugd/27fcd2_bfbe641b394c43a0804367be7b78de2d.pdf>. Acesso em: 19/04/2021.
    https://5e63f736-c0bf-426c-b8fc-6d3b71d6...
    ). Para uma análise sobre o funcionamento do arquivo jurídico, especificamente quanto à prática de escrita da lei, consultar Zoppi-Fontana (2005). Nos termos de Orlandi (2006ORLANDI, E.P. Análise de Discurso. In: RODRIGUES-LAGAZZI, S.; ORLANDI, E.P. (Orgs.). Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. Campinas: Pontes, 2006., p. 22), ainda, compreendo que “[...] a memória de arquivo representa o discurso documental, a memória institucionalizada que é aquela justamente que fica disponível, arquivada em nossas instituições e da qual não esquecemos. A ela temos acesso, basta para isso consultar os arquivos onde ela está representada”.
  • 15
    Tendo por base que, na Semântica Discursiva a que me filio, a delimitação de corpus não obedece a critérios empírico-positivistas, mas teóricos, a forma de análise aqui empreendida não visará a uma exaustividade de extensão e completude do objeto empírico, posto seu caráter inesgotável advindo do fato de nenhum discurso ser fechado em si mesmo. Ainda, não tratarei de dados como ilustrações, mas de fatos de linguagem, cuja exaustividade pertinente é a vertical, considerada em relação aos objetivos e alcance da análise, levando a consequências teóricas relevantes. Sobre essa especificidade, ver Orlandi (2015ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2015.).
  • 16
    Em termos gerais, entenda-se o “[...] intradiscurso de uma sequência discursiva [...] como o lugar onde se realiza a sequencialização dos elementos do saber [...]” (COURTINE, 2009COURTINE, J. J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EdUFSCar, 2009., p. 101).
  • 17
    Os recortes são considerados aqui, nos termos de Orlandi (1984ORLANDI, E. P. Segmentar ou recortar. Série estudos, v. 10, p. 9-26, 1984.), unidades discursivas, isto é, fragmentos de linguagem-e-situação, pedaços não mensuráveis em sua linearidade. O seu princípio de efetuação é a incompletude, dando-se conforme os tipos de discurso, a configuração de suas condições de produção, o objetivo e o alcance da análise.
  • 18
    Sobre o conceito de político aqui empregado, v. Rancière (1996RANCIÈRE, J. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora 34, 1996.).
  • 19
    Por sequência discursiva se deverá entender aqui toda sequência verbal, oral ou escrita (COURTINE, 2009COURTINE, J. J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EdUFSCar, 2009.) e/ou não-verbal, cuja materialidade não é a do excerto ou mero fragmento textual linear.
  • 20
    No sentido de que “[...] o sujeito tem de inserir seu dizer no repetível (interdiscurso, memória discursiva) para que seja interpretável” (ORLANDI, 2004, p. 48).
  • 21
    Filio-me aqui à concepção de Sírio Possenti para quem, conforme Martins e Borges (2015MARTINS, N. R. S. P.; BORGES, R. S. A semântica dos nomes nus no português brasileiro falado em Teresina-PI. Letrônica, v. 8, n. 2, p. 454-466, 2015.), a leitura dos nomes (aparentemente) nus é sempre específica.
  • 22
    Apesar de, para a maioria dos linguistas, os adjetivos não pertencerem ao rol dos determinantes linguísticos, concordo com Indursky (2013INDURSKY, F. A fala dos quartéis e as outras vozes. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013.) quando afirma que podem se qualificar ideologicamente enquanto determinantes discursivos.
  • 23
    Para Orlandi (2001ORLANDI, E. P. Discurso e texto. Campinas: Pontes, 2001.), a variança é condição da formulação e constitui as possibilidades múltiplas pelas quais o discurso se textualiza, tomando-se aí o texto como o sintoma de um sítio significante. Isto porque, na abertura do simbólico, o texto se presta a vários gestos de interpretação, tanto de repetição (paráfrase), quanto de diferença (polissemia), sendo unidade de análise em relação à situação (ORLANDI, 2020), cujo valor não se define pela extensão, mas por se tratar de um modo de individualização do discurso, um fato de linguagem em que está em jogo a dispersão do sujeito.
  • 24
    “Chamaremos efeito metafórico o fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual, para lembrar que esse ‘deslizamento de sentido’ entre x e y é constitutivo do ‘sentido’ designado por x e y [...]” (PÊCHEUX, 2019PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. Campinas, SP: Pontes, 2019., p. 54).
  • 25
    O sinal de apóstrofe indica que se trata de uma sequência submetida a uma paráfrase metodológica.
  • 26
    Convém sublinhar que aqui não trato do sujeito empírico, ou ainda do indivíduo bio-psíquico, mas de uma concepção de sujeito que o toma como descentrado, afetado tanto pelo real da língua quanto pelo real da história, sem o controle do modo como se dá essa afetação (ORLANDI, 2015ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2015.).
  • 27
    De acordo com Indursky (2013INDURSKY, F. A fala dos quartéis e as outras vozes. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013.), uma FD indica não apenas o que pode e dever ser dito, bem como o que não pode e não deve, ela indica, também, o que pode mas não convém ser dito.
  • 28
    Inclusive sob a repetição de um efeito de indeterminação e generalidade similar ao das leis penais.
  • 29
    Para Pêcheux (2014PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014., p. 148-149, grifo do autor): “Toda formação discursiva dissimula, pela transparência do sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao ‘todo complexo com dominante’ das formações discursivas, intrincado no complexo das formações ideológicas [...]”, sendo esse todo complexo, determinante da “[...] reconfiguração das FD nas quais se constroem os enunciados [...]” (COURTINE; MARANDIN, 2016COURTINE, J. J.; MARANDIN, J.M. Que objeto para a análise do discurso? In: CONEIN, B. et al. (Org.). Materialidades discursivas. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2016., p. 52), denominado interdiscurso.
  • 30
    Sobre o conceito de interincompreensão, v. Maingueneau (2005MAINGUENEAU, D. Gênese dos Discursos. Curitiba: Criar, 2005.).
  • 31
    Nos termos de Orlandi (1993ORLANDI, E. P. Discurso fundador: a formação do país e a construção da identidade nacional. Campinas, Pontes, 1993.), um discurso fundador é um dizer referencial que instala as condições de formações de outros dizeres, estabilizando uma região de sentidos, “um sítio de significância” configurando múltiplos processos de identificação.
  • 32
    De acordo com Orlandi (2004), se a repetição histórica põe em jogo uma historicização do dizer e a sua costura com outros enunciados presentes na memória, marcando uma posição de autoria; a repetição formal guarda pouca diferença em relação ao já-lido e ao já-ouvido, não indo além de um mero exercício gramatical.
  • 33
    Se todo discurso cria um laço em torno de um impossível, isto é, de um mal-estar (LACAN, 1992LACAN, J. O seminário, livro 17: O avesso da psicanálise, 1969-1970. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 1992.), entendo que esse impossível se especifica nos limites instáveis e cambiantes de uma filiação histórica (FD), sendo por ela determinado.
  • 34
    Sobre o conceito de memória do futuro, v. Mariani (1996MARIANI, B. O comunismo imaginário: práticas discursivas da imprensa sobre o PCB (1922-1989). Tese (Doutorado em Linguística) Instituto de estudos da linguagem, Universidade de Campinas. São Paulo, p. 256. 1996.).
  • 35
    Segundo Courtine (2009COURTINE, J. J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EdUFSCar, 2009.), no domínio de atualidade são agrupadas as sequências discursivas conjunturalmente coexistentes com as sequências discursivas de referência, mantendo entre si um aspecto “dialogado”, sob a forma de efeitos de citação, resposta ou refutação.
  • 36
    O SN em questão, convém anotar, comparece também para significar as Constituições de 1967, a Emenda Constitucional de 1969, além da de 1937, em materiais como, por exemplo, apostilas preparatórias para concursos de carreiras jurídicas. Contudo, no espaço jurídico-doutrinário dos manuais jurídicos brasileiros consultados, a posição dominante é a de que somente a Constituição de 1937 foi uma constituição semântica.
  • 37
    Partindo de Guimarães (2005GUIMARÃES, E. Semântica do acontecimento: um estudo enunciativo da designação. 2. ed. Campinas: Pontes, 2005.), compreendo o processo semântico de reescritura como uma operação mediante a qual a enunciação de um texto rediz o já-dito, fazendo-o diferente de si.
  • 38
    Embasa este meu gesto de leitura a noção enunciado como materialidade repetível (FOUCAULT, 2019FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2019.) e sua revisão conforme Courtine (2009COURTINE, J. J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EdUFSCar, 2009.).
  • 39
    Tem-se aqui dois esquemas de saber recuperáveis no texto O Espírito das Leis (1748), de Montesquieu, enquanto dizer fundador das Constituições Modernas.
  • 40
    Não se trata aqui de investigar uma necessidade supostamente decidida no e pelo cogito. Antes, cuido de produzir conhecimento a partir dos efeitos tangíveis, na materialidade da língua, de uma ignorância pelo que o pensado dissimula o impensado no próprio pensamento (PÊCHEUX, 2014PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2014.).
  • 41
    Sobre a noção de sociedades de discurso, v. Foucault (2014FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2014.).
  • 42
    Formulação extraída de tweet publicado em 05 de junho de 2018 em perfil de sujeito que se descreve como jurista.
  • 43
    Formulação extraída de comentário em transmissão do Youtube, feita pelo canal Põe na roda, da votação do Supremo sobre a criminalização da homofobia no Brasil em 14 de fevereiro de 2019.
  • 44
    Formulação extraída de comentário em transmissão do Youtube, feita pelo canal Põe na roda, da votação do Supremo sobre a criminalização da homofobia no Brasil em 14 de fevereiro de 2019.
  • 45
    Sobre o conceito de juridismo, v. Lagazzi (1988LAGAZZI, S. O desafio de dizer não. Campinas: Pontes, 1988.) e Modesto (2019MODESTO, R. Gritar, denunciar, resistir: “como mulher, como negra”. In: ADORNO, G. et al. (org.). O discurso nas fronteiras do social: uma homenagem a Suzy Lagazzi. Vol. 2. Campinas: Pontes, 2019.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2021
  • Aceito
    29 Mar 2022
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