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Filiação previdenciária e discriminação: o trabalho doméstico entre a precarização, a espoliação e o genocídio

Social security affiliation and discrimination: domestic work between precariation, spoliation and genocide

Resumo

O artigo discute a tutela previdenciária do trabalho doméstico remunerado a partir de uma perspectiva do direito antidiscriminatório. Considerando que esse segmento laboral é sobrerrepresentado pela comunidade negra feminina e que a condição de filiação previdenciária estabelecida legalmente repercute os efeitos da precarização geral e posicional desse grupo no mundo do trabalho, analisam-se criticamente os efeitos dos filtros previdenciários como elementos de reafirmação de desigualdades estruturantes, que culminam em efeitos espoliativos consistentes com a ideia de genocídio da população negra.

Palavras-chave:
Trabalho doméstico; Precarização; Filiação previdenciária; Discriminação Institucional; Genocídio

Abstract

The article discusses the social security protection of paid domestic work from the perspective of anti-discrimination law. Considering that this labor segment is overrepresented by the female black community and that the condition of legally established social security affiliation has repercussions on the effects of the general and positional precariousness of this group in the world of work, the effects of social security filters are critically analyzed as elements of reaffirmation of inequalities structural elements, which culminate in spoliative effects consistent with the idea of genocide of the black population.

Keywords:
Domestic work; Precariousness; Social security affiliation; Institutional Discrimination; Genocide

Introdução

A proposta desse artigo é refletir sobre as causalidades e contornos da tutela previdenciária do trabalho doméstico remunerado a partir de uma perspectiva do direito antidiscriminatório. Considerando que esse segmento laboral revela sobrerrepresentação da comunidade negra feminina e que a condição de filiação previdenciária estabelecida legalmente para esse acesso é afetada pela precarização geral e posicional desse grupo no mundo do trabalho, nesse artigo analisamos criticamente os efeitos dos filtros previdenciários enquanto focos de tensão de desigualdades estruturantes, que precisam ser desnudadas à luz de uma perspectiva antidiscriminatória do direito previdenciário.

A valoração dos afazeres domésticos, além das raízes históricas escravistas e das clivagens de gênero afetas às dinâmicas de cuidado, é conformada pela sua alocação no âmbito doméstico/privado (com maior dificuldade de regulação e fiscalização); por ser exercido de forma manual, com os estigmas daí decorrentes; pela maior sujeição à informalidade e à redução de trabalhadoras à condição análoga a de escravas; pela maior vulnerabilidade contratual, decorrente dos contornos legais e das práticas de descumprimento banalizadas; pela especial sujeição à violência física e mental, ao assédio moral e sexual, as quais relacionam-se com os processos de desumanização das sujeitas envolvidas nesse labor; pelo cruzamento com o trabalho infantil, estando enquadrado pela OIT entre as piores formas de trabalho infantil; pela invisibilidade e estigmatização das pessoas que o exercem.

Assim, destacamos que o trabalho doméstico é uma ocupação em que predomina a informalidade, notadamente em face do permissivo legal para a contratação da figura da “diarista”, e que, mesmo quando exercida de modo formalizado, com reconhecimento de vínculo empregatício e a devida anotação na Carteira de Trabalho, está sujeita a condições mais vulneráveis e fragilizadas.

Em contrapartida, a filiação previdenciária - vínculo jurídico entre a pessoa e o Estado, que constitui direitos e obrigações na seara previdenciária -, para ser efetivada, pressupõe ocupações no mundo do trabalho que ofereçam estabilidade e continuidade em seu exercício, com remunerações que permitam a regularidade da contribuição previdenciária, em conformidade com a legislação, especialmente após a contrarreforma da previdência (EC nº 103/2019).

As circunstâncias que envolvem o trabalho doméstico, para efeito de uma perspectiva de direito feminista e antirracista, devem ser consideradas como pressupostos estruturantes para os desenhos regulatórios, e não como externalidades acidentais. Isso porque tais circunstância implicam que a filiação previdenciária dessas trabalhadoras se constitua de forma intermitente (com lacunas protetivas significativas dentro de sua trajetória laboral) ou de forma espoliativa1 1 Por filiação espoliativa compreendemos , a partir do conceito desenvolvido por Santos Junior (2022), a postura proativa do Estado, que, mediante pleno funcionamento do mecanismo fiscal, vulnerabiliza de forma mais eloquente a situação daquele mais fragilizado do ponto de vista social. Calcada na alçada da precarização geral e imbuída da tendência de sobrerrepresentação do segmento negro, pela lógica da precarização posicional, a condição espoliativa de filiação está em sintonia com os mecanismos de vulnerabilização e clivagem racial, transmutando-se de uma política de prevenção nos ciclos de vida para uma das vertentes do genocídio indireto da comunidade negra. (na qual somente o mecanismo fiscal opera, sem oferecer a correspondente proteção social).

Para desenvolver tal observação, nos valemos dos conceitos de precarização geral e da precarização posicional, desenvolvidos por Santos Junior (2022SANTOS JUNIOR, Valdemiro Xavier dos. Filiação Previdenciária e Clivagem Racial. 2022. 192f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.) em estudo crítico e antirracista sobre a filiação previdenciária, formulado a partir das contribuições teóricas de Vargas (2017VARGAS, João Costa. Antinegritude e Antagonismo Estrutural 95 Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v.48, n. 2, p.83-105, jul./dez., 2017.) e Hasenbalg (2005HASENBALG, Carlos Alfredo. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte. Editora UFMG. Rio de Janeiro: IUPERJ. 2005.), bem como da teoria feminista da reprodução social, no sentido de ser um marco teórico que recoloca a reprodução da força de trabalho como atividade central do capitalismo, que questiona a separação fictícia entre esfera produtiva e não-produtiva, reconhecendo nos conflitos em torno do trabalho doméstico e de cuidado a centralidade da disputa entre capital e trabalho.

Entende-se que as condições descritas sobre o trabalho doméstico realizado por mulheres nos remetem às ocupações precárias e à filiação previdenciária de forma intermitente ou espoliativa, indicando que o aperfeiçoamento formal do marco protetivo das ocupações domésticas não reflete a dinâmica laboral concreta do setor, especialmente para o segmento negro.

Nesse sentido, a partir da leitura do trabalho doméstico remunerado no Brasil, ao lançar luz sobre normas prescritivas de direitos que não apenas não possuem o potencial necessário para promover mudanças nas dinâmicas associadas à precarização geral e à precarização posicional do trabalho, como, em grande medida, as conforma e reafirmam, a abordagem antidiscriminatória do direito previdenciário permite descortinar o racismo e o machismo presentes na própria moldura regulatória do trabalho doméstico, apontando para as intencionalidades e, também, para os impactos observados no desenho regulatório.

Tais elementos se concretizam enquanto práticas discriminatórias que convergem, ainda, para o que se caracteriza como genocídio do povo negro (FLAUZINA, PIRES, 2020PIRES, Thula; FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Política da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 2020. ), em especial das mulheres negras.

1. O trabalho doméstico remunerado no Brasil e reprodução social

Para tratarmos do trabalho doméstico remunerado no Brasil, retomaremos a centralidade das atividades de reprodução social e, brevemente, sua trajetória histórico colonial e escravagista. Nesse contexto, faremos a análise a partir das opressões de raça, classe e gênero entrelaçadas, considerando a relação entre o direito e essas opressões, bem como o incipiente marco regulatório trabalhista da categoria das trabalhadoras domésticas, formada majoritariamente por mulheres negras.

O trabalho de reprodução social, definido pelas teóricas da Teoria da Reprodução Social - TRS, é aquele necessário para regenerar as pessoas que trabalham e as que não trabalham, incluindo os idosos, os doentes e as crianças, bem como o trabalho para reprodução biológica. Nesse sentido, engloba a reposição das forças físicas, mentais e psicológicas e a reprodução biológica de toda a classe trabalhadora, envolvendo a educação, formação e socialização dos futuros trabalhadores, independente de terem ou não oportunidade de entrar no mercado de trabalho (ARRUZA; BHATTACHARYA, 2020).

Essa abordagem das atividades que compõem a reprodução social, relacionadas ao trabalho de cuidado e ao trabalho doméstico, seja organizado na forma remunerada ou não, é relevante para redimensionarmos a reprodução da força de trabalho como uma atividade central no capitalismo, em diálogo com a teoria do valor de Karl Marx (RUAS, 2020, p. 406).

Partindo desse tensionamento entre capital e trabalho, discutir o trabalho doméstico torna-se ainda mais relevante diante da atual conformação do capital, que impõe a redução dos investimentos públicos, a invisibilidade da esfera da reprodução e exacerba as desigualdades econômicas, de raça e de gênero.

Como exemplo, para ilustrar a opressão e a exploração de meninas e mulheres que realizam trabalho doméstico, de acordo com o relatório da OXFAM de 2020, o valor monetário global do trabalho de cuidado não remunerado prestado por mulheres a partir da faixa etária de 15 anos, calculado com base no salário-mínimo e nas horas dedicadas a essa atividade, é de cerca de US$ 10,8 trilhões por ano (OXFAM, 2020). A relevância desse dado se dá ao considerarmos essa cifra como expressão da exploração do trabalho de meninas e mulheres, que realizam o trabalho de reprodução, mas não têm seus direitos sociais fundamentais reconhecidos, quanto não têm o direito à proteção ao trabalho e à seguridade social.

A tendência de considerar o cuidado e o trabalho doméstico como um não-trabalho, como uma atividade não produtiva, e o fato de ser assumido, na forma não remunerada ou remunerada, majoritariamente por meninas e mulheres negras, são fatores que evidenciam a disputa em torno do trabalho doméstico, bem como a necessidade de medidas, no campo da política e do direito, que protejam essas trabalhadoras.

A partir das características históricas do trabalho doméstico no Brasil desde a escravidão, podemos associá-lo às ideias de Anibal Quijano sobre as implicações da colonialidade do poder. Nesse sentido, o trabalho doméstico realizado majoritariamente por mulheres, durante e após a escravidão, está inserido no controle de classificação e padrão de poder (RAMOS, 2018RAMOS, Gabriela Pires. “Como se fosse da família”: o trabalho doméstico na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988. 2018. 170f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018., p. 38).

Uma das valiosas propostas de Quijano que nos auxilia na compreensão da condição das trabalhadoras domésticas na sociedade brasileira passa pelo que o autor chama de mitos fundacionais da versão eurocêntrica da modernidade e pelo dualismo entre razão e corpo, que teve fortes efeitos nas relações raciais e sexuais de dominação (QUIJANO, 2005QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Biblioteca CLACSO, 2005.).

O autor considera que, a partir de Descartes, um novo e radical dualismo separou a razão/sujeito do corpo, e o lugar das mulheres ficou estereotipado com o corpo (QUIJANO, 2005QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Biblioteca CLACSO, 2005.). E o lugar das mulheres das ditas raças inferiores ficou com os restos dos corpos, em uma condição de mais dominação e maior exploração (QUIJANO, 2005, p. 129).

A presença prioritária de mulheres negras no espectro do trabalho doméstico não pode ser pensada no contexto brasileiro senão como continuum possível de engajamento da força de trabalho das mulheres negras desde a formação do mercado de trabalho livre no Brasil, após o marco da escravização, em que as escravas domésticas ocuparam um lugar cristalizado no imaginário social. No entender de Lélia Gonzalez, trabalho doméstico, por isso mesmo, abrange “uma série de atividades que marcam seu ‘lugar natural’: empregada doméstica, merendeira na rede escolar, servente nos supermercados, na rede hospitalar, etc” (1979, p. 16). Ainda segundo a autora, quando as mulheres negras adentram o espaço do trabalho remunerado formal, o que acontece em um processo tardio e subalternizado, a elas é negada a possibilidade de acessar postos de trabalho que aos poucos se feminizam (como atividades administrativas e secretariais no setor público, no comércio e no setor de serviços), dada a sua baixa escolaridade e ao estigma do racismo.

A pesquisa histórica realizada por Flavia Fernandes de Souza (2017SOUZA, Flávia Fernandes de. Criados, escravos e empregados: O serviço doméstico e seus trabalhadores na construção da modernidade brasileira. 2017. 583f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.) aponta para essa direção. De acordo com a pesquisa realizada por Souza (2017), ao longo do século XIX e início do XX, apesar do estigma e da baixa valorização, o serviço doméstico tornou-se uma das parcelas do mercado de trabalho urbano mais importantes, considerada a realidade particular da cidade do Rio de Janeiro, mas também considerados os demais centros urbanos do país. A autora considera que nesse período, o serviço já era proletarizado, feminilizado e estigmatizado, marcado pela subordinação no nível da exigência de disponibilidade para a atividade de servir e pelas práticas e costumes escravistas. Observa-se que as criadas e os criados domésticos ora pareciam escravizados ora empregados. Além disso, a autora constata que a prestação de serviços domésticos servia de mecanismo de sobrevivência material da população pobre e expropriada (SOUZA, 2017SOUZA, Flávia Fernandes de. Criados, escravos e empregados: O serviço doméstico e seus trabalhadores na construção da modernidade brasileira. 2017. 583f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.).

Considerando essa breve contextualização histórica do trabalho doméstico no Brasil e a discussão sobre a essencialidade do trabalho de reprodução social, podemos constatar uma trajetória de desvalorização, marcada por resquícios da colonialidade, do sexismo e do racismo. Adiante, passamos a analisar as características de raça, classe e gênero que permeiam o trabalho doméstico remunerado.

1.1. Raça, Classe e Gênero

Os dados da PNAD Contínua, do IBGE, sobre o trabalho doméstico remunerado no Brasil, do 4º trimestre de 2019 e do 4º trimestre de 2021 confirmam que as mulheres representavam 92% das pessoas ocupadas nessa categoria, das quais 65% eram negras. Isso significa que em 2021 eram 5,7 milhões de trabalhadoras, sendo 3,4 milhões de mulheres negras (DIEESE, 2022).

Ao verificarmos quem são as pessoas que exercem o trabalho doméstico remunerado no Brasil e o histórico de exclusões em relação aos seus marcos regulatórios, nos deparamos com a relação existente entre o direito e as categorias de análises: classe, raça e gênero.

A socióloga estadunidense Patrícia Hill Collins (2015COLLINS, Patricia Hill. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: Semprevivia Organização Feminista, 2015.) reconhece que classe, raça e gênero estruturam todas as relações sociais e, ao analisar como as opressões acontecem nas experiências concretas, propõe o entrelaçamento dessas categorias, as retirando do plano de categorias universais. Assim, a autora verifica o entrelaçamento de raça, classe e gênero nas opressões: institucional, simbólica e individual.

Ao analisar a escravidão como uma instituição, Collins (2015COLLINS, Patricia Hill. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: Semprevivia Organização Feminista, 2015.) utiliza o viés do racismo e do patriarcado, por exemplo, para constatar como se davam as opressões em termos de raça e gênero. No mesmo sentido, a socióloga brasileira Berenice Bento (2022BENTO, Berenice. Gênero: Uma categoria útil de análise? In: Revista de História Comparada, Programa de Pós-graduação em História Comparada/UFRJ. Ano 16, v. 16, n. 1. Rio de Janeiro: PPGHC, 2022. pp.15-50, 2022.) questiona a utilidade da categoria de gênero, sem o entrelaçamento de raça e classe, ao analisar os debates parlamentares sobre a aprovação da Lei do Ventre Livre no Brasil, em 1871, para demonstrar que a mulher escravizada não tinha o mesmo status de mãe, nem a mesma defesa da honra e da moral que tinham as mulheres brancas.

Nessa esteira, tanto Collins (2015COLLINS, Patricia Hill. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: Semprevivia Organização Feminista, 2015.) quanto Bento (2022BENTO, Berenice. Gênero: Uma categoria útil de análise? In: Revista de História Comparada, Programa de Pós-graduação em História Comparada/UFRJ. Ano 16, v. 16, n. 1. Rio de Janeiro: PPGHC, 2022. pp.15-50, 2022.) demonstram a fragilidade da categoria universal de gênero, que não considera as categorias de raça e classe nas experiências ou momentos históricos específicos, em que mulheres brancas e mulheres negras, por exemplo, não tiveram o mesmo tratamento institucional.

Destacamos a dimensão institucional da opressão, mas vale mencionar brevemente como Collins (2015COLLINS, Patricia Hill. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: Semprevivia Organização Feminista, 2015.) aborda a dimensão simbólica e individual da opressão. A simbólica, a partir dos estereótipos e dos controles de imagens de grupos, como uma ferramenta de manutenção de sistemas de dominação e subordinação. E a dimensão individual considera as biografias individuais, a partir do tratamento institucional que se recebe ao longo da vida e dos significados simbólicos atrelados à existência de cada indivíduo, indicando o efeito cumulativo dos sistemas de opressão nos indivíduos (COLLINS, 2015COLLINS, Patricia Hill. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: Semprevivia Organização Feminista, 2015.).

Buscando respostas sobre como transcender as barreiras criadas pelas experiências de opressão de raça, classe e gênero, e conquistar mudanças sociais, Collins trata das diferenças de poder e privilégios, sugerindo que, em grupos heterogêneos, as pessoas em níveis diferentes de poder possam usar raça, classe e gênero como categorias de análise para criar diálogos significativos que enfrentem as hierarquias e as dicotomias presentes na concepção mais universalista. Trata, assim, da necessidade de se ter coalização em torno de uma causa comum, como exercício de solidariedade e da empatia, que considere detalhes das biografias individuais e experiências, em termos de raça, classe e gênero.

A partir da proposta de Collins de lidar com as três categorias de análise de forma não universal, considerando as opressões institucional, simbólica e individual, e os arranjos diversos das categorias de raça, classe e gênero, nos propomos a olhar como o direito se relaciona com a forma de opressão institucional, especificamente no caso das trabalhadoras domésticas, mirando uma contribuição para uma teoria do direito antidiscriminatório aplicada ao direito previdenciário.

1.2. Marco regulatório incipiente

Uma breve retrospectiva, a partir da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, demonstra que o trabalho doméstico tem uma trajetória de exclusões. Essas trabalhadoras foram excluídas da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT de 1943, no artigo 7º, alínea “a”; da Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, de 1960, no artigo 3º, inciso II; da Constituição Federal de 1988, no parágrafo único do artigo 7º e, finalmente, quando se esperava algum avanço após a Emenda Constitucional nº 72 de 2013, que seria a oportunidade de uma reparação histórica, a Lei Complementar nº 150 de 2015, ao regulamentar a ampliação de direitos, cuidou de manter uma zona de exclusão, por meio da caracterização como empregadas domésticas protegidas pela lei apenas aquelas que trabalhassem mais de duas vezes por semana no mesmo domicílio, afastando da nova tutela protetiva o grande conjunto das “diaristas”.

Os dados da PNAD Contínua, do IBGE, sobre o trabalho doméstico remunerado no Brasil, do 4º trimestre de 2019 e do 4º trimestre de 2021 podem demonstrar que a tendência já observada no mercado de trabalho brasileiro desde 2003, de incremento do número de diaristas, em detrimento dos vínculos empregatícios domésticos (PEREIRA; DUTRA; MENDONÇA, 2014PEREIRA, Ricardo José Macedo de Britto; DUTRA, Renata Queiroz; MENDONÇA, Laís Maranhão Santos. Trabalho doméstico: avanços, resistências e perspectivas. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 80, n. 1, p. 268-293, jan./mar. 2014.), se aprofunda com a vigência da Lei Complementar n. 150 de 2015.

Houve, no período mencionado, um aumento percentual de trabalhadoras domésticas sem carteira assinada, representando 76%, equivalente a 4 milhões de trabalhadoras na informalidade. Menos da metade contribui para a previdência social: apenas 33,7% ou 1,8 milhão de trabalhadoras, sendo que, desse total, 1,1 milhão de trabalhadoras são negras (pardas e negras) e 700 mil são trabalhadoras não-negras (brancas, amarelas e indígenas). A média de salário mensal dessas trabalhadoras, em 2021, era de R$ 930,00, ou seja, abaixo do salário-mínimo vigente, sendo que as trabalhadoras com carteira assinada tinham rendimentos maiores que as sem carteira, assim como as trabalhadoras não negras, que receberam cerca de 20% a mais que as negras (DIEESE, 2022).

Os dados, portanto, sugerem que, mesmo com uma lei específica que regulamenta a ampliação constitucional dos direitos das empregadas domésticas, vigente desde 2015, estamos diante de um caso de alta taxa de informalidade, baixos salários, baixa proteção previdenciária e diferença racial em termos de salários e do acesso a direitos.

A informalidade é uma marca do trabalho doméstico, tanto na perspectiva de um setor em que as prescrições legais têm dificuldade de ser implementadas, dada a dificuldade de sua fiscalização, quanto na perspectiva de serem as atividades domésticas, com base na tradição escravocrata, sexista e racista brasileira, uma atividade que não foi prestigiada com a seleta construção história da “formalidade” (DUTRA, 2021DUTRA, Renta Queiroz. Direito do trabalho: uma introdução político-jurídica. 1. ed. Belo Horizonte: RTM, 2021.). Pedro Nicolli (2020) identifica essa atividade como central no debate sobre o tema, considerando a quantidade de trabalhadoras domésticas no mundo, na América Latina e no Brasil.

No que concerne aos custos da reprodução social, para Francisco de Oliveira (2013OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2013.), o fim da escravidão, em termos econômicos, representou uma forma de expulsar do custo da produção o custo da reprodução do escravizado. Nesse sentido, a legislação trabalhista de 1943 seria peça-chave para a expulsão desses custos de dentro das empresas industriais, transmitindo-os ao Estado. A partir do Estado neoliberal, com a diminuição dos investimentos em serviços públicos, a reprodução social passa a recair com ainda maior intensidade sobre os espaços domésticos, podendo ser organizado na forma remunerada ou não remunerada (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2013.).

As reflexões de Oliveira (2013OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2013.), Nicolli (2020) e Dutra (2021DUTRA, Renta Queiroz. Direito do trabalho: uma introdução político-jurídica. 1. ed. Belo Horizonte: RTM, 2021.) nos auxiliam na compreensão do contexto social e econômico em que o trabalho doméstico está inserido atualmente.

A partir da discussão sobre quem assume o ônus da reprodução da força de trabalho, das alterações do papel do Estado no neoliberalismo e da questão do trabalho informal, bem como da persistência de tradições escravocratas e, por isso mesmo, racistas, no contexto brasileiro, podemos compreender as condições do trabalho doméstico remunerado. Ao não se encontrar um arcabouço de direitos e políticas sociais que cuidem das atividades essenciais à geração e regeneração na vida, bem como que cuidem de quem cuida, ou que combatam especificamente o racismo e as desigualdades incidentes sobre a vida das mulheres negras, pode-se dizer que esses afazeres são organizados na forma remunerada de modo precário, por mulheres negras e pobres, e reforçam as desigualdades econômicas, de gênero e de raça.

Diante da crise da prestação do cuidado, as mulheres trabalhadoras domésticas, que cuidam de terceiros, de forma remunerada e na informalidade, sofreram de modo mais acentuado com as reformas trabalhistas e previdenciárias que alteram os requisitos legais e que dificultam o acesso à proteção social.

Nesse contexto, jogar luz nos marcos regulatórios referentes ao trabalho doméstico e à filiação previdenciária dessas trabalhadoras seria uma forma de mapear os arranjos do que Patricia Hill Collins (2015COLLINS, Patricia Hill. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: Semprevivia Organização Feminista, 2015.) denomina de opressão institucional, em torno das categorias raça, classe e gênero que o direito opera.

Assim, para efeito de uma perspectiva de direito antidiscriminatório, feminista e antirracista, as circunstâncias que envolvem o trabalho doméstico devem ser consideradas como pressupostos estruturantes para os desenhos regulatórios, e não como externalidades acidentais.

2. Pressupostos da filiação previdenciária: Precarização geral e precarização posicional em debate

A igualdade de oportunidades preconizada por Hasenbalg (2005HASENBALG, Carlos Alfredo. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte. Editora UFMG. Rio de Janeiro: IUPERJ. 2005.) se constitui numa ferramenta ideológica de controle frente à patente desigualdade fática de condições de acesso social isonômico. E, como ferramenta ideológica, esconde outros aspectos importantes, tal qual a desigualdade de recompensas, já que mesmo que se tenha a equidade de meios adquiridos (mesma escolaridade e formação, por exemplo), pessoas negras e brancas recebem recompensas diferentes da ordem competitiva, assim como mulheres e homens, de acordo com as relações de poder insculpidas no seio social.

A partir da ideia de desigualdade e precarização, há duas perspectivas a serem consideradas neste trabalho. A primeira é a precarização que atinge a própria forma de exercício do labor no mundo do trabalho, tornando preponderante a existência de ocupações despidas de dignidade, a qual denomina-se de precarização geral (SANTOS JUNIOR, 2022SANTOS JUNIOR, Valdemiro Xavier dos. Filiação Previdenciária e Clivagem Racial. 2022. 192f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.). Por outra via, há uma outra precarização, que atua na alocação preferencial de indivíduos nas piores posições frente as ocupações disponíveis no seio laboral, a qual denominamos de precarização posicional (SANTOS JUNIOR, 2022). O exercício do trabalho doméstico, como visto, desempenhado prioritariamente por mulheres negras, guarda uma relação ímpar com a expressão desses conceitos no cotidiano.

A precarização geral é a dinâmica vulnerabilizante que se contrapõe à perspectiva de formalização das relações de labor com garantia de sua capacidade protetiva, em especial, o assalariamento. Em síntese, a precarização geral se refere ao processo de intensificação da informalidade e do desemprego, em paralelo à dinâmica de informalização da formalidade (contratualizações com menos garantias de direitos laborais e sociais, as quais, contudo, preservam a manutenção de sua capacidade fiscal). Trata-se de processos que têm como elemento fundante a vulnerabilidade e a insegurança do exercício do labor, e que geram ocupações tendentes à desproteção social (SANTOS JUNIOR, 2022SANTOS JUNIOR, Valdemiro Xavier dos. Filiação Previdenciária e Clivagem Racial. 2022. 192f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.).

No que diz respeito à precarização geral, podemos traçar um quadro de sobrerrepresentação da comunidade negra na vulnerabilidade. No exercício do trabalho na informalidade, em geral, o segmento negro tem uma representação diferenciada, quando comparados os grupos raciais separadamente, pois, enquanto 34,6% de pessoas brancas se encontram em condições informais de trabalho, a mesma informalidade atinge 47,3% de pretos e pardos (SOUZA, 2019SOUZA, Akemi Nitahara. Negros são maioria entre desocupados e trabalhadores informais no país. 2019. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/negros-sao-maioria-entre-desocupados-e-trabalhadores-informais-no-pais. Acessado em: 27 jul. 2021.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economi...
). Adicione-se que, no ano de 2016, os índices relativos (com as desagregações por cor ou raça) apresentavam labor informal para trinta e nove por cento (39%) dos trabalhadores brancos e quarenta e cinco por cento e seis décimos (45,6%) para os trabalhadores pretos e pardos. Nas regiões Nordeste e Norte, os índices de informalidade da população preta e parda chegam a sessenta por cento (60%), ou seja, nessas regiões quase dois terços (2/3) dos trabalhadores negros e pardos trabalham sem garantias básicas e rede de proteção social adequada.

Em relação à precarização posicional, considera-se que há uma desigualdade significativa no acesso aos meios adquiridos, que influenciam na ordem competitiva (HASENBALG, 2005HASENBALG, Carlos Alfredo. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte. Editora UFMG. Rio de Janeiro: IUPERJ. 2005., p. 13), assim entendidos como: os empregos, os créditos, a propriedades, a terra, a educação formal, o acesso à universidade, a qualificação profissional, ou os treinamentos para o emprego para determinados grupos sociais. Em virtude também dos critérios adscritivos (como a condição fenotípica ou de gênero), os mecanismos de discriminação racial no mundo do trabalho produzem, para além de uma tendência geral de precarização, uma divisão racial do trabalho, desemprego desigual entre os grupos raciais, diferencial entre salários e reprodução física ou intelectual da força de trabalho negra (SANTOS JUNIOR, 2022SANTOS JUNIOR, Valdemiro Xavier dos. Filiação Previdenciária e Clivagem Racial. 2022. 192f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022., p. 142). É importante afirmar que a precarização posicional não se resume exclusivamente à subalternização racial.

Trata-se de relação de poder assemelhada a “jogos de soma zero”, em que não existe possibilidade de ganhos para a totalidade dos grupos, em virtude de a noção de desvalor de um grupo implicar na sobrevalorização de um outro grupo, gerando vantagens não derivadas da lógica comum do sistema. As relações e subalternizações de gênero, por exemplo, geram também alocações preferenciais no mundo do trabalho.

O posicionamento dentro do mundo do trabalho, numa ordem competitiva sem distorções, seria concretizado, em parte, pelos meios adquiridos, como, por exemplo, pela escolaridade ou capacitação profissional. Considere-se que um dos aspectos importantes na manutenção da restrição do segmento negro ao mundo do trabalho, reside na educação formal e a formação técnica. Na relação entre racismo e o labor, pode-se afirmar que o racismo propicia que não haja “anormalidade” em diversas leituras cotidianas das desigualdades, como as diferenças salariais entre negros e brancos, as condições degradantes de exercício do trabalho do segmento negro, a não ocupação de cargos de direção nas empresas ou no Estado, a residência em localidades periféricas e desprovidas de serviços públicos adequados, entre outros. Subjetivamente, o racismo retira do negro a importância enquanto indivíduo, suas possibilidades de reivindicação de tratamento igualitário ou tratamento diferenciado em razão das desigualdades.

Uma vez que o Estado desempenha papel estratégico na constituição da posicionalidade da existência negra, importante ressaltar o alicerce teórico do conceito de “genocídio”, entendido de forma ampla como “processo de sufocamento das comunidades negras nas diversas frentes de atuação institucional” (PIRES, FLAUZINA; 2020PIRES, Thula; FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Política da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 2020. , p. 1213).

Em paralelo ao conceito supracitado, instrumentaliza-se a concepção de branquitude, que está associada ao prestígio social, econômico e político de determinados grupos raciais, a qual configura e estrutura dos “modos de funcionamento do racismo às hierarquias raciais de outras sociedades fundadas no colonialismo europeu” (LABORNE, 2017LABORNE, Ana Amélia de Paula. Branquitude, colonialismo e poder: a produção do conhecimento acadêmico no contexto brasileiro. In: CARDOSO, L.; MÜLLER, T. M. P. (Org.). Branquitude: estudos sobre a identidade branca no Brasil. Editora Appris, Curitiba, 2017. E-book Kindle., posição 1812). Assim, a branquitude é também considerada a identidade racial do “branco”, assumida como neutra, padrão e normal, a qual naturaliza um sistema de privilégios estruturais e simbólicos diante das comunidades não-brancas, instituídas através de violência, dominação e submissão.

Este sistema de privilégios advindo do processo violento de formação da branquitude - especialmente aqueles plasmados como consequência da existência histórica da relação senhor-escravo, mas que não se confundem com esta - representa um conjunto de práticas sociais não marcadas ou nomeadas, insculpidas nas relações no interior de cada sociedade. Conclui Hasenbalg (2005HASENBALG, Carlos Alfredo. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte. Editora UFMG. Rio de Janeiro: IUPERJ. 2005.) que o grupo racial dominante provê a ordem e o código racial vigente, os quais também vinculam os sentidos relacionados às ditas considerações racionais e à competitividade na ordem contemporânea.

A precarização posicional (SANTOS JUNIOR, 2022SANTOS JUNIOR, Valdemiro Xavier dos. Filiação Previdenciária e Clivagem Racial. 2022. 192f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.) consiste na alocação preferencial dos grupos raciais subalternizados nas posições mais vulneráveis do mundo do trabalho, em virtude do mecanismo operacional descrito por Hasenbalg (2005HASENBALG, Carlos Alfredo. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte. Editora UFMG. Rio de Janeiro: IUPERJ. 2005.), a partir de uma abordagem que associa essa relação a um jogo de soma zero.

A sobrerrepresentação estatística do grupo racial subalternizado revela que as vantagens competitivas do grupo branco são alicerçadas em um fluxo de recompensas materiais e simbólicas que não dependem exclusivamente do seu desempenho individual na ordem competitiva e que possui como anteposto a desvantagem estrutural e cumulativa da população preta e parda no mundo do trabalho. Indica-se a existência de uma relação assemelhada a um “jogo de soma zero”2 2 Albuquerque (2007, p. 56) ao descrever os tipos de jogos, esclarece que "a soma dos resultados nos provê uma nova classificação: os jogos de soma zero (ou soma constante) e os jogos de soma variável. O primeiro é típico de jogos em que existem claras distinções entre vencedores e perdedores. Isto é, o que um jogador ganha no jogo, outro perde. Em um jogo de damas, por exemplo, um jogador ganha e o outro perde, assim como é com os times em jogos de vôlei e outros esportes e jogos que não permitem o empate". em virtude da natureza da relação assentada no binômio “sobrevalor-desvalor” da relação (SANTOS JUNIOR, 2022SANTOS JUNIOR, Valdemiro Xavier dos. Filiação Previdenciária e Clivagem Racial. 2022. 192f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022., p. 161).

Para que se sustente o privilégio racial, é necessário que se mantenha intacta a estrutura de desvalor (material e simbólico) do segmento racial subalternizado. O branco, ainda que pobre, possui a nomeada vantagem competitiva, veiculada como um dos componentes do privilégio da branquitude; o que se traduz em facilidades na ascensão e mobilidade social, ao mesmo tempo em que possui atributos simbólicos presumidos, como honra social, tratamento decente, dignidade e autodeterminação.

Em decorrência destas lógicas, mesmo que ocorra alguma intensificação na proteção social do labor do ponto de vista do sistema em sua totalidade - atenuação da precarização geral - o segmento negro ainda estará alocado preferencialmente nas piores posições laborais disponíveis nesta estrutura social do labor. As políticas do trabalho de escopo geral, apesar de potencialmente terem o condão de produzir melhorias na proteção do labor, não respondem ao “jogo de soma zero” estabelecido pelo racismo na clivagem racial no mundo do trabalho.

Retomando o conceito de interseccionalidade (COLLINS, 2015COLLINS, Patricia Hill. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: Semprevivia Organização Feminista, 2015.), as expressões dessa clivagem são especificamente vivenciadas pelas mulheres negras, contra as quais pesam simultaneamente, dois fatores de diferenciação em contrapartida dos quais afirmam-se privilégios de outros grupos, como homens brancos, mulheres brancas e homens negros. Por isso, a discussão sobre precarização posicional do trabalho doméstico adquire contornos peculiares e culmina, a partir de tais características da experiência laboral, de forma acentuada, naquilo que se denomina filiação previdenciária espoliativa.

3. Trabalho doméstico e filiação previdenciária espoliativa

O conceito de proteção social se diferencia do conceito de técnica de autopreservação e de técnica individual de proteção, já que estas últimas envolvem estratégias para o resguardo de situações de risco para o indivíduo ou seu grupo em específico. Falta a esta a noção técnica a ideia de solidariedade, uma vez que os grupos mais frágeis não podem renunciar a um consumo atual sem precarizar a sua dignidade de vivência no presente.

A proteção social se relaciona, por exemplo, com a questão do reconhecimento e proteção do trabalho de cuidado e doméstico, remunerado e não remunerado, além da redistribuição das responsabilidades sociais destes campos de labor, dentro da seara pública e privada (que se vincula à questão racial e de gênero); com a questão da dignidade do trabalho, da promoção do emprego, da decomposição da proteção laboral, da proteção à renda e do acesso a serviços públicos essenciais; com as políticas que visam atenuar as desigualdades sociais relacionada a rendimentos, acesso a saúde e educação (os chamados meios adquiridos, que influenciam na forma de inserção na ordem competitiva); com as políticas de segurança alimentar, educação de qualidade, acesso a água potável, saneamento, mobilidade e energia acessíveis e renováveis (direitos sociais). Por fim, também se relacionam com as políticas de segurança básica de rendimento, enveredando pela facilitação do acesso às oportunidades de emprego e formação.

O acesso a prestações estatais previdenciárias, sejam elas pagamento em dinheiro ou execução de serviços, é mediado pelo instituto previdenciário da filiação. A definição legal do instituto é expressa pelo conceito de vínculo que se estabelece entre a Previdência Social e as pessoas que para ela contribuem, do qual decorrem direitos e obrigações (art. 2° da Lei 8.213 de 1991).

Esse conceito normativo - de caráter supostamente “neutro” e de matiz descritiva - não explica necessariamente o seu significado operacional ou sua utilização nos procedimentos de reconhecimento de direitos. A percepção sobre a noção de filiação no cotidiano da população é exemplificada nos momentos de lacuna contributiva com a desvinculação do trabalho formal ou pela irregularidade contundente nos pagamentos da guia da previdência social (GPS ou comumente chamado carnê do INSS).

A segurada empregada doméstica é a pessoa que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana (art. 71 do Decreto 3.048/1999). Trata-se de uma categoria de regulamentação previdenciária tardia3 3 “A atividade de empregado doméstico passou a ser considerada como de filiação obrigatória a partir de 8 de abril de 1973, em decorrência da publicação do Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973, que regulamentou a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, devendo ser objeto de comprovação para fins de aplicação do inciso III do art. 103”, conforme Art. 71 do Decreto 3.048/1999. e que, anteriormente à Lei Complementar 150/2015, não se enquadrava no sistema de contribuições presumidas.

Somente com o advento da lei complementar supracitada, houve a “correção” dessa distorção4 4 Conforme Art. 71 da IN 128/2022: “A partir de 2 de junho de 2015, data da publicação da Lei Complementar nº 150, de 2015, a categoria de empregado doméstico foi, em termos gerais, equiparada a de empregado, sendo que por força do disposto no art. 35 da referida Lei, bem como o contido no Parecer nº 364/2015/CONJUR-MPS/CGU/AGU, de 5 de agosto de 2015, as contribuições do empregado doméstico são de responsabilidade do empregador doméstico e, neste caso, consideradas presumidas”. , mais de quatro décadas depois da possibilidade de reconhecimento filiativo das empregadas domésticas. Atualmente, para comprovação do vínculo filiativo, o integrante da categoria deverá provar o seu vínculo laborativo, sendo, ainda, possível a veiculação destas informações através dos sistemas de captação de dados laborais e recolhimento fiscal, no caso atual o eSocial (e, consequentemente, no sistema CNIS).

Na falta do cumprimento do regular procedimento por parte do empregador doméstico, pode-se comprovar o trabalho exercido por meio de provas documentais, que indiquem os marcos do exercício laboral ou comprovantes de registro nos sistemas governamentais.

Ocorre que a informalidade preponderante no segmento das trabalhadoras domésticas, derivada da precarização geral, conforme estatísticas supracitadas, além das baixas remunerações auferidas pelo exercício deste labor (que não permitem sequer suprir as necessidades e demandas da equação de sobrevivência), torna menos provável que haja uma integração aos sistemas de proteção social.

Por outra via, em virtude da precarização posicional, o lócus deste exercício de trabalho fragilizado e as piores posições dentro do exercício do labor doméstico são monopolizados pela comunidade negra, mais especificamente, por mulheres negras. É este segmento que representa o epicentro da vulnerabilidade laboral, que se desconecta do atual modelo de proteção social adotado na seara previdenciária e para o qual confluem a precarização geral e a precarização posicional.

Assim, é a partir desse epicentro, da vulnerabilidade laboral ocupado pelo segmento das mulheres negras trabalhadoras domésticas, que relacionamos o arranjo legislativo do direito previdenciário ao genocídio da população negra. Como veremos, criam-se mecanismos que discriminam e as deixam sem respaldo estatal previdenciário diante de situações de riscos sociais como doença, morte e velhice.

Nesse sentido, a filiação, enquanto filtro e possibilidade de acesso da maioria das prestações previdenciárias, é o principal instrumento de uma política que mobiliza um fundo público de significativa proporções. Uma vez que esse modelo de filiação não condiz com a realidade do exercício do labor, pois possui como correspondente um mundo do trabalho em que parte significativa do contingente laboral é excluída da formalidade, poderia se afirmar que a política social previdenciária é falha, por não resultar em um regime de seguro social abrangente. Porém, a concepção de filiação espoliativa não se esgota na concepção de omissão.

O segmento negro monopoliza a faixa de pobreza, contudo, começa a contribuir para formação da riqueza nacional mais cedo, uma vez que o percentual da População Economicamente Ativa (PEA) que começou a trabalhar antes dos 14 anos foi de 54,3%; percentual significativamente maior que a também expressiva PEA branca que iniciou o trabalho antes dos 14 anos, estimada em 46% (PAIXÃO; THEODORO, 2020PAIXÃO, Marcelo; THEODORO, Mario. ...para depois dividir: notas sobre Reforma Previdenciária e assimetrias raciais no Brasil. Em Pauta, Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - 1º Semestre de 2020 , n. 45, v. 18, p. 130 - 147., p. 139-140), conforme dados apurados no final da década de 2010.

Em contrapartida, Salvador (2012SALVADOR, Evilásio. Fundo Público e o financiamento das Políticas Sociais no Brasil. SERV. SOC. REV., Londrina, v. 14, n.2, p. 04-22, jan. /jun. 2012.) afirma que, no Brasil, o financiamento das políticas sociais, assim como o orçamento, é realizado pelos pobres via contribuições sobre o salário e por meio de tributos indiretos, sendo apropriados pelos mais ricos (SALVADOR, 2012SALVADOR, Evilásio. Fundo Público e o financiamento das Políticas Sociais no Brasil. SERV. SOC. REV., Londrina, v. 14, n.2, p. 04-22, jan. /jun. 2012., p. 10), seja por meio de recursos para o mercado financeiro, seja por meio de acumulação do capital.

O caráter regressivo da carga tributária brasileira tem realizado uma distribuição às avessas, a favor da concentração de renda.

Sendo assim, ao aceitar a premissa estatisticamente comprovada de que a pobreza é monopolizada pelo segmento negro e de que a política social do Estado brasileiro é financiada pelos mais pobres (SALVADOR, 2012SALVADOR, Evilásio. Fundo Público e o financiamento das Políticas Sociais no Brasil. SERV. SOC. REV., Londrina, v. 14, n.2, p. 04-22, jan. /jun. 2012.), indica-se que o segmento negro, no que tange às contribuições para formação do fundo público para o regime de proteção social, é o mais penalizado (em virtude da sua capacidade contributiva menor), e, ao mesmo tempo, é aquele que tem menor acesso a prestações previdenciárias (PAIXÃO, THEODORO; 2020PAIXÃO, Marcelo; THEODORO, Mario. ...para depois dividir: notas sobre Reforma Previdenciária e assimetrias raciais no Brasil. Em Pauta, Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - 1º Semestre de 2020 , n. 45, v. 18, p. 130 - 147.) nas vulnerabilidades de seus ciclos de vida.

Essa conversão antevê que a política de proteção a vulnerabilidades no ciclo de vida, pertencente ao âmbito da biopolítica, no caso do segmento negro, converte-se em política de degradação e vulnerabilidade comparativamente ao acesso e proteção social do segmento branco, sendo configurado como mais um braço do caráter genocida do Estado.

Outra perspectiva é ressaltada especialmente após a EC nº 103/2019. Esta alteração constitucional trouxe situação ainda mais complexa relacionada à decomposição da proteção social, entendida como a manutenção do caráter fiscal das instituições de proteção social em paralelo à atenuação da sua capacidade de promover prestações.

Após a modificação do artigo 195 da Constituição Federal, que incluiu em sua redação que somente contará como tempo de contribuição ao RGPS a competência cuja “contribuição seja igual ou superior à contribuição mínima mensal exigida para sua categoria, assegurado o agrupamento de contribuições”, houve a generalização para todas as categorias de uma posição de extrema vulnerabilidade.

Isso porque, embora para algumas categorias, a operacionalidade fiscal seja automática, como na situação dos segurados empregados com contratos intermitentes, o artigo 19-E do Decreto 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social) prevê que, para fins de aquisição e manutenção da qualidade de segurado, de carência, de tempo de contribuição e de cálculo do salário de benefício exigidos para o reconhecimento do direito aos benefícios do RGPS, somente serão consideradas as competências cujo salário de contribuição seja igual ou superior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição. Em outras palavras, em que pese haja automatismo no recolhimento das contribuições, independentemente do valor da remuneração, há, pelo próprio desenho legal, inviabilidade de acesso aos benefícios e ao usufruto da Previdência Social, quando se contribuiu abaixo de um determinado valor.

Esta forma de filiação, que intensifica o instrumento fiscal, ao passo que distancia ou inviabiliza o horizonte protetivo, denomina-se de filiação espoliativa ( SANTOS JUNIOR, 2022 SANTOS JUNIOR, Valdemiro Xavier dos. Filiação Previdenciária e Clivagem Racial. 2022. 192f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022. , p. 180).

Saliente-se que a filiação espoliativa é uma postura proativa do Estado, em virtude do pleno funcionamento do mecanismo fiscal, que vulnerabiliza de forma mais eloquente a situação daquele mais fragilizado do ponto de vista social. Alicerçada na precarização geral e imbuída pela tendência de sobrerrepresentação do segmento negro, pela lógica da precarização posicional, a condição espoliativa de filiação está em sintonia com os mecanismos de vulnerabilização e clivagem racial, transmutando-se de uma política de prevenção nos ciclos de vida para uma das vertentes do genocídio da comunidade negra.

As condições de exercício do emprego doméstico, no qual cruzam-se, pelo menos, os fatores de discriminação de raça e gênero, manifestam uma síntese material da indignidade laboral dos sujeitos mais vulneráveis da comunidade negra: as mulheres negras.

Nessa experiência, acumulam-se historicamente diversos fatores e marcadores discriminatórios que culminam na concretização da precarização geral e da precarização posicional do trabalho, com a correspondente exclusão previdenciária ou com a filiação espoliativa. Que pode ser verificado, por exemplo, considerando que entre os anos de 2019 e 2021, houve redução do número de trabalhadoras domésticas que contribuíram para a Previdência Social, sendo um indício desse processo de exclusão. Verifica-se uma diferença de aproximadamente 4% para menos, o que equivale a cerca de 3 milhões de mulheres sem contribuir para previdência, sendo que, desse total de trabalhadoras domésticas a maior parte, 2 milhões, são mulheres negras (DIEESE, 2022).

Nesse sentido, mesmo aquelas trabalhadoras domésticas que alcançam vínculos empregatícios formais, têm sua relação com a previdência social mediada por crivos supostamente neutros que atingem diretamente as características marcantes do seu modo de vida e trabalho, excluindo-as da possibilidade da proteção social mesmo nas situações em que, em alguma medida, contribuíram para o sistema público.

4. Discriminação na concepção, discriminação institucional ou genocídio?

Para enfrentar a questão mapeada até aqui a partir da perspectiva do direito antidiscriminatório, foi necessário resgatar as características e os contornos étnico-raciais e de gênero, bem como os marcadores históricos que conformam o grupo das trabalhadoras domésticas remuneradas no Brasil. Em seguida, a condição jurídica do trabalho doméstico e também da inserção previdenciária desse grupo foi colocada em evidência a partir de uma perspectiva relacional, em que se evidenciam os diferentes marcadores da precarização e da filiação previdenciária dessas mulheres negras em relação ao conjunto da classe trabalhadora.

As evidências reunidas nos permitem pensar a partir de uma perspectiva que considera, no desenho normativo que rege a proteção ao trabalho e a proteção previdenciária decorrente da primeira, uma série de filtros restritivos que, sem tornar explícita a finalidade discriminatória, repercutem de maneira acentuada e específica sobre o grupo social das mulheres negras, aprofundando desigualdades anteriormente postas por elementos históricos, sociais, políticos e econômicos.

Como visto, tais discriminações são estabelecidas na legislação de forma invisibilizada, visto que se diluem na indicação de tipos ideais para a proteção previdenciária e no critério supostamente neutro da filiação previdenciária, em relação aos quais existem gradações nas formas de recolhimento de contribuições e na forma de acesso a benefícios que, supostamente, apenas dizem respeito às características do trabalho prestado e não às sujeitas que o desempenham.

Ao mesmo tempo, são articuladas entre sistemas jurídicos distintos, de modo que os termos da inserção posta para o trabalho (com um amplo filtro restritivo daquelas que acessam o emprego formal) condiciona o acesso, também limitado, ao sistema previdenciário.

Desse modo, cada diferenciação posta nesses sistemas opera de modo a acumular desvantagens para as trabalhadoras domésticas, ao ponto de se configurar a chamada filiação espoliativa - em que as contribuições realizadas de forma irregular ao longo da vida por meio de descontos que sobrecarregam de forma significativa a baixa renda dessas mulheres não as habilita, necessariamente, à fruição de benefícios em momento de incapacidade, gestação ou velhice, vertendo montante, portanto, que acaba por se destinar ao usufruto de outros grupos sociais - os quais reafirmam, também aqui, suas vantagens.

O avanço das construções jurídicas em torno do princípio da igualdade permitiu que a ideia de discriminação fosse submetida a múltiplas abordagens, sendo que cada dimensão da compreensão do fenômeno discriminatório passou a agregar em termos de complexidade os contornos da desigualdade em nossa sociedade.

Valendo-se de um apanhado da trajetória do direito norte americano em relação ao tema, Roger Raupp Rios (2008, p. 39) elucida o percurso inicial relacionado a uma abordagem mais focada no disparate treatment, no bojo do qual se focalizavam condutas que são marcadas pela intenção de discriminar, em direção a uma abordagem mais ampla, focada no disparate impact, na qual focaliza-se o prejuízo para determinados grupos da medida implementada, ainda que tal resultado tenha sido produzido por meio de conduta supostamente neutra e não intencional. Nessa chave trazida pelo autor, se dá o paralelo para a assimilação dos conceitos de discriminação direta e discriminação indireta, respectivamente.

A partir dessa vertente explicativa, cumpre observar que a Raupp Rios identifica como espécies da discriminação direta a discriminação explícita, a discriminação na aplicação do direito e a discriminação na concepção, sendo que essa última classificação permitiria enquadrar produções legislativas que, ainda que não o façam de modo literal ou declarado, possuem a intenção de causar prejuízo a um indivíduo ou grupo (RIOS, 2008, p. 101).

Também abordando as distinções e avanços teóricos havidos entre os conceitos de discriminação direta e discriminação indireta, Adilson José Moreira (2020MOREIRA, Adilson Jose. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020., p. 389 e 401-402) explicita que, enquanto a primeira orienta-se pelos elementos da arbitrariedade, da intencionalidade, do tratamento desvantajoso e da utilização de critério proibido por lei; a segunda, afastada de intencionalidades e, inclusive, eventualmente caracterizada pela aparente generalidade, estaria marcada pela presença de impactos desvantajosos sobre determinados grupos sociais, marcando-se sua identificação pela comparação entre grupos, e não entre indivíduos, numa abordagem mais condizente com o enfrentamento das desigualdades estruturais da nossa sociedade.

Ambos os autores se dedicam, ainda, ao conceito de discriminação institucional.

Para Rios (2008, p. 134-135), a partir da construção do direito norte-americano, a discriminação institucional se colocaria como subtipo da discriminação indireta, visto que estaria necessariamente afastada das dinâmicas de intencionalidades, enfatizando “a importância do contexto social e organizacional como efetiva raiz dos preconceitos e comportamentos discriminatórios” (RIOS, 2008, p. 135), considerando dinâmicas sociais que constroem “normalidades”. O autor, entretanto, pontua que essa abordagem pode contribuir inclusive para o escancaramento de intencionalidades discriminatórias maldisfarçadas sob argumentos superficiais (RIOS, 2008, p. 136).

Moreira (2020MOREIRA, Adilson Jose. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020.), por sua vez, acentua a presença de políticas e práticas que viabilizam a reprodução do aspecto estrutural da discriminação e que abarcam procedimentos (práticas comissivas ou negligências) que podem decorrer tanto de intencionalidades quanto de práticas que, embora não dirigidas a determinados grupos, acentuadamente os prejudicam. O que importa na assimilação do conceito de discriminação institucional, para o autor, é observar que, independentemente da origem intencional ou não do padrão discriminatório, ele é assimilado como procedimento institucional, cuja aplicabilidade independe da mediação da vontade dos agentes, desdobrando-se em perspectiva sistêmica, por meio da interação entre as diversas instituições, que reproduzem padrões de tratamento a determinados grupos sociais, com base em ideologias sociais.

Por fim, a coerência das reflexões aqui tecidas pressupõe a possibilidade de articular o conceito de discriminação interseccional, mobilizado por Moreira a partir de diálogo com a vertente do feminismo negro, notadamente Collins (2015COLLINS, Patricia Hill. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: Semprevivia Organização Feminista, 2015.). Para situar o contorno regulatório da filiação previdenciária das trabalhadoras domésticas, não se pode perder de vista que a mobilização das opressões de classe ou de raça não bastam, mas elas são significadas peculiarmente a partir do cruzamento, entre si e também com o marcador de gênero, engendrando o controle social de mulheres negras.

Esse fenômeno não pode ser compreendido por meio de preocupações limitadas às relações de poder, mas sim com a complexidade da “ação conjunta de sistemas de opressão” (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson Jose. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020., p. 424), que promove um lugar social muito específico, mobilizador, a um só tempo, da desumanização racista com a sobrecarga e a anulação afetivo-sexual do sexismo, que constituem essas mulheres como “minorias dentro de minorias” e asseguram-lhes papéis sociais subalternos com pouca ou nenhuma mobilidade (MOREIRA, 2020, p. 424).

Parece relevante, observando as profundas contribuições dos dois autores, perceber como a discriminação empreendida pela filiação previdenciária das trabalhadoras domésticas se coloca como discriminação institucional.

É certo que o critério da intencionalidade não deve ser colocado em relevo quando se discutem discriminações, inclusive porque a própria construção em torno do conceito de genocídio, como visto, tem dispensado a investigação da intenção, desde que observado, como ensinam Pires e Flauzina (2020PIRES, Thula; FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Política da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 2020. ), um “processo de sufocamento das comunidades negras nas mais diversas frentes de atuação institucional”.

Entretanto, é importante observar, em diálogo tanto com o conceito de discriminação direta pela concepção normativa (RIOS, 2008) quanto com o conceito de discriminação institucional como subvariante de discriminações diretas e indiretas, que não há espaço para aderir aos tecnicismos que orientaram a distinção do tratamento do trabalho doméstico pela legislação social brasileira, sobretudo considerada a composição dos poderes instituídos quando de sua edição.

Como observa Moreira (2020MOREIRA, Adilson Jose. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020.), a discriminação não apenas oferece desvantagens no acesso a direitos, bens e serviços, como também implica exclusões importantes no que toca à representação política, permitindo que a reprodução do sistema se dê à revelia dos sujeitos, que acumulam novas desvantagens a cada momento.

Assim, há na concepção da legislação do trabalho brasileira uma intencionalidade discriminatória em relação ao trabalho doméstico, que excluiu seu âmbito de incidência da própria noção de trabalho, durante décadas, e que, quando efetivamente o regulamentou, o fez como subcategoria, maldisfarçada sob as supostas peculiaridades da ausência de finalidade lucrativa e do âmbito residencial do trabalho (LOPES, 2020LOPES, Juliana Araújo. Constitucionalismo brasileiro em português: trabalhadoras domésticas e lutas por direitos. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade de Brasília, 2020.; SANTANA, 2020SANTANA, Raquel Leite da Silva. O trabalho de cuidado remunerado em domicílio como espécie jurídica do trabalho doméstico no Brasil: uma abordagem justrabalhista à luz da trilogia literária de Carolina Maria de Jesus. 2020. 255f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, 2020.), em tratamento discriminatório que resistiu ao próprio advento da Constituição de 1988, por meio de “permissividades” no bojo da “Carta cidadã” de contratualidades espoliativas (MELLO, 2020MELLO, Lawrence Estivalet de. Crise do contrato de trabalho e ilegalidades expandidas. Tese (Doutorado em Direito), Universidade Federal do Paraná, 2020.), dentre as quais é possível incluir a cláusula rebaixadora do trabalho doméstico contida na redação original do parágrafo único do artigo 7ª da CF/88.

Há um liame, nesta perspectiva, entre a discriminação produzida pelo Estado (através de ações ou regulamentações) e o genocídio. Assim como em Vasconcelos, Mello e Oliveira (2021VASCONCELOS, Jonnas Esmeraldo Marques de.; MELLO, Lawrence Estivalet de.; OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. Os Trabalhadores das Plataformas de Entregas: essencialidade em tempos de Covid-19 e desproteção legislativa e judicial. Revista Direito e Práxis, v. 12, n. 3, p. 1668-1678, jul. 2021.), alinhamo-nos conceitualmente à construção teórica de Flauzina (2006FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. 2006. 145 f. Dissertação (Mestrado em Direito) -Universidade de Brasília, Brasília, 2006.), que compreende que o genocídio não se restringe ao extermínio físico de corpos negros, embora essa perspectiva também esteja incluída: trata-se, nessa compreensão, de um processo que produz mortes e assimetrias sociais em virtude da condição fenotípica de um dado segmento populacional. A clivagem racial, em termos de desumanização, institui uma “zona do ser” e uma “zona do não ser”, que estabelece diferenças entre as(os) que são considerados (as) humanas(os) e as(os) que são espoliados dessa construção nas sociedades fundadas no colonialismo (PIRES, FLAUZINA; 2020PIRES, Thula; FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Política da morte: Covid-19 e os labirintos da cidade negra. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 2020. , p. 1217).

Em relato sobre as perspectivas e ângulos do genocídio das comunidades negras, Flauzina (2006FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. 2006. 145 f. Dissertação (Mestrado em Direito) -Universidade de Brasília, Brasília, 2006.) traz diversas dimensões do fenômeno, a exemplo da aniquilação direta e inequívoca dos corpos negros; da configuração da espacialidade urbana, com enredamento do segmento negro a uma lócus de desestruturação e precariedade; da obstrução à educação e à qualificação, gerando desdobramentos no acesso ao mundo do trabalho; da pobreza focalizada no segmento populacional negro; da questão da saúde da mulher negra e dos seus direitos reprodutivos, entre outros elementos. Todas essas circunstâncias demonstram que as expressões do genocídio estariam ligadas a uma agenda de Estado (e não simplesmente de governo), que encontra dificuldade de reconhecimento em virtude da concepção enraizada de existência de uma democracia racial.

A tolerância ao trato rebaixado do trabalho doméstico instituído e reafirmado normativamente por tantas vezes é representativa da continuidade da experiência escravagista não superada - aqui entendida a superação enquanto repúdio à experiência e recomposição das condições das pessoas que foram vitimadas por ela, de modo a colocá-las em condições de igualdade jurídica, política e social - ou, nas palavras de João Costa Vargas, como experiência de escravidão póstuma (VARGAS, 2017VARGAS, João Costa. Antinegritude e Antagonismo Estrutural 95 Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v.48, n. 2, p.83-105, jul./dez., 2017.). Entendendo a morte social como marcador da experiência da negritude, o autor a coloca “como dado transhistórico”, visto que integra a “experiência histórica, a experiência presente, a experiência futura” (VARGAS, 2017).

Segundo Vargas (2017VARGAS, João Costa. Antinegritude e Antagonismo Estrutural 95 Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v.48, n. 2, p.83-105, jul./dez., 2017.), a posição ocupada pelo negro na sociedade, em razão de sua condição racial, se afirma independentemente do reconhecimento formal de direitos e da cidadania, como o elemento esvaziador das prescrições jurídicas e conformador de estruturas sociais.

Ainda segundo o autor (VARGAS, 2017VARGAS, João Costa. Antinegritude e Antagonismo Estrutural 95 Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v.48, n. 2, p.83-105, jul./dez., 2017.), essa continuidade é sustentada sobretudo quando, sob o manto da suposta existência de um sistema neutro e igualitário, admite-se, no contexto de um Estado autodesignado democrático, violações de direitos tão acentuadas quanto aquelas verificadas no contexto anterior à abolição da escravidão, as quais são lidas como meros acidentes, coincidências ou problemas de efetividade da legislação estatal, ocorrendo, segundo a expressão de Hartman, visitada por Vargas (2017VARGAS, João Costa. Antinegritude e Antagonismo Estrutural 95 Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v.48, n. 2, p.83-105, jul./dez., 2017.), a “sujeição fundamental e contínua das pessoas negras independentemente da expansão progressiva de direitos e da cidadania formal”.

Desse modo, conclui que, “apesar da inferioridade das pessoas negras não ser mais o padrão legal, as várias estratégias de racismo do estado produziram uma classe subjugada e subordinada dentro do corpo político, apesar do verniz de neutralidade e igualdade” (Vargas 2017VARGAS, João Costa. Antinegritude e Antagonismo Estrutural 95 Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v.48, n. 2, p.83-105, jul./dez., 2017.).

É certo que o desenho legal supostamente neutro do ponto de visa de gênero e raça, ao tutelar o trabalho majoritariamente exercido por mulheres negras de forma flagrantemente rebaixada em relação ao desenho protetivo desenvolvido para o suposto “sujeito universal trabalhista”, consigna, na matriz de sua concepção, o ato discriminatório por meio do qual se conservam poderes, estruturas e lugares sociais, além das imagens de controle (COLLINS, 2015COLLINS, Patricia Hill. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In: MORENO, Renata (org.). Reflexões e práticas de transformação feminista. São Paulo: Semprevivia Organização Feminista, 2015.) das mulheres negras a partir do continuum da escravidão póstuma.

Uma vez inseridas e como representações que são também de discriminações estruturais (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson Jose. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020., p. 471), assim compreendidas as dinâmicas discriminatórias que, além de institucionais, se desdobram em desvantagens de diferentes níveis e setores da vida dos sujeitos, em perspectiva sistêmica, como é o racismo (ver THEODORO, 2022THEODORO, Mario. A sociedade desigual: Racismo e branquitude na formação do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2022. E-book Kindle.), os traçados discriminatórios originalmente intencionais da regulação do trabalho doméstico se legitimam por meio de ideologias sociais escravistas que tem o condão, sobretudo, de marcá-las pela invisibilidade ou naturalização.

A par dessa construção intencional, a consecução do modelo se desenvolve por meio da práxis institucional de tolerância ao descumprimento do mínimo já efetivamente reconhecido e do alargamento diuturno das permissividades excludentes pela jurisprudência, bem como na comunicação do sistema jurídico laboral com sistemas jurídicos previdenciários e sociais que o reafirmam, tornando as regras compartilhadas e supostamente neutras aquelas que concretizam tal relação de trabalho como experiência de superexploração, posicionalmente precarizada, e intermitente ou espoliativamente filiada ao sistema previdenciário.

A partir de sua generalização, o modelo descola-se da agência ou vontade de atores específicos, mas se procedimentaliza enquanto normalidade social, traduzindo-se a legislação e o aparato regulatório que lhe confere sentido em instrumento de controle social e de manutenção de estruturas sociais desiguais, entre opressões e privilégios.

Nas palavras precisas de Moreira (2020MOREIRA, Adilson Jose. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020.), “depois de se transformarem em parâmetros que determinam a operação das instituições, as normas que expressam os interesses dos grupos dominantes passam a operar de forma independente da vontade de grupos particulares” (2020, p. 459).

Considerações finais

A trajetória histórica colonial e escravagista brasileira é elemento determinante da compreensão do trabalho doméstico. Cruza-se com essa experiência uma dimensão mais ampla da discriminação de gênero e de seus impactos no mundo do trabalho, bem mapeados e analisados criticamente pela teoria da reprodução social. Conforma-se, a par desses elementos, o trabalho doméstico no Brasil como um trabalho feminino e negro, que, ao longo do percurso de afirmação da regulação protetiva do trabalho no país, foi excluído e subalternizado, de forma expressa, porém pautada em argumentos superficiais e ideológicos, que foram constitutivos dos contextos de precarização geral e posicional do trabalho doméstico.

Ao afirmar um sistema de proteção previdenciária que se comunica com a experiência do trabalho a partir do critério supostamente neutro da filiação, sem se propor a atenuar as desigualdades de gênero e raça estruturantes do mundo do trabalho e, ainda, ao valer-se de critérios que acentuam os impactos desfavoráveis sobre o grupo específico das mulheres negras, o instituto da filiação previdenciária marca o trabalho doméstico com o crivo da filiação espoliativa, por meio da qual o peso das contribuições sobre esse grupo revela-se desproporcionalmente desvantajoso, ao passo que a ele não corresponde o usufruto de prestações previdenciárias.

Nesse artigo, identificamos esse desenho e sua reprodução sistemática e não intencional ao conceito de discriminação institucional, o qual comunica-se, na experiência concreta da população negra e considerando a fundamentalidade da Previdência Social na preservação da própria vida, à ideia de genocídio.

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  • VOGEL, Lise. Marxismo e a Opressão às mulheres: rumo a uma teoria unitária. São Paulo: Expressão Popular, 2022.
  • 1
    Por filiação espoliativa compreendemos , a partir do conceito desenvolvido por Santos Junior (2022SANTOS JUNIOR, Valdemiro Xavier dos. Filiação Previdenciária e Clivagem Racial. 2022. 192f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.), a postura proativa do Estado, que, mediante pleno funcionamento do mecanismo fiscal, vulnerabiliza de forma mais eloquente a situação daquele mais fragilizado do ponto de vista social. Calcada na alçada da precarização geral e imbuída da tendência de sobrerrepresentação do segmento negro, pela lógica da precarização posicional, a condição espoliativa de filiação está em sintonia com os mecanismos de vulnerabilização e clivagem racial, transmutando-se de uma política de prevenção nos ciclos de vida para uma das vertentes do genocídio indireto da comunidade negra.
  • 2
    Albuquerque (2007, p. 56) ao descrever os tipos de jogos, esclarece que "a soma dos resultados nos provê uma nova classificação: os jogos de soma zero (ou soma constante) e os jogos de soma variável. O primeiro é típico de jogos em que existem claras distinções entre vencedores e perdedores. Isto é, o que um jogador ganha no jogo, outro perde. Em um jogo de damas, por exemplo, um jogador ganha e o outro perde, assim como é com os times em jogos de vôlei e outros esportes e jogos que não permitem o empate".
  • 3
    “A atividade de empregado doméstico passou a ser considerada como de filiação obrigatória a partir de 8 de abril de 1973, em decorrência da publicação do Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973, que regulamentou a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, devendo ser objeto de comprovação para fins de aplicação do inciso III do art. 103”, conforme Art. 71 do Decreto 3.048/1999.
  • 4
    Conforme Art. 71 da IN 128/2022: “A partir de 2 de junho de 2015, data da publicação da Lei Complementar nº 150, de 2015, a categoria de empregado doméstico foi, em termos gerais, equiparada a de empregado, sendo que por força do disposto no art. 35 da referida Lei, bem como o contido no Parecer nº 364/2015/CONJUR-MPS/CGU/AGU, de 5 de agosto de 2015, as contribuições do empregado doméstico são de responsabilidade do empregador doméstico e, neste caso, consideradas presumidas”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2023
  • Aceito
    01 Ago 2023
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