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Intersexualidade e o tensionamento do critério proibido de discriminação sexo

Intersexuality and the tensioning of the prohibited criterion of discrimination sex

Resumo

O campo jurídico é historicamente constituído por normativas sociais que estabelecem um padrão corporal (binário, cisgênero, endossexo), excluindo, dessa forma, corpos que não se enquadram nessa norma, como é o caso da intersexualidade. Por conta disso, pessoas intersexo sofrem discriminação e têm os seus direitos violados por procedimentos cirúrgicos e hormonais precoces e cosméticos, ainda na infância. O presente artigo busca discutir como a intersexualidade tensiona o conteúdo jurídico do critério proibido de discriminação sexo, contribuindo para o seu alargamento. Para tanto, foi realizada revisão bibliográfica e de legislação nacional e internacional sobre o conteúdo do critério proibido de discriminação sexo, considerando a necessidade de proteção antidiscriminatória das pessoas intersexo. Avalia-se se as categorias que dão conteúdo ao critério proibido sexo - orientação sexual e identidade de gênero - são suficientes para proteger as pessoas intersexo da discriminação e propõe-se a desbinarização do direito, por meio da inclusão da categoria características sexuais, como forma de contemplar as discriminações experienciadas por pessoas intersexo, e também por outras corporalidades que não se inscrevem em um padrão binário e que não se relacionam de modo linear com a identidade.

Palavras-chave:
Intersexualidade; Binarismo de gênero; Proibição de discriminação; Características sexuais

Abstract

The legal field is historically constituted by social norms that establish a body pattern (binary, cisgender, endosex), thus excluding bodies that do not fit this norm, as it is the case of intersexuality. Because of this, intersex people suffer discrimination and have their rights violated by early hormonal and cosmetic surgical procedures even in their childhood. This paper seeks to discuss how intersexuality strains the legal content of prohibited criterion of sex discrimination, contributing to its expansion. To this end, a bibliographic and national and international legislation review was carried out on the content of the discrimination prohibited criterion sex, considering the need for anti-discriminatory protection of intersex people. It is evaluated whether the categories that give content to the prohibited criterion of sex - sexual orientation and gender identity - are sufficient to protect intersex people from discrimination and the desbinarization of the law is proposed, through the inclusion of the category sexual characteristics, as a way of contemplating the discrimination experienced by intersex people, and also by other corporalities that are not inscribed in a binary pattern and that are not linearly related to identity.

Keywords:
Intersexuality; Gender binarism; Prohibition of discrimination; Sexual characteristics

A concepção de diferença sexual localizada a partir de um modelo binário pode ser datada historicamente, assim como é a emergência e a consolidação de uma ciência convocada a “encontrá-la” nos corpos, de modo a reiterar a existência de dois (e somente dois) sexos estáveis, incomensuráveis e opostos (Londa SCHIEBINGER, 1987SCHIEBINGER, Londa. 1987. Skeletons in the closet: The first illustrations of the female skeleton in eighteenth-century anatomy. In: Making of the Modern Body (C. Gallagher, ed.), pp. 42-82, Berkeley: University of California Press.; Ludimila JORDANOVA, 1989JORDANOVA, Ludimila. Sexual Visions, Images of Gender in Science and Medicine Between the Eighteenth and Twentieth Centuries. London: Harvester Wheatsheaf, 1989.; Thomas LAQUEUR, 2001LAQUEUR, Thomas Walter. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Trad. Vera. Whately. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. 313 p.; Fabíola ROHDEN, 2003ROHDEN, Fabíola. A construção da diferença sexual na medicina. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 2003, v.19, S2, p.201-212.)1 1 Apesar de as normas para a escrita científica determinarem que as referências no corpo do texto devem ser compostas apenas pelo sobrenome de autoras, tomamos a decisão ética e política de identificar também os seus prenomes quando da sua primeira menção, para dar visibilidade a quem escreve, pesquisa e movimenta os nossos pensamentos. Essa estratégia tem sido utilizada para romper com a ideia de que o conhecimento é produzido apenas por homens. . A relação normativa entre identidade e genitália produz efeitos na designação a um ou a outro sexo no nascimento e também naquilo que se projeta para esse corpo, no sentido de encarnar determinados ideais normativos sobre o sexo, o gênero e a sexualidade (Mauro CABRAL, 2009CABRAL, Mauro (ed.). Interdicciones: escrituras de la intersexualidad en castellano. Córdoba, Anarrés Editorial, 2009, v.1.). Nesta perspectiva, pessoas intersexo, que são aquelas que “nascem com características sexuais, sejam elas genéticas, anatômicas e/ou referentes aos órgãos reprodutivos e genitais, que não se enquadram nas definições típicas de corpos masculinos ou femininos” (ONU, 2019), serão produzidas enquanto “anormais” (Paula MACHADO, 2005MACHADO, Paula Sandrine. O sexo dos anjos: um olhar sobre a anatomia e a produção do sexo (como se fosse) natural. Cadernos Pagu (24), janeiro-junho de 2005, p.249-281.).

Há de se considerar as pesquisas que discutem e questionam o status quo biomédico, no sentido de pesar os direitos das pessoas intersexo, muitas vezes submetidas a uma suposta adequação/normalização de sexo/gênero. Por um lado, são desenvolvidas pesquisas que demonstram as violações de direitos a que são submetidas pessoas intersexo, assim como as denúncias e análises produzidas pelo movimento político intersexo ao redor do mundo (CABRAL, 2009CABRAL, Mauro (ed.). Interdicciones: escrituras de la intersexualidad en castellano. Córdoba, Anarrés Editorial, 2009, v.1.; Iain MORLAND, 2009MORLAND, Iain. What can queer theory do for intersex?. GLQ 1 April 2009; 15 (2): 285-312.; Morgan CARPENTER, 2016CARPENTER, Morgan (2016). The human rights of intersex people: addressing harmful practices and rhetoric of change. Reproductive Health Matters, 2016, p. 74-84.; Janik BASTIEN-CHARLEBOIS, Vincent GUILLOT, 2020; Thais Emilia dos SANTOS, 2020SANTOS, Thais Emilia de Campos dos. Educação de crianças e adolescentes intersexo. - 180p. - Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília, 2020.; Amiel VIEIRA et al., 2021VIEIRA, Amiel; COSTA, Anacely Guimarães ; PIRES, Barbara Gomes; CORTEZ, Marina. Apresentação: “Intersexualidade: Desafio de Gênero". Periódicus, Salvador, n. 16, v.1, set.2021-dez.2021.). Por outro lado, ao se levantar marcos jurídicos internacionais e nacionais na direção da proteção dessa população, evidencia-se que no Brasil o estabelecimento desses parâmetros está longe de ser consolidado (LEIVAS et al., 2020LEIVAS, Paulo G.C.; RESADORI, Alice H.; ALBAN, Carlos E.O.; SCHIAVON, Amanda A.; VANIN, Aline A., ALMEIDA, Alexandre N.; MACHADO, Paula S. Superando o binarismo de gênero: em direção ao reconhecimento civil de pessoas intersexo. Culturas Jurídicas, v. 7, n. 18, set./dez., 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/view/45537/28927. Acesso em 24 fev. 2021.
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). Nesse sentido, o presente artigo busca contribuir para esse debate, considerando como enquadre, mais especificamente, a norma que proíbe a discriminação por motivo de sexo, prevista no artigo 3º, IV, da Constituição Federal, que tem sido interpretada como incluindo a proibição de discriminação de homens e mulheres (Julie GREENBERG,2012GREENBERG, Julie A. Health Care Issues Affecting People with an Intersex Condition or DSD: Sex or Disability Discrimination? Loyola of Los Angeles Law Review, v. 45, p. 848-908, 2012.) e em razão da orientação sexual e identidade de gênero (Roger RIOS, 2012RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação, sexo, sexualidade e gênero: A compreensão da proibição constitucional de discriminação por motivo de sexo. In: COUTO, Edvaldo Souza; GOELLNER, Silvana Vilodre. O triunfo do corpo: polêmicas contemporâneas. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 85-118.).

Considerando que o conteúdo jurídico do critério proibido de discriminação sexo não é estático e reflete as lutas por reconhecimento de diversos grupos discriminados, este artigo busca discutir a interpretação do dispositivo normativo sexo a partir dos tensionamentos provocados pela intersexualidade. Para tanto, foi realizada revisão bibliográfica de literatura e de legislação nacional e estrangeira sobre intersexualidade, bem como sobre o conteúdo do critério proibido de discriminação sexo, considerando a necessidade de proteção antidiscriminatória das pessoas intersexo.

O artigo proposto é resultado das investigações do Projeto de Pesquisa “Intersexualidades e reconhecimento de sujeitos de direito: uma abordagem interdisciplinar”, vinculado à Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). No primeiro eixo do referido estudo, analisamos instrumentos normativos e decisões internacionais e de outros países que tratam do registro civil de pessoas intersexo de forma a amparar a defesa dos direitos humanos desses sujeitos no Brasil, com base em parâmetros jurídicos antidiscriminatórios e avancem as possibilidades de retificação registral brasileira (LEIVAS et al., 2020LEIVAS, Paulo G.C.; RESADORI, Alice H.; ALBAN, Carlos E.O.; SCHIAVON, Amanda A.; VANIN, Aline A., ALMEIDA, Alexandre N.; MACHADO, Paula S. Superando o binarismo de gênero: em direção ao reconhecimento civil de pessoas intersexo. Culturas Jurídicas, v. 7, n. 18, set./dez., 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/view/45537/28927. Acesso em 24 fev. 2021.
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). No segundo eixo, identificamos, a partir da perspectiva da (in)justiça epistêmica, as violações de direitos humanos suscitadas pelos procedimentos precoces, irreversíveis e normalizadores de designação de sexo binário realizados em crianças intersexo. Analisamos, também, as reverberações em organizações de direitos humanos, assim como na produção de novas legislações em outros países (Paulo LEIVAS et al., 2023).

1. Produção da intersexualidade e a discriminação de corpos diversos

Corpos intersexo desestabilizam a cisgeneridade, a heterossexualidade, a endossexualidade e a ausência de deficiência enquanto normas, provocando fraturas nos saberes de áreas às quais foi atribuído, historicamente, o poder de nomear e regular esses corpos, como as ciências biomédicas e o direito. Cisgeneridade, endossexualidade e corponormatividade foram termos cunhados pelos movimentos trans, intersexo e da deficiência, respectivamente, como formas de nomear e interpelar os sistemas normativos que inscrevem e promovem distinções entre os corpos (Morgan CARPENTER et al., 2021CARPENTER, Morgan. Intersex human rights, sexual orientation, gender identity, sex characteristics and the Yogyakarta principles plus 10. Cult Health Sex 2021; 23:516-32; Viviane VERGUEIRO, 2015VERGUEIRO, Viviane. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, Salvador, 2015.; Anahi MELLO, 2016MELLO, Anahi Guedes de. Deficiência, incapacidade e vulnerabilidade: do capacitismo ou a preeminência capacitista e biomédica do Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2016, v. 21, n. 10.).

De acordo com Jaqueline Gomes de Jesus (2012JESUS, Jaqueline Gomes de. Identidade de gênero e políticas de afirmação identitária. In: ABEH. Congresso Internacional de Estudos sobre a Diversidade Sexual e de Gênero. Salvador, 2012., p.8), cisgêneras são “pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento”. Já a endossexualidade faz referência àquelas que nasceram com características sexuais, sistema reprodutor, anatomia genital e carga genética cromossômica e hormonal que se enquadram nas definições binárias de feminino e masculino (Guilherme VICENTE, 2020VICENTE, Guilherme Calixto. Direitos sexuais e reprodutivos de homens trans, boycetas e não-bináries: uma luta por reconhecimento e redistribuição de saúde pública no Brasil. (2020). 97 fls. Trabalho de Conclusão de Curso - Escola de Administração Pública, Fundação Getúlio Vargas, 2020.). Enquanto a corponormatividade, como traduz Anahí Guedes de Mello (2016MELLO, Anahi Guedes de. Deficiência, incapacidade e vulnerabilidade: do capacitismo ou a preeminência capacitista e biomédica do Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2016, v. 21, n. 10., p. 3271), “considera determinados corpos como inferiores, incompletos ou passíveis de reparação/reabilitação quando situados em relação aos padrões hegemônicos corporais/funcionais”. Tais normativas incidem de diferentes formas sobre os corpos intersexo, ocasionando discriminações e violações de direitos humanos.

As várias camadas de discriminação geradas por concepções sociais normatizantes fazem com que esse olhar atravesse concretamente corpos de bebês e crianças intersexo pela ação de tecnologias biomédicas - dentre as quais a realização de cirurgias genitais precoces e de tratamentos hormonais para moldar tais corpos de acordo com as expectativas binárias de gênero e funcionalidade sexual e reprodutiva. Além disso, a estrutura da aparência, ou Lookism, conforme elencado por Suzanne Kessler (1998KESSLER, Suzanne J. Lessons from the Intersexed. Rutgers University Press, 1998.), impacta no cuidado médico da intersexualidade sob a justificativa de que os corpos intersexo devem se apresentar como futuros cumpridores do imperativo heterossexual (Katrina KARKIZIS, 2008; KESSLER, 1998KESSLER, Suzanne J. Lessons from the Intersexed. Rutgers University Press, 1998.; Iain MORLAND, 2005_____________. ‘The Glans Opens Like a Book’: Writing and Reading the Intersexed Body. Continuum, v. 19, n. 3, p. 335-348, 2005.). Ainda a esse respeito, Bastien-Charlebois e Guillot (2018) apontam que a ideia de sucesso médico, intimamente relacionada ao cumprimento de uma norma estética, nem sempre condiz com a percepção de sucesso das pessoas intersexo em relação aos seus corpos. E mais: os procedimentos cirúrgicos e hormonais estéticos e precoces são denunciados pelos ativistas intersexo como mutiladores, pois além de não serem consentidos pelos próprios sujeitos, ocasionam perda da sensibilidade nos órgãos genitais, além de dores. Essas violências podem, ainda, ocorrer chanceladas pelo poder médico e se tornam ainda mais graves pelo segredo e pelo silêncio que isolam o indivíduo da sua própria experiência intersexo.

Desde uma perspectiva crítica às normatizações médicas, nota-se que há uma aliança entre os saberes das ciências humanas e sociais e o ativismo político intersexo, especialmente no que se refere a considerar os procedimentos médicos precoces, desnecessários e não consentidos como violações de direitos humanos (MACHADO, 2005MACHADO, Paula Sandrine. O sexo dos anjos: um olhar sobre a anatomia e a produção do sexo (como se fosse) natural. Cadernos Pagu (24), janeiro-junho de 2005, p.249-281.; CABRAL, 2009CABRAL, Mauro (ed.). Interdicciones: escrituras de la intersexualidad en castellano. Córdoba, Anarrés Editorial, 2009, v.1.; LEIVAS et al., 2021), que evidenciam a violência da essencialização das lógicas binária, cis, endossexual e heteronormativas operando sobre os corpos intersexo. A manutenção dessa lógica binária é percebida na vida cotidiana de diversas maneiras, como no caso em que a divisão entre meninos e meninas se desdobra em outras distinções, por exemplo, na educação (corpos considerados no ensino de biologia, organização de filas, banheiros, esportes, brincadeiras a partir do gênero), nas mídias (ao se direcionar propagandas infantis ou para meninos ou para meninas, por exemplo) e no Direito (direito previdenciário, militar, desportivo, civil, formulados a partir da diferenciação das categorias homem/mulher). Particularmente o Direito, campo no qual se inscrevem as análises do presente artigo, se organiza e organiza as pessoas a partir de contrastes de gênero e utiliza a lógica binária como suporte para o sistema jurídico, seja para definição do estado civil, do nome, ou para acessar direitos que decorrem de um ou outro sexo/gênero (Daniel BORRILLO, 2011BORRILLO, Daniel. Por una Teoría Queer del Derecho de las personas y las familias. Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 39, p.27-51, jul. 2011.).

A partir das análises de Annemarie Mol (2005MOL, Annemarie. The body multiple: ontology in medical practice. Duham and London: Duke University Press, 2005. 196 p.) sobre o corpo múltiplo, Amanda Schiavon (2021SCHIAVON, Amanda de Almeida. Legislando infâncias: coprodução da criança intersexo enquanto sujeito de direitos. (Dissertação de Mestrado) - Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2021.) sugere, então, que a intersexualidade é múltipla e dinâmica. Tal multiplicidade emerge da coordenação e da articulação de diferentes objetos e instituições, tais como: biomédicas, ativistas, familiares, ciências humanas e sociais, jurídicas, educacionais e midiáticas. A autora propõe-se a analisar, ainda, a intersexualidade desde o idioma da coprodução (Sheila JASANOFF, 2004JASANOFF, Sheila (Ed.). States of knowledge: the co-production of science and social order. New York: Routledge, 2004.), ou seja, compreender as interações heterogêneas entre os objetos que se coproduzem mutuamente (tecnologia, ciência, sociedade, ordem social), ressaltando sua inseparabilidade ontológica de modo que não seja dada primazia a nenhum dos elementos envolvidos. Dessa forma, o idioma visa a superar o determinismo e as dicotomias (natureza/cultura, mente/corpo, matéria/discurso), tendo como base compreender os diálogos, as sobreposições, as reiterações entre os objetos pesquisados, e isso não é possível em produções científicas que pautam a separação e o distanciamento de seus objetos de conhecimento. Como ressalta Schiavon (2021), os saberes biomédicos participam dessa construção, patologizando a experiência intersexo e propondo uma série de procedimentos clínico e cirúrgicos precoces.

Um dos pontos de ligação entre as diferentes instituições, narrativas, práticas e contextos performativos que produzem a intersexualidade como múltipla, ainda que atuando de formas diferentes em cada instância, é, justamente, a incidência naturalizada da norma binária de sexo/gênero sobre o corpo sexuado. Como já apontado, a diferença sexual, contudo, responde a definições datadas historicamente, conforme demonstra Laqueur (2001LAQUEUR, Thomas Walter. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Trad. Vera. Whately. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. 313 p.), que afirma ser apenas na modernidade que o corpo passa a ser delineado por diferenças incomensuráveis entre os sexos. Cada nível do corpo, do mais microscópico ao mais macroscópico - o que inclui moléculas, genes, hormônios, esqueletos, genitálias, entre outros -, passa a ser identificado e distinguido, então, como feminino ou masculino. As pesquisas do autor evidenciam que essa estrutura binária para o corpo sexuado não é dada, mas foi criada e, ainda hoje, se inscreve nas dinâmicas de poder da sociedade.

Feministas inseridas nos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia, como Donna Haraway (2009HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: HARAWAY, Donna; KUNZRU, Hari; TADEU, Tomaz. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano / organização e tradução Tomaz Tadeu - 2. ed. - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.) e Anne Fausto-Sterling (2001), vêm tensionando as oposições binárias de sexo/gênero e natureza/cultura. Ao questionarem a suposição de que o sexo está para a biologia assim como o gênero está para o social, propõem borramentos nas fronteiras entre o que é tido como natural e cultural, desessencializando, desse modo, a binarização da diferença corporal. Ao pesquisar o gerenciamento sociomédico da intersexualidade, Paula Machado (2008MACHADO, Paula Sandrine. O sexo dos anjos: representações e práticas em torno do gerenciamento sociomédico e cotidiano da intersexualidade. 2008. 266 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.) coloca em questão: o que afinal é considerado natural em termos de diferença sexual? Como evidencia a pesquisadora, de acordo com a lógica biomédica, o corpo intersexo será, paradoxalmente, considerado tanto mais natural quanto mais produzido no sentido de sua normatização dimórfica. Logo, destaca-se que o sexo binário, visto como “natural”, “normal” e “estável” é, também, produzido social e culturalmente a partir das tecnologias médicas que, supostamente, visam apenas “encontrá-lo” no corpo (Paula MACHADO, 2008MACHADO, Paula Sandrine. O sexo dos anjos: representações e práticas em torno do gerenciamento sociomédico e cotidiano da intersexualidade. 2008. 266 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.).

Nessa mesma perspectiva, Judith Butler (2019BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução: Renato Aguiar. - 17ª Ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.) descreve o que chama de matriz normativa de inteligibilidade de gênero, a partir da qual as pessoas devem seguir, linear e coerentemente, as relações estabelecidas entre sexo, gênero, prática sexual e desejo. Dessa forma, os corpos que não performam o gênero de acordo com esse encadeamento regulatório deixam de ser inteligíveis e passam a ocupar o lugar de abjeção - nesse caso, de anormalidade. Para a filósofa, o gênero, tal como está posto, é um enquadramento semântico, que se estabiliza a partir de práticas reiterativas. Ou seja, é uma sequência de atos que nomeia e performa aquilo que pretende ser.

A sexuação dos corpos intersexo desestabiliza não apenas a execução da técnica biomédica, mas também a produção dos saberes jurídicos, afinal, ambos estão estabelecidos a partir da cisgeneridade, heterossexualidade, endossexualidade e corponormatividade como ideais regulatórios. Leivas et al. (2020LEIVAS, Paulo G.C.; RESADORI, Alice H.; ALBAN, Carlos E.O.; SCHIAVON, Amanda A.; VANIN, Aline A., ALMEIDA, Alexandre N.; MACHADO, Paula S. Superando o binarismo de gênero: em direção ao reconhecimento civil de pessoas intersexo. Culturas Jurídicas, v. 7, n. 18, set./dez., 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/view/45537/28927. Acesso em 24 fev. 2021.
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) apontam que "os critérios binários não necessariamente correspondem à variedade de expressões do gênero encontradas na realidade social” (p.319) e sugerem que, no âmbito do registro civil, para além de permitir a retificação do nome e do sexo, o Estado brasileiro deve avançar de modo a regulamentar o registro de bebês “sem a entrada de gênero ou com uma entrada que não remeta aos binarismos feminino-masculino” (p.320).

Nesse ponto é possível observar, tal como já apresentam ativistas e pesquisadores intersexo (CABRAL, 2009CABRAL, Mauro (ed.). Interdicciones: escrituras de la intersexualidad en castellano. Córdoba, Anarrés Editorial, 2009, v.1.; MORLAND, 2009MORLAND, Iain. What can queer theory do for intersex?. GLQ 1 April 2009; 15 (2): 285-312.; CARPENTER, 2016CARPENTER, Morgan (2016). The human rights of intersex people: addressing harmful practices and rhetoric of change. Reproductive Health Matters, 2016, p. 74-84.; BASTIEN-CHARLEBOIS, GUILLOT, 2020; SANTOS, 2020SANTOS, Thais Emilia de Campos dos. Educação de crianças e adolescentes intersexo. - 180p. - Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília, 2020.; VIEIRA et al., 2021VIEIRA, Amiel; COSTA, Anacely Guimarães ; PIRES, Barbara Gomes; CORTEZ, Marina. Apresentação: “Intersexualidade: Desafio de Gênero". Periódicus, Salvador, n. 16, v.1, set.2021-dez.2021.), o quanto as práticas baseadas em normativas binária e endossexo produzem discriminações e violações de direitos, tais como os direitos à autonomia, à autodeterminação e à integridade corporal. Portanto, tensionar o critério proibido de discriminação sexo no que tange às questões intersexo, exige, primeiramente, este questionamento das normas binárias estabelecidas para sexo/gênero e que conformam uma corponormatividade. Afinal, essa normativa social estrutura as diferentes instituições - educação, saúde, família, mídias - e, como cita Alice Resadori (2021RESADORI, Alice Hertzog. Dando close nas cortes: discursos sobre travestis nos tribunais constitucionais da América Latina. (Tese Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Porto Alegre; 2021.), é “adotado[a] pelo Direito como parâmetro”, reverberando em exclusões e violações de direitos humanos daquelas pessoas que, de alguma forma, não se enquadram no binário masculno/feminino.

2. Intersexualidade e proibição antidiscriminatória por motivo de sexo

O estabelecimento de um parâmetro jurídico para a proteção de pessoas intersexo passa pela compreensão do direito à igualdade, na sua dimensão de proibição à discriminação. A antidiscriminação é desenvolvida como uma perspectiva dinâmica do princípio da igualdade, acrescentando elementos para sua compreensão para além das dimensões formal (todos são iguais perante a lei) e material (tratar de forma desigual os desiguais, na medida de suas desigualdades) e centrando a sua análise nas respostas à discriminação (Roger RIOS, 2008RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.).

O conceito jurídico de discriminação é dado pela Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, pela Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher e pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, todas ratificadas pelo Brasil (Roger RIOS et al., 2014RIOS, Roger Raupp; SOUZA, Luiz Gustavo Oliveira de; SPONCHIADO, Tobias. Notícias de Homofobia e Proteção Jurídica Antidiscriminatória. In: DINIZ, Debora; OLIVEIRA, Rosana Medeiros. Notícias de Homofobia no Brasil. Brasilia: Letras Livres, 2014. p. 159- 190.). Com base nesses documentos, entende-se a discriminação como

Qualquer distinção, exclusão, restrição, ou preferência que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou em qualquer campo da vida pública (RIOS, 2008RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008., p. 20).

O ordenamento jurídico brasileiro traz a previsão explícita de proibição de discriminação por situações pessoais no artigo 3º, IV, da Constituição Federal: proibição de discriminação por motivo de raça, cor, sexo, origem e idade. Este rol não é taxativo, podendo ser ampliado, pois o texto constitucional proíbe “quaisquer outras formas de discriminação”. No caso da proibição de discriminação por motivo de sexo, este conceito foi inicialmente utilizado para garantir a igualdade entre homens e mulheres (GREENBERG, 2012GREENBERG, Julie A. Health Care Issues Affecting People with an Intersex Condition or DSD: Sex or Disability Discrimination? Loyola of Los Angeles Law Review, v. 45, p. 848-908, 2012.). Ao longo do tempo, a compreensão do que é sexo para fins antidiscriminatórios foi ampliada por meio de lutas por reconhecimento travadas por diversos grupos, de modo que passa a abarcar também a proibição de discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero (RIOS, 2012RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação, sexo, sexualidade e gênero: A compreensão da proibição constitucional de discriminação por motivo de sexo. In: COUTO, Edvaldo Souza; GOELLNER, Silvana Vilodre. O triunfo do corpo: polêmicas contemporâneas. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 85-118.).

A ampliação do conteúdo do critério proibido de discriminação sexo para abranger a orientação sexual tem como caso paradigmático Toonem vs. Austrália (ONU, 1994). A partir da análise desse caso, o Comitê de Direitos Humanos da ONU consolidou a posição de que leis que criminalizam ou punem relações sexuais privadas, adultas e consensuais entre pessoas do mesmo sexo violam o direito à não discriminação, compreendendo que a discriminação sofrida por homossexuais se dá pela combinação dos sexos das pessoas envolvidas (RIOS, 2012RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação, sexo, sexualidade e gênero: A compreensão da proibição constitucional de discriminação por motivo de sexo. In: COUTO, Edvaldo Souza; GOELLNER, Silvana Vilodre. O triunfo do corpo: polêmicas contemporâneas. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 85-118.). Assim, naquele momento, compreendeu-se que seria perfeitamente adequado alargar-se a compreensão de discriminação por motivo de sexo para proibir a discriminação por orientação sexual, já que esta, ao fim e ao cabo, também seria decorrente do fator sexo (RIOS, 2008).

Assim como a orientação sexual, a identidade de gênero também vem sendo incluída em uma compreensão ampliada do critério sexo. O fundamento é que tal discriminação seria decorrente da tida incoerência entre o gênero experimentado pelo sujeito e seu sexo biológico, relacionada à adoção da cis-heteronorma como o padrão a ser seguido. Como paradigma para tal alargamento, apontamos o caso de uma pessoa transexual demitida do emprego, analisado pelo Tribunal de Justiça Europeu (C-13/94). Ao julgar este caso, a Corte entendeu que a transexualidade está incluída na proibição de discriminação por motivo de sexo porque o que produz o tratamento desigual desfavorável é justamente o fato de apresentar um sexo diverso do que anteriormente lhe foi atribuído. Ainda, ressaltou que a discriminação por motivo de sexo se relaciona menos com os caracteres físicos sexuais e mais com o papel social desempenhado pela pessoa (gênero). É essa representação social que acaba ensejando tratamento diferenciado a um indivíduo ou a um grupo (RIOS, 2012RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação, sexo, sexualidade e gênero: A compreensão da proibição constitucional de discriminação por motivo de sexo. In: COUTO, Edvaldo Souza; GOELLNER, Silvana Vilodre. O triunfo do corpo: polêmicas contemporâneas. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 85-118.).

Contudo, este alargamento do conteúdo do critério proibido sexo para abranger também a proibição de discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero se deu, inicialmente, a partir de uma perspectiva sexo-centrada dos sujeitos. Isso porque a construção jurídica feita para ampliar a compreensão deste critério tomou como base a categoria sexo como sendo definidora dos sujeitos, como se fosse o elemento fixo, inquestionável ao redor do qual são constituídas as identidades e os desejos das pessoas. Essa fixidez do sexo se relaciona a uma leitura binária e essencializada desta categoria, e toma a cisgeneridade, a heterossexualidade e a endossexualidade como normas.

Recentemente, a adoção de enunciados produzidos pelas ciências sociais, pelos estudos de gênero e sexualidade e pelos movimentos sociais ensejou a produção de normas e outros instrumentos jurídicos que partem de outra lógica para proteger as pessoas contra discriminação por motivo de identidade de gênero e orientação sexual. Esses textos reconhecem que estes elementos fazem parte da autonomia que os sujeitos têm para desenvolverem livremente suas personalidades. Isso permite que, em vez de buscarem a “verdade biológica” sobre os sujeitos, compreendam e aceitem como eles se autodeclaram. Ou seja, retiram a centralidade do sexo para a definição dos sujeitos e passam a valorizar como, de fato, o sujeito se compreende (RESADORI, 2021RESADORI, Alice Hertzog. Dando close nas cortes: discursos sobre travestis nos tribunais constitucionais da América Latina. (Tese Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Porto Alegre; 2021.).

Nesse sentido, em 2017, a Corte IDH emitiu a Opinião Consultiva (OC) 24-17, em resposta à solicitação formulada pela Costa Rica acerca da interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos sobre o reconhecimento dos direitos patrimoniais decorrentes da união de casais do mesmo sexo e sobre o reconhecimento da identidade de gênero, relacionado às retificações de nome e sexo no registro civil. Nesta OC, a Corte ressaltou que a lista de critérios proibidos de discriminação prevista na Convenção Americana não é taxativa, e sim enunciativa, deixando aberta a inclusão de outras categorias que não foram explicitamente indicadas, tanto que a Convenção traz o termo “outra condição social” ao lado dos critérios proibidos elencados. Assim, concluiu que a proteção dos direitos patrimoniais que derivam do vínculo entre pessoas do mesmo sexo é protegida pela Convenção Americana.

A Corte IDH (2017) também reconheceu a proibição de discriminação por identidade de gênero de forma não atrelada ao sexo, e estabeleceu standards para as alterações do registro civil, entendendo que essas mudanças para adequá-lo à identidade de gênero autopercebida constitui um direito protegido pela Convenção Americana, por meio das disposições que garantem o direito à privacidade, ao reconhecimento da personalidade jurídica e ao nome. Nesse sentido, cada um tem direito a realizar a sua identidade de gênero de forma autônoma, cabendo ao Estado apenas reconhecê-la e respeitá-la. Assim, os Estados devem regular e estabelecer os procedimentos adequados para alteração dos registros, que, independentemente da forma que assumem (administrativa ou judicial), devem ser materialmente administrativos.

Essa perspectiva foi considerada pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 4.275-DF (BRASIL, 2018), ajuizada com o objetivo de dar interpretação constitucional ao art. 58 da Lei de Registros Públicos (BRASIL, Lei 6.015, de 1973), de modo a reconhecer o direito de pessoas trans a alterarem o nome e o gênero no registro civil, independente de terem ou não realizado a cirurgia de transgenitalização. Nesta ADI, o STF reconheceu o direito à retificação do gênero e do nome no registro civil de pessoas transgêneras, independente da realização de cirurgia de transgenitalização e de quaisquer outros tratamentos hormonais ou patologizantes, em respeito aos direitos ao nome, ao reconhecimento da personalidade jurídica, da liberdade pessoal, da honra, da dignidade e da proibição de discriminação. Tal alteração pode se dar administrativamente ou pela via judicial, bastando apenas a autodeclaração da pessoa.

Como já mencionado, pessoas intersexo sofrem discriminação em razão de suas características físicas tidas como incongruentes em relação ao sexo biológico ou anatômico binário. Neste sentido, questionamos se o conteúdo do critério proibido de discriminação sexo - que, conforme demonstrado acima, está sendo interpretado como proibição de discriminação entre homens e mulheres, por motivo de orientação sexual e por identidade de gênero, inclusive autodeclarada - efetivamente protege as pessoas intersexo da discriminação ou, se tal conteúdo, ainda atrelado a concepções binárias e sexo-centradas, pode ser alargado a partir das condições relacionadas às existências intersexo.

3. Características sexuais e a proteção antidiscriminatória da intersexualidade

Categorizar as demandas antidiscriminatórias intersexo a partir do critério proibido sexo implica criar possibilidades de abertura para que o sexo seja compreendido de formas que não sejam binárias e que questionem a legitimidade da imposição do sexo biológico atribuído no nascimento. Por conta da suposta inadequação dos seus corpos, as pessoas intersexo são submetidas a tratamentos hormonais e cirúrgicos precoces, como forma de apagar a sua intersexualidade, trazendo seus corpos para o mais próximo da norma possível. No Brasil, essas intervenções são determinadas pela Resolução 1664/03 do Conselho Federal de Medicina (CFM, 2003), que, inclusive, nomeia a intersexualidade enquanto anomalia do desenvolvimento sexual, como um corpo que necessita ser “corrigido” (LEIVAS et al., 2023LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo; SCHIAVON, Amanda A.; RESADORI, Alice H.; VANIN, Aline A., ALMEIDA, Alexandre N.; MACHADO, Paula S. Violações de direitos humanos nos procedimentos normalizadores em crianças intersexo. Cadernos de Saúde Pública [online]. v. 39, n. 1, 2023.).

Julie Greenberg (2012GREENBERG, Julie A. Health Care Issues Affecting People with an Intersex Condition or DSD: Sex or Disability Discrimination? Loyola of Los Angeles Law Review, v. 45, p. 848-908, 2012.) aponta esses procedimentos biomédicos estéticos e precoces como discriminação por motivo de sexo, na medida em que têm o intuito de adequar os corpos a partir de uma norma binária, cis e heteronormativa. Isso porque a definição do “sexo preponderante” leva em conta uma leitura heteronormativa desses corpos, compreendidos a partir de um falo muito pequeno para o intercurso sexual, para homens, ou um clitóris avantajado ou vagina que não pode acomodar um pênis, para mulheres (Julie GREENBERG, 2006GREENBERG, Julie A., Intersex and Intrasex Debates: Building Alliances to Challenge Sex Discrimination. Thomas Jefferson School of Law Research Paper No. 896357, Cardozo Journal of Law & Gender, Vol. 13, No. 101, 2006.). Iain Morland (2005_____________. ‘The Glans Opens Like a Book’: Writing and Reading the Intersexed Body. Continuum, v. 19, n. 3, p. 335-348, 2005.) aponta que a reconstrução genital só faz sentido se considerarmos a sua utilidade exclusivamente para a heterossexualidade. Embora a normalização esteja ainda calcada na heteronorma, orientação sexual não é uma categoria suficiente para a proteção discriminatória destes sujeitos, na medida em que uma pessoa intersexo pode ou não reconhecer sua sexualidade enquanto dissidente da norma.

Além de a experiência intersexo ser marcada pela heterossexualidade compulsória, a cisnormatividade também incide sobre este corpo. Os procedimentos precoces visam tornar o gênero de uma pessoa intersexo inteligível (BUTLER, 2019BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução: Renato Aguiar. - 17ª Ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.), de modo a seguir um continuum entre corpo, sexo e gênero. Uma vez que seus corpos são normalizados antes mesmo que possam manifestar o consentimento, não raro pessoas intersexo acabam por se identificar por outro gênero que não aquele designado no nascimento. Nesses casos, reconhece-se como pessoa intersexo e trans (CABRAL, 2009CABRAL, Mauro (ed.). Interdicciones: escrituras de la intersexualidad en castellano. Córdoba, Anarrés Editorial, 2009, v.1.). Portanto, por vezes experimentam discriminação também em razão da sua identidade de gênero, que não corresponde à cisnorma. Mesmo no caso das pessoas intersexo que se reconhecem na identidade de gênero a qual foram designadas na infância, ainda assim, sofreram violações em seus corpos e vivem os resquícios de tais intervenções. Visto que a identidade de gênero é pautada pela autodeterminação, a proteção de pessoas intersexo deve ter início na infância, impedindo os procedimentos precoces, afinal os corpos são cirurgiados antes mesmo de esses sujeitos terem a capacidade de autodeterminarem-se. Logo, abordar a discriminação unicamente pela via da identidade de gênero também não é suficiente para abarcar as experiências de pessoas intersexo, especialmente das crianças e bebês.

Nessa esteira, as categorias que dão conteúdo ao critério proibido sexo - orientação sexual e identidade de gênero - não são suficientes para proteger as pessoas intersexo da discriminação. Como aponta Carpenter (2021CARPENTER, Morgan. Intersex human rights, sexual orientation, gender identity, sex characteristics and the Yogyakarta principles plus 10. Cult Health Sex 2021; 23:516-32), essas categorias podem até beneficiar sujeitos intersexo, mas não os protegem. A intersexualidade tensiona o critério proibido de discriminação sexo, movimentando essa categoria para além da orientação sexual e da identidade de gênero e colocando em xeque o binarismo de sexo enquanto dado incontestável da natureza e norma dentro do Direito.

Com efeito, a discriminação por motivo de sexo deve concretizar-se não só na proibição de tratamento desfavorável a mulheres, homossexuais e transexuais, como também a todas as hipóteses em que a forma de um indivíduo se perceber ou ser percebido pelos outros seja fator determinante para uma diferença de tratamento desfavorável. Ao reconhecer a lacuna deixada em sua primeira edição, que tratava apenas das discriminações perpetradas em razão da orientação sexual e da identidade de gênero, os Princípios de Yogyakarta+10, acrescentam, ao lado destas categorias, as “características sexuais” enquanto atributos sobre os quais os sujeitos devem ser protegidos da discriminação:

COMPREENDENDO “características sexuais” como as características físicas de cada pessoa relacionadas ao sexo, incluindo genitália e anatomia sexual e reprodutiva, cromossomos, hormônios e características físicas secundárias emergentes da puberdade (YOGYAKARTA PRINCIPLES PLUS 10, 2017)2 2 No original: UNDERSTANDING ‘sex characteristics’ as each person’s physical features relating to sex, including genitalia and other sexual and reproductive anatomy, chromosomes, hormones, and secondary physical features emerging from puberty. .

Morgan Carpenter (2021CARPENTER, Morgan. Intersex human rights, sexual orientation, gender identity, sex characteristics and the Yogyakarta principles plus 10. Cult Health Sex 2021; 23:516-32), um dos redatores dos Princípios de Yogyakarta+10, relata que o termo características sexuais foi adotado para lidar com violações de direitos humanos com base em características físicas relacionadas ao sexo, independentemente de idade ou da agência do sujeito. A partir desta categoria, é possível estabelecer critérios mais efetivos para o reconhecimento e proteção dos direitos à integridade corporal, autonomia física e proibição de discriminação com base nas características sexuais, sem relacionar tais características a perspectivas binárias do sexo. Assim, não apenas a orientação sexual e a identidade de gênero devem estar contidas na proibição de discriminação por motivo de sexo, mas também as características sexuais, na medida em que pessoas são discriminadas por não se conformarem à anatomia tomada como norma.

Com o objetivo de assegurar a proteção antidiscriminatória das pessoas intersexo, um conjunto de países está incorporando às suas legislações normas protetivas, utilizando-se das seguintes técnicas: a) inclusão do status intersexo como um atributo protegido específico (p. ex. Austrália, 1984, e Montenegro, 2021); b) inclusão da intersexualidade dentro do critério proibido sexo (p. ex. África do Sul, 2000) ou c) uso do critério características sexuais (por ex. Malta, 2015; Portugal, 2018; Albânia, 2020; Bósnia/Herzegovina, 2021; Sérvia, 2021; Chile, 2022).

As leis australiana, sul-africana e montenegrina acionam a estratégia identitária para proteger os sujeitos da discriminação. Em que pese a importância das categorias de identidade para o reconhecimento de direitos já conquistados por aqueles que atendem à norma, a identidade, de forma estratégica, é uma condição temporária e transitória (Judith BUTLER, 2019BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução: Renato Aguiar. - 17ª Ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.). Ela precisa de local fixo para se estabilizar e produzir uma linguagem capaz de ser capturada pelo Estado. Para Asad Haider (2019HAIDER, Asad. A armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. Coleção Baderna. São Paulo, Veneta, 2019.), a identidade é um elemento a ser levado em consideração na organização das lutas políticas emancipatórias, porém pode haver uma armadilha nessa categorização quando a política se reduz à afirmação de identidades específicas. O Direito, ao adotar a estratégia identitária, também desempenha um papel na produção dessa identidade, o que, como visto, acarreta diversos danos e inconsistências para quem não se conforma aos padrões heterossexuais, endossexuais e cisgênero.

No caso da intersexualidade, a estratégia identitária é especialmente problemática, na medida em que há uma disputa em relação ao reconhecimento do próprio termo. Intersexo é, atualmente, a categoria de reconhecimento político que o movimento social tem pautado. Já o meio biomédico utiliza nomenclaturas como Anomalia da Diferenciação Sexual (ADS), e ainda é comum o termo ambiguidade genital e outras categorias diagnósticas como Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC). Ainda, mesmo que esteja em desuso, a expressão estigmatizante hermafrodita também é muito utilizada no saber popular e, inclusive, em obras jurídicas3 3 Por exemplo, Rolf Madaleno (2023) defende que o “hermafroditismo” é um “defeito físico irremediável” e que é causa para a anulação de casamento se essa condição era desconhecida pelo outro cônjuge e se há a “impotência coeundi”, ou seja, “a impossibilidade de realizar o coito, seja de parte do homem que não pode penetrar a mulher ou desta, que não pode ser penetrada”. . Diferentes formas de nomear não se reduzem a meras nomenclaturas; elas representam concepções diversas do que significa a intersexualidade, partindo de perspectivas mais ou menos normalizadoras ou que, por outro lado, não buscam a adequação destes corpos às cis, hetero e endonorma. Logo, a adesão à intersexualidade como uma identidade para a garantia antidiscriminatória traz o risco de não se proteger pessoas que sejam nomeadas e/ou diagnosticadas de formas diversas. Nesse sentido, a utilização da categoria identitária intersexo pode restringir a proteção apenas às pessoas assim identificadas e nomeadas pelo aparato médico. O caso da lei alemã de 2019 é ilustrativo, pois passou a permitir o registro de gênero “diverso” apenas para as pessoas que apresentem um atestado médico de que possuem uma “variante de desenvolvimento de gênero” (LEIVAS et al., 2020LEIVAS, Paulo G.C.; RESADORI, Alice H.; ALBAN, Carlos E.O.; SCHIAVON, Amanda A.; VANIN, Aline A., ALMEIDA, Alexandre N.; MACHADO, Paula S. Superando o binarismo de gênero: em direção ao reconhecimento civil de pessoas intersexo. Culturas Jurídicas, v. 7, n. 18, set./dez., 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/view/45537/28927. Acesso em 24 fev. 2021.
https://periodicos.uff.br/culturasjuridi...
).

Por outro prisma, a técnica legislativa utilizada pelo Estado de Malta, seguida por diversos países, não parte de categorias identitárias para garantir direitos. A lei de Malta sobre Identidade, Expressão de Gênero e Características Sexuais, de 2015, é pioneira no mundo ao garantir outras entradas de gênero fora do binarismo e por não partir de categorias identitárias para garantir direitos (LEIVAS et al., 2020LEIVAS, Paulo G.C.; RESADORI, Alice H.; ALBAN, Carlos E.O.; SCHIAVON, Amanda A.; VANIN, Aline A., ALMEIDA, Alexandre N.; MACHADO, Paula S. Superando o binarismo de gênero: em direção ao reconhecimento civil de pessoas intersexo. Culturas Jurídicas, v. 7, n. 18, set./dez., 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/view/45537/28927. Acesso em 24 fev. 2021.
https://periodicos.uff.br/culturasjuridi...
). Essa lei inclui entre os atributos protegidos contra a discriminação a identidade de gênero, expressão de gênero e características sexuais. Cabe ressaltar que, em nenhum momento, são nomeadas e conceituadas a transexualidade e a intersexualidade enquanto identidades destinatárias das normas antidiscriminatórias. Essa estratégia permite que os destinatários dos direitos previstos na lei não precisem corresponder aos modelos de sujeitos criados para designar uma ou outra identidade, não deixando de fora do seu âmbito de proteção, portanto, aquelas pessoas que não se identificam ou são identificadas exatamente com essas categorias. No caso da intersexualidade, considerando as multiplicidades de corpos que podem ser considerados enquanto intersexo, essa perspectiva permite sua inclusão no âmbito da norma antidiscriminatória.

No Brasil, como não há estatuto específico que proteja as características sexuais da discriminação, esta categoria pode ser reconhecida com base no critério proibido sexo ou mesmo enquanto “quaisquer outras formas de discriminação”. Para garantir direitos às pessoas intersexo, contudo, é necessário se pensar numa perspectiva transformadora do que se compreende por sexo, desbinarizando o Direito - na esteira do que já indica Daniel Borrillo (2018BORRILLO, Daniel. Por uma Teoria Queer do Direito das Pessoas e das Famílias. In: BORRILLO, Daniel; SEFFNER, Fernando; RIOS, Roger Raupp. Direitos sexuais e direito de família em perspectiva queer - Porto Alegre : Ed. da UFCSPA, 2018.) na sua proposta pela dessexualização do Direito4 4 Para Daniel Borrillo (2018), considerando que não há uma estabilização do sexo e do gênero e que as subjetividades estão em constante movimento, só haverá a materialização dessa multiplicidade de sujeitos, juridicamente, quando essa categoria for abolida da identificação pública e obrigatória das pessoas físicas, ou seja, quando houver uma dessexualização do direito. O que não significa, contudo, uma renúncia às políticas antidiscriminatórias baseadas no sexo ou no gênero. Pelo contrário, significa reconhecer a fluidez destas categorias, as diversas possibilidades do seu exercício, bem como a sua proteção, respeitando a percepção do indivíduo, e as motivações de eventuais discriminações. - e contemplando a multiplicidade de sujeitos, o que pode se dar a partir do alargamento do conteúdo do critério proibido sexo, de forma que abarque também as características sexuais.

Considerações finais

A intersexualidade interpela e convida o Direito a ampliar seu olhar sobre a categoria sexo e a contemplar a proteção sobre o corpo sexuado, a partir de um deslocamento da perspectiva binária histórica e normativamente construída. Para isso, propõe-se a desbinarização do Direito enquanto estratégia que contemple a inclusão e a proteção de pessoas intersexo e outras cujas corporalidades não se inscrevam em um padrão binário, bem como aquelas para as quais não se cumpra a norma de que o sexo designado e suas características sexuais se relacionem de modo linear com a identidade.

No Direito Antidiscriminatório, o uso do atributo proibido características sexuais, utilizado nos Princípios de Yogyakarta+10 e em legislações de diversos países, é o mais adequado para a proteção dos sujeitos que não se enquadram no modelo binário, pois não parte de categorias identitárias e contempla sujeitos que, em razão de sua idade e de sua agência, não têm ainda condições de afirmar a sua identidade.

No Brasil, a norma que proíbe discriminação por motivo de sexo, prevista no art. 3º, IV, da Constituição Federal, deve ser interpretada de modo a abranger a proibição de discriminação por características sexuais, ao lado dos atributos já reconhecidos na jurisprudência: orientação sexual e identidade de gênero. O tensionamento do critério proibido de discriminação de sexo, a partir da experiência das pessoas intersexo, produz avanços no campo dos direitos humanos, e pode impactar para a reflexão sobre os direitos de outros grupos minorizados.

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  • 1
    Apesar de as normas para a escrita científica determinarem que as referências no corpo do texto devem ser compostas apenas pelo sobrenome de autoras, tomamos a decisão ética e política de identificar também os seus prenomes quando da sua primeira menção, para dar visibilidade a quem escreve, pesquisa e movimenta os nossos pensamentos. Essa estratégia tem sido utilizada para romper com a ideia de que o conhecimento é produzido apenas por homens.
  • 2
    No original: UNDERSTANDING ‘sex characteristics’ as each person’s physical features relating to sex, including genitalia and other sexual and reproductive anatomy, chromosomes, hormones, and secondary physical features emerging from puberty.
  • 3
    Por exemplo, Rolf Madaleno (2023) defende que o “hermafroditismo” é um “defeito físico irremediável” e que é causa para a anulação de casamento se essa condição era desconhecida pelo outro cônjuge e se há a “impotência coeundi”, ou seja, “a impossibilidade de realizar o coito, seja de parte do homem que não pode penetrar a mulher ou desta, que não pode ser penetrada”.
  • 4
    Para Daniel Borrillo (2018), considerando que não há uma estabilização do sexo e do gênero e que as subjetividades estão em constante movimento, só haverá a materialização dessa multiplicidade de sujeitos, juridicamente, quando essa categoria for abolida da identificação pública e obrigatória das pessoas físicas, ou seja, quando houver uma dessexualização do direito. O que não significa, contudo, uma renúncia às políticas antidiscriminatórias baseadas no sexo ou no gênero. Pelo contrário, significa reconhecer a fluidez destas categorias, as diversas possibilidades do seu exercício, bem como a sua proteção, respeitando a percepção do indivíduo, e as motivações de eventuais discriminações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2023
  • Aceito
    30 Jun 2023
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