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Aprendendo a reescrever decisões judiciais em perspectivas feministas: uma experiência pedagógica transformadora e emancipatória na Amazônia brasileira

Learning how to rewrite judicial decisions from a feminist perspective: a transformative and emancipatory pedagogical experience in the Brazilian Amazon

Resumo

O artigo descreve uma experiência de reescrita de decisões judiciais em perspectivas feministas realizada no âmbito do Projeto Julgamentos Feministas da Universidade Federal de Roraima que, ao mobilizar os métodos dos saberes localizados, lugar de fala, teoria do ponto de vista feminista, pergunta pela mulher, posicionalidade e raciocínio prático feminista, questiona os dogmas da universalidade, neutralidade e objetividade do direito e demonstra que é possível escrever decisões judiciais mais justas e adequadas a mulheres marcadas pela interseccionalidade de gênero, raça, etnia, classe e origem, utilizando uma abordagem feminista, decolonial, interseccional e intercultural. A experiência descrita nos permitiu refletir sobre os ganhos e desafios da utilização pedagógica da reescrita no ensino jurídico e sobre o seu papel na construção de um ensino jurídico feminista, transformador e emancipatório.

Palavras-chave:
Reescrita Feminista; Interculturalidade; Experiências Didático-Pedagógicas; Ensino Jurídico Feminista

Abstract

The article describes the experience of rewriting judicial decisions in feminist perspectives carried out under the auspices of the Feminist Judgments Project of the Federal University of Roraima which has adopted the feminist methods of situated knowledges, standpoint theory, feminist standpoint theory, asking the woman question, positionality and the feminist practical reasoning to question the dogmas of universality, neutrality and objectivity of Law and demonstrates that it is possible to write judicial decisions fairer and more adequate for women marked by the intersectionality of gender, race, ethnicity, class and origin, by using a feminist, decolonial, intersectional and intercultural approach. The described experience enabled us to reflect on the gains and the challenges of the pedagogical use of the feminist rewriting in legal education and discusses its role in achieving a feminist, transformative and emancipatory legal education.

Keywords:
Feminist Rewriting; Interculturality; Didactic-Pedagogical Experiences; Feminist Legal Education

Introdução

Os Feminist Judgment Projects (FJP) surgiram como uma nova proposta de crítica jurídica feminista, na qual, ao invés de produzir livros, artigos científicos e/ou ensaios acadêmicos contendo críticas a decisões de juízes e tribunais, como já há muito vinha sendo feito pela doutrina jurídica feminista, as acadêmicas iriam se dedicar a produzir decisões judiciais alternativas, através da reescrita das decisões criticadas, como se fosse o(a) julgador(a) (ou um(a) dos(as) julgadores(as)) que proferiu a decisão, só que utilizando os conceitos e métodos jurídicos feministas.1 1 Nesse sentido, cf. HUNTER; McGLYNN; RACKLEY, 2010a; DOUGLAS et al, 2014; STANCHI; BERGER; CRAWFORD, 2016; McDONALD et al, 2017; ENRIGHT; McCANDLESS; O’DONOGHUE, 2017; COWAN; KENNEDY; MUNRO, 2019; HODSON; LAVERS, 2019; CHANDRA; SEN; CHAUDHARY, 2021.

Após alcançar diversos continentes, com diferentes realidades jurídicas, em 2021, os FJP chegaram ao Brasil, reunindo acadêmicas feministas de instituições de ensino superior públicas e privadas localizadas em diversas regiões do país, sob a coordenação da Professora Fabiana Cristina Severi da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP), para a produção colaborativa de reescritas de decisões judiciais brasileiras em perspectivas feministas.

Como parte dessa rede, em Roraima, extremo norte da Amazônia brasileira, realizou-se o Projeto Julgamentos Feministas da Universidade Federal de Roraima (PJF/UFRR) num contexto sociocultural e jurídico marcado pela interculturalidade resultante da presença de diferentes povos e territórios indígenas, e pelo intenso fluxo migratório originado de países como Venezuela e Haiti.

Partindo desse contexto, o artigo traz como proposta compartilhar a experiência do PJF/UFF com a reescrita de uma decisão de revogação de MPUs que haviam sido concedidas em favor de duas mulheres indígenas refugiadas, em que a utilização de uma abordagem universalista, genérica, neutra e objetiva por parte do(a) julgador(a) resultou em profundas violações aos seus direitos como indígenas e refugiadas, além do aumento de sua vulnerabilidade e dos riscos de feminicídio.

Para tanto, apresentaremos o percurso metodológico trilhado durante o processo da reescrita, acompanhado de uma análise dos recursos metodológicos, interpretativos, argumentativos e epistêmicos feministas articulados em cada etapa de sua realização. O objetivo é demonstrar como estes recursos nos permitiram desvelar os vieses machistas, excludentes e discriminatórios que se encontravam disfarçados pela pretensa imparcialidade e neutralidade da decisão original e, ao mesmo tempo, refletir sobre como uma abordagem feminista, decolonial, interseccional e intercultural poderia levar a resultados mais justos, culturalmente adequados e efetivos para a proteção integral das destinatárias da decisão, tendo em vista suas identidades indígenas e suas condições de refugiadas, bem como o contexto sociocultural e econômico em que vivem e as especificidades do caso analisado.

Por fim, refletiremos sobre os ganhos pedagógicos que a experiência da reescrita nos trouxe, ressaltando os desafios encontrados e as principais contribuições para os três eixos do ensino, pesquisa e extensão no âmbito das faculdades de direito.

1. O Projeto Julgamentos Feministas da Universidade Federal de Roraima

O Projeto Julgamentos Feministas da Universidade Federal de Roraima (PJF/UFRR) desenvolveu-se como um projeto de pesquisa e de extensão vinculado ao Observatório de Direitos Humanos (ODH/UFRR) e ao Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Roraima (ICJ/UFRR) e teve duração de um ano.

As atividades do PJF/UFRR realizaram-se em duas etapas: uma etapa teórica, para formação dos(as) participantes em temas das epistemologias feministas e das teorias feministas do direito; e, uma etapa prática, para o exercício de reescrita de decisões judiciais em perspectivas feministas.

Durante a etapa teórica, que durou cerca de quatro meses, foram realizados encontros semanais, com duração média de quatro horas cada encontro, para a discussão de textos sobre temas como: os diversos feminismos e sua história; epistemologias feministas; interseccionalidade; saberes localizados e lugar de fala; críticas feministas à Ciência, ao Direito e ao ensino jurídico; métodos jurídicos feministas e crítica feminista aos métodos jurídicos hegemônicos; Criminologia Feminista; violência de gênero; dentre outros.2 2 Para aqueles(as) que também forem passar por esse processo formativo prévio, sugerimos como leituras úteis, dentre outras: 1. Os diversos feminismos e sua história - BAIRROS, 1995; HOLLANDA, 2018; 2. Epistemologias feministas - FEDERICI, 2017; HOLLANDA, 2020; OYĚWÙMÍ, 2021; SCOTT, 1995; SEGATO, 2012; 3. Interseccionalidade - COLLINS; BILGE, 2020; GONZALEZ, 1984; SANTOS, 2017. 4. Saberes localizados e lugar de fala - HARAWAY, 1995; HARDING, 2004; RIBEIRO, 2019; 5. Críticas feministas à Ciência, ao Direito e ao ensino jurídico - CRENSHAW, 1988; HARDING, 1991; hooks, 2013; 6. Métodos jurídicos feministas e crítica feminista aos métodos jurídicos hegemônicos - BARTLETT, 2020; MACKINNON, 2013; SMART, 2020; CURIEL, 2019; MIÑOSO, 2020; 7. Criminologia Feminista - CAMPOS, 1999; MENDES, 2014; 8. Violência de gênero - SAFFIOTI, 2015; SEVERI; CASTILHO; MATOS, 2020.

Dessa etapa, participaram alunos e alunas de graduação e pós-graduação em Direito e profissionais da área jurídica, como advogadas e juízas, bem como da Antropologia, dentre as quais alunas e profissionais indígenas dos povos Macuxi, Wapishana e Taurepang, além de membros do Núcleo de Mulheres de Roraima (NUMUR) e da União das Mulheres Indígenas da Amazônia (UMIAB). Essa multiplicidade de backgrounds dos(as) participantes foi crucial para que conseguíssemos alcançar um processo de aprendizagem colaborativo, transdisciplinar e intercultural, que se revelou basilar à compreensão do contexto social, cultural e jurídico do caso sobre o qual nos debruçaríamos durante a etapa da reescrita.

A metodologia adotada para a realização da etapa formativa teve como proposta desconstruir padrões de ensino e aprendizagem herdados do ensino jurídico convencional (hegemônico), tais como os papeis hierárquicos entre professores(as) e alunos(as); a falta de protagonismo e a passividade dos(as) alunos(as) no processo de aprendizagem; a utilização de um discurso jurídico universalizante e homogeneizante, que não deixa espaço para a discussão sobre conhecimentos e experiências individuais e coletivas dos(as) alunos(as) e/ou de grupos sociais subalternizados; dentre outras. Esse processo desconstrutivo se mostrou indispensável para que pudéssemos alcançar um espaço verdadeiramente colaborativo de troca de conhecimentos, mas também de experiências, vivências, percepções, emoções e toda a multiplicidade de aprendizados que a experiência feminista pode proporcionar.

Nessa perspectiva, em cada encontro, de um(a) a três participantes ficavam responsáveis pela escolha e apresentação de um texto sobre o tema proposto, assim como sobre a condução do processo formativo a partir de suas próprias vozes e prioridades, promovendo discussões que abarcavam desde questões epistemológicas e metodológicas a questões políticas, antropológicas, morais e religiosas.

Em termos teóricos, o processo formativo proporcionou as bases que necessitávamos para o desenvolvimento das propostas que estavam sendo colocadas pelo PJF/UFRR, mas ainda pairavam muitas dúvidas entre os(as) participantes sobre como todo esse arcabouço de conceitos e métodos poderia ser efetivamente implementado em uma situação real de tomada de decisão judicial, com todos os condicionamentos e limitações legais e éticos que vinculam a atuação de um(a) juiz(a). Essas dúvidas e inseguranças só iriam começar a se dissipar na segunda etapa do projeto, com a prática efetiva das reescritas, quando o que era apenas conceitos e suposições começou a se tornar factível em termos práticos.

A etapa prática foi mais restrita e contou apenas com estudantes de graduação e pós-graduação em Direito, todas elas mulheres. Os encontros continuaram se realizando semanalmente, mas passaram a se concentrar na operacionalização das categorias analíticas e metodológicas feministas abordadas na etapa formativa para a realização tanto da análise crítica das decisões judiciais escolhidas para serem reescritas quanto de sua reescrita propriamente dita.

2. Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas em um contexto social multicultural e transfronteiriço

Nesta seção, iremos descrever nossa experiência de reescrita de uma decisão de revogação de medidas protetivas de urgência (MPUs) que haviam sido concedidas em favor de duas mulheres indígenas refugiadas (mãe e filha) que vinham sofrendo violência doméstica de forma reiterada pelo companheiro da filha.

A decisão reescrita propriamente dita, com os comentários detalhados sobre o caso, as razões que ensejaram a reescrita e os métodos jurídicos feministas utilizados, foi publicada no capítulo “Existência e reexistência das mulheres indígenas refugiadas: para uma abordagem feminista decolonial, interseccional e intercultural da Lei Maria da Penha” (RODRIGUES et al, 2023RODRIGUES et al. Existência e reexistência das mulheres indígenas refugiadas: para uma abordagem feminista decolonial, interseccional e intercultural da Lei Maria da Penha. In: SEVERI, Fabiana Cristina (org.). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto (SP): IEA / FDRP-USP, 2023. p. 733-762.) da coletânea “Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira” (SEVERI, 2023SEVERI, Fabiana Cristina (org.). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto (SP): IEA / FDRP-USP, 2023.), que traz as diversas experiências de reescritas produzidas no âmbito dos Feminist Judgment Projects - Brazil (FJP/Brazil).

Entretanto, pela própria proposta da coletânea e limitação do número de páginas, as discussões relativas ao processo de reescrita em si e suas contribuições pedagógicas para um ensino jurídico feminista acabaram ficando de fora. Por isso, achamos que seria interessante compartilhar a nossa experiência, descrevendo o percurso metodológico, os fundamentos epistêmicos e categorias metodológicas mobilizadas e os principais desafios e conclusões alcançadas, como um exemplo de como a reescrita pode ser utilizada como uma ferramenta pedagógica eficaz não apenas em projetos específicos dos FJP, mas no ensino jurídico de maneira mais ampla, seja em disciplinas regulares de cursos de graduação e pós-graduação, seja em disciplinas eletivas, oficinas, seminários e palestras.

2.1 Escolhendo a decisão a ser reescrita

Nossa jornada começou com a escolha da decisão que seria reescrita. Era quase unanimidade entre as participantes que a decisão deveria ser uma dessas decisões históricas, que marcaram as lutas feministas, ou que se tornaram emblemáticas seja por levantarem profundas discussões teóricas sobre questões de gênero seja por utilizarem conceitos ou expressões machistas e/ou estereótipos discriminatórios de gênero.

Mas todas as decisões sugeridas pareciam muito distantes da realidade sociocultural e jurídica em que o PJF/UFRR estava inserido, pois não refletiam os desafios e obstáculos efetivamente enfrentados por grande parte das mulheres que vivem em Roraima e que são fortemente marcadas pela vulnerabilidade interseccional de gênero, raça, etnia e origem.

Roraima apresenta um contexto sociocultural sui generis, pois ao mesmo tempo em que possui uma diversidade cultural incomparável, em decorrência da presença da maior população percentual de povos indígenas do país (IBGE, 2023) e do intenso fluxo migratório originado, principalmente, da Venezuela (IPEA, 2021) e do Haiti (LEVEL; SILVA, 2020LEVEL, Beatriz Patrícia de Lima; SILVA, João Carlos Jarochinski. Uma mesma partida, um mesmo destino: haitianos e venezuelanos em Boa Vista - RR. In: COTINGUIBA, Marília Lima Pimentel et al (orgs.). Mobilidade humana na Pan-Amazônia: implicações teóricas e experiências empíricas. Boa Vista: Editora da UFRR, 2020. p. 89-106.), o Estado também se destaca por casos recorrentes de racismo, tanto contra pessoas indígenas e negras brasileiras quanto imigrantes, e xenofobia (BRUM, 2018BRUM, Eliane. A violência em Roraima é contra a imagem no espelho. El País, 27 ago. 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/27/opinion/1535381111_480467.html. Acesso em: 2 set. 2023.
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08...
; LEVY, 2022LEVY, Bianca. Roraima registra casos de racismo religioso. Amazônia Real, 16 set. 2022. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/roraima-registra-casos-de-racismo-religioso/. Acesso em: 2 set. 2023.
https://amazoniareal.com.br/roraima-regi...
), além de apresentar alguns dos mais altos índices do país de violência doméstica, violência sexual e homicídios de mulheres (HRW, 2017; IPEA; FBSP, 2019; FBSP, 2022) e de homicídios de indígenas (CIMI, 2023).

Nesse contexto, o Observatório de Direitos Humanos (ODH/UFRR), no âmbito do qual o PJF/UFRR se realizou - que, dentre outros objetivos, fornece orientação e assessoria jurídica a pessoas e grupos vulneráveis e/ou em situações de violência ou violação de direitos humanos -, dedica grande parte de suas atividades ao acompanhamento de demandas de indígenas refugiados(as) originários(as) da Venezuela.

Em uma dessas atividades, uma liderança do povo indígena Warao nos informou que duas mulheres indígenas Warao refugiadas, mãe e filha, que viviam em sua comunidade, haviam solicitado MPUs contra o companheiro da filha, um homem imigrante venezuelano não indígena, em decorrência do aumento dos episódios de violência doméstica que vinham sofrendo como parte de um ciclo de violência em curso desde 2015, quando as vítimas migraram para o Brasil para fugir da crise política e econômica instaurada na Venezuela. A liderança vinha pedir orientação jurídica pois, a despeito da concessão judicial das MPUs em favor das vítimas, um dia após sua intimação, o agressor já havia descumprido a ordem de afastamento de sua residência, tendo retornado ainda mais agressivo e proferindo ameaças tanto às vítimas quanto a outros membros da comunidade.

Apesar de a equipe do ODH/UFRR ter tomado todas as medidas cabíveis para que as MPUs fossem cumpridas, o(a) juiz(a) acabou decidindo por sua revogação, tendo como único fundamento um relatório de atendimento da Patrulha Maria da Penha que, após uma semana de descumprimento das MPUs pelo agressor, visitou a comunidade e constatou o seu retorno ao convívio com as vítimas.

Sem qualquer menção à identidade indígena das vítimas ou à sua condição de refugiadas e sem qualquer consideração às condições precárias de moradia e insegurança alimentar em que vivem3 3 A comunidade em que as vítimas vivem trata-se de uma ocupação espontânea localizada num antigo ginásio poliesportivo na periferia de Boa Vista em que residem cerca de 300 indígenas Warao, sem acesso a condições mínimas de moradia, saneamento básico, segurança, alimentação ou qualquer serviço regular de acolhimento e assistência social, saúde e educação, apresentando graves problemas de desnutrição infantil e insegurança alimentar, além de outras violências e violações de seus direitos como indígenas e refugiados(as). ; ou ao longo ciclo de violência por elas vivenciado; ou mesmo às barreiras linguísticas e culturais por elas enfrentadas para o acesso à justiça e a outros serviços públicos essenciais; em uma atuação quase mecânica, o juiz decidiu pela revogação de todas as MPUs anteriormente concedidas, sem nunca ouvir as vítimas, utilizando, para tanto, um “modelo” de decisão revogatória que vem sendo replicado de forma uniforme por diferentes juízos em todo o país, todas as vezes que estes se deparam com a situação de retorno do agressor ao convívio com a vítima.

Por ter sido um caso acompanhado pelo ODH/UFRR, tal decisão suscitou infindáveis debates entre as participantes do PJF/UFRR - sobre neutralidade e imparcialidade do(a) juiz(a); importância de como os fatos são narrados; pressuposição da mulher como categoria homogênea; inefetividade da LMP para mulheres indígenas; dentre outros - acabando por se impor como a decisão que iríamos reescrever.

2.2 Lendo a decisão escolhida de forma crítica e colaborativa

Após a escolha da decisão, a tarefa foi realizar sua leitura crítica a fim de identificar situações de preconceito, estereotipação, silenciamento, invisibilidade, injustiça e violação de direitos das vítimas. Nesse exercício, cada aluna ficaria responsável também por descortinar quais os métodos jurídicos, raciocínio jurídico, estilo narrativo, argumentação e opções normativas e hermenêuticas que estariam por trás dessas situações para, no próximo encontro do PFJ/UFRR, apresentar suas descobertas para o restante do grupo.

A atividade tinha como intuito alcançar uma pluralidade de abordagens, que partissem de diferentes vozes e pontos de vista, sem a imposição, de cima para baixo, de uma fórmula ou roteiro pronto, o que nos permitiria articular as categorias metodológicas feministas dos saberes localizados (HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Florianópolis, v. 5, p. 7-41, 1995.), lugar de fala (RIBEIRO, 2019RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.; ALCOFF, 1991ALCOFF, Linda. The problem of speaking for others. Cultural Critique, n. 20, p. 5-32, Winter, 1991.) e teoria do ponto de vista feminista (HARDING, 2004HARDING, Sandra. Standpoint theory as a site of political, philosophic, and scientific debate. In: HARDING, Sandra (ed.). The feminist standpoint theory reader: intellectual and political Controversies. New York; London: Routledge, 2004. p. 1-15.) para a leitura da decisão.

A primeira tentativa foi um pouco fracassada, pois o fato de a decisão não apresentar expressões machistas nem estereótipos de gênero e de utilizar a estratégia da neutralidade e objetividade, tanto para descrever os fatos quanto para desenvolver a argumentação jurídica e proferir a decisão, pareceu para as alunas que não havia nada a ser questionado.

Um dos motivos desse bloqueio nos pareceu ser a própria forma como estudantes de direito aprendem a ler uma decisão judicial. Em geral, restringem-se a fragmentos da decisão, como a ementa ou trechos específicos da fundamentação, sem nunca olhar para os seus elementos (relatório, fundamentação e dispositivo) como um todo integrado e indissolúvel, que tem uma lógica própria que é responsável por reforçar as desigualdades fundadas em gênero, raça, classe e outros fatores de opressão. Além disso, são ensinados(as) a contemplar a decisão como algo dado e imbuído de autoridade, o que a torna, em tese, inquestionável.

Outro motivo é a resistência, de que nos fala bell hooks, quando se refere aos “alunos ‘resistentes’ que não queriam aprender novos processos pedagógicos, não queriam estar numa sala que de algum modo se desviasse da norma. Esses alunos tinham medo de transgredir as fronteiras” (hooks, 2013, p. 19); ou o backlash de que nos fala Susan Boyd ao se referir ao fenômeno da “resistência a mudanças sociais e jurídicas progressistas” (tradução nossa) (BOYD, 2001, p. 144) por parte dos(as) alunos(as). Uma resistência que decorre da própria formação profissional forjada pelo ensino jurídico convencional, que resulta em “profissionais engessados que, em sua maioria, aplica(sic) apenas a letra fria da lei, sem realizar uma exegese mais crítica e aprofundada, por meio da qual direitos das mulheres poderiam ser valorizados”. (CONCEIÇÃO; PINTO; SILVA, 2019CONCEIÇÃO, Cídia Dayara Vieira Silva da; PINTO, Bruna Laís Silva; SILVA, Salete Maria da. Feminismo jurídico como instrumento de ruptura com o direito patriarcal. Interfaces Científicas-Direito, v. 7, n. 3, p. 93-104, 2019., p. 96).

Para tentar superar esses bloqueios, resolvemos adotar o método do aumento da consciência4 4 O aumento da consciência consiste em “buscar ideias e perspectivas mais adequadas com outrem, por meio de engajamento colaborativo ou interativo, com base na experiência e narrativa pessoais”. (BARTLETT, 2020, p. 245) , proposto por Katharine Bartlett (2020BARTLETT, Katharine T. Métodos jurídicos feministas. In: SEVERI, Fabiana Cristina; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; MATOS, Myllena Calasans de (Org.). Tecendo fios das críticas feministas ao Direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências: volume 1, os nós de ontem: textos produzidos entre os anos de 1980 e 2000. Ribeirão Preto: FDRP/USP, 2020. p. 243-360.), para a realização de uma leitura coletiva, crítica e colaborativa da decisão, que permitisse uma desconstrução dos padrões limitantes herdados da aprendizagem convencional e, ao mesmo tempo, uma melhor compreensão sobre o papel dos métodos feministas e como eles podem ser utilizados nas mais diversas situações jurídicas envolvendo mulheres ou outros grupos excluídos por seu gênero, raça e classe.

Para empreender a leitura da decisão, inicialmente, adotamos os métodos da pergunta pela mulher5 5 A pergunta pela mulher consiste num conjunto de perguntas - tais como “as mulheres foram preteridas? Se assim o for, de que maneira? Como essa omissão pode ser corrigida? Que diferença faria incluir as mulheres?” - utilizado para desvelar “as maneiras pelas quais as escolhas políticas e o ordenamento institucional contribuem para a subordinação das mulheres.” (BARTLETT, 2020, p. 251 e 256) e da posicionalidade6 6 A posicionalidade consiste na “ótica que rejeita tanto o objetivismo da verdade total, fixa e imparcial, quanto o relativismo de diferentes verdades de igual valor. Em vez disso, postula que estar ‘certo’ no Direito depende de se estar situado em perspectivas específicas e parciais, com base nas quais o indivíduo é obrigado a tentar melhorar. Essa postura, para mim, identifica a experiência como um alicerce para o conhecimento e molda uma abertura para pontos de vista cuja exclusão, de outra forma, julgaríamos natural.” (BARTLETT, 2020, p. 247) , também propostos por Bartlett (2020BARTLETT, Katharine T. Métodos jurídicos feministas. In: SEVERI, Fabiana Cristina; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; MATOS, Myllena Calasans de (Org.). Tecendo fios das críticas feministas ao Direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências: volume 1, os nós de ontem: textos produzidos entre os anos de 1980 e 2000. Ribeirão Preto: FDRP/USP, 2020. p. 243-360.), de modo que, enquanto a pergunta pela mulher nos permitiria identificar os elementos de exclusão das vítimas que se encontram embutidos nas normas, métodos e práticas jurídicas articulados pelo(a) julgador(a) e que se encontram disfarçados como neutros e objetivos; a posicionalidade nos permitiria buscar, nas especificidades do caso concreto, as necessidades e anseios das vítimas em relação aos resultados da decisão.

Entretanto, o caráter universalizante da pergunta pela mulher, que não distingue, por si só, as diversas possibilidades do que é ser mulher tendo em conta raça, classe e outros marcadores sociais de diferença, mesmo estando conjugada à posicionalidade, nos exigiu refinar os referenciais e métodos jurídicos que seriam utilizados.

Assim, alicerçadas no pressuposto de que todo conhecimento é situado e corporificado (HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Florianópolis, v. 5, p. 7-41, 1995.), por ser moldado pelo lugar de fala (RIBEIRO, 2019RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.; ALCOFF, 1991ALCOFF, Linda. The problem of speaking for others. Cultural Critique, n. 20, p. 5-32, Winter, 1991.) definido pelos marcadores sociais que compõem a identidade do sujeito cognoscente e tendo o ponto de vista feminista como a abordagem norteadora da nossa reescrita, seria necessário enunciarmos de que feminismos estávamos partindo.

Compreendendo a interseccionalidade7 7 A interseccionalidade “refere-se ao cruzamento de sistemas de opressão e de privilégio, como o (hetero)patriarcado, o capitalismo e o racismo, que estruturam as relações sociais com base em categorias historicamente situadas, tais como, classe social, gênero, raça, etnia, orientação sexual, deficiência, entre outras, (re)produzindo relações desiguais de poder e moldando a formação de identidades individuais e coletivas.” (SANTOS, 2017, p. 39) como premissa de qualquer abordagem feminista, em sendo as destinatárias da decisão marcadas pela múltipla vulnerabilidade de gênero, raça, etnia, classe e origem, por serem mulheres indígenas refugiadas, entendemos essencial situar no feminismo indígena8 8 Importante esclarecer que o conceito de feminismo indígena é questionado por muitas mulheres indígenas, que preferem identificar suas demandas como Luta das Mulheres Indígenas (SOUSA, 2022) ou como parte de um feminismo comunitário (PAREDES; GUZMÁN, 2014). Primeiro, porque os povos indígenas - que, somente no Brasil, são mais de 305 - não possuem uma forma homogênea de se organizar a partir do gênero, o que dificulta a definição de pautas feministas comuns (ANAHATA, 2022). Segundo, porque as mulheres indígenas têm dificuldade de se filiarem à noção moderna e antropocêntrica do feminismo como uma luta só das mulheres, separada de outras lutas coletivas, pois em suas cosmopercepções, ser mulher é, antes de mais nada, ser parte de um todo, que é seu povo, seu território, sua ancestralidade. Entretanto, ressalvadas tais perspectivas, não há como negar a crescente afirmação de um verdadeiro feminismo indígena que, ao mesmo tempo em que se insere nas lutas mais amplas de seus povos por território, saúde, educação e bem-viver, também possui espaços próprios de luta e reflexão sobre suas experiências como mulheres e como indígenas (CASTILLO, 2001), como a questão da representatividade política e a luta contra a violência de gênero dentro e fora de suas comunidades (ANAHATA, 2022; OLIVEIRA, 2018; VERDUM, 2008). E é a partir dessa compreensão, de um feminismo que luta pela vida das mulheres indígenas, mas ao mesmo tempo por seus territórios, sua comunidade, seus saberes ancestrais e pelas futuras gerações, que conduzimos as reflexões sobre a nossa reescrita. e no feminismo decolonial9 9 Considerando o sistemático processo de exclusão e subalternização das mulheres indígenas e de seus conhecimentos, modos de vida e subjetividades em curso há mais de 500 anos, entendemos ser o feminismo decolonial (LUGONES, 2014; CURIEL, 2019; MIÑOSO, 2020; SEGATO, 2012) abordagem indispensável ao rompimento das hierarquias de poder criadas e perpetuadas pelo Direito e à visibilização dos interesses, necessidades e demandas das mulheres indígenas refugiadas a partir de suas próprias vozes. os lugares de onde partiria a nossa análise. Como resultado, a interculturalidade (WALSH, 2013WALSH, Catherine (ed.). Pedagogías decoloniales: Prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya-Yala, 2013. Tomos I e II. (Serie Pensamiento Decolonial)) torna-se, também, imprescindível, pois de nada adiantaria trazer as vozes das mulheres indígenas para a reescrita, se suas vivências, experiências e estratégias de resistência e reexistência frente à violência de gênero não fossem compreendidas a partir de suas próprias cosmopercepções10 10 Utilizamos o termo cosmopercepção, proposto pela feminista decolonial africana Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (2021), para dar visibilidade a epistemologias de povos africanos e indígenas que valorizam outros sentidos para perceber, interpretar e interagir com a sua realidade, tais como a oralidade, a audição, a corporeidade (MARIM, 2020). .

Assim, articulando os métodos da pergunta pela mulher e da posicionalidade com uma abordagem feminista indígena, decolonial, interseccional e intercultural, passamos a escrutinar cada um dos elementos da decisão, buscando identificar as omissões, contradições e injustiças que se encontravam encobertas pelo manto da neutralidade, objetividade e imparcialidade do juiz.

Como resultado, chegamos às seguintes considerações:

1º) A forma como os fatos são narrados na decisão demonstra como a abordagem universalista, genérica, neutra e objetiva dos métodos jurídicos hegemônicos é eficaz para alcançar a invisibilização e exclusão das mulheres do acesso a direitos e à justiça.

Na decisão analisada, os fatos foram descritos sem fazer qualquer menção à identidade das vítimas ou à sua condição cultural, econômica e social ou ao contexto social e cultural em que vivem. Também não mencionou as circunstâncias específicas em que ocorreu o retorno do agressor ao convívio com as vítimas, situação que ensejou a revogação das MPUs, nem o grau de risco que esse retorno lhes impôs. De modo que, se fossemos realizar a reescrita apenas a partir da decisão original, não saberíamos nada sobre as vítimas, a não ser que, dado a natureza das MPUs, são mulheres. Não saberíamos nada sobre sua raça, etnia, classe, origem, pois a decisão faz um recorte de gênero, pressupondo a categoria universal e homogênea de mulher (BARTLETT, 2020BARTLETT, Katharine T. Métodos jurídicos feministas. In: SEVERI, Fabiana Cristina; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; MATOS, Myllena Calasans de (Org.). Tecendo fios das críticas feministas ao Direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências: volume 1, os nós de ontem: textos produzidos entre os anos de 1980 e 2000. Ribeirão Preto: FDRP/USP, 2020. p. 243-360.; SMART, 2020SMART, Carol. A mulher do discurso jurídico. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 1418-1439, 2020.; CNJ, 2021) como suficiente para a apreciação dos fatos e tomada de decisão.

Tendo em conta que a forma como os fatos são narrados é uma escolha do(a) julgador(a), de modo que “os 'fatos' representados pelo tribunal são realmente selecionados e construídos, em vez de refletirem de forma transparente uma realidade externa” (tradução nossa) (HUNTER, 2012HUNTER, Rosemary. Feminist judgments as teaching resources. Oñati Socio-legal Series, v. 2, n. 5, p. 47-62, 2012., p. 53), as escolhas realizadas na decisão analisada tiveram o intuito claro de simplificar os fatos para que o(a) juiz(a) conseguisse facilmente encaixá-los em uma moldura jurídica já existente através de um raciocínio jurídico mecânico de subsunção do fato a norma.

Assim, seguindo esse raciocínio, o juiz decidiu que, ainda que fossem mulheres em situação de violência doméstica, conforme prescreve a norma a ser aplicada, não poderiam se beneficiar da proteção integral garantida pela LMP. Uma decisão que acaba por se justificar pela própria forma como essas mulheres foram concebidas no processo, ou seja, como sujeitos sem voz, sem história, sem identidade e sem subjetividade, desumanizadas a tal ponto que se tornou mesmo difícil concebê-las como sujeitos de direitos.

A reprodução desse raciocínio, num contexto marcado por elevados índices de violência e morte de mulheres indígenas, deixa evidente o papel historicamente exercido pelo Direito na legitimação do sistemático processo de etnocídio, epistemicídio e genocídio, ainda em curso, dos povos indígenas em Roraima.

2º) Ao invisibilizar a identidade indígena das vítimas, o raciocínio jurídico hegemônico não apenas desconsiderou suas subjetividades e vivências específicas, mas expressamente violou a ordem jurídica. De forma ampla, violou os direitos à identidade e à autodeterminação indígena, que perpassa toda a legislação nacional e internacional11 11 Em especial, os arts. 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, o Estatuto do Índio (neste, ressalvados os dispositivos tacitamente revogados pela CF/88), a Convenção nº 169 da OIT (1989), a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007) (DNUDPI) e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2016) (DADPI). sobre esses povos. E, de forma específica, violou o direito ao tratamento culturalmente diferenciado no âmbito do sistema de justiça, que inclui a garantia da autoidentificação indígena em qualquer fase do processo (art. 3º, V e 14 da Resolução CNJ nº 454/2022; art. 1º, 1, C169 OIT); a realização de perícia antropológica, para garantir que as medidas adotadas sejam adequadas à realidade cultural específica das vítimas (arts. 3º, V e 14 da Resolução CNJ nº 454/2022); e o acompanhamento de tradutor(a)/intérprete indígena em todos os atos do processo (arts. 3º, IV e 16, § 2º, Resolução CNJ nº 454/2022; art. 13.2, DNUDPI).

3º) A utilização da imparcialidade e da neutralidade como forma de distanciamento das partes para que não seja necessário assumir responsabilidades pode gerar consequências fatais para as vítimas, especialmente em se tratando de violência doméstica.

Uma atuação judicial descomprometida e irresponsável - no sentido dado por Haraway (1995HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Florianópolis, v. 5, p. 7-41, 1995., p. 22) de “incapaz de ser chamado a prestar contas” - além de reforçar as barreiras linguísticas, culturais e psicológicas comumente enfrentadas pelas mulheres indígenas refugiadas para o acesso à justiça (RODRIGUES et al, 2023RODRIGUES et al. Existência e reexistência das mulheres indígenas refugiadas: para uma abordagem feminista decolonial, interseccional e intercultural da Lei Maria da Penha. In: SEVERI, Fabiana Cristina (org.). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto (SP): IEA / FDRP-USP, 2023. p. 733-762., p. 747), acentua a violência de gênero ao incorporar a violência institucional12 12 A impunidade do agressor gerada pela negligência do Estado e a omissão do juiz em adotar as medidas protetivas cabíveis (MENDES, 2022), bem como o silenciamento e invisibilização das vítimas e a deliberada violação de seus direitos são formas inquestionáveis de violência institucional de gênero. ao ciclo de violência que as vítimas vinham sofrendo, aumentando os riscos de feminicídio.

A violência institucional provocada pela decisão revogatória revela os vieses masculinistas, discriminatórios e excludentes que estavam disfarçados pela imparcialidade e neutralidade, corroborando o ensinamento de Crenshaw (1988CRENSHAW, Kimberlé W. Foreword: Toward a Race-Conscious Pedagogy in Legal Education. National Black Law Journal, v. 11, n. 1, p. 1-14, 1988., p. 12) de que “a neutralidade formal, muitas vezes confundida com objetividade, apenas mascara as características particulares da perspectiva empoderada; não as apaga.” (tradução nossa)

2.3 Reescrevendo a decisão em perspectiva feminista decolonial, interseccional e intercultural

Após a leitura crítica da decisão original e identificação dos aspectos que mereceriam ser reescritos, passamos à reescrita propriamente dita, que compreendeu um exercício de imaginação e de experimentação. Primeiro, de imaginação, pois tivemos que nos colocar no lugar do(a) julgador(a), imaginando todos os condicionamentos legais e éticos que pudessem restringir sua atuação e, nessas condições, imaginar formas mais adequadas de escrever a decisão. E, em seguida, de experimentação das categorias metodológicas feministas que poderiam ser articuladas para a elaboração da narrativa dos fatos, da escolha dos dispositivos normativos, da fundamentação e argumentação jurídica e da definição dos resultados.

Além dos métodos e abordagens utilizados durante a leitura da decisão, trouxemos para a reescrita o raciocínio prático feminista (BARTTLET, 2020) que, ao ressaltar que “os fatos específicos de um litígio não apenas constituem o problema a ser solucionado, mas também instruem os julgadores acerca de quais deveriam ser os fins e os meios do Direito” (BARTTLET, 2020, p. 273), nos possibilitou buscar, nas especificidades do caso concreto, os elementos para afastar os vieses masculinistas, discriminatórios e excludentes que haviam sido identificados durante a leitura da decisão original.

Diferentemente dos métodos jurídicos hegemônicos, o raciocínio prático feminista não esconde suas posições e escolhas morais e políticas, pois parte sempre de uma abordagem situada e, portanto, política e eticamente comprometida e responsável pelos resultados das tomadas de decisão (HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Florianópolis, v. 5, p. 7-41, 1995.). Nesse sentido, repele as abstrações, generalizações e universalizações, pois entende que “não é apenas a resolução do problema que nasce das especificidades da situação, mas o que pode ser considerado um problema depende também da situação em si e não de uma definição ou prescrição anterior.” (BARTTLET, 2020, p. 265)

Em sua realização, “busca integrar elementos emocionais e intelectuais, e abrir possibilidades de novas situações em vez de limitá-las mediante a prescrição de categorias de análise.” (BARTTLET, 2020, p. 270) Pressupõe a indissociabilidade das identidades de gênero, raça e classe e busca nos conhecimentos, experiências e vivências interseccionais dos sujeitos os fundamentos para a tomada de decisão, o que não significa, entretanto, “um compromisso pré-estabelecido com suas posições, mas um exercício de multiplicação das vozes consideradas, especialmente daquelas tradicionalmente excluídas do raciocínio jurídico hegemônico.” (GOMES; CARVALHO; FRANZONI, 2023GOMES, Camilla de Magalhães; CARVALHO, Claudia Paiva; FRANZONI, Julia Ávila. Método transfeminista de reescrita de decisões judiciais: perspectivas teóricas e caminhos para sua aplicação. Revista Direito Público, Brasília, v. 20, n. 106, p. 95-117, abr./jun. 2023., p. 111)

A formatação escolhida para a reescrita foi manter os aspectos formais da decisão original, mas reescrevendo cada um de seus elementos - relatório, fundamentação e dispositivo - a partir dos métodos jurídicos feministas escolhidos. O objetivo era demonstrar que não são necessárias alterações legais ou processuais para que seja possível alcançar uma decisão mais justa, igualitária e efetiva para as mulheres indígenas refugiadas, pois a legislação existente dispõe de todos os recursos normativos e processuais para tanto.

Assim, ao demonstrar que a adoção de diferentes argumentos e modos de interpretação poderiam ter conduzido a resultados completamente diversos, mesmo utilizando os mesmos dispositivos normativos que a decisão original, a reescrita desmantelou os dogmas da universalidade, neutralidade, objetividade, imparcialidade e inevitabilidade da decisão, confirmando as teses feministas de que as tomadas de decisão são sempre frutos de escolhas que partem de um lugar que, na maior parte dos casos, é um lugar de poder em termos de gênero, raça e classe.

Ao contextualizar o Direito e incentivar as alunas a conceberem-no a partir das vozes excluídas, a reescrita as impulsionou a, mais do que se colocarem no lugar do(a) juiz(a), colocarem-se no lugar das vítimas, para que pudessem compreender as reais demandas, necessidades e obstáculos que as mulheres indígenas refugiadas enfrentam em sua relação com o Direito.

Como na decisão original isso não foi feito, já que em nenhum momento o juiz ouviu ou teve contato com as vítimas, nosso objetivo inicial era trazê-las para o processo colaborativo da reescrita. Entretanto, com o retorno do agressor ao convívio das vítimas, devido ao seu temperamento agressivo e envolvimento com a criminalidade local, a nossa aproximação poderia desencadear uma reação violenta que ameaçaria não somente as vidas e a integridade das vítimas como também as nossas e as dos demais membros da comunidade em que elas vivem. (RODRIGUES et al, 2023RODRIGUES et al. Existência e reexistência das mulheres indígenas refugiadas: para uma abordagem feminista decolonial, interseccional e intercultural da Lei Maria da Penha. In: SEVERI, Fabiana Cristina (org.). Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas: a experiência brasileira. Ribeirão Preto (SP): IEA / FDRP-USP, 2023. p. 733-762.)

Ainda assim, as alunas tiveram a oportunidade, por meio do ODH/UFRR, de realizar pesquisa de campo na comunidade em que vivem as vítimas, onde puderam realizar uma escuta ativa de lideranças tradicionais e outras mulheres Warao que possuem a mesma língua, cosmopercepções e condições sociais, culturais e econômicas.

Além dessa experiência, a leitura de etnografias sobre os Warao também foi utilizada para construção de conhecimentos sobre suas formas próprias de ser e viver a fim de que fosse possível alcançar decisões mais justas e adequadas à sua realidade cultural específica.

Apesar de compreendermos que esse conhecimento não seria suficiente para uma tomada de decisão efetiva para a proteção integral das vítimas, já que, independentemente de suas cosmopercepções, cada mulher percebe e experiencia a violência de formas distintas, a pesquisa de campo nos permitiu experimentar metodologias de ensino alternativas, que foram fundamentais para o envolvimento das alunas em uma aprendizagem verdadeiramente participativa e colaborativa sobre o direito e suas diferentes possibilidades de realização junto a grupos subalternizados.

Além disso, tal experiência nos auxiliou a aprimorar os referenciais metodológicos e conceituais que seriam utilizados na reescrita, evidenciando a imprescindibilidade de que profissionais do Direito, em especial magistrados(as), tenham conhecimento empírico sobre o contexto sociocultural da comunidade em que atuam, principalmente dos grupos mais vulneráveis que, por fatores de gênero, raça e classe, costumam estar distantes - e, consequentemente invisíveis - de sua própria realidade.

3. Utilizando as reescritas feministas como ferramentas pedagógicas para o ensino das teorias feministas do Direito

Como resume Denise Réaume ao falar dos desafios por ela enfrentados na utilização das reescritas como ferramenta de ensino: “simplificando, é um trabalho árduo” (KOSHAN et al, 2010KOSHAN, Jennifer et al. Rewriting equality: the pedagogical use of Women’s Court of Canada judgments. Canadian legal Education Annual Review, v. 4, p. 121-148, 2010., p. 138). E realmente é, como revela a descrição da nossa experiência com a reescrita no âmbito desse artigo. Por isso, para que possamos compreender as possibilidades pedagógicas que essa ferramenta pode oferecer, é importante refletirmos também sobre eventuais desafios didático-pedagógicos que podem ser encontrados ao longo dessa jornada.

Um deles refere-se ao tempo que pode ser exigido à sua realização. Na nossa experiência com a reescrita, como os(as) participantes do PJF/UFRR estavam, em sua maior parte, pouco familiarizados(as) com as teorias feministas do Direito, acabou sendo um processo demorado, pois exigiu uma formação prévia da equipe em epistemologias e métodos jurídicos feministas, que durou cerca de quatro meses, para que pudéssemos ter condições teóricas mínimas de realizar uma reescrita com perspectivas feministas. Além disso, como se tratava de uma atividade extracurricular, para não atrapalhar o cronograma das aulas regulares dos(as) alunos(as), nossos encontros eram realizados aos sábados à tarde, o que exigiu um grau de motivação e engajamento que nem todos(as) os(as) alunos(as) podem estar, em última instância, dispostos(as) a assumir.

Outro desafio foi o desgaste intelectual e emocional gerados pela necessidade de realizarmos uma verdadeira desconstrução das formas de aprender e compreender o Direito, de entender de onde se fala e para quem se fala, de aprender sobre responsabilidade e compromisso ético com as escolhas que são realizadas, de reconhecer as diversas possibilidades transformativas que a prática feminista pode produzir no Direito e pelo Direito.

Tais desafios podem parecer desmotivadores, mas quando refletimos sobre os ganhos que todo esse processo nos deixou em termos epistêmicos, metodológicos e, principalmente, pedagógicos, estes são incomparáveis. Foi uma verdadeira experiência feminista, como as que nos conta Yurdekis Espinosa, que deixou em todas nós “uma memória de afetos, de imagens, de sentimentos, mas também de palavras ditas e silêncios, de análises compartilhadas em jornadas de reflexão política ou tardes de (re)encontros com as amigas” (MIÑOSO, 2020MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. Fazendo uma genealogia da experiência: o método rumo a uma crítica da colonialidade da razão feminista a partir da experiência histórica na América Latina. In: HOLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020., p. 105), mas que acima de tudo, deixou as marcas indeléveis dos efeitos transformativos e emancipatórios que a experiência feminista produz no ensino jurídico.

Em termos pedagógicos mais amplos, a reescrita nos permitiu compreender que o principal problema da atuação dos(as) magistrados(as) brasileiros(as) não é a inexistência de normas, princípios ou métodos jurídicos mais justos e igualitários, mas a sua própria formação ética e profissional e a forma como ela é construída no âmbito das faculdades de Direito.

Ao invisibilizar a diversidade de conhecimentos, experiências e vivências de grupos subalternizados no Direito e pelo Direito por seu gênero, raça, classe e sexualidade; ao negar a relevância do ensino transdisciplinar; ao ensinar “os estudantes de direito a abordar a prática como se todas as pessoas e toda a vida social fossem homogêneas” (tradução nossa) (LÓPEZ, 1989LÓPEZ, Gerald P. Training future lawyers to work with the politically and socially subordinated: Antigeneric Legal Education. West Virginia Law Review, v. 91, n. 2, p. 305-387, 1989., p. 343); ao negligenciar o papel da extensão na formação jurídica, restringindo-a a mera formalidade acadêmica e, com isso, distanciando os alunos do contato com a diversidade social e com os impactos reais das relações jurídicas nas vidas das pessoas, em especial as mais vulneráveis; ao restringir a prática jurídica a um treinamento repetitivo sobre como elaborar peças processuais, ao invés de uma conscientização sobre as escolhas que podem ser feitas em sua atuação profissional e os impactos morais, éticos e sociais dessas escolhas; e tantas outras práticas pedagógicas equivocadas que vêm sendo reproduzidas de forma acrítica nas diversas faculdades de Direito do país, a educação jurídica convencional forma profissionais com pouca, ou nenhuma, habilidade e responsabilidade intelectual, moral, ética e prática para o reconhecimento, a valorização e a prestação jurisdicional justa, igualitária e adequada à multiplicidade de formas de ser, viver e experienciar o gênero, a raça e classe na nossa sociedade.

O ensino do direito exagera a importância das normas legais, das demandas ou defesas e do raciocínio analítico. Trata-os como sujeitos de processos de pensamento que podem e devem ser conduzidos em relativo isolamento de outros processos de pensamento. Ao fazê-lo, a educação jurídica tradicional sinaliza a irrelevância do contexto social, do raciocínio moral, do cuidado e da conexão entre as pessoas (clientes, advogados, estudantes de direito) e da busca interior por intuições sobre justiça ou por motivações de resposta a outros necessitados, instruindo os alunos a deixarem de lado essas preocupações. (tradução nossa) (BEZDEK, 1992BEZDEK, Barbara. Reconstructing a pedagogy of responsibility. Hastings Law Journal, v. 43, p. 1159-1174, 1992., p. 1160)

E é exatamente essa formação jurídica que acaba por facultar a atuação descomprometida e irresponsável dos(as) magistrados(as), sob a escusa de neutralidade, objetividade e imparcialidade, como evidenciou nossa experiência de reescrita.

Já em termos pedagógicos mais específicos, a reescrita se mostrou um instrumento eficaz para o ensino das teorias feministas do Direito não apenas em projetos específicos como o PJF/UFRR, mas também em disciplinas regulares de cursos de graduação e pós-graduação em Direito pois, ao desmistificar o equívoco de que uma abordagem feminista seja sempre tendenciosa e parcial e, portanto, incompatível com as exigências de neutralidade, objetividade e imparcialidade da prática jurídica, ela acaba atuando como uma ponte entre os conceitos e métodos das teorias feministas e a prática jurídica real (SEN, 2017SEN, Jhuma. Feminist Judgment Project: Reading and Writing Workshop. 2017. Disponível em: https://www.academia.edu/33604771/Feminist_Judgment_Project_Reading_and_Writing_Workshop. Acesso em: 20. Jul. 2023.
https://www.academia.edu/33604771/Femini...
).

Uma estratégia eficaz para alcançar esse objetivo é a utilização da reescrita nos moldes propostos pelos FJP - e que também adotamos na nossa reescrita -, que é a de manter a estrutura da decisão original, tanto em termos de forma e estilo, quanto de linguagem e redação, e conduzir sua atuação em conformidade com as mesmas exigências legais e éticas que vinculavam o(a) julgador(a) no momento em que proferiu a decisão original, pois isso permite evidenciar que, mesmo nessas condições, a decisão poderia ter sido decidida, ou mesmo fundamentada13 13 Nem toda reescrita tem como objetivo alterar o resultado da decisão. Em determinados casos, ela pode voltar-se a modificar apenas a narrativa dos fatos ou a argumentação jurídica ou os fundamentos decisórios, sem necessariamente alterar o conteúdo da decisão. , de forma diferente (HUNTER, 2012HUNTER, Rosemary. Feminist judgments as teaching resources. Oñati Socio-legal Series, v. 2, n. 5, p. 47-62, 2012., p. 50).

Em termos metodológicos, essa estratégia permite-nos explorar as diferentes escolhas hermenêuticas, narrativas e argumentativas que podem ser realizadas dentro dos limites da discricionariedade que é garantida aos(às) julgadores(as) e, dessa maneira, questionar os dogmas da neutralidade e objetividade clamados pela decisão judicial (CHANDRA; SEN; CHAUDHARY, 2021CHANDRA, Aparna; SEN, Jhuma; CHAUDHARY, Rachna. Introduction: The Indian Feminist Judgements Project. Indian Law Review, v. 5, n. 3, p. 261-264, 2021.).

Já em termos pedagógicos, o fato de essa estratégia não provocar uma ruptura com os costumes jurídicos dos tribunais, favorece uma maior receptividade das abordagens feministas pelas disciplinas regulares do ensino jurídico convencional, além de ensinar aos(às) estudantes como manejar a prática processual para alcançar resultados transformadores dentro do sistema de justiça. Como argumenta Réaume,

dada a natureza de autoridade do direito, os recursos para mudanças devem ser buscados primeiro dentro do sistema. Ficar totalmente de fora para avaliar e imaginar novas possibilidades vale a pena, mas ensinar direito na faculdade deve incluir ensinar os alunos a usarem as ferramentas da disciplina de forma criativa, para que possamos formar advogados que não apenas conheçam "o direito", mas também sejam seus críticos inteligentes. Os julgamentos do Tribunal de Mulheres do Canadá me parecem um excelente recurso nesse esforço. (tradução nossa) (KOSHAN et al, 2010KOSHAN, Jennifer et al. Rewriting equality: the pedagogical use of Women’s Court of Canada judgments. Canadian legal Education Annual Review, v. 4, p. 121-148, 2010., p. 138)

Adotar a estratégia de manter a estrutura da decisão original não significa, entretanto, aceitar a prática hegemônica de decidir como a única possível. Ao contrário, consideramos que a crítica jurídica feminista tem o potencial de produzir diferentes alternativas no tocante à prática de decidir, seja em termos de linguagem, redação, forma e/ou estilo das decisões judiciais.

Da mesma maneira, manter a estrutura da decisão original não significa aceitar as restrições impostas pela prática hegemônica de decidir, pois, assim como as pesquisadoras do FJP-Brazil da UFRJ,

não entendemos a reescrita como um exercício restrito de análise de decisões judiciais, muito menos um que condicione as disputas por dentro do Direito à aceitação dos seus termos. Ao contestarmos decisões jurisdicionais e ao propormos contraversões a elas, partimos de uma situação concreta de violação de direitos, que tende a representar o funcionamento tradicional da Ordem em questões de gênero, em um exercício de revisão das lógicas hegemônicas e de construção de outros imaginários jurídicos e políticos para o caso. (GOMES; CARVALHO; FRANZONI, 2023GOMES, Camilla de Magalhães; CARVALHO, Claudia Paiva; FRANZONI, Julia Ávila. Método transfeminista de reescrita de decisões judiciais: perspectivas teóricas e caminhos para sua aplicação. Revista Direito Público, Brasília, v. 20, n. 106, p. 95-117, abr./jun. 2023., p. 99)

Ademais, a experiência que descrevemos nesse artigo é apenas uma entre as diversas possibilidades de utilização pedagógica da reescrita feminista no ensino jurídico. A doutrina nacional e internacional sobre reescritas feministas está repleta de experiências que podem ser inspiração para as acadêmicas que desejam se embrenhar nessa tarefa.14 14 Para outras experiências de utilização pedagógica da reescrita feminista no ensino jurídico, cf. SEN, 2017; HUNTER, 2012; AUCHMUTY, 2012; HUNTER; FITZPATRICK, 2012; GREAR,2012. É o caso do artigo “Rewriting equality: the pedagogical use of Women’s Court of Canada judgments” (“Reescrevendo a igualdade: o uso pedagógico dos julgamentos do Tribunal Feminino do Canadá”), em que as pesquisadoras do FJP canadense (denominado de “Women’s Court of Canada” (WCC)) descrevem algumas de suas experiências com a utilização da reescrita no ensino jurídico, dentre as quais destacamos a utilização de trechos de uma decisão reescrita para levantar a discussão sobre temas-chaves de disciplinas regulares; a utilização de decisões reescritas conjuntamente a suas respectivas decisões originais, para que os alunos possam realizar uma análise comparativa entre ambas, identificando suas diferentes abordagens e resultados; a realização da reescrita apenas de um aspecto específico da decisão original, ao invés de reescrita de todos os seus aspectos problemáticos. (KOSHAN et al, 2010KOSHAN, Jennifer et al. Rewriting equality: the pedagogical use of Women’s Court of Canada judgments. Canadian legal Education Annual Review, v. 4, p. 121-148, 2010.)

Além de todas as suas contribuições como ferramenta pedagógica, também não podemos deixar de mencionar seu papel como uma potente ferramenta de ativismo político e jurídico (KOSHAN, 2005KOSHAN, Jennifer. Feminist activism in the Supreme Court: legal mobilization and the Women's Legal Education and Action Fund (review). Canadian Journal of Women and the Law, v. 17, n. 2, p. 513-521, 2005.; KOSHAN et al, 2010), proporcionando uma forma de “intervenção política que busca desafiar a atual exclusão das mulheres da subjetividade jurídica, seja como autoras de decisões judiciais e de doutrinas, seja como sujeitos em cujos conhecimentos, experiências, atividades e preocupações o direito se fundamenta.” (HUNTER; McGLYNN; RACKLEY, 2010bHUNTER, Rosemary; McGLYNN, Clare; RACKLEY, Erika. Feminist Judgments: An Introduction. In: HUNTER, Rosemary; McGLYNN, Clare; RACKLEY, Erika (ed.) Feminist Judgments: From Theory to Practice. Oxford; Portland, Oregon: Hart Publishing, 2010b. p. 3-29., p. 8)

Considerações finais

A experiência do PJF/UFRR, assim como as outras experiências descritas no artigo e tantas outras que se realizaram nos diferentes FJP ao redor do planeta revelam uma enorme vantagem da utilização das reescritas feministas como ferramentas pedagógicas, que é a de que não existe um modelo ou roteiro pronto e acabado, pois cada contexto jurídico, educacional e sociocultural exigirá a mobilização de diferentes estratégias metodológicas e pedagógicas para esse fim.

O intuito de compartilharmos nossa experiência foi, portanto, fornecer um estudo de caso que pudesse ser útil para pesquisadoras, acadêmicas e professoras que desejam experimentar essa poderosa ferramenta pedagógica não apenas para o ensino das teorias feministas do direito, mas para o ensino da diversidade de maneira ampla, pois ela permite trazer para a centralidade das discussões jurídicas as vozes, vivências e conhecimentos de todos(as) aqueles(as) que foram historicamente excluídos(as) por conta de seu gênero, raça, etnia, origem, sexualidade, classe social, deficiência, dentre outros, o que também a converte em um potente instrumento de ativismo jurídico e político.

Esperamos que os caminhos abertos pelos FJP continuem a ser explorados em suas diversas possibilidades jurídicas, políticas e pedagógicas, nos mais diferentes contextos pedagógicos e socioculturais para que possamos alcançar um ensino jurídico crítico, feminista e emancipatório no Brasil.

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  • 1
    Nesse sentido, cf. HUNTER; McGLYNN; RACKLEY, 2010aHUNTER, Rosemary; McGLYNN, Clare; RACKLEY, Erika (ed.) Feminist judgments: From theory to practice. Oxford; Portland: Hart Publishing, 2010a.; DOUGLAS et al, 2014DOUGLAS, Heather et al (ed.). Australian Feminist Judgments: righting and rewriting Law. Oxford; Portland: Hart Publishing, 2014.; STANCHI; BERGER; CRAWFORD, 2016STANCHI, Kathryn M.; BERGER, Linda L.; CRAWFORD, Bridget J. (ed.). Feminist Judgments: Rewritten Opinions of The United States Supreme Court. New York: Cambridge University Press, 2016.; McDONALD et al, 2017McDONALD, Elisabeth et al (ed.). Feminist Judgments of Aotearoa New Zealand: Te Rino: A Two-Stranded Rope. Oxford; Portland: Hart Publishing, 2017.; ENRIGHT; McCANDLESS; O’DONOGHUE, 2017ENRIGHT, Máiréad; McCANDLESS, Julie; O’DONOGHUE, Aoife (ed.). Northern/Irish Feminist Judgments: Judges’ troubles and the gendered politics of identity. Oxford; Portland: Hart Publishing, 2017.; COWAN; KENNEDY; MUNRO, 2019COWAN, Sharon; KENNEDY, Chloë; MUNRO, Vanessa E. (ed.). Scottish Feminist Judgments: (Re)creating Law from the outside in. Oxford: Hart Publishing, 2019.; HODSON; LAVERS, 2019HODSON, Loveday; LAVERS, Troy (ed.). Feminist judgments in International Law. Oxford: Hart Publishing, 2019.; CHANDRA; SEN; CHAUDHARY, 2021CHANDRA, Aparna; SEN, Jhuma; CHAUDHARY, Rachna. Introduction: The Indian Feminist Judgements Project. Indian Law Review, v. 5, n. 3, p. 261-264, 2021..
  • 2
    Para aqueles(as) que também forem passar por esse processo formativo prévio, sugerimos como leituras úteis, dentre outras: 1. Os diversos feminismos e sua história - BAIRROS, 1995BAIRROS, Luiza. Nossos Feminismos Revisitados. Estudos Feministas, v. 3, n. 2, p. 458- 463, 1995.; HOLLANDA, 2018HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Explosão feminista: arte, cultura, política e universidade. 2 ed. rev. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; 2. Epistemologias feministas - FEDERICI, 2017FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Trad. de Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017.; HOLLANDA, 2020; OYĚWÙMÍ, 2021OYĚWÙMÍ, Oyerónke. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. tradução Wanderson Flor do Nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.; SCOTT, 1995SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995.; SEGATO, 2012SEGATO, Rita. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-cadernos CES, v. 18, p. 106-131, 2012.; 3. Interseccionalidade - COLLINS; BILGE, 2020COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. Trad. Rane Souza. São Paulo: Boitempo, 2020.; GONZALEZ, 1984GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, p. 223-244, 1984.; SANTOS, 2017SANTOS, Cecília MacDowell dos. Para uma abordagem interseccional da Lei Maria da Penha. In: MACHADO, Isadora Vier (org.). Uma década de lei Maria da Penha: percursos, práticas e desafios. Curitiba: CRV, 2017. p. 39-61.. 4. Saberes localizados e lugar de fala - HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Florianópolis, v. 5, p. 7-41, 1995.; HARDING, 2004HARDING, Sandra. Standpoint theory as a site of political, philosophic, and scientific debate. In: HARDING, Sandra (ed.). The feminist standpoint theory reader: intellectual and political Controversies. New York; London: Routledge, 2004. p. 1-15.; RIBEIRO, 2019RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.; 5. Críticas feministas à Ciência, ao Direito e ao ensino jurídico - CRENSHAW, 1988CRENSHAW, Kimberlé W. Foreword: Toward a Race-Conscious Pedagogy in Legal Education. National Black Law Journal, v. 11, n. 1, p. 1-14, 1988.; HARDING, 1991; hooks, 2013hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Trad. Marcelo Brandao Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2013.; 6. Métodos jurídicos feministas e crítica feminista aos métodos jurídicos hegemônicos - BARTLETT, 2020BARTLETT, Katharine T. Métodos jurídicos feministas. In: SEVERI, Fabiana Cristina; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; MATOS, Myllena Calasans de (Org.). Tecendo fios das críticas feministas ao Direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências: volume 1, os nós de ontem: textos produzidos entre os anos de 1980 e 2000. Ribeirão Preto: FDRP/USP, 2020. p. 243-360.; MACKINNON, 2013MACKINNON, Catharine A. Intersectionality as method: a note. Signs: Journal of Women in Culture and Society, v. 38, n. 4, p. 1019-1030, 2013.; SMART, 2020SMART, Carol. A mulher do discurso jurídico. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 1418-1439, 2020.; CURIEL, 2019CURIEL, Ochy. Construindo metodologias feministas desde o feminismo decolonial. In: MELO, Paula Balduino de et al (org.). Descolonizar o feminismo. Brasília: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, 2019. p. 32-51.; MIÑOSO, 2020MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. Fazendo uma genealogia da experiência: o método rumo a uma crítica da colonialidade da razão feminista a partir da experiência histórica na América Latina. In: HOLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.; 7. Criminologia Feminista - CAMPOS, 1999CAMPOS, Carmen Hein de (org.). Criminologia e Feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999.; MENDES, 2014MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. São Paulo: Saraiva, 2014.; 8. Violência de gênero - SAFFIOTI, 2015SAFFIOTI, Heleieth. Gênero patriarcado violência. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular; Fundação Perseu Abramo, 2015.; SEVERI; CASTILHO; MATOS, 2020SEVERI, Fabiana Cristina; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; MATOS, Myllena Calasans de (org.). Tecendo fios das críticas feministas ao direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências: volume 2, novos olhares, outras questões. Ribeirão Preto: FDRP/USP, 2020..
  • 3
    A comunidade em que as vítimas vivem trata-se de uma ocupação espontânea localizada num antigo ginásio poliesportivo na periferia de Boa Vista em que residem cerca de 300 indígenas Warao, sem acesso a condições mínimas de moradia, saneamento básico, segurança, alimentação ou qualquer serviço regular de acolhimento e assistência social, saúde e educação, apresentando graves problemas de desnutrição infantil e insegurança alimentar, além de outras violências e violações de seus direitos como indígenas e refugiados(as).
  • 4
    O aumento da consciência consiste em “buscar ideias e perspectivas mais adequadas com outrem, por meio de engajamento colaborativo ou interativo, com base na experiência e narrativa pessoais”. (BARTLETT, 2020BARTLETT, Katharine T. Métodos jurídicos feministas. In: SEVERI, Fabiana Cristina; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; MATOS, Myllena Calasans de (Org.). Tecendo fios das críticas feministas ao Direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências: volume 1, os nós de ontem: textos produzidos entre os anos de 1980 e 2000. Ribeirão Preto: FDRP/USP, 2020. p. 243-360., p. 245)
  • 5
    A pergunta pela mulher consiste num conjunto de perguntas - tais como “as mulheres foram preteridas? Se assim o for, de que maneira? Como essa omissão pode ser corrigida? Que diferença faria incluir as mulheres?” - utilizado para desvelar “as maneiras pelas quais as escolhas políticas e o ordenamento institucional contribuem para a subordinação das mulheres.” (BARTLETT, 2020BARTLETT, Katharine T. Métodos jurídicos feministas. In: SEVERI, Fabiana Cristina; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; MATOS, Myllena Calasans de (Org.). Tecendo fios das críticas feministas ao Direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências: volume 1, os nós de ontem: textos produzidos entre os anos de 1980 e 2000. Ribeirão Preto: FDRP/USP, 2020. p. 243-360., p. 251 e 256)
  • 6
    A posicionalidade consiste na “ótica que rejeita tanto o objetivismo da verdade total, fixa e imparcial, quanto o relativismo de diferentes verdades de igual valor. Em vez disso, postula que estar ‘certo’ no Direito depende de se estar situado em perspectivas específicas e parciais, com base nas quais o indivíduo é obrigado a tentar melhorar. Essa postura, para mim, identifica a experiência como um alicerce para o conhecimento e molda uma abertura para pontos de vista cuja exclusão, de outra forma, julgaríamos natural.” (BARTLETT, 2020BARTLETT, Katharine T. Métodos jurídicos feministas. In: SEVERI, Fabiana Cristina; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; MATOS, Myllena Calasans de (Org.). Tecendo fios das críticas feministas ao Direito no Brasil II: direitos humanos das mulheres e violências: volume 1, os nós de ontem: textos produzidos entre os anos de 1980 e 2000. Ribeirão Preto: FDRP/USP, 2020. p. 243-360., p. 247)
  • 7
    A interseccionalidade “refere-se ao cruzamento de sistemas de opressão e de privilégio, como o (hetero)patriarcado, o capitalismo e o racismo, que estruturam as relações sociais com base em categorias historicamente situadas, tais como, classe social, gênero, raça, etnia, orientação sexual, deficiência, entre outras, (re)produzindo relações desiguais de poder e moldando a formação de identidades individuais e coletivas.” (SANTOS, 2017SANTOS, Cecília MacDowell dos. Para uma abordagem interseccional da Lei Maria da Penha. In: MACHADO, Isadora Vier (org.). Uma década de lei Maria da Penha: percursos, práticas e desafios. Curitiba: CRV, 2017. p. 39-61., p. 39)
  • 8
    Importante esclarecer que o conceito de feminismo indígena é questionado por muitas mulheres indígenas, que preferem identificar suas demandas como Luta das Mulheres Indígenas (SOUSA, 2022SOUSA, Natália. Por que feminismo não é suficiente pra luta das mulheres indígenas? Revista AzMina, 18 out. 2022. Disponível em: https://azmina.com.br/reportagens/por-que-feminismo-nao-e-suficiente-pra-luta-das-mulheres-indigenas/ Acesso em: 27. Jul. 2023.
    https://azmina.com.br/reportagens/por-qu...
    ) ou como parte de um feminismo comunitário (PAREDES; GUZMÁN, 2014PAREDES, Julieta; GUZMÁN, Adriana. El tejido de la rebeldia: ¿Que es el feminismo comunitaro? La Paz, Bolívia: Mujeres Creando, 2014.). Primeiro, porque os povos indígenas - que, somente no Brasil, são mais de 305 - não possuem uma forma homogênea de se organizar a partir do gênero, o que dificulta a definição de pautas feministas comuns (ANAHATA, 2022ANAHATA, Jamille. Mulheres originárias não costumam reivindicar um “feminismo indígena”: representatividade não é o ponto final das mulheres indígenas. Revista AzMina, 20 out. 2022. Disponível em: https://azmina.com.br/colunas/mulheres-originarias-nao-costumam-reivindicar-um-feminismo-indigena/. Acesso em: 27 jul. 2023.
    https://azmina.com.br/colunas/mulheres-o...
    ). Segundo, porque as mulheres indígenas têm dificuldade de se filiarem à noção moderna e antropocêntrica do feminismo como uma luta só das mulheres, separada de outras lutas coletivas, pois em suas cosmopercepções, ser mulher é, antes de mais nada, ser parte de um todo, que é seu povo, seu território, sua ancestralidade. Entretanto, ressalvadas tais perspectivas, não há como negar a crescente afirmação de um verdadeiro feminismo indígena que, ao mesmo tempo em que se insere nas lutas mais amplas de seus povos por território, saúde, educação e bem-viver, também possui espaços próprios de luta e reflexão sobre suas experiências como mulheres e como indígenas (CASTILLO, 2001CASTILLO, Rosalva Aída Hernández. Entre el etnocentrismo feminista y el esencialismo étnico: Las mujeres indígenas y sus demandas de género. Debate Feminista, v. 24, p. 206-229, Oct. 2001.), como a questão da representatividade política e a luta contra a violência de gênero dentro e fora de suas comunidades (ANAHATA, 2022; OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Marize Vieira de. Mulheres indígenas: da invisibilidade à luta por direitos. In: Holanda, Heloisa Buarque de (org.). Explosão feminista: arte, cultura, política e universidade. 2 ed. rev. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 198-213.; VERDUM, 2008VERDUM, Ricardo. Mulheres indígenas, direitos e políticas públicas. In: VERDUM, Ricardo (org.). Mulheres indígenas, direitos e políticas públicas. Brasília: INESC, 2008. p. 7-19.). E é a partir dessa compreensão, de um feminismo que luta pela vida das mulheres indígenas, mas ao mesmo tempo por seus territórios, sua comunidade, seus saberes ancestrais e pelas futuras gerações, que conduzimos as reflexões sobre a nossa reescrita.
  • 9
    Considerando o sistemático processo de exclusão e subalternização das mulheres indígenas e de seus conhecimentos, modos de vida e subjetividades em curso há mais de 500 anos, entendemos ser o feminismo decolonial (LUGONES, 2014LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, set./dez. 2014.; CURIEL, 2019CURIEL, Ochy. Construindo metodologias feministas desde o feminismo decolonial. In: MELO, Paula Balduino de et al (org.). Descolonizar o feminismo. Brasília: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, 2019. p. 32-51.; MIÑOSO, 2020MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. Fazendo uma genealogia da experiência: o método rumo a uma crítica da colonialidade da razão feminista a partir da experiência histórica na América Latina. In: HOLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.; SEGATO, 2012SEGATO, Rita. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-cadernos CES, v. 18, p. 106-131, 2012.) abordagem indispensável ao rompimento das hierarquias de poder criadas e perpetuadas pelo Direito e à visibilização dos interesses, necessidades e demandas das mulheres indígenas refugiadas a partir de suas próprias vozes.
  • 10
    Utilizamos o termo cosmopercepção, proposto pela feminista decolonial africana Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (2021OYĚWÙMÍ, Oyerónke. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. tradução Wanderson Flor do Nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.), para dar visibilidade a epistemologias de povos africanos e indígenas que valorizam outros sentidos para perceber, interpretar e interagir com a sua realidade, tais como a oralidade, a audição, a corporeidade (MARIM, 2020).
  • 11
    Em especial, os arts. 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, o Estatuto do Índio (neste, ressalvados os dispositivos tacitamente revogados pela CF/88), a Convenção nº 169 da OIT (1989), a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007) (DNUDPI) e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2016) (DADPI).
  • 12
    A impunidade do agressor gerada pela negligência do Estado e a omissão do juiz em adotar as medidas protetivas cabíveis (MENDES, 2022MENDES, Elisa Rosa. Guia sobre as medidas protetivas de urgência para os/as servidores/as dos tribunais de justiça brasileiros. In: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ) et al. Avaliação sobre a aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha. Brasília: CNJ, 2022. p. 145-171.), bem como o silenciamento e invisibilização das vítimas e a deliberada violação de seus direitos são formas inquestionáveis de violência institucional de gênero.
  • 13
    Nem toda reescrita tem como objetivo alterar o resultado da decisão. Em determinados casos, ela pode voltar-se a modificar apenas a narrativa dos fatos ou a argumentação jurídica ou os fundamentos decisórios, sem necessariamente alterar o conteúdo da decisão.
  • 14
    Para outras experiências de utilização pedagógica da reescrita feminista no ensino jurídico, cf. SEN, 2017SEN, Jhuma. Feminist Judgment Project: Reading and Writing Workshop. 2017. Disponível em: https://www.academia.edu/33604771/Feminist_Judgment_Project_Reading_and_Writing_Workshop. Acesso em: 20. Jul. 2023.
    https://www.academia.edu/33604771/Femini...
    ; HUNTER, 2012HUNTER, Rosemary. Feminist judgments as teaching resources. Oñati Socio-legal Series, v. 2, n. 5, p. 47-62, 2012.; AUCHMUTY, 2012AUCHMUTY, Rosemary. Using feminist judgments in the property law classroom. The Law Teacher, v. 46, n. 3, p. 227-238, 2012.; HUNTER; FITZPATRICK, 2012; GREAR,2012GREAR, Anna. Learning legal reasoning while rejecting the oxymoronic status of feminist judicial rationalities: a view from the law classroom. The Law Teacher, v. 46, n. 3, p. 239-254, 2012..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2023
  • Aceito
    08 Out 2023
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