Acessibilidade / Reportar erro

Igualdade de Gênero nos Cuidados de Saúde: Reimaginando a Recomendação Geral 24 da CEDAW

Gender Equality in Health Care: Reenvisioning CEDAW General Recommendation 24

Resumo

O Artigo 12 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres contém a promessa específica de eliminar todas as formas de discriminação contra as mulheres no campo dos cuidados da saúde. Escrita em 1999, a Recomendação Geral 24 (RG 24) interpreta este artigo dentro de um paradigma específico de igualdade de gênero que ao longo do tempo tem sido objeto de críticas e que hoje convida a ser reescrito. Nós perseguimos este projeto, engajando-nos com o essencialismo de sexo e gênero da RG 24 para repensar a categoria “mulheres” nos termos do Artigo 12, e assim reescrever o que significa “eliminar a discriminação contra as mulheres” nos cuidados de saúde “numa base de igualdade entre homens e mulheres.” Voltamo-nos então para a negligência da economia política da saúde e das suas instituições na RG 24 para reescrever o que significa “eliminar a discriminação contra as mulheres “no campo dos cuidados de saúde” para garantir “acesso aos serviços de saúde”. Nesta interpretação do Artigo 12, reimaginamos sexo e gênero a partir das experiências das pessoas que os vivem e procuramos recriar as estruturas institucionais do Estado e da economia a partir das vidas de quem as vivenciam. Afastamo-nos, assim, de uma aliança tradicional entre o direito à saúde e os campos da medicina e da saúde pública, que tende a isolar a saúde de outros bens públicos na vida econômica e social, e enquadramos o campo do cuidado de saúde como um local para a construção de sociedades justas desde uma perspectiva de gênero. Nesta reescrita radical da RG 24, reimaginamos a forma política e a função das recomendações gerais no direito internacional dos direitos humanos e, nessa visão política, propomos um texto para uma futura recomendação geral sobre a igualdade de gênero nos cuidados de saúde ao abrigo do Artigo 12 da CEDAW.

Palavras-chave:
Cuidados de Saúde; Recomendação Geral 24; Reescrita Feminista; Economia Política; Justiça de Gênero

Abstract

Article 12 of the Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women carries the specific promise to eliminate all forms of discrimination against women in the field of health care. Written in 1999, General Recommendation 24 (GR 24) interprets this article within a particular gender equality paradigm that over time has been subject to critique and that today invites a rewriting. We pursue this project by engaging with the sex and gender essentialism of GR 24 to rework the category of “women” under Article 12, and to thereby rewrite what it means to “eliminate discrimination against women” in health care “on a basis of equality of men and women.” We then turn to the neglect of the political economy of health and its institutions in GR 24 to rewrite what it means to eliminate discrimination against women “in the field of health care” to ensure “access to health care services.” In this interpretation of Article 12, we reimagine sex and gender from the experiences of those who live them and seek to recreate the institutional structures of state and economy from the lives of those who experience them. We thus pivot away from a traditional alliance between the right to health and the fields of medicine and public health, which has tended to isolate health from other public goods in economic and social life and frame the field of health care as a site for the building of gender-just societies. In this radical rewriting of GR 24, we reimagine the political form and function of general recommendations in international human rights law, and in that political vision, we propose text for a future general recommendation on gender equality in health care under Article 12 of CEDAW.

Keywords:
Healthcare; General Recommendation 24; Feminist Rewiriting; Political Economy; Gender Justice

Introdução1 1 Uma versão em inglês desse artigo foi publicada em: ERDMAN, J.N., ASSIS, M.P.. Gender Equality in Health Care: Reenvisioning CEDAW General Recommendation 24. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 326-341. As autoras agradecem à editora do volume, professora Rebecca J. Cook e à Pennsylvania University Press por autorizarem esta tradução e publicação.

A Carta das Nações Unidas de 1945 depositou confiança "na igualdade de direitos entre homens e mulheres" e, assim, conferiu ao direito internacional de direitos humanos a tarefa de definir a base da igualdade entre homens e mulheres e a inclusão explícita do sexo como uma categoria de não discriminação (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945). A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (doravante CEDAW) foi adotada em 1979 como o instrumento especializado para cumprir esse desafio, ou seja, o de desenraizar a hierarquia entre homens e mulheres e as relações opressivas que dela decorrem, por meio de uma promessa específica de eliminar todas as formas de discriminação contra as mulheres (UNITED NATIONS, 1979). O Artigo 2 da CEDAW determina que "os Estados-Partes” condenem “a discriminação contra as mulheres em todas as suas formas” e concordem “em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra as mulheres".

A "não discriminação com base no sexo" e a "igualdade entre homens e mulheres" são os padrões jurídicos de igualdade de gênero sob a égide da CEDAW, refletidos em seu texto e em todos os campos de sua aplicação, inclusive o campo dos cuidados da saúde (UNDURRAGA; COOK, 2012UNDURRAGA, Verónica; COOK, Rebecca. "Article 12,". In: Marsha A. Freeman; Christine Chinkin; Beate Rudolf (Eds.) The UN Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women: A Commentary. Oxford: Oxford University Press, 2012. 51-70.). O artigo 12 da CEDAW prevê que:

(1) Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra as mulheres na esfera dos cuidados da saúde a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso aos serviços de assistência à saúde, inclusive os referentes ao planejamento familiar.

(2) Sem prejuízo do disposto no parágrafo I deste artigo, os Estados-Partes garantirão às mulheres assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando necessário, bem como nutrição adequada durante a gravidez e a lactação.

Redigida em 1999, a Recomendação Geral 24 (RG 24) interpreta o Artigo 12 sob um paradigma de tratamento igualitário entre mulheres e homens, separados principalmente por diferenças biológicas e, especificamente, reprodutivas (U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN, 1999). Durante a década de 1990, a mortalidade materna foi o tema central da pauta de direitos humanos e de saúde das mulheres, e os governos se comprometeram, nas principais conferências internacionais, com a maternidade segura como uma prioridade da igualdade de gênero na saúde global (ABOUZAHR; WARDLAW, 2001ABOUZAHR, Carla; WARDLAW, Tessa. Maternal Mortality at the End of a Decade: Signs of Progress? Bulletin of the World Health Organization 79.6 (2001): 561-68.). Os movimentos de mulheres também lutaram contra a discriminação mais ampla relacionada à gravidez e obtiveram sucesso com o reconhecimento das necessidades específicas da assistência à saúde das mulheres (KUHLMANN, 2009KUHLMANN, Ellen. From Women's Health to Gender Mainstreaming and Back Again: Liking Feminist Agendas and New Governance in Healthcare. Current Sociology 57.2 (2009): 135-54, p. 144.). Esses compromissos estão refletidos nas visões específicas de igualdade de gênero que a RG 24 endorsa. Enquanto os Estados-Partes são demandados a garantir que mulheres e homens desfrutem dos mesmos direitos e oportunidades no acesso aos cuidados de saúde, uma teoria da igualdade de direito, formal ou de jure, os Estados-Partes também devem buscar a igualdade de gênero de fato, substantiva ou de facto, acomodando as diferenças biológicas, bem como as socialmente e culturalmente construídas entre homens e mulheres, e as desvantagens e desigualdades preexistentes, baseadas no gênero, que as mulheres enfrentam (U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN, 2010, parágrafo 12).2 2 Ver a linguagem da igualdade "de jure" e "de facto" no parágrafo 16 da Recomendação.

No entanto, desde sua elaboração, esse paradigma interpretativo da igualdade de gênero na RG 24 tem sido alvo de sérias críticas nos campos dos direitos humanos e dos cuidados da saúde (ROSENBLUM, 2011ROSENBLUM, Darren. Unsex CEDAW, or What's Wrong with Women's Rights. Columbia Journal of Gender and Law 20.2 (2011): 98-194.; HODSON, 2023HODSON, Loveday. Gender Equality Untethered? CEDAW's Contribution to Intersectionality. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 175-195.). Ratna Kapur descreve esse paradigma como "enraizado em categorias dualistas de gênero e em uma hierarquia de gênero, bem como em um conjunto de exclusões raciais e culturais" (2018, p. 132),3 3 Para uma crítica semelhante, mas com uma abordagem construtiva, ver OTTO (2015). que reforçam estereótipos coloniais e raciais (KAPUR, 2002KAPUR, Ratna. The Tragedy of Victimization Rhetoric: Resurrecting the 'Native' Subject in International/Post-Colonial Feminist Legal Politics. Harvard Human Rights Journal 15.1 (2002): 1-38.). Tal paradigma também reforça a cisheteronormatividade, negando assim legitimidade e proteção a identidades, relacionamentos e formas de vida que questionam e rompem com o binário de gênero e com o alinhamento estrito de sexo biológico, sexualidade, identidade de gênero e papéis de gênero. Por fim, esse paradigma negligencia as estruturas institucionais das desigualdades globais no campo da saúde que comprometeram, de modo fundamental, os cuidados de saúde como um direito humano (KUMAR; BIRN; MCDONOUGH 2016KUMAR, Ramya; BIRN, Anne-Emanuelle; MCDONOUGH, Peggy. Agenda-Setting in Women's Health: Critical Analysis of a Quarter-Century of Paradigm Shifts in International and Global Health. In: Jasmine Gideon (Ed.) Handbook on Gender and Health. Cheltenham: Edward Elgar, 2016. p. 25-44.).

Este artigo visa abordar as críticas ao paradigma de igualdade de gênero da CEDAW nos termos do Artigo 12 e reescrever a RG 24, reimaginando a igualdade de gênero no campo dos cuidados de saúde. Para realizar esse projeto, primeiramente confrontamos o essencialismo de sexo e gênero da RG 24 para reimaginar a própria categoria "mulheres", nos termos do Artigo 12 e, assim, reescrever o que significa "eliminar a discriminação contra as mulheres" nos cuidados de saúde "em condições de igualdade entre homens e mulheres". Então, abordamos a negligência da economia política da saúde e suas instituições na RG 24, em um esforço para reescrever o que significa eliminar a discriminação contra as mulheres “no campo dos cuidados de saúde" para garantir o "acesso aos serviços de assistência à saúde", nos termos do Artigo 12.

Propomos uma reescrita radical da RG 24, uma reescrita que admitimos ser impossível sem reimaginar a própria natureza e função das recomendações gerais no direito internacional dos direitos humanos. É essa a nossa intenção. Portanto, começamos o artigo reimaginando a própria recomendação geral e o concluímos com uma proposta de texto para uma futura recomendação geral sobre igualdade de gênero nos cuidados de saúde, nos termos do Artigo 12 da CEDAW (vide o texto reescrito da Recomendação Geral 24 na sequência).

Reimaginando a Recomendação Geral

As recomendações gerais são tratadas principalmente como uma espécie de jurisprudência no direito internacional dos direitos humanos - uma interpretação autorizada e abrangente da natureza e do escopo de um determinado direito ou questão em relação às disposições curtas e gerais dos tratados de direitos humanos (MECHLEM, 2009MECHLEM, Kerstin. Treaty Bodies and the Interpretation of Human Rights. Vanderbilt Journal of Transnational Law 42.3 (2009): 905-47.). De fato, a RG 24 explica-se como um "[instrumento que] visa elaborar o entendimento do Comitê sobre o artigo 12" (parágrafo 2). No entanto, as recomendações gerais são frequentemente criticadas por sua falta de coerência e clareza, de argumentos substanciais e de fundamentação que as sustentem, o que mina o seu status jurídico. Muitos projetos de reescrita, portanto, buscam conferir-lhes essas qualidades (ver, por exemplo, BREMS, 2007 e ALSTON, 2001ALSTON, Philip. The Historical Origins of the Concept of ‘General Comments’ in Human Rights Law. In Laurence Boisson de Chazournes; Vera Gowland-Debbas (Eds.) The International Legal System in Quest of Equity and Universality. London: Martinus Nijhoff, 2001, p. 763‒76.). Esse não é o nosso projeto. Em vez de aceitar a forma e a função convencionais de uma recomendação geral, começamos este artigo interrogando: Para quem e com que finalidade as recomendações gerais devem ser escritas? Há muito menos consenso sobre essa questão, especialmente quando as recomendações gerais são aceitas como documentos políticos que refletem contestações, e não meras elaborações, dos direitos humanos.

Em suas primeiras formulações, o conteúdo das recomendações era de natureza técnica e seu objetivo era auxiliar os Estados-Partes no cumprimento de suas obrigações processuais. Desde então, contudo, esse propósito evoluiu para ajudar os Estados-Partes a entender melhor e a cumprir suas obrigações nos termos da Convenção, trabalhando para esclarecer e tornar compreensível seu conteúdo substantivo (U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN, 2010). No entanto, os Estados-Partes continuam sendo o principal público das recomendações, pois acredita-se que suas interpretações substantivas só ganham autoridade na medida em que são cumpridas por eles. Em seus parágrafos iniciais, a RG 24 observa que sua interpretação do Artigo 12 é feita "para o benefício dos Estados-Partes", mas depois acrescenta ao seu público "aquele/as que têm um interesse e uma preocupação especial com as questões relacionadas à saúde das mulheres" (parágrafo 2). Essas palavras apontam para um campo maior de partes interessadas, inclusive movimentos de base, organizações transnacionais e especialistas em direito e em direitos humanos, enfim, todo/as que buscam influenciar a interpretação em evolução do Artigo 12 e as obrigações que ele implica para os Estados-Partes.

Há, no entanto, uma visão mais incipiente, porém radical, das recomendações gerais - e do regime internacional de direitos humanos como um todo - que se centra nas pessoas detentoras de direitos, e não nos Estados-Partes, como público principal (SCHAFFER, 2017SCHAFFER, Johan Karlsson. The Point of the Practice of Human Rights: International Concern or Domestic Empowerment? In: Reidar Maliks; Johan Karlsson Schaffer (Orgs.) Moral and Political Conceptions of Human Rights: Implications for Theory and Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. p. 33-57; LEVIT, 2007LEVIT, Janet Koven. Bottom-Up International Lawmaking: Reflections on the New Haven School of International Law. Yale Journal of International Law 32 (2007): 393-420.). Nessa visão, a recomendação geral não busca a conformidade do Estado ou a obtenção de consenso entre algum grupo de partes interessadas; ao contrário, ela busca capacitar as pessoas a reivindicarem seus direitos e a fazer exigências aos Estados-Partes e a outros atores públicos e privados (SIMMONS, 2009SIMMONS, Beth A. Mobilizing for Human Rights: International Law in Domestic Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.). Esse é o objetivo político que nos levou a reescrever a RG 24. É um propósito que reconhece a força das bases e seu poder criador de jurisprudência, e que busca fomentar, por meio de estruturas institucionais tais como as recomendações gerais, a produção de uma legalidade internacional de baixo para cima por meio da participação de muitos atores além dos Estados-nação. Assim, as recomendações gerais tornam-se uma forma democrática de governança que, ativamente, abre espaço para as experiências e necessidades das pessoas, em vez de oferecer interpretações de especialistas sobre o que é ou o que deveria ser. Recomendações gerais desse tipo, que descrevem um método de análise em vez de oferecer uma interpretação substantiva dos direitos, são escassas, mas não propriamente inéditas. Por exemplo, a Recomendação Geral 25 do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial estabelece uma metodologia para entender como os fatores de gênero se interligam com a discriminação racial de maneiras diversas e variáveis (U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF RACIAL DISCRIMINATION, 2010, p. 152). Tomando emprestada a visão de Dean Spade sobre o direito, recomendações gerais desse tipo definem os direitos humanos dentro de "um contexto descentralizado no qual coexistem objetivos múltiplos e concorrentes" e, portanto, sua interpretação não pode ser tomada "pelo valor nelas impresso", mas sempre "questionando-se" em "que arranjo de coisas uma determinada linha de jurisprudência . . . pode ser participante do processo de produção" (SPADE, 2011SPADE, Dean. Laws as Tactics. Columbia Journal of Gender and Law 21.2 (2011): 40-71., p. 54).

Em seu envolvimento com o direito internacional dos direitos humanos, as feministas há muito questionam a própria estrutura do direito internacional (HODSON; LAVERS, 2019HODSON, Loveday; LAVERS, Troy. Feminist Judgments in International Law: An Introduction. In Loveday Hodson e Troy Lavers (Orgs.) Feminist Judgments in International Law. Oxford: Hart, 2019, p. 3-22.). Por décadas, as feministas questionaram os métodos jurídicos internacionais e desenvolveram seus próprios métodos, métodos que "enfatizam as conversas e o diálogo em vez da produção de uma verdade única e triunfante" (CHARLESWORTH, 2004CHARLESWORTH, Hilary. Feminist Methods in International Law. Studies in Transnational Legal Policy 36 (2004): 159-84, p. 159., p. 159). Ao reescrevermos a RG 24, continuamos nesse caminho, menos preocupadas em estabelecer uma interpretação persuasiva e coerente do Artigo 12 ou em prescrever uma política substantiva que siga a obrigação jurídica e mais interessadas em criar espaço para a ação política, de modo a transformar o campo dos cuidados de saúde a partir de uma visão de igualdade de gênero (McNEILLY, 2019; McNEILLY, 2016).

Reimaginando “Mulheres” no Artigo 12

Nesta seção, criticamos o essencialismo de sexo e gênero da RG 24 para reescrever o que significa “eliminar a discriminação contra as mulheres” nos cuidados de saúde “em condições de igualdade entre homens e mulheres” - ou seja, os padrões jurídicos de igualdade de gênero nos termos do Artigo 12 da CEDAW.

Para eliminar a discriminação contra as mulheres

O artigo 12(1) exige que "os Estados-Partes adotem todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra as mulheres no campo da assistência à saúde". O Artigo 1 da CEDAW define "discriminação contra as mulheres" como "qualquer distinção, exclusão ou restrição feita com base no sexo" que prejudique o gozo de direitos e liberdades "em condições de igualdade" com os homens. Na aplicação desse padrão jurídico, a primeira pergunta é, portanto: O que é sexo?

A RG 24 não define sexo explicitamente, mas faz uma clara distinção entre "diferenças biológicas" e "fatores societais" (parágrafo 6) e, com base nessa distinção, o sexo está associado a determinados marcadores biológicos com base nos quais os seres humanos são designados no nascimento como homens ou mulheres. Observe, por exemplo, como a RG 24 lista os "fatores biológicos que diferem para as mulheres em comparação com os homens, como seu ciclo menstrual e sua função reprodutiva e menopausa" (parágrafo 12(a)), e que são a fonte de sua discriminação. Esse paradigma aceita a naturalização das diferenças sexuais e a decorrente categorização essencialista de homens e mulheres. Presume-se que todos os homens e todas as mulheres compartilham os mesmos atributos e, com base nesses atributos, são designado/as dentro de um grupo ou de outro (STONE, 2007STONE, Alison. On the Genealogy of Women: A Defence of Anti-Essentialism. In Stacy Gillis, Gillian Howie e Rebecca Munford (Orgs.) Third Wave Feminism: A Critical Exploration. 2. ed. New York: Palgrave Macmillan, 2007. p. 16-29.). Assim também são alinhados suas necessidades e interesses relacionados à assistência à saúde. Na RG 24, esse binário sexual está ancorado na capacidade reprodutiva das mulheres, notadamente escrito no próprio texto da CEDAW, que destaca explicitamente as necessidades especiais de saúde das mulheres "em relação à gravidez, ao parto e ao período após o nascimento, . . . bem como . . . à lactação" [Artigo 12(2)].

A RG 24 também leva em conta os fatores sociais que moldam as necessidades de saúde das mulheres além da biologia, reconhecendo que "embora as diferenças biológicas entre mulheres e homens possam levar a diferenças no estado de saúde, há fatores societais que são determinantes do estado de saúde de mulheres e homens" (parágrafo 6). Convencionalmente, sexo e gênero foram diferenciados sobre tais bases, sendo que "gênero" foi posteriormente definido como "identidades, atributos e papéis socialmente construídos para mulheres e homens" (U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN, 2010, nota 7, parágrafo 5). A RG 24 participa dessa convenção ao tratar sexo e gênero não apenas como atributos estáveis e universais, mas também separados: o biológico ("ciclo menstrual", "função reprodutiva", "menopausa") e o social ("relações desiguais de poder", "mutilação genital feminina", "abuso sexual"). Nesse paradigma, o gênero também é socialmente construído em corpos sexados em uma hierarquia totalizada, em que uma classe, a dos homens, domina outra classe, a das mulheres. O gênero opera apenas como uma forma opressiva de controle social assimétrico, como sua definição na RG 25 da CEDAW deixa claro: "Apesar das variações entre culturas e ao longo do tempo, as relações de gênero em todo o mundo implicam a assimetria de poder entre homens e mulheres como um traço generalizado . . . a estrutura desigual de poder que fundamenta a relação entre os sexos." (U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN, 2004, nota 2).

As feministas há muito criticam o entendimento das mulheres como uma categoria essencial enraizada em um corpo sexado específico. Não apenas as variações da anatomia sexual vão além do masculino e do feminino (FAUSTO-STERLING, 1993FAUSTO-STERLING, Anne. The Five Sexes: Why Male and Female Are Not Enough. The Sciences 33.2 (1993): 20-24.), mas também "as pessoas vêm em uma variedade de identidades e características sexuais ainda mais ampla do que os simples órgãos genitais podem distinguir" (FAUSTO-STERLING, 2000, p. 22). Além disso, a corporificação sexuada é "interna ao domínio de gênero das práticas e significados sociais", variando indefinidamente de acordo com a localização sociocultural (STONE, 2007STONE, Alison. On the Genealogy of Women: A Defence of Anti-Essentialism. In Stacy Gillis, Gillian Howie e Rebecca Munford (Orgs.) Third Wave Feminism: A Critical Exploration. 2. ed. New York: Palgrave Macmillan, 2007. p. 16-29., p. 19). O sexo não é biologicamente inerente, mas socialmente construído e, portanto, relativo ao lugar e ao tempo (JOHNSON; REPTA, 2012JOHNSON, Joy L.; REPTA, Robin. Sex and Gender: Beyond the Binaries. In: John L. Oliffe; Lorraine Greaves (Org.) Designing and Conducting Gender, Sex, & Health Research. Thousand Oaks: Sage, 2012. p. 17-38.). Com o termo que cunharam, "nexo gênero-biologia", Ellen Annandale, Maria Wiklund e Anne Hammarström descrevem como o gênero afeta os corpos biológicos das pessoas, moldando suas experiências de saúde em diversos contextos geográficos e culturais - "o biológico moldado pelo gênero" -, mas como também o corpo humano vivo tem o potencial de transformar a estrutura de gênero - "o gênero moldado pelo biológico" (ANNANDALE; WIKLUND; HAMMARSTRÖM, 2018ANNANDALE, Ellen; WIKLUND, Maria e HAMMARSTRÖM, Anne. Theorising Women's Health and Health Inequalities: Shaping Processes of the 'Gender-Biology Nexus'. Global Health Action 11.3 (2018) 87-96., p. 87). A mutilação genital feminina é um caso em questão, amplamente compreendido, inclusive na RG 24, como "o biológico moldado pelo gênero", ou seja, relações sociais de gênero que afetam e transformam o corpo biológico material por meio de uma norma social que materializa a desigualdade. No entanto, o corpo feminino transformado também, por sua vez, molda o gênero, ao criar novas configurações de como as mulheres andam, se portam e interagem no mundo e com ele, modificando, de fato, as expectativas sociais de feminilidade como uma expressão externa de gênero (ANNANDALE; WIKLUND; HAMMARSTRÖM, 2018, p. 92).

Seguindo essa crítica, propomos uma reescrita da RG 24 com base em uma compreensão estrutural de sexo e gênero (RISMAN; DAVIS, 2013RISMAN, Barbara J.; DAVIS, Georginna. From Sex Roles to Gender Structure. Current Sociology Review 61.5-6 (2013): 733-55.). Nesse paradigma alternativo, gênero refere-se a um conjunto de normas sociais que definem e moldam a experiência humana e que diferenciam, estratificam e criam oportunidades e restrições na vida diária em relação a atributos sexados (RISMAN; DAVIS, 2013; RISMAN, 2004). Uma compreensão estrutural de sexo e gênero não é uma abordagem propriamente inédita no âmbito da CEDAW. A RG 25 destaca a obrigação dos Estados-Partes de "abordar as relações de gênero predominantes" e identifica como uma das fontes de desigualdade a persistência de estereótipos de gênero que afetam as mulheres não apenas nas ações dos indivíduos, mas também "na lei e nas estruturas e instituições jurídicas e societais" (U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN, 2004, parágrafo 7). Em última instância, a RG 25 conclama os Estados-Partes a adotar medidas "direcionadas a uma transformação real das oportunidades, instituições e sistemas, de modo que não sejam mais fundamentadas em paradigmas masculinos historicamente determinados de poder e padrões de vida" (parágrafo 10). Uma mudança mais geral em direção a entendimentos estruturais de sexo e gênero pode ser vista em todo o direito internacional de direitos humanos.5 5 Ver, por exemplo, U.N. HUMAN RIGHTS COMMITTEE (2000).

Menos desenvolvidas, no entanto, são as oportunidades de uma abordagem estrutural do sexo e do gênero para reimaginar a própria categoria "mulheres". Adotada em um momento histórico em que os debates sobre gênero eram bastante incipientes e as mulheres lutavam para se afirmar como sujeito político, a CEDAW geralmente considera homens e mulheres como categorias não apenas essenciais, mas também evidentes por si mesmas (ROSENBLUM, 2011ROSENBLUM, Darren. Unsex CEDAW, or What's Wrong with Women's Rights. Columbia Journal of Gender and Law 20.2 (2011): 98-194.). As mulheres são tratadas como um grupo social caracterizado por um conjunto de atributos, interesses, experiências e opressões, fixos ou compartilhados. Uma abordagem estrutural, entretanto, nos permite reimaginar as "mulheres" como constituídas não por quaisquer atributos particulares, mas pelas experiências reais e materiais daquelas pessoas que se identificam e vivem como mulheres.

A definição de Iris Marion Young de mulheres como "série" é particularmente útil para essa tarefa (YOUNG, 1994YOUNG, Iris Marion. Gender as Seriality: Thinking About Women as a Social Collective. Signs 19.3 (1994): 713-38.). Nessa definição, as mulheres não necessariamente compartilham atributos, objetivos ou experiências umas com as outras. Em vez disso, elas são unificadas passivamente em função de suas ações serem organizadas, limitadas e possibilitadas pelo gênero, bem como pela interação com as estruturas sociais de raça, classe e sexualidade (CRENSHAW, 1989CRENSHAW, Kimberle. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscriminatory Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum 1989.1 (1989): 139-67; CRENSHAW, 1991; ATREY, 2023ATREY, Shreya. Fifty Years On: The Curious Case of Intersectional Discrimination in the ICCPR, with a Postscript. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 131-152.). Como parte de uma série, todas as mulheres agem no mundo e em relação a objetos materiais em um contexto de estruturas "feminizantes"; entretanto, individualmente, elas vivem as restrições e oportunidades da estrutura de gênero de maneiras variáveis, dentro de seus próprios contextos de projetos e experiências. Embora os corpos femininos biológicos tenham alguma relação com a série de mulheres ("gênero moldado pelo biológico"), o pertencimento a essa série é determinado pelos significados e possibilidades socialmente atribuídos àquele corpo, e não pelo próprio corpo ("biológico moldado pelo gênero"). Como tal, o gênero não é apenas uma estrutura de restrição. Os indivíduos também produzem a estrutura; dão significado a ela e, portanto, têm o poder de transformá-la, permitindo o surgimento de novos modelos de feminilidade (e masculinidade) ou a rejeição total das identificações binárias. A identificação dentro da estrutura de gênero é vivida e percebida como múltipla e variada. Nas palavras de Young, as mulheres são, portanto, uma "unidade mutável, um coletivo amorfo" que é "vasto, multifacetado, com camadas, complexo e com sobreposições" e designa "um nível de vida e ação social" (YOUNG, 1997, p. 728).

A série de mulheres torna-se experiencial e, como tal, necessariamente interseccional, em vez de categórica ou mesmo baseada em identidade. Ela é altamente heterogênea e fluida, atenta às dimensões intragênero das vidas das mulheres, frequentemente eclipsadas pelo binário de gênero e pela necessidade de definir as mulheres em relação aos homens. A RG 24 sinaliza nessa direção ao reconhecer a variação do estado de saúde e, de fato, a desigualdade no acesso aos cuidados de saúde entre as próprias mulheres, demandando "atenção especial . . . às necessidades de saúde e aos direitos das mulheres pertencentes a grupos vulneráveis e desfavorecidos, como as mulheres migrantes, as refugiadas e as deslocadas internamente, as meninas e as mulheres idosas, as mulheres em prostituição, mulheres indígenas e mulheres com incapacidade física ou mental." (parágrafo 6). No entanto, é necessário ir além da listagem de grupos vulneráveis unidimensionais, não apenas porque essa lista deixa de reconhecer mulheres trans e pessoas não binárias, além de inúmeras outras, como sujeitos de direitos,6 6 Ver DEL GOBBO (2023). mas, mais fundamentalmente, porque as mulheres como série devem ser, intrinsicamente, não categóricas. De fato, a interseccionalidade nos ensina que devemos considerar a estrutura de gênero, a estrutura de raça, a estrutura de classe, a estrutura de sexualidade e outras estruturas de desigualdade à medida que elas interagem e produzem formas mais complexas de dominação e desempoderamento em sua própria confluência do que a mera hierarquia homem/mulher (CRENSHAW, 1991CRENSHAW, Kimberle. Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color. Stanford Law Review 43.6 (1991): 1241-99).

Em condições de igualdade entre homens e mulheres

Repensar a categoria "mulheres" dessa forma acarreta, pois, implicações para o padrão jurídico "em condições de igualdade entre homens e mulheres". O Artigo 12(1) requer que "os Estados-Partes adotem todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra as mulheres no campo dos cuidados de saúde, a fim de garantir, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso aos serviços de cuidados de saúde, inclusive aqueles relacionados ao planejamento familiar".

A RG 24 interpreta esse padrão - "em condições de igualdade entre homens e mulheres" - como uma garantia de igualdade formal e substantiva, sendo que ambas mantêm uma natureza comparativa. A igualdade formal é, de modo geral, entendida como igualdade de tratamento, garantindo que as mulheres não sejam tratadas de forma desigual em relação aos homens sem uma justificativa objetiva e razoável. Por exemplo, a RG 24 estabelece que o acesso das mulheres aos serviços de saúde não pode ser condicionado à autorização dos maridos ou parceiros, uma diferença de tratamento que carece de motivo justificável (parágrafo 14). A igualdade substantiva é definida como um tratamento desigual com vistas a contemplar, de forma justificável, diferenças específicas de sexo ou gênero - ou seja, o Artigo 12(2) indica que as diferenças de prestação de serviços relacionadas à reprodução não entram em conflito com a igualdade de gênero.

As críticas à igualdade formal são bem fundamentadas, mas o mesmo ocorre em relação à igualdade substantiva, criticada por se basear em um paradigma de diferença e desvantagem de sexo e gênero inerente ou preexistente entre homens e mulheres. Em seu diagnóstico da violência de gênero como um problema crítico de saúde para as mulheres, por exemplo, a RG 24 enquadra o fato de "ser mulher" como um risco inerente, contra o qual é necessária a proteção do Estado. Assim, a igualdade substantiva aceita e acomoda a situação de desvantagem das mulheres em relação aos homens, em vez de buscar transformá-la.

Ao adotar uma abordagem estrutural de gênero, a expressão "em condições de igualdade entre homens e mulheres" não precisa mais ser lida como um conceito comparativo. Em vez disso, nossa proposta é inserir homens e mulheres em uma nova relação, não hierárquica e, em última análise, não rivalizada. "Em condições de igualdade entre homens e mulheres" torna-se uma garantia de que a inclusão em uma “série”, seja de homens ou mulheres, não deve servir de base para qualquer desqualificação, desvantagem ou hierarquia na participação na vida social e econômica. Nancy Fraser fala de "paridade de participação", segundo a qual as estruturas sociais devem "permitir que todos os membros da sociedade interajam uns com os outros como pares" (FRASER 2010FRASER, Nancy. Injustice at Intersecting Scales: On 'Social Exclusion' and the 'Global Poor'. European Journal of Social Theory 13.3 (2010): 363-71, p. 365, p. 365).7 7 Ver também FRASER (2003). As estruturas econômicas da sociedade devem padronizar a distribuição de recursos materiais para garantir independência e voz a todo/as participantes. Os padrões institucionalizados de cultura devem assegurar que todo/as participantes desfrutem de oportunidades iguais para alcançar estima social dentro da ordem de status existente. As estruturas políticas da sociedade devem garantir que todos os atores sociais vivenciem a igualdade de voz política (FRASER, 2010). Em seu Preâmbulo, a CEDAW descreve a discriminação contra as mulheres como "um obstáculo à participação delas . . . em igualdade de condições com os homens, na vida política, social, econômica e cultural de seus países, . . . e que torna mais difícil o pleno desenvolvimento das potencialidades das mulheres a serviço de seus países e da humanidade". A ideia de igualdade de gênero como igualdade de participação não é, portanto, tão radical. De fato, a RG 28 reconhece que "inerente ao princípio da . . . igualdade de gênero", segundo a CEDAW, "é o conceito de que todos os seres humanos, independentemente do sexo, são livres para . . .fazer escolhas sem as limitações impostas por estereótipos, papéis rígidos de gênero e preconceitos" (U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN., 2010, parágrafo 22)

Um paradigma participativo de igualdade de gênero deixa as mulheres não apenas sem a essencialização prevista no Artigo 12, mas também sem a objetificação. Ele reconhece e valoriza a subjetividade das mulheres: mulheres não apenas como beneficiárias do Estado, mas como criadoras do Estado e de suas instituições. Em “condições de igualdade com os homens”, como o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CESCR) reconhece no Comentário Geral 14 (CG 14), as mulheres têm o direito de participar da "organização do setor de saúde . . . e, especificamente, de participar em decisões políticas relacionadas ao direito à saúde tomadas tanto em nível comunitário quanto nacional" (U. N. COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS, 2000, parágrafo 17).8 8 Ver também CAMPBELL (2023). Uma abordagem participativa, portanto, demanda remédios transformativos, medidas que corrijam estruturas sociais injustas em vez de acomodar as pessoas dentro delas (FRASER, 2003FRASER, Nancy. Social Justice in the Age of Identity Politics: Redistribution, Recognition, and Participation. In Nancy Fraser e Axel Honneth, orgs., Redistribution or Recognition? A Political-Philosophical Exchange. Londres: Verso, 2003, 7-109.), e, como tal, inevitavelmente, levam às instituições do campo do cuidado de saúde, que moldam as experiências das mulheres no acesso aos serviços e que se tornam o local de sua ação coletiva.9 9 Consultar FREDMAN (2023).

Nessa visão de igualdade de gênero, as mulheres lutam não apenas pela parte que lhes cabe nos cuidados de saúde, mas também para reconstruir o campo da assistência à saúde e construir suas instituições de uma forma nova, diferente e mais positiva. Dessa forma, elas estão lutando não apenas por si mesmas, mas, como em muitas lutas interseccionais, por todas as pessoas. A seção a seguir tem como foco reimaginar a desigualdade estrutural de gênero como uma aspiração estrutural para o campo de cuidados de saúde.

Reimaginando os "Cuidados de Saúde" no Artigo 12

Nesta seção, criticamos a negligência das instituições de cuidados de saúde quanto às intervenções nos serviços de saúde na RG 24 e, assim, procuramos reescrever o que significa eliminar a discriminação contra as mulheres "no campo dos cuidados de saúde" para garantir o "acesso aos serviços" conforme o Artigo 12.

A abordagem convencional da igualdade de gênero no campo de cuidados de saúde favorece diferenças estatísticas mensuráveis entre mulheres e homens, ou entre grupos de mulheres, como indicadores de desigualdade de gênero, e demanda intervenções direcionadas para eliminar essas "disparidades de gênero" (LIEBOWITZ; SWINGEL, 2014LIEBOWITZ, Debra; SWINGEL, Susanne. Gender Equality Oversimplified: Using CEDAW to Counter the Measurement Obsession. International Studies Review 16.3 (2014): 362-89; BUSS, 2015BUSS, Doris. Measurement Imperatives and Gender Politics: An Introduction. Social Politics 22.3 (2015): 381-89.). A RG 24 foi escrita de acordo com essa tradição. Os Estados-Partes são obrigados a reportar "a incidência e a gravidade de" "doenças, condições de saúde e condições perigosas para a saúde que afetam as mulheres ou determinados grupos de mulheres de forma diferente que os homens"; "a disponibilidade e a relação custo-benefício de intervenções preventivas e curativas" para tratar dos problemas de saúde das mulheres; e o impacto da legislação, dos planos e das políticas públicas "sobre as mulheres em comparação com os homens" (parágrafos 9, 10, 17 e 19). Nessa abordagem, as mulheres ou alguns de seus grupos são tratadas como distintas, vulneráveis ou em desvantagem em suas necessidades de cuidados de saúde em relação aos homens (parágrafo 6), o que requer, portanto, uma redistribuição dos recursos de saúde entre eles (parágrafo 30).

Sem dúvida, essa "abordagem das necessidades das mulheres" tornou visível uma realidade de necessidade entre as mulheres e fortaleceu as intervenções dirigidas de saúde destinadas a lidar com tal necessidade. No entanto, a confiança em tais indicadores, medidas quantitativas de necessidade categórica e comparativa, também simplifica sobremaneira a nossa visão de igualdade de gênero no campo dos cuidados de saúde, ao excluir os fatores estruturais determinantes das desigualdades na saúde. Não podemos ver as estruturas institucionais que criam a necessidade e ampliam as disparidades entre mulheres e homens e entre as mulheres. Nessa abordagem, não fazemos as perguntas difíceis dos porquês (INHORN; WHITTLE, 2001INHORN, Marcia C.; WHITTLE, K. Lisa. Feminism Meets the 'New' Epidemiologies: Toward an Appraisal of Antifeminist Biases in Epidemiological Research on Women's Health. Social Science & Medicine 53.5 (2001): 553-67.). O direito dos direitos humanos geralmente não pergunta por que as desigualdades na saúde são produzidas em um determinado momento e em um determinado lugar. Na melhor das hipóteses, a RG 24 responde a essa pergunta com um conjunto de fatores de risco, dentre eles o socioeconômico (parágrafos 6 e 12). No entanto, a RG 24 não trata esses fatores como algo criado por alguma coisa. Há pouca imaginação sobre como as condições sociais e econômicas se manifestam nas experiências de saúde das mulheres, como as mulheres "literalmente corporificam e expressam biologicamente experiências de desigualdade econômica e social, desde o útero até a morte, produzindo assim desigualdades sociais na saúde em um amplo espectro de resultados" (KRIEGER, 2001KRIEGER, Nancy. A Glossary for Social Epidemiology. Journal of Epidemiology & Community Health 55.10 (2001): 693-700., p. 693).10 10 Ver também KRIEGER (2016). A RG 24 não procura entender ou explicar esses fatores. Em vez disso, a RG 24 aceita esses fatores como as causas das desigualdades na saúde - e, em seguida, pede aos Estados-Partes que intervenham por meio de intervenções nos serviços de saúde específicas e direcionadas para superar ou contornar tais desigualdades (STORENG, 2014STORENG, Katerini T. The GAVI Alliance and the 'Gates Approach' to Health System Strengthening. Global Public Health 9.8 (2014): 865-79.). Por meio dessa abordagem, a CEDAW não resolve as desigualdades sociais e econômicas no campo dos cuidados de saúde; em vez disso, ela busca aliviar os seus efeitos.

Fazendo uma leitura mais generosa, a abordagem intervencionista da RG 24 interpreta o Artigo 12 como algo passível de ser implementado nos campos da medicina e da saúde pública (YAMIN; CONSTANTIN, 2018YAMIN, Alicia Ely; CONSTANTIN, Andrés. A Long and Winding Road: The Evolution of Applying Human Rights Frameworks to Health. Georgetown Journal of International Law 49 (2018): 191-239.). Essa abordagem procura traduzir a linguagem dos direitos em avaliações técnicas de bens e serviços de cuidados de saúde, ao questionar se essas intervenções estão disponíveis, são acessíveis, aceitáveis e de boa qualidade. O CG 14 da CESCR sobre o direito à saúde (U. N. COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS, 2000) e o trabalho do primeiro Relator Especial sobre o Direito à Saúde (UNITED NATIONS, 2004) refletem essa abordagem, construindo um senso do direito à saúde que implica cada vez mais direitos em face do Estado quanto à adoção de leis, planos, políticas públicas e estratégias de saúde. Esses são recursos valiosos. No entanto, essa abordagem também reduz o significado e o escopo do Artigo 12 a um conjunto de bens e serviços de saúde, circunscrito por um conjunto de leis e políticas de saúde, e o define estritamente como o campo de cuidados de saúde. Em uma leitura menos generosa, essa abordagem intervencionista nega a natureza política do campo de cuidados de saúde (OTTERSEN ET AL, 2014OTTERSEN, Ole Petter et al. The Political Origins of Health Inequity: Prospects for Change. Lancet 383.9917 (2014): 630-67.). As mulheres podem desfrutar de acesso paliativo a serviços e direitos dentro do campo de cuidados de saúde, mas não são tratadas como atores políticos capazes de reformar as estruturas do campo que criam desigualdades de necessidade, recursos e serviços (LABONTE, 2004LABONTE, Ronald. Social Inclusion/Exclusion: Dancing the Dialectic. Health Promotion International 19.1 (2004): 115-21.).

Assim, propomos uma reescrita da RG 24 que aceita abertamente que "a saúde é produzida, vivenciada e compreendida nos contextos sociais, políticos, históricos e econômicos em que vivemos" (YAMIN, 2008YAMIN, Alicia Ely. Will We Take Suffering Seriously? Reflections on What Applying a Human Rights Framework to Health Means and Why We Should Care. Health and Human Rights 10.1 (2008): 45-63., p. 47). Nessa visão, a igualdade de gênero na saúde requer que avancemos muito além dos limites do setor de cuidados de saúde. Devemos eliminar a discriminação contra as mulheres na economia política global da saúde. Devemos engajar as estruturas políticas e econômicas que criam desigualdades de necessidades (DOYAL, 1995DOYAL, Lesley. What Makes Women Sick? Gender and the Political Economy of Health. Londres: Macmillan, 1995.; GIDEON, 2016) e as instituições do Estado e da economia que distribuem recursos materiais e moldam o acesso aos serviços nesse campo (CONNELL, 2012CONNELL, Raewyn. Gender, Health and Theory: Conceptualizing the Issue, in Local and World Perspective. Social Science and Medicine 74.11 (2012): 1675-83.; GKIOULEKA ET AL., 2018GKIOULEKA, Anna et al. Understanding the Micro and Macro Politics of Health: Inequalities, Intersectionality & Institutions-A Research Agenda. Social Science and Medicine 200 (2018): 92-98.; RAPHAEL; BRYANT, 2015RAPHAEL, Dennis; BRYANT, Toba. Power, Intersectionality and the Life-Course: Identifying the Political and Economic Structures of Welfare States That Support or Threaten Health. Social Theory & Health 13.3-4 (2015): 245-66.). Nossa reescrita da RG 24, portanto, concentra-se em duas preocupações específicas: a reestruturação global dos sistemas de cuidados de saúde e as interseções dessa reestruturação com o futuro do trabalho (RAI; WAYLEN, 2014RAI, Shirin M.; WAYLEN, Georgina (Orgs.) New Frontiers in Feminist Political Economy. London: Routledge, 2014.). Embora as normas sociais e os contextos econômicos das desigualdades de saúde em razão de gênero sejam citados na governança internacional da saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2008), uma abordagem de economia política da saúde nos termos do Artigo 12 transforma esses determinantes estruturais, de um conjunto de condições básicas, em um local de ação coletiva.

Embora seja radical, uma abordagem de economia política para a igualdade de gênero na saúde não é uma ideia nova. Pelo contrário, a RG 24 já faz referência às conferências internacionais da década de 1990 (parágrafo 3), quando as ativistas pelos direitos das mulheres promoveram uma mudança semelhante, afastando-se das metas da política de desenvolvimento em direção ao empoderamento radical (SHALEV, 2000SHALEV, Carmel. Rights to Sexual and Reproductive Health: The ICPD and the Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women. Health and Human Rights 4.2 (2000): 38-66.). A "Plataforma de Ação de Pequim" estabeleceu uma pauta transformadora e transversal, demandando uma reestruturação social e econômica significativa e clamando que "os instrumentos internacionais de direitos humanos fossem aplicados de modo a levar mais claramente em consideração a natureza sistemática e sistêmica da discriminação contra as mulheres" (UNITED NATIONS, 1995, anexo II, parágrafo 222). Esse foi o nascimento do movimento pela saúde e pelos direitos sexuais e reprodutivos (SEM; GOVENDER, 2015). A igualdade socioeconômica foi reconhecida como um precursor necessário para a igualdade de gênero e, de fato, o Preâmbulo da CEDAW reflete esse espírito, "convencidos de que o estabelecimento da nova ordem econômica internacional baseada na equidade e na justiça contribuirá significativamente para a promoção da igualdade entre homens e mulheres".

Outras passagens substantivas da RG 24 apontam para uma abordagem de economia política da igualdade de gênero nos cuidados de saúde. Conforme descrito acima, a Recomendação, em geral, trata o sistema de cuidados de saúde como um mero fornecedor ou instrumento de entrega de bens e serviços e demanda que os Estados-Partes adotem medidas pontuais para melhorar o acesso aos serviços dentro desse sistema - por exemplo, medidas para garantir que os serviços sejam aceitáveis ou acessíveis para as mulheres (parágrafos 22 e 31(e) e 21). Na RG 24, o acesso é principalmente uma função dos atributos ou "barreiras" do serviço, vistos como mais sensíveis a intervenções específicas: altas tarifas de serviço, exigências de autorização, falta de atendimento confidencial (parágrafo 22). Em alguns casos, no entanto, a RG 24 aborda o sistema de cuidados de saúde de forma diferente, como uma instituição social fundamental, que convida a uma concepção mais abrangente do acesso ao atendimento dentro dele (GILSON, 2003GILSON, Lucy. Trust and the Development of Health Care as a Social Institution. Social Science and Medicine 56.7 (2003): 1453-68.). O acesso vai além de onde ou como os serviços são prestados, abrangendo as características estruturais do próprio sistema de cuidados de saúde (LEVESQUE; HARRIS; RUSSELL, 2013LEVESQUE, Jean-Frederic; HARRIS, Mark F.; RUSSELL, Grant. Patient-Centred Access to Health Care: Conceptualising Access at the Interface of Health Systems and Populations. International Journal for Equity in Health 12.18 (2013): 1-9.). O acesso a qualquer serviço está fundamentalmente vinculado à natureza coletiva do sistema.

Um exemplo claro dessa abordagem na RG 24 é a preocupação com a privatização dos sistemas de cuidados de saúde: "a evidência de que os Estados estão abrindo mão de . . . obrigações à medida que transferem as funções de cuidados de saúde do Estado para agências privadas" (parágrafo 17). Em resposta a essa preocupação, pede-se aos Estados-Partes que reportem acerca de uma intervenção estrutural, "o que fizeram para organizar . . . todas as estruturas por meio das quais o poder público é exercido para promover e proteger a saúde das mulheres" (parágrafo 17). Aqui, a RG 24 começa a se envolver com a estrutura de gênero do sistema de cuidados de saúde: as estruturas excludentes que criam desigualdades de acesso e medidas de reestruturação para reorganizar o acesso ao cuidado com base na igualdade de gênero.

Propomos uma elaboração mais aprofundada acerca dessas estruturas, ao nomear e tratar das formas específicas pelas quais a comercialização e a financeirização global dos sistemas de cuidados de saúde moldam o acesso das mulheres aos serviços (HUNTER; MURRAY, 2019HUNTER, Benjamin M.; MURRAY, Susan F. Deconstructing the Financialization of Healthcare. Development and Change 50.5 (2019): 1263-87.; KOIVUSALO; SEXTON, 2016KOIVUSALO, Meri; SEXTON, Sarah. Gender and Commercialization of Health Care. In Jasmine Gideon (Ed.). Handbook on Gender and Health. Cheltenham: Edward Elgar, 2016. p. 298-308.). A mercantilização dos sistemas de saúde representa uma mudança fundamental na própria finalidade dos cuidados de saúde: como um bem privado para venda e comércio, ao invés de um bem público para a saúde e o bem-estar (QADEER; BARU, 2016QADEER, Imrana; BARU, Rama. Shrinking Spaces for the 'Public' in Contemporary Public Health. Development and Change 47.4 (2016): 760-81.). Os sistemas de cuidados de saúde estão sendo reinventados, passando de instituições sociais a mercados, com a consequência de deixar que a lei do mercado decida a saúde de quem e quais tipos de saúde importam, com pouco ou nenhum interesse em serviços de saúde não remunerados, especialmente cuidados preventivos. Por exemplo, as altas taxas de cesarianas e histerectomias desnecessárias em países de baixa e média renda são atribuídas ao lucro comercial desses serviços (BROWNLEE ET AL, 2017BROWNLEE, Shannon et al. Evidence for Overuse of Medical Services around the World. Lancet 390.10090 (2017): 156-68.). O acesso aos cuidados de saúde é distorcido para maximizar o lucro, drenar recursos públicos e, em última análise, prejudicar a saúde e o bem-estar. Os cuidados de saúde tornaram-se um setor extrativista. Na verdade, a mercantilização dos cuidados de saúde é inteiramente compatível com um conjunto cada vez maior de direitos relativos aos serviços de saúde segundo a abordagem convencional dos direitos de cuidados de saúde, uma abordagem de expansão e crescimento intermináveis; mas quando esse crescimento é examinado à luz de gênero e outras estruturas sociais, vê-se que ele torna os sistemas de cuidados de saúde altamente disfuncionais, completamente deficientes e profundamente desiguais.

Se essas transformações estruturais dos sistemas de cuidados de saúde forem negligenciadas como locais de ação dos direitos humanos, elas passarão a definir o significado e o escopo dos direitos humanos à saúde, em vez de os direitos oferecerem um meio para lutar contra as desigualdades que tais transformações produzem (CHAPMAN, 2016CHAPMAN, Audrey R. The Contributions of Human Rights to Universal Health Coverage. Health and Human Rights 18.2 (2016): 1-5.). Já vemos justificativas para essas transformações na alegada necessidade de mercados privados de alcançar a cobertura universal de assistência à saúde, um compromisso de direitos humanos agora consolidado (BIRN; NERVI, 2019BIRN, Anne-Emanuelle; NERVI, Laura. What Matters in Health (Care) Universes: Delusions, Dilutions, and Ways towards Universal Health Justice. Globalization and Health 15.1 (2019): 1-12.). Sem uma análise estrutural dessas transformações, divisões categóricas muito fáceis entre prestação pública e privada (parágrafo 31(d)) ou apelos simplistas para que o Estado garanta o acesso universal aos serviços de cuidados de saúde (parágrafo 29) na RG 24 ameaçam prejudicar, ao invés de promover, o acesso das mulheres à saúde como um direito humano.

Boas lições a esse respeito podem ser aprendidas a partir de uma visão comparativa do direito à moradia. Em 2017, o Relator Especial sobre o Direito à Moradia dedicou um relatório à financeirização da moradia, que examinou o impacto sobre a vida das pessoas decorrente de investimentos maciços de capital global em moradia como um ativo para acumulação de riqueza privada e definiu uma estrutura de direitos humanos para retomar a moradia como um bem social (UNITED NATIONS, 2017). Esse relatório buscou reconectar a moradia à sua função social de proporcionar às pessoas um lugar para viver com segurança e dignidade. Inspiradas por esse relatório, propomos uma reescrita da RG 24 que, de forma similar, reconecte os sistemas de saúde à sua função pública e de cuidado e expanda a obrigação dos Estados-Partes de proteger os direitos humanos além do simples dever de impedir que agentes privados os violem. Como uma obrigação central prevista na CEDAW, agora limitada aos setores bancário e habitacional, visamos que o Estado preste contas às pessoas e não aos investidores, e buscamos recuperar a governança dos sistemas de cuidados de saúde para a saúde e o bem-estar das pessoas, ao invés dos interesses do mercado (U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN, 2010, nota 7, parágrafo 13). Imaginamos que a RG 24 se envolva diretamente com essas reestruturações globais dos sistemas de cuidados de saúde para questionar como a desigualdade de gênero está estruturada no âmbito da mercantilização da assistência à saúde e como a mercantilização afeta de forma diversa as mulheres como usuárias, e trabalhadoras, dos sistemas formais de cuidados de saúde, e como cuidadoras fora deles.

Reestruturações globais dos sistemas de saúde têm implicações importantes para a carga informal dos cuidados de saúde nos âmbitos da família, do lar e da comunidade, carga essa que é altamente baseada em gênero e racializada por normas culturais e sociais (DOYAL, 2002DOYAL, Lesley. Putting Gender into Health and Globalisation Debates: New Perspectives and Old Challenges. Third World Quarterly 23.2 (2002): 233-50.). Em tempos de crise e insegurança econômica, que frequentemente são o contexto para a reforma estrutural dos sistemas de saúde, a dependência desse trabalho de assistência aumenta (SASSEN, 2000SASSEN, Saskia. Women's Burden: Counter-Geographies of Globalization and the Feminization of Survival. Journal of International Affairs 53.2 (2000): 503-24.). As funções de cuidado dos sistemas de saúde não desaparecem, mas são transferidas. A mercantilização dos sistemas de saúde explora as expectativas com viés de gênero de que mulheres e outras pessoas farão o trabalho de cuidado - o que significa que ele será realizado de modo não remunerado, subvalorizado e não reconhecido - para normalizar e, por conseguinte, justificar as distribuições injustas nos cuidados de saúde que tal mercantilização cria (HOSKYNS; RAI, 2007HOSKYNS, Catherine; RAI, Shirin M. Recasting the Global Political Economy: Counting Women's Unpaid Work. New Political Economy 12.3 (2007): 297-317.). A atenção a essa dinâmica revela o vínculo estrutural entre saúde e trabalho, bem como entre os setores do trabalho e da saúde. Por esse motivo, propomos uma reescrita da RG 24 que reconecte o direito à saúde com o futuro do trabalho.

Nos travaux préparatoires da CEDAW, não havia um artigo separado sobre o direito aos cuidados de saúde (REHOF, 1993REHOF, Lars Adam. Guide to the Travaux Préparatoires of the United Nations Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women. Dordrecht: Martinus Nijhoff, 1993., p. 145). A saúde era abordada no Artigo 11 como um aspecto do emprego. Atualmente, a RG 24 conecta a igualdade de gênero no campo dos cuidados de saúde ao Artigo 11 apenas de forma esparsa e pela lente da saúde e segurança ocupacional tradicional, com ênfase nos riscos e necessidades da saúde reprodutiva (parágrafo 28). Propomos uma reescrita da RG 24 que considere a natureza do trabalho - quando, onde e como o trabalho é realizado - como fundamental não apenas para moldar os riscos e as necessidades de saúde das mulheres, mas como uma característica estrutural da igualdade de gênero no acesso aos serviços de cuidados de saúde.

Atualmente, a RG 24 aborda a acessibilidade dos serviços de cuidados de saúde principalmente como uma questão de custo (parágrafo 12), e não como a capacidade econômica de pagar pelos serviços (LEVESQUE; HARRIS; RUSSELL, 2013LEVESQUE, Jean-Frederic; HARRIS, Mark F.; RUSSELL, Grant. Patient-Centred Access to Health Care: Conceptualising Access at the Interface of Health Systems and Populations. International Journal for Equity in Health 12.18 (2013): 1-9.). No entanto, a contração das proteções sociais da saúde na mercantilização dos cuidados de saúde torna o acesso aos serviços mais dependente da capacidade de pagar e, portanto, da renda, ao mesmo tempo em que restringe a capacidade de emprego formal das mulheres ao aumentar a carga de cuidados. Além disso, o viés de gênero dos mercados de trabalho leva a representações desproporcionais das mulheres em trabalhos precários, informais e mal remunerados, o que torna a dinâmica estrutural entre trabalho e saúde profundamente injusta (PETERSON, 2018PETERSON, V. Spike. Intimacy, Informalization and Intersecting Inequalities: Tracing the Linkages. Labour and Industry 28.2 (2018): 130-45.). Embora as cadeias de suprimentos globais no agronegócio e na indústria tenham criado novas oportunidades para as mulheres e outros trabalhadores marginalizados ganharem dinheiro na economia formal, esses empregos acarretam novos e maiores riscos à saúde, ao mesmo tempo em que proporcionam às trabalhadoras e trabalhadores pouco ou nenhum acesso aos serviços de cuidados de saúde e um controle precário do acesso que eles de fato têm (GEORGE ET AL, 2017GEORGE, Erika R. et al. Recognizing Women's Rights at Work: Health and Women Workers in Global Supply Chains. Berkeley Journal of International Law 35.1 (2017): 1-46.; FREDMAN, 2023FREDMAN, Sandra. Challenging the Frontiers of Gender Equality: Women at Work. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 38-54.). A desigualdade de gênero na saúde está, portanto, intimamente ligada às condições estruturais de pobreza e insegurança econômica.

Em vez de medidas para garantir a entrada das mulheres na economia de mercado, propomos que a RG 24 conclame os Estados-Partes a valorizar e reconhecer as diversas práticas econômicas que sustentam a vida e o bem-estar das pessoas, inclusive por meio do acesso aos cuidados de saúde. A RG 24, por exemplo, reconhece a necessidade crítica de "acesso econômico a recursos produtivos... para as mulheres rurais" (parágrafo 7), mas, nos anos que se seguiram à elaboração da RG 24, essa necessidade se tornou generalizada (PRUITT, 2011PRUITT, Lisa R. A Man's World? Challenges and Solutions as Women Take Center Stage in the Global Theater: Deconstructing CEDAW's Article 14: Naming and Explaining Rural Difference. William & Mary Journal of Women and the Law 17 (2011): 347-94.). Portanto, vale à pena considerar como os cuidados de saúde são abordados na Recomendação Geral 34 (RG 34) sobre os direitos das mulheres rurais (U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN., 2016). A seção sobre serviços de cuidados de saúde dessa recomendação é semelhante à da RG 24, enfatizando a necessidade de assistência à saúde decorrente da falta de serviços e investimento em saúde (parágrafos 37-39). Entretanto, as seções da RG 34 sobre emprego e vida econômica e social oferecem uma abordagem mais estrutural à igualdade de gênero e aos cuidados de saúde. Reconhecendo as oportunidades limitadas das mulheres rurais nos mercados de trabalho formal e o envolvimento desproporcional em atividades econômicas informais, a RG 34 enfatiza a necessidade de formas não contributivas de proteção social para garantir que todas as mulheres tenham acesso aos cuidados de saúde essenciais (parágrafos 40-41), o fortalecimento das economias sociais e solidárias (parágrafo 51) e serviços de cuidados baseados na solidariedade e na comunidade para aliviar a carga de trabalho não remunerado (parágrafo 52(h)).

A ênfase em economias e serviços de cuidados de saúde baseados na solidariedade nessa recomendação incorpora uma mudança fundamental na visão subjacente e na estrutura de valor dessas economias e serviços, uma mudança que transfere o poder de definir o futuro do trabalho, da saúde e da vida para as pessoas que trabalham e os vínculos sociais que elas formam. O Preâmbulo da CEDAW, por exemplo, declara que "o papel das mulheres na procriação não deve servir de base para discriminação", e o Artigo 12(2) estabelece uma disposição especial para serviços relacionados à gravidez, ao parto e ao período pós-parto, concedendo serviços gratuitos quando necessário. A RG 24, no entanto, refere-se principalmente a esses serviços na redução da mortalidade e morbilidade materna e do direito das mulheres à maternidade segura (parágrafos 26 e 27), em vez de "maternidade como uma função social" (artigo 5), e em apoio a estruturas econômicas que valorizam a mão de obra produtiva e reprodutiva, com o cuidado à maternidade não apenas como um serviço de assistência à saúde acessível, mas reconhecido e protegido como uma forma de seguridade social (GOLDBLATT, 2014GOLDBLATT, Beth. Gender, Poverty and the Development of the Right to Social Security. International Journal of Law in Context 10.4 (2014): 460-77.).

Há uma ligação estrutural comum entre as desigualdades de gênero econômicas e de saúde. "O direito ao mais alto padrão atingível de cuidados de saúde [está] totalmente sujeito à disponibilidade de recursos e é refém de padrões injustos de distribuição de recursos." (PETCHESKY, 2005PETCHESKY, Rosalind. Rights of the Body and Perversions of War: Sexual Rights and Wrongs Ten Years Past Beijing. International Social Science Journal 57.184 (2005): 301-18., p. 303). Portanto, um sistema de cuidados de saúde forjado em estruturas econômicas injustas nunca poderá prometer às mulheres igualdade de acesso - não importa quantas prerrogativas contra barreiras de serviços ele implique. O campo de cuidados de saúde de que o Artigo 12 trata deve, portanto, estender-se à ordem econômica globalizada que molda tão profundamente a vida das mulheres, e que as mulheres em ampla coalizão estão moldando ao protestar, contestar e criar alternativas aos sistemas econômicos que não estão funcionando para a saúde e o bem-estar de tantas pessoas (MARCHAND E RUNYAN, 2011MARCHAND, Marianne H.; RUNYAN, Anne Sisson (Orgs.). Gender and Global Restructuring: Sightings, Sites and Resistances. 2. ed. London: Routledge, 2011.). Isso define um projeto diferente para a igualdade de gênero nos termos do Artigo 12: em vez de mitigar os danos das desigualdades estruturais, passar a transformá-las radicalmente. Esse projeto de ambição estrutural pode ser grande demais para as prescrições de políticas pontuais de uma recomendação geral, mas, assim sendo, devemos repensar o que uma recomendação geral pode ou deve fazer.

Conclusão

Reimaginar sexo e gênero a partir das experiências das pessoas que os vivem, e recriar as estruturas institucionais do Estado e da economia a partir das vidas daquelas que as vivenciam, abre uma nova visão para a igualdade de gênero prevista na CEDAW e para o exercício e o gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em condições de igualdade entre todos e todas. Com essa reescrita da RG 24, procuramos nos afastar de uma aliança tradicional entre o direito à saúde e os campos da medicina e da saúde pública, que tendeu a isolar a saúde de outros bens públicos na vida econômica e social, e, em vez disso, visamos enquadrar o campo dos cuidados de saúde como um local para a construção de sociedades justas desde uma perspectiva de gênero. Com essa reescrita da RG 24, oferecemos não um programa político a ser seguido, mas um mundo político a ser vivido.

REESCRITA

Recomendação Geral Nº [X]: Artigo 12 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as mulheres (Mulheres e Saúde)

1. O artigo 12 tem a seguinte redação:

1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra as mulheres no campo dos cuidados de saúde, a fim de garantir, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso aos serviços de cuidados de saúde, inclusive aqueles relacionados ao planejamento familiar.

2. Não obstante as disposições do parágrafo 1 deste artigo, os Estados-Partes garantirão às mulheres serviços adequados relacionados à gravidez, ao parto e ao período após o nascimento, concedendo serviços gratuitos quando necessário, bem como nutrição adequada durante a gravidez e a lactação.

2. Em vez de fornecer um entendimento imperativo e abrangente da natureza e do escopo do Artigo 12, esta recomendação geral busca fomentar a participação das mulheres na produção do significado e do escopo de seus direitos humanos no campo dos cuidados de saúde, reivindicando seus direitos e fazendo exigências aos Estados-Partes e a outros atores públicos e privados nos termos da Convenção (Heymann et al., 2019HEYMANN et al., Jody. Improving Health with Programmatic, Legal, and Policy Approaches to Reduce Gender Inequality and Change Restrictive Gender Norms. Lancet 393.10190 (2019): 2522-34.; Gupta et al, 2019GUPTA, Geeta Rao et al. Gender Equality and Gender Norms: Framing the Opportunities for Health. Lancet 393.10190 (2019): 2550-62.).

3. O objetivo do Artigo 12 é transformar as estruturas de desigualdade de gênero e reconstruir o campo dos cuidados de saúde e construir suas instituições de forma nova, diferente e mais positiva, a partir das vidas e da ação coletiva das mulheres em uma visão de justiça de gênero.

4. Esta recomendação adota um entendimento estrutural dos termos "sexo" e "gênero", segundo o qual o gênero se refere a um conjunto de estruturas sociais que definem e moldam a experiência humana e que diferenciam, estratificam e criam oportunidades e restrições na vida cotidiana em relação aos atributos sexados. Por esse entendimento, o termo "mulheres" no Artigo 12 refere-se a todas as pessoas que se identificam e vivem como mulheres, e suas experiências reais e materiais como mulheres. As mulheres não necessariamente compartilham atributos, objetivos ou experiências umas com as outras; ao contrário, elas são unificadas como um coletivo por serem suas ações organizadas, condicionadas e possibilitadas pelo gênero, bem como pela interação com as estruturas sociais de raça, classe, sexualidade e outras estruturas de desigualdade. Individualmente, as mulheres vivem e percebem as estruturas de gênero de maneiras variáveis e, dessa forma, o gênero não é apenas uma estrutura de limitação ou opressão na vida das mulheres; ao contrário, os indivíduos também dão significado ao gênero e têm o poder de transformá-lo.

5. Esta recomendação estabelece que "em condições de igualdade entre homens e mulheres" constitui uma garantia de relação não hierárquica e, em última análise, não rivalizada entre homens e mulheres, de modo que identificar-se ou viver como um homem ou uma mulher, ou como nenhum dos dois, não deve servir de base para desqualificação ou desvantagem na participação da vida social e econômica. Inerente ao princípio da igualdade de gênero "está o conceito de que todos os seres humanos, independentemente do sexo, são livres para. . . fazer escolhas sem as limitações impostas por estereótipos, papéis rígidos de gênero e preconceitos" (U.N. ON THE ELIMINATION OF ALL FORMS OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN, 2010, nota 7, parágrafo 22). No Artigo 12, as mulheres não são meramente beneficiárias do Estado, mas criadoras do Estado, de suas leis e instituições. Em condições de igualdade com os homens, as mulheres têm, portanto, o direito de participar da "organização do setor de cuidados de saúde . . . e, especificamente, da participação nas decisões políticas relativas ao direito à saúde tomadas tanto em nível comunitário quanto nacional." (U. N. COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS, 2000, nota 45, parágrafo 17)

6. Esta recomendação aceita que "a saúde é produzida, vivenciada e compreendida nos contextos social, político, histórico e econômico em que vivemos" (YAMIN, 2008YAMIN, Alicia Ely. Will We Take Suffering Seriously? Reflections on What Applying a Human Rights Framework to Health Means and Why We Should Care. Health and Human Rights 10.1 (2008): 45-63., p. 47). Enfrentar a desigualdade de gênero no campo dos cuidados de saúde exige a eliminação da discriminação contra as mulheres na economia política global da saúde, definida como as estruturas políticas e econômicas dos sistemas de cuidados de saúde que distribuem os recursos de saúde e moldam o acesso aos serviços. Como estabelece o Preâmbulo da Convenção CEDAW: "O estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional baseada na equidade e na justiça contribuirá significativamente para a promoção da igualdade entre homens e mulheres."

7. Esta recomendação reconhece que os sistemas de cuidados de saúde são instituições sociais fundamentais, e que o acesso das mulheres aos serviços no seu âmbito está vinculado às características estruturais dessas instituições. A privatização dos sistemas de cuidados de saúde continua a representar uma preocupação crescente para o acesso das mulheres aos serviços de cuidados de saúde, especificamente a comercialização, a mercantilização e a financeirização dos sistemas de saúde. Pede-se aos Estados-Partes que relatem o que fizeram para organizar todas as estruturas por meio das quais o poder público é exercido para reconectar os sistemas de cuidados de saúde à sua função pública e cuidadora, para evitar que os agentes privados distorçam os sistemas públicos de saúde e os transformem em bens privados para acumulação de riqueza, e para governar os sistemas de saúde a fim de proteger a saúde e o bem-estar das pessoas e não os interesses do mercado.

8. Esta recomendação reconhece que as reestruturações globais dos sistemas de cuidados de saúde têm implicações importantes para a carga informal da assistência à saúde na família, no lar e na comunidade, carga essa que é altamente baseada em gênero e racializada, de acordo com as normas culturais e sociais. Os Estados-Partes são chamados a garantir, especialmente em tempos de crise e insegurança econômica, que as funções de cuidado dos sistemas de saúde não sejam transferidas para o trabalho de cuidado não remunerado, subvalorizado e não reconhecido das mulheres e de outras pessoas.

9. Esta recomendação reconhece que a desigualdade de gênero no campo dos cuidados de saúde está intimamente ligada às condições estruturais da pobreza das mulheres, à insegurança econômica e à natureza do trabalho, nos termos do Artigo 11. que molda não apenas os riscos à saúde e as necessidades de cuidados das mulheres, mas também o acesso aos serviços de saúde. Os Estados-Partes são chamados a valorizar e reconhecer as diversas práticas econômicas que sustentam a vida e o bem-estar das pessoas, incluindo o acesso à saúde como uma forma de proteção social. "Os Estados Partes assegurarão às mulheres serviços adequados relacionados à gravidez, ao parto e ao período após o nascimento, concedendo serviços gratuitos quando necessário, bem como nutrição adequada durante a gravidez e a lactação" (art. 12(2)) no reconhecimento da "maternidade como uma função social" (art. 5(b)) e do valor econômico do trabalho reprodutivo das mulheres.

Referências bibliográficas

  • ABOUZAHR, Carla; WARDLAW, Tessa. Maternal Mortality at the End of a Decade: Signs of Progress? Bulletin of the World Health Organization 79.6 (2001): 561-68.
  • ANNANDALE, Ellen; WIKLUND, Maria e HAMMARSTRÖM, Anne. Theorising Women's Health and Health Inequalities: Shaping Processes of the 'Gender-Biology Nexus'. Global Health Action 11.3 (2018) 87-96.
  • ALSTON, Philip. The Historical Origins of the Concept of ‘General Comments’ in Human Rights Law. In Laurence Boisson de Chazournes; Vera Gowland-Debbas (Eds.) The International Legal System in Quest of Equity and Universality. London: Martinus Nijhoff, 2001, p. 763‒76.
  • ATREY, Shreya. Fifty Years On: The Curious Case of Intersectional Discrimination in the ICCPR, with a Postscript. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 131-152.
  • BIRN, Anne-Emanuelle; NERVI, Laura. What Matters in Health (Care) Universes: Delusions, Dilutions, and Ways towards Universal Health Justice. Globalization and Health 15.1 (2019): 1-12.
  • BREMS, Eva. Introduction: Rewriting Decisions from a Perspective of Human Rights Integration. In: Eva Brems; Ellen Desmet (Eds.) Integrated Human Rights in Practice. Cheltenham: Edward Elgar, 2017, p. 1‒27.
  • BROWNLEE, Shannon et al. Evidence for Overuse of Medical Services around the World. Lancet 390.10090 (2017): 156-68.
  • BUSS, Doris. Measurement Imperatives and Gender Politics: An Introduction. Social Politics 22.3 (2015): 381-89.
  • CAMPBELL, Meghan. Like Bird of a Feather? ICESCR and Women's Socio-economic Equality. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 153-174.
  • CHAPMAN, Audrey R. The Contributions of Human Rights to Universal Health Coverage. Health and Human Rights 18.2 (2016): 1-5.
  • CHARLESWORTH, Hilary. Feminist Methods in International Law. Studies in Transnational Legal Policy 36 (2004): 159-84, p. 159.
  • CRENSHAW, Kimberle. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscriminatory Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum 1989.1 (1989): 139-67
  • CRENSHAW, Kimberle. Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color. Stanford Law Review 43.6 (1991): 1241-99
  • DEL GOBBO, Daniel. Queer Rights Talk: The Rhetoric of Equality Rights for LGBTQ+ Peoples. In Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 68-87.
  • DOYAL, Lesley. What Makes Women Sick? Gender and the Political Economy of Health. Londres: Macmillan, 1995.
  • DOYAL, Lesley. Putting Gender into Health and Globalisation Debates: New Perspectives and Old Challenges. Third World Quarterly 23.2 (2002): 233-50.
  • FAUSTO-STERLING, Anne. The Five Sexes: Why Male and Female Are Not Enough. The Sciences 33.2 (1993): 20-24.
  • FAUSTO-STERLING, Anne. The Five Sexes, Revisited. The Sciences 40.4 (2000), 18-23.
  • FRASER, Nancy. Injustice at Intersecting Scales: On 'Social Exclusion' and the 'Global Poor'. European Journal of Social Theory 13.3 (2010): 363-71, p. 365
  • FRASER, Nancy. Social Justice in the Age of Identity Politics: Redistribution, Recognition, and Participation. In Nancy Fraser e Axel Honneth, orgs., Redistribution or Recognition? A Political-Philosophical Exchange. Londres: Verso, 2003, 7-109.
  • FREDMAN, Sandra. Challenging the Frontiers of Gender Equality: Women at Work. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 38-54.
  • GEORGE, Erika R. et al. Recognizing Women's Rights at Work: Health and Women Workers in Global Supply Chains. Berkeley Journal of International Law 35.1 (2017): 1-46.
  • GILSON, Lucy. Trust and the Development of Health Care as a Social Institution. Social Science and Medicine 56.7 (2003): 1453-68.
  • GKIOULEKA, Anna et al. Understanding the Micro and Macro Politics of Health: Inequalities, Intersectionality & Institutions-A Research Agenda. Social Science and Medicine 200 (2018): 92-98.
  • GOLDBLATT, Beth. Gender, Poverty and the Development of the Right to Social Security. International Journal of Law in Context 10.4 (2014): 460-77.
  • GUPTA, Geeta Rao et al. Gender Equality and Gender Norms: Framing the Opportunities for Health. Lancet 393.10190 (2019): 2550-62.
  • HEYMANN et al., Jody. Improving Health with Programmatic, Legal, and Policy Approaches to Reduce Gender Inequality and Change Restrictive Gender Norms. Lancet 393.10190 (2019): 2522-34.
  • HODSON, Loveday. Gender Equality Untethered? CEDAW's Contribution to Intersectionality. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 175-195.
  • HODSON, Loveday; LAVERS, Troy. Feminist Judgments in International Law: An Introduction. In Loveday Hodson e Troy Lavers (Orgs.) Feminist Judgments in International Law. Oxford: Hart, 2019, p. 3-22.
  • HOSKYNS, Catherine; RAI, Shirin M. Recasting the Global Political Economy: Counting Women's Unpaid Work. New Political Economy 12.3 (2007): 297-317.
  • HUNTER, Benjamin M.; MURRAY, Susan F. Deconstructing the Financialization of Healthcare. Development and Change 50.5 (2019): 1263-87.
  • INHORN, Marcia C.; WHITTLE, K. Lisa. Feminism Meets the 'New' Epidemiologies: Toward an Appraisal of Antifeminist Biases in Epidemiological Research on Women's Health. Social Science & Medicine 53.5 (2001): 553-67.
  • JOHNSON, Joy L.; REPTA, Robin. Sex and Gender: Beyond the Binaries. In: John L. Oliffe; Lorraine Greaves (Org.) Designing and Conducting Gender, Sex, & Health Research. Thousand Oaks: Sage, 2012. p. 17-38.
  • KAPUR, Ratna. The Tragedy of Victimization Rhetoric: Resurrecting the 'Native' Subject in International/Post-Colonial Feminist Legal Politics. Harvard Human Rights Journal 15.1 (2002): 1-38.
  • KAPUR, Ratna. The (Im)possibility of Queering International Human Rights Law. In Dianne Otto, ed., Queering International Law: Possibilities, Alliances, Complicities, Risks (Nova York: Routledge, 2018), 131‒47.
  • KOIVUSALO, Meri; SEXTON, Sarah. Gender and Commercialization of Health Care. In Jasmine Gideon (Ed.). Handbook on Gender and Health. Cheltenham: Edward Elgar, 2016. p. 298-308.
  • KRIEGER, Nancy (Ed.). Embodying Inequality: Epidemiologic Perspectives. Nova York: Routledge, 2016.
  • KRIEGER, Nancy. A Glossary for Social Epidemiology. Journal of Epidemiology & Community Health 55.10 (2001): 693-700.
  • KUHLMANN, Ellen. From Women's Health to Gender Mainstreaming and Back Again: Liking Feminist Agendas and New Governance in Healthcare. Current Sociology 57.2 (2009): 135-54, p. 144.
  • KUMAR, Ramya; BIRN, Anne-Emanuelle; MCDONOUGH, Peggy. Agenda-Setting in Women's Health: Critical Analysis of a Quarter-Century of Paradigm Shifts in International and Global Health. In: Jasmine Gideon (Ed.) Handbook on Gender and Health. Cheltenham: Edward Elgar, 2016. p. 25-44.
  • LABONTE, Ronald. Social Inclusion/Exclusion: Dancing the Dialectic. Health Promotion International 19.1 (2004): 115-21.
  • LEVESQUE, Jean-Frederic; HARRIS, Mark F.; RUSSELL, Grant. Patient-Centred Access to Health Care: Conceptualising Access at the Interface of Health Systems and Populations. International Journal for Equity in Health 12.18 (2013): 1-9.
  • LEVIT, Janet Koven. Bottom-Up International Lawmaking: Reflections on the New Haven School of International Law. Yale Journal of International Law 32 (2007): 393-420.
  • LIEBOWITZ, Debra; SWINGEL, Susanne. Gender Equality Oversimplified: Using CEDAW to Counter the Measurement Obsession. International Studies Review 16.3 (2014): 362-89
  • MARCHAND, Marianne H.; RUNYAN, Anne Sisson (Orgs.). Gender and Global Restructuring: Sightings, Sites and Resistances. 2. ed. London: Routledge, 2011.
  • MCNEILLY, Kathryn. Are Rights Out of Time? International Human Rights Law, Temporality, and Radical Social Change. Social & Legal Studies 28.6 (2019): 817-38.
  • MCNEILLY, Kathryn. After the Critique of Rights: For a Radical Democratic Theory and Practice of Human Rights. Law and Critique 27.3 (2016): 269-88.
  • MECHLEM, Kerstin. Treaty Bodies and the Interpretation of Human Rights. Vanderbilt Journal of Transnational Law 42.3 (2009): 905-47.
  • OTTERSEN, Ole Petter et al. The Political Origins of Health Inequity: Prospects for Change. Lancet 383.9917 (2014): 630-67.
  • OTTO, Dianne. Queering Gender [Identity] in International Law. Nordic Journal of Human Rights 33.4 (2015): 299-318.
  • PETCHESKY, Rosalind. Rights of the Body and Perversions of War: Sexual Rights and Wrongs Ten Years Past Beijing. International Social Science Journal 57.184 (2005): 301-18.
  • PETERSON, V. Spike. Intimacy, Informalization and Intersecting Inequalities: Tracing the Linkages. Labour and Industry 28.2 (2018): 130-45.
  • PRUITT, Lisa R. A Man's World? Challenges and Solutions as Women Take Center Stage in the Global Theater: Deconstructing CEDAW's Article 14: Naming and Explaining Rural Difference. William & Mary Journal of Women and the Law 17 (2011): 347-94.
  • QADEER, Imrana; BARU, Rama. Shrinking Spaces for the 'Public' in Contemporary Public Health. Development and Change 47.4 (2016): 760-81.
  • RAI, Shirin M.; WAYLEN, Georgina (Orgs.) New Frontiers in Feminist Political Economy. London: Routledge, 2014.
  • RAPHAEL, Dennis; BRYANT, Toba. Power, Intersectionality and the Life-Course: Identifying the Political and Economic Structures of Welfare States That Support or Threaten Health. Social Theory & Health 13.3-4 (2015): 245-66.
  • REHOF, Lars Adam. Guide to the Travaux Préparatoires of the United Nations Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women. Dordrecht: Martinus Nijhoff, 1993.
  • RISMAN, Barbara J.; DAVIS, Georginna. From Sex Roles to Gender Structure. Current Sociology Review 61.5-6 (2013): 733-55.
  • RISMAN, Barbara J. Gender as Social Structure: Theory Wrestling with Activism. Gender & Society 18.4 (2004): 429-50.
  • ROSENBLUM, Darren. Unsex CEDAW, or What's Wrong with Women's Rights. Columbia Journal of Gender and Law 20.2 (2011): 98-194.
  • SASSEN, Saskia. Women's Burden: Counter-Geographies of Globalization and the Feminization of Survival. Journal of International Affairs 53.2 (2000): 503-24.
  • SCHAFFER, Johan Karlsson. The Point of the Practice of Human Rights: International Concern or Domestic Empowerment? In: Reidar Maliks; Johan Karlsson Schaffer (Orgs.) Moral and Political Conceptions of Human Rights: Implications for Theory and Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. p. 33-57
  • SEN, Gita; GOVENDER, Veloshnee. Sexual and Reproductive Health and Rights in Changing Health Systems. Global Public Health 10.2 (2015): 228-42.
  • SHALEV, Carmel. Rights to Sexual and Reproductive Health: The ICPD and the Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women. Health and Human Rights 4.2 (2000): 38-66.
  • SIMMONS, Beth A. Mobilizing for Human Rights: International Law in Domestic Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
  • SPADE, Dean. Laws as Tactics. Columbia Journal of Gender and Law 21.2 (2011): 40-71.
  • STONE, Alison. On the Genealogy of Women: A Defence of Anti-Essentialism. In Stacy Gillis, Gillian Howie e Rebecca Munford (Orgs.) Third Wave Feminism: A Critical Exploration. 2. ed. New York: Palgrave Macmillan, 2007. p. 16-29.
  • STORENG, Katerini T. The GAVI Alliance and the 'Gates Approach' to Health System Strengthening. Global Public Health 9.8 (2014): 865-79.
  • U. N. COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS. General Comment No. 14: The right to the highest attainable standard of health (Art. 12), 22nd Sess., U.N. Doc. E/C.12/2000/4 (2000).
  • U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN. General Recommendation No. 24: Women and health, 20th Sess., 1999, U.N. Doc. A/54/38 (1999).
  • U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN. General Recommendation No. 25 on article 4, paragraph 1, of the CEDAW Convention on temporary special measures, 30th Sess., U.N. Doc. A/59/38 (2004).
  • U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN. General Recommendation No. 28: Core obligations of States parties under Article 2 of the [CEDAW Convention], 47th Sess., U.N. Doc. CEDAW/W/C/GC/28 (2010).
  • U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF DISCRIMINATION AGAINST WOMEN. General Recommendation No. 34: Rights of rural women, 56th Sess., U.N. Doc. CEDAW/C/GC/34 (2016).
  • U.N. COMMITTEE ON THE ELIMINATION OF RACIAL DISCRIMINATION. General Recommendation No. 25: Gender-related dimensions of racial discrimination, 56th Sess., U.N. Doc. A/55/18 (2000).
  • U.N. HUMAN RIGHTS COMMITTEE. General Comment No. 28: Article 3 (The equality of rights between men and women). 68th Sess., U.N. Doc CCPR/C/21/Rev.1/Add.10 (2000).
  • UNITED NATIONS. Charter of the United Nations. 1 U.N.T.S. XVI (24 October 1945).
  • UNITED NATIONS. The Beijing Declaration and Platform for Action. U.N. Doc. A/CONF.177/20 (1995).
  • UNITED NATIONS. Report of the Special Rapporteur on the right of everyone to the enjoyment of the highest attainable standard of physical and mental health, U.N. Doc. E/CN.4.2004/49 (16 February 2004).
  • UNITED NATIONS. Report of the Special Rapporteur on adequate housing as a component of the right to an adequate standard of living, and on the right to non-discrimination in this context. U.N. Doc. A/HRC/34/51 (18 January 2017).
  • CONNELL, Raewyn. Gender, Health and Theory: Conceptualizing the Issue, in Local and World Perspective. Social Science and Medicine 74.11 (2012): 1675-83.
  • UNDURRAGA, Verónica; COOK, Rebecca. "Article 12,". In: Marsha A. Freeman; Christine Chinkin; Beate Rudolf (Eds.) The UN Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women: A Commentary. Oxford: Oxford University Press, 2012. 51-70.
  • WORLD HEALTH ORGANIZATION. Closing the Gap in a Generation. Geneva: World Health Organization and Commission on Social Determinants of Health, 2008.
  • YAMIN, Alicia Ely; CONSTANTIN, Andrés. A Long and Winding Road: The Evolution of Applying Human Rights Frameworks to Health. Georgetown Journal of International Law 49 (2018): 191-239.
  • YAMIN, Alicia Ely. Will We Take Suffering Seriously? Reflections on What Applying a Human Rights Framework to Health Means and Why We Should Care. Health and Human Rights 10.1 (2008): 45-63.
  • YOUNG, Iris Marion. Gender as Seriality: Thinking About Women as a Social Collective. Signs 19.3 (1994): 713-38.
  • 1
    Uma versão em inglês desse artigo foi publicada em: ERDMAN, J.N., ASSIS, M.P.. Gender Equality in Health Care: Reenvisioning CEDAW General Recommendation 24. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 326-341. As autoras agradecem à editora do volume, professora Rebecca J. Cook e à Pennsylvania University Press por autorizarem esta tradução e publicação.
  • 2
    Ver a linguagem da igualdade "de jure" e "de facto" no parágrafo 16 da Recomendação.
  • 3
    Para uma crítica semelhante, mas com uma abordagem construtiva, ver OTTO (2015OTTO, Dianne. Queering Gender [Identity] in International Law. Nordic Journal of Human Rights 33.4 (2015): 299-318.).
  • 5
    Ver, por exemplo, U.N. HUMAN RIGHTS COMMITTEE (2000).
  • 6
    Ver DEL GOBBO (2023DEL GOBBO, Daniel. Queer Rights Talk: The Rhetoric of Equality Rights for LGBTQ+ Peoples. In Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 68-87.).
  • 7
    Ver também FRASER (2003FRASER, Nancy. Social Justice in the Age of Identity Politics: Redistribution, Recognition, and Participation. In Nancy Fraser e Axel Honneth, orgs., Redistribution or Recognition? A Political-Philosophical Exchange. Londres: Verso, 2003, 7-109.).
  • 8
    Ver também CAMPBELL (2023CAMPBELL, Meghan. Like Bird of a Feather? ICESCR and Women's Socio-economic Equality. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 153-174.).
  • 9
    Consultar FREDMAN (2023FREDMAN, Sandra. Challenging the Frontiers of Gender Equality: Women at Work. In: Cook, Rebecca J. (Ed). Frontiers of Gender Equality: Transnational Legal Perspectives. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2023. p. 38-54.).
  • 10
    Ver também KRIEGER (2016KRIEGER, Nancy (Ed.). Embodying Inequality: Epidemiologic Perspectives. Nova York: Routledge, 2016.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2023
  • Aceito
    08 Out 2023
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com