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Escola politécnica de São Paulo: produção da memória e da identidade social dos engenheiros paulistas1 1 Este artigo é resultado de pesquisas em São Paulo e Paris nos projetos Elites republicanas de Minas Gerais e São Paulo: formação, ideias e projetos - CNPq - e História e memória das instituições de ensino superior de São Paulo - Fapesp.

São Paulo polytechnic school: the production of memory and social identity of São Paulo engineers

Escuela politécnica de Sao Paulo: producción de memoria e identidad social de los ingenieros paulistas

Ecole polytechnique de Sao Paulo : production de la memoire et de l'identite sociale des ingenieurs paulistes

Neste artigo interpretam-se discursos de engenheiros e formandos, proferidos em sessões solenes da Escola Politécnica de São Paulo entre 1899 e 1910. As fontes são analisadas à luz do desenvolvimento histórico da instituição, das referências organizacionais e simbólicas que toma das congêneres europeias e das relações dos engenheiros com a sociedade. A análise do imaginário social desse agrupamento evidencia que as instituições de ensino superior são espaços de formação e sociabilidade que instituem memórias, identidades e representações sociais que, internamente cultivadas e repetidas em suas cerimônias de colação de grau, mantêm elucidativas correspondências com a condição social objetiva e as aspirações políticas da categoria profissional que se incumbem de formar.

Escola Politécnica de São Paulo; memória; história do ensino superior


In this article, speeches by engineers and graduates, delivered in formal ceremonies at the Polytechnic School of São Paulo between 1899 and 1910, are interpreted. The sources are analyzed in light of the historical development of the institution, the organizational and symbolic references that arise from similar European references, and the relations of engineers to society. The analysis of the social imaginary of this group shows that higher education institutions are places for training and sociability which establish memories, identities and social representations that, when internally fostered and later repeated at their graduation ceremonies, enlighten the objective social condition and the political aspirations of the profession that they intend to form.

Polytechnic School of São Paulo; memory; history of higher education


En este artículo se interpretan discursos de los ingenieros y estudiantes que han sido pronunciados durante las sesiones formales de la Escuela Politécnica de São Paulo entre 1899 y 1910. Las fuentes se analizan a la luz de la evolución histórica de institución, organización y referencias simbólicas que toma de sus homólogos europeos y la relación entre los profesionales de la ingeniería y la sociedad. El análisis del imaginario social de este grupo demuestra que las instituciones de educación superior se caracterizan como espacios de formación y sociabilidad que establecen identidades y representaciones sociales; este último, que cultivados durante las ceremonias de graduación, mantienen importante correspondencia con la condición social y las aspiraciones políticas de la categoría profesional que buscan establecer.

Escuela Politécnica de São Paulo; memoria; historia de la educación superior


Résumé

Dans cet article, sont interprétés les discours des ingénieurs et des élèves diplômés qui ont été proférés lors des séances formelles de l'Ecole Polytechnique de São Paulo entre 1899 et 1910. Les sources sont analysées à la lumière du développement historique de l'institution, des références organisationnelles et symboliques que cette dernière prend de ses congénères européennes et des rapports entre les professionnels d'ingénierie et la société. L'analyse de l'imaginaire social de ce rassemblement révèle que les institutions d'enseignement supérieur se caractérisent pour être des espaces de formation et de sociabilité instituant les mémoires, les identités et les représentations sociales; ces dernières, qui étant internement cultivées et reprises lors des cérémonies de remises de diplômes, maintiennent des correspondances assez significatives après la condition sociale objective et après les aspirations politiques de la catégorie professionnelle qu'elles cherchent à constituer.

École Polytechnique de São Paulo; mémoire; histoire de l'enseignement supérieur

Ao mesmo tempo transmissoras de saber e lugares de sociabilidade, as universidades produzem uma riqueza simbólica que, zelosamente compartilhada por membros e egressos, tem sido relativamente pouco explorada por historiadores. Para Charle (1997)CHARLE, Christophe. La mémoire des lieux. Sociétés Contemporaines, n. 28, 1997, p. 103-110., todavia, as universidades são lugares tão cruciais de cultivo e conservação da memória, que Nora (1984-88) não poderia tê-las dispensado da catedral que empreendeu em Les lieux de mémoire. Estimuladas por efemérides e apoiadas em políticas de restauro, organização e custódia, antigas escolas superiores de São Paulo têm oferecido um rico material memorialístico que perpetua, em palavras e imagens, um passado de personagens, tradições e mitologias que expressam muito bem o modo como se veem e como querem ser vistas e lembradas.

Afora os estudos nativos ou sob encomenda, que replicam e reforçam as crônicas institucionais e biografias ilustres, há teses acadêmicas que, no caso da Escola Politécnica de São Paulo (1893) da USP (1934), procuram objetivar a simbolização, desvendando o suposto real que se ocultaria sob os discursos2 2 Refiro-me a Kawamura (1979) e Nadai (1987) . Cerasoli (1998) diferencia-se dessas abordagens por analisar discursos e escritos, identificando os traços que caracterizam a identidade e os interesses dos engenheiros, evitando associá-los imediatamente à ideologia burguesa. . Anunciadas como dialéticas, denunciam as representações dos engenheiros como falsificações para fins práticos e as reduzem aos interesses econômicos da classe social a que supostamente servem. Seu "discurso liberal" (Nadai, 1981, p. 13NADAI, Elza. Ideologia do progresso e ensino superior (São Paulo 1891-1934). São Paulo: Loyola, 1987.) responderia, assim, ao ajuste pela burguesia de seu poder econômico para o controle político e ideológico. O engenheiro seria, assim, um "intelectual orgânico" (Kawamura, 1979, p. 14KAWAMURA, Lili Katsuko Engenheiro trabalho e ideologia. São Paulo: Ática, 1979.) preposto à burguesia e limitado pelas condições estruturais que, até seu telos na fase industrial monopolista do capitalismo, constrangem a categoria.

Como a oposição entre o saber técnico-científico e o bacharelesco é tratada como "falsa questão", já que "no interior de uma divisão de esferas de poder e competências [...] [ambos] eficientemente se harmonizam como instrumento de controle da sociedade civil" (Janotti apud Nadai, 1987, p. 8NADAI, Elza. Ideologia do progresso e ensino superior (São Paulo 1891-1934). São Paulo: Loyola, 1987.), a tais estudos são indiferentes os processos de produção e sedimentação de identidades mediante os quais profissionais de escolaridade superior pleiteiam, contra os "práticos", lugares no mercado de trabalho e, contra outros grupos de elite, posições na burocracia e na política. Ainda que na pragmática política esta indiferença seja defensável, já que a resultante seria o controle das classes dominadas, do ponto de vista historiográfico a distinção é relevante. É plausível supor que um Estado coordene suas políticas conforme valores e prioridades orientados por grupos circunstancialmente influentes, como os médicos, que representam a sociedade como um organismo doente; os advogados, fiadores do estado de direito; os engenheiros, para quem o progresso e o trabalho são panaceias neutras para o bem estar geral3 3 Não por acaso, os que realizaram a passagem para a elite política são gratos às instituições que os prepararam. Paulo Maluf (1995, p. 22) , ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, declarou: "a passagem pela Escola Politécnica marcou a minha vida, não apenas em termos de formação profissional e formação de caráter, mas sobretudo por adquirir uma visão de mundo e dos problemas brasileiros a partir de um enfoque técnico, que com o tempo tornou-se base de minha carreira política". .

Projetar em grupos distintos e concorrentes uma identidade comum e um mesmo interesse faria supor que as finalidades últimas de uma classe produziriam a convergência, similaridade ou equivalência das "categorias sociais" (Kawamura, 1979, p. 11KAWAMURA, Lili Katsuko Engenheiro trabalho e ideologia. São Paulo: Ática, 1979.) nas quais ela se espraia. Por meio de separação, diferenciação e leitura diacrônica, entretanto, pode-se investigar como cada grupo social se apresenta em lutas concorrenciais, mediante as específicas práticas e representações que incorpora (Chartier, 1990CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 2002.). Ao aproximar-se dos indivíduos, antes de determinar-lhes as classes às quais pertencem, pode-se mostrar que mesmo "as palavras empregadas para designar os grupos, classificar os indivíduos, estabelecer hierarquias etc., não têm um valor em si, mas somente segundo o momento e o lugar em que foram empregadas" (Charle, 1993, p. 53CHARLE, Christophe. Micro-histoire social et macro-histoire sociale: quelques réflexions sur les effets des changements de méthode depuis quinze ans en histoire sociale. In: Histoire sociale, histoire globale? Actes du colloque des 27-28 janvier 1989. Paris. Fondation de la Maison des Sciences de l'Homme, 1993, p. 45-53.).

Em contraponto aos estudos que se ocupam de identificar as posições sociais e o pensamento dos engenheiros no quadro das relações sociais essenciais do capitalismo, procuro descrever e interpretar os discursos e imagens que, alimentados e repetidos em sua instituição de formação, compõem o imaginário social, sustentam a identidade e dão sentido à missão da Escola Politécnica de São Paulo - Poli -, articulando-os a fatores externos que os afetam e que desvendam os interesses da categoria, as hierarquias sociais e os mecanismos dinâmicos de produção de memórias e identidades institucionais e profissionais.

Entre esses fatores estão o processo de regulamentação da profissão e de sua corporação, o plano geral e a estrutura da escola, as matrizes de referência organizacional e simbólica, os repertórios e acontecimentos manifestos em discursos. Pautado na hipótese de Sevcenko (2003, p. 28) SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Cia. das Letras, 1993., de que "a palavra organizada em discurso incorpora [...] toda sorte de hierarquias e enquadramentos de valor instrínseco às estruturas sociais de que emanam", mergulho nos discursos para investigar sua homologia com a construção do engenheiro como ser social, que passa, necessariamente, pela produção simbólica de seu nicho de formação, sociabilidade e credenciamento: a escola superior.

Para o inventário e análise do que pensavam e diziam os engenheiros da Poli recorri aos discursos de paraninfos e oradores nas sessões de formatura entre 1899 e 19104 4 Os discursos estão nos Anuários da Escola Politécnica, iniciados em 1899. Não foram publicados os discursos das turmas de 1911 e 1912 e não foram editados anuários em 1904, 1913 a 1931 e 1939 a 1945. O último volume foi publicado em 1947. . Por serem eventos performáticos e ritualísticos, nos quais se proclama a iniciação dos egressos na vida profissional, essas celebrações típicas das comunidades escolares são ricas em atos e falas que indicam como esses grupos se representam e representam a instituição, a história, a sociedade, sua missão e destino. Nas formaturas, como afirmou Fernando de Azevedo (s.d., p. 53) AZEVEDO, Fernando de. A missão da universidade. In: AZEVEDO, Fernando de A educação e seus problemas. Tomo I. São Paulo: Melhoramentos, s/d, p. 53-71., "há um instinto profundo de solidariedade humana e um nobre senso de continuidade", além de "qualquer coisa de religioso nas homenagens que se prestam aos mestres e nas despedidas que se dão aos discípulos":

A tradição de se investirem os estudantes a um de seus mestres a missão de os acompanhar, no ato de sua formatura, nasceu, com efeito, e se alimenta nas fontes vivas dessa solidariedade moral que liga, como os elos de uma cadeia, os mestres aos discípulos; os mestres de ontem aos de hoje, e os de hoje aos de amanhã; as gerações extintas que palpitam em nós às novas gerações em que vivemos e que levam para a vida, com a nossa experiência, toda a riqueza dos sonhos que não realizamos. (Azevedo, s.d., p. 53)

As colações de grau integram de modo tão indissociável a vida das instituições de ensino que, como suas congêneres, a Poli estabeleceu em atos oficiais os espaços e tempos a elas destinados. O primero regulamento (São Paulo, 1893, p. 7.910SÃO PAULO (ESTADO). Lei n. 191, de 24 de agosto de 1893. In:, Diario Official 7 de setembro de 1893, p.7.897-7.910.), define que deveria haver "um salão especial para o ato solene de formatura" e, para a preservação da memória, um "Pantheon", significativo nome de "uma sala destinada aos retratos ou fotografias dos alunos que terminarem os seus cursos e mais se houverem distinguido por seu talento, aplicação e procedimento". As solenidades eram seguidas de uma missa em ação de graças e a Poli registrava em anuários suas atas e discursos. Antes, porém, de adentrar o recinto de solenidades, retrocedo às condições que tornaram possível a criação da instituição incubadora dos engenheiros de São Paulo.

Os cursos jurídicos surgiram em São Paulo e em Olinda no Primeiro Império, tendo em vista a formação de "homens hábeis para serem um dia sábios Magistrados, e peritos Advogados, de que tanto se carece; e outros que possam vir a ser dignos Deputados e Senadores, e aptos para ocuparem cargos diplomáticos, e mais empregos do Estado" (Brasil, 1827BRASIL. Projeto de regulamento ou estatutos para o Curso Jurídico creado pelo Decreto de 9 de janeiro de 1825, organizado pelo Conselheiro de Estado Visconde da Cachoeira, e mandado observar provisoriamente nos cursos jurídicos de S. Paulo e Olinda pelo art. 10 desta lei. [1827]. In: MOTA, Carlos G (coord.). Os juristas na formação do estado-nação brasileiro. Vol. I. Século XVI a 1850. São Paulo: Quartier Latin, 2006.). Ao longo do Império os bacharéis tornaram-se "os principais interlocutores e mediadores da representação jurídico-política da ordem social competitiva na sociedade brasileira", figuras destacadas de um "Estado de magistrados" (Adorno, 1988, p. 6; p. 92ADORNO, Sérgio. Aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1988.) e relevantes, numérica e qualitativamente, da elite política (Carvalho, 1981CARVALHO, José Murilo de A construção da ordem a elite política imperial. Brasília: UNB, 1981.). Como aponta Miceli (1979) MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-45). São Paulo: Difel, 1979., passar pelas arcadas era como um estágio pelo qual os economicamente privilegiados acorriam às carreiras dirigentes, mas a tradicional e quase automática conversão do estudante de direito a membro da classe política começaria a se alterar a partir do final do século 19.

No que respeita à formação e ao mercado de diplomas, desencadeia o poder central um processo de recomposição e diferenciação do ensino superior, reagindo às demandas pelo preparo escolar necessário para o desempenho de funções em burocracias públicas e privadas e para a manutenção de ganhos familiares em vista das oscilações de uma economia dependente do mercado mundial (Cunha, 2007CUNHA, Luiz A. Ensino superior e universidade no Brasil. In: LOPES, Eliana M. T. et al. (org). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 151-204.). A facilitação do acesso ao ensino superior resulta das mudanças nas condições de admissão e da multiplicação das faculdades, em medidas sucessivas do governo federal, dentre as quais a equiparação dos estabelecimentos de ensino secundário e superior respectivamente ao Colégio Pedro II e às faculdades mantidas pelo governo federal5 5 A equiparação permitia aos ginásios estaduais organizados como cursos regulares e seriados que tivessem a prerrogativa de garantir acesso a qualquer instituição de ensino superior, sem a necessidade de exames (Kulesza, 2011). Em 1901, ela se estende aos particulares (Cunha, 2007). Quanto às faculdades, mediante modelagem dos currículos conforme as federais e submissão à fiscalização, poderiam outorgar diplomas que garantissem "o privilégio do exercício das profissões regulamentadas em lei" (Cunha, 2007, p. 158). e a extinção do monopólio do poder público na área do ensino jurídico. Essas medidas permitiram a disseminação de escolas superiores, tendo sido criados, de 1891 a 1910, 27 estabelecimentos: nove de Medicina, Obstetrícia e Farmácia; oito de Direito; quatro de Engenharia; três de Economia e três de Agronomia (Miceli, 1979MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-45). São Paulo: Difel, 1979.; Cunha, 2007CUNHA, Luiz A. Ensino superior e universidade no Brasil. In: LOPES, Eliana M. T. et al. (org). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 151-204.)6 6 Seguiram-se críticas e resistências que determinaram as reformas de ensino de 1911 e 1915, alterando dispositivos de uniformização e controle desencadeados em 1891. Todavia, até a reforma de 1925, que intensificou o rigor dos vestibulares e adotou o numerus clausus, prosseguiu a expansão do ensino superior em estabelecimentos e alunos. .

Em São Paulo, a Escola Politécnica (1893), a Escola de Engenharia do Mackenzie (1896), a Escola Superior de Agricultura (1901), as escolas de comércio do Mackenzie (1890) e Álvares Penteado (1902), a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1912) passaram a receber jovens em busca de profissões rentáveis e circunscritas à parcela escolarizada da população, procurando a reconversão de capital escolar em vista de aspirações maiores, dada a intimidade entre "doutores", burocracia e classe política no país. Nos anos seguintes, a inflação de diplomas projetaria suas sombras sobre as arcadas, "celeiro que supria a demanda de elementos treinados e aptos a assumir os postos parlamentares e os cargos de cúpula dos órgãos administrativos, além de contribuir com o pessoal especializado para as demais burocracias, o magistério superior e a magistratura." (Miceli, 1979, p. 35MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-45). São Paulo: Difel, 1979.). Na virada do século, a Poli anunciava sua pretensão de formar uma nova categoria de homens escolarizados mas, desta feita, preparados para a vida prática.

Segundo Alves (1996) ALVES, Isidoro D. Modelo politécnico, produção de saberes e formação do campo científico no Brasil. In: HAMBURGUER, A. et al. (org). A ciência nas relações Brasil-França (1850-1950) . São Paulo: Edusp, 1996, p. 65-75., as escolas politécnicas desempenham papel fundamental na legitimação do engenheiro, pelo cultivo e transmissão do saber científico e pela conferência de um diploma oficial, pelo qual o Estado reconhece e atesta a competência que assegura monopólios e privilégios profissionais. Em seus programas cumprem com a formação de especialistas para constituir "uma categoria sociologicamente consistente e que pudesse servir como instância identificadora" (Alves, 1996, p. 68ALVES, Isidoro D. Modelo politécnico, produção de saberes e formação do campo científico no Brasil. In: HAMBURGUER, A. et al. (org). A ciência nas relações Brasil-França (1850-1950) . São Paulo: Edusp, 1996, p. 65-75.). Assim como na Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896), vários institutos aparecem como matrizes para a organização inicialda Poli, tendo em comum "a defesa do lugar central da técnica - e do aprendizado técnico - na formação profissional, e a refutação da orientação tipicamente 'literária' e jurídica do ensino básico e superior na tradição luso-brasileira" (Heinz, 2009, p. 267HEINZ, Flávio M Positivistas e republicanos: os professores da Escola de Engenharia de Porto Alegre entre a atividade política e a administração pública (1896-1930) . Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 29, n. 58, 2009, p. 263-289.).

A Poli teria sido inspirada na experiência de Antônio Francisco de Paula Souza (1843-1917), seu fundador e primeiro diretor, em estabelecimentos de ensino técnico que conjugavam teoria e prática na formação de homens para enfrentar e resolver problemas reais. Nomeadamente, suas matrizes foram as escolas de Zurique e Karlsruhe, forjadas no modelo da École Polytechnique de Paris (1795), cuja missão original era formar alunos para os variados serviços de engenharia e para o livre exercício das profissões que demandassem conhecimentos matemáticos e físicos (École, 1993ÉCOLE, POLYTECHNIQUE. Notice d'information. Le Bicentennaire 1794-1994. Paris: École Polytechnique, 1993.)7 7 Na França a Convenção abolira as universidades em 1793. As escolas especiais, como a École de Ponts et Chaussés e a École des Mines, tornaram-se escolas de aplicação da École Centraux des Travaux Publics, depois École Polytechnique (Charle; Verger, 2012). . No projeto de lei que criaria o Instituto Polytechnico de São Paulo, dá-se ênfase à atividade industrial e ao ensino teórico e prático, aproximando-o mais das matrizes germânicas do que da francesa e revelando sua aplicabilidade na instrução da lei n. 26, que recomendava que a escola de engenharia fosse instalada na cidade "cujo desenvolvimento industrial for mais favorável à instrução prática dos alunos" (São Paulo, 1892, p. 2.887SÃO PAULO (ESTADO). Lei n. 26, de 11 de maio de 1892. In: Diario Official, 17 de maio de 1892, p.2.887.).

Segundo Mayer (1987, p. 249) MAYER, Arno J A força da tradição a persistência do Antigo Regime. São Paulo: Cia. das Letras, 1987., tendo as escolas secundárias e universidades europeias "quase congelado seus currículos tradicionais" no início do século 19, institutos foram fundados para dar espaço às ciências aplicadas e aos estudos e profissões práticas, diante das demandas de especialistas para uma burocracia centralizada. Na França, as grandes écoles - École Polytechnique, École de Ponts et Chaussées, École des Mines -, que proporcionavam ensino e graus práticos, não eram escolas de elite em termos de origens sociais dos estudantes, natureza curricular e destinação, embora contribuíssem para a elevação do prestígio individual em uma sociedade "protoburguesa" (Mayer, 1987, p. 258MAYER, Arno J A força da tradição a persistência do Antigo Regime. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.).

Na Alemanha o desafio da rápida industrialização acelerou, diante do classicismo e antimodernismo das universidades, o desenvolvimento de um sistema de institutos de ensino técnico e profissional do qual faziam parte as technische Hochschule, pioneiras no ensino profissional das ciências aplicadas e da engenharia. Elas "forneciam uma saída para os talentos de estudantes oriundos de escolas secundárias não-clássicas" (Ringer, 2000, p. 42RINGER, Fritz K O declínio dos mandarins alemães a comunidade acadêmica alemã 1890-1933. São Paulo: Edusp, 2000 .), mas permaneceram, apesar da crescente importância funcional e numérica, em inferioridade acadêmica e social perante as universidades, tendo obtido o direito de conceder o título de doutor apenas no final do século 19 (Mayer, 1987MAYER, Arno J A força da tradição a persistência do Antigo Regime. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.; Ringer, 2000RINGER, Fritz K O declínio dos mandarins alemães a comunidade acadêmica alemã 1890-1933. São Paulo: Edusp, 2000 .). A Poli, a exemplo das europeias, tinha como objetivo suprir os estudantes com conhecimentos práticos e científicos, a fim de formá-los para o serviço da pátria. Não constava, explicitamente, entre suas finalidades a formação de elites, embora, como aponta Ficher (2005) FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo. São Paulo: Fapesp: Edusp, 2005., a escola já tenha nascido ligada aos agentes e agências vinculados à administração pública, sendo custeada e oficializada pelo poder estadual.

A lei n. 26, de 1892, autorizava o governo a criar "uma escola de engenharia, destinada a formar engenheiros práticos, construtores e condutores de máquinas, mestres de oficinas e diretores de indústrias". A lei n. 64, que criava o Instituto Polytechnico, definia-o como "escola superior de matemáticas e ciências aplicadas às artes e industrias", a oferecer "cursos especiais de engenharia civil, engenharia mecânica, arquitetura, química aplicada às indústrias, agricultura e ciências matemáticas e naturais", além de um ensino preliminar, concentrado nas matérias que, pela lei anterior, seriam exigidas para o ingresso na escola de engenharia. Em 1893, a Poli surgiu como "escola preparatória" para os cursos superiores que seriam nela ministrados, seguindo o padrão dos institutos politécnicos germânicos (Ficher, 2005FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo. São Paulo: Fapesp: Edusp, 2005.) e, ao que parece, contornando as dificuldades dos estudantes brasileiros nas matemáticas e nas ciências, dada a insuficiência dessas matérias nos currículos dos cursos secundários.

A Poli projeta, em sua criação, a expectativa de formar duas categorias profissionais: nos cursos especiais, engenheiros civis, arquitetos, agrônomos e industriais; nos cursos fundamentais, engenheiros geógrafos, condutores de trabalho, agrimensores, topógrafos, mecânicos, maquinistas e contadores. Seu segundo regulamento, de 1894, incluiu o curso especial de engenheiro-arquiteto e definiu sua dependência, assim como os de civil e industrial, ao curso fundamental, e permitiu que o título de contador fosse obtido mediante conclusão do preliminar; o de engenheiro geógrafo, pela conclusão do curso fundamental e o de agrimensor, pela adição de algumas cadeiras do curso geral às do preliminar (Ficher, 2005FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo. São Paulo: Fapesp: Edusp, 2005.). A Poli se organizava para formar, em cursos longos, projetistas e construtores para posições superiores e de maior prestígio e, em cursos mais breves, seus auxiliares, atendendo assim à demanda de empregos secundários.

Na legislação transparece a filantropia liberal em matéria de instrução popular, fazendo crer que a Poli poderia atender também aos "desfavorecidos". A lei n. 26 por exemplo, fixava o auxílio a "alunos pobres de reconhecido merecimento" e, em 1893, o regulamento estipulava a admissão gratuita nos cursos de engenharia agrícola e de artes mecânicas de até vinte alunos pobres e, nos demais, de até dez alunos, escolhidos dentre os mais bem classificados nos exames de admissão. Isto implicava a aprovação em provas escritas e orais de língua portuguesa, geografia, noções de cosmografia e história geral; historia do Brasil; aritmética, álgebra, desenho e geometria elementares, saberes que mal eram dominados pelos jovens que tinham acesso aos ginásios8 8 O ensino secundário era restrito aos que podiam pagá-lo, pois nem mesmo os ginásios públicos eram isentos de taxas, selos e contribuições. Como a União cuidava de manter o padrão do Colégio Pedro II e validar certificados para o ingresso em faculdades e não de expandir a oferta de vagas em estabelecimentos oficiais, o secundário permaneceu por muito tempo entregue à iniciativa privada. . Não por acaso, sem ter matriculados, o curso de artes mecânicas foi extinto no ano seguinte à fundação9 9 Em contrapartida, orientada pela máxima comtiana de promover a "incorporação do proletariado à sociedade", a Escola de Engenharia de Porto Alegre criou um instituto para meninos pobres, com ensino gratuito de artes mecânicas, gráficas, de edificações, marcenaria e carpintaria. A partir deste, toda uma rede de ensino técnico e profissional foi sendo instalada, de modo que ao final da década de 1910 os cursos superiores representavam "uma parte menor, embora muito prestigiosa" da instituição (Heinz, 2009, p. 268). .

Em defesa da criação do Instituto Polytechnico, Paula Souza justificava sua necessidade pelo fato de que os que adquiriam escolaridade superior não tinham interesse pelos empregos secundários da indústria, imprescindíveis ao progresso nacional. Ao longo de seu desenvolvimento, porém, a Poli definiu-se como instituição de nível superior, exclusivamente, deixando aos egressos do Liceu de Artes e Ofícios "uma posição subalterna de mão de obra especializada a serviço das firmas construtoras de propriedade dos politécnicos e dos mackenzistas" (Ficher, 2005FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo. São Paulo: Fapesp: Edusp, 2005.)10 10Ficher (2005) adiciona que a Escola de Engenharia do Mackenzie não tinha status semelhante ao da escola oficial, cujos graduados tinham preeminência no mercado de trabalho e nas entidades da categoria. . Culminando um processo iniciado com as extinções dos cursos de engenheiro geográfo, em 1902, e de mecânico, em 1908 (Cerasoli, 1998CERASOLI, Josianne F. A grande cruzada: os engenheiros e as engenharias de poder na Primeira República. Campinas: Unicamp, 1998. 265f. Dissertação (mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de Campinas.), a Poli encerrou, em 1911, logo depois de fundadas as escolas profissionais de nível pós-primário em São Paulo, todos os cursos de segunda divisão11 11 Os cursos de primeira e segunda divisão foram instituídos pelo 3º regulamento, em 1897. Correspondiam à primeira divisão os cursos de engenheiro civil, industrial, agrônomo e arquiteto. À segunda, os de mecânicos, condutores de trabalhos, agrimensores, maquinistas e contadores (Santos, 1985). . De acordo com o ex-diretor Fonseca Telles (apud Motoyama; Nagamine, 2004, p. 53) MOTOYAMA, Shozo; NAGAMINE, Marilda. Escola Politécnica, 110 anos construindo o futuro. São Paulo: Edusp, 2004., a extinção desses cursos, que até 1907 haviam formado mais de 400 alunos, justificava-se pelo fato de a experiência ter provado que "o ensino da engenharia e a formação de condutores de trabalhos são coisas tão diversas que sua aproximação se torna prejudicial".

Marcas de diferenciação social já se faziam presentes, todavia, nos artigos do primeiro regulamento que tratam da conferência de títulos: enquanto os de engenheiro civil, industrial ou agronômo deveriam ser conferidos "em sessão pública da congregação, em dia marcado para esse fim, com a maior solenidade, na forma do programa especial por ela aprovado" (São Paulo, 1893, p. 7.910SÃO PAULO (ESTADO). Lei n. 191, de 24 de agosto de 1893. In:, Diario Official 7 de setembro de 1893, p.7.897-7.910.), os diplomas de agrimensor e mecânico seriam conferidos sem a necessidade de cerimônia pública ou programa especial, em presença apenas do diretor da escola e de uma comissão da congregação. As cerimônias públicas de formatura destinavam-se, portanto, à consagração dos concluintes dos cursos especiais, diante dos quais os discursos em pauta foram proferidos.

"Sêde bons e uteis, não vos esqueçais de que a família e a pátria contam convosco."

Nos discursos de formatura da Poli figuram as imagens de uma escola e de um corpo profissional votados ao progresso pelo domínio da ciência positiva e da técnica, a defesa do industrialismo e a ênfase na formação do caráter do alunado. Tomando a tipologia com que Barros (1959, p. 114) BARROS, Roque Spencer, M A ilustração brasileira e a ideia de universidade. São Paulo: Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, 1959.classifica as "mentalidades" dos ilustrados brasileiros entre os anos 1870 e 1889, pode-se dizer que o "cientificismo" era dominante entre os politécnicos paulistas: eles têm a plena consciência de que "os ideais, os valores, decorrem sempre do real, do ser, quer o saibamos, quer o ignoremos". Segundo o autor, caracterizaria o "cientificismo do século 19" a crença de que o conhecimento é a fonte da conduta, que a história se incorpora à natureza e que a "filosofia científica" constitui uma "dinâmica social", de vez que o problema humano vem a ser o seu desenvolvimento.

A Poli é definida por seus professores e alunos como instituição de "orientação puramente positiva, escudada no único lema verdadeiramente científico, o da indução e dedução, baseados na observação e experiência; tendo em vista concorrer para o bem-estar da Humanidade" (Escola, 1903, p. 158 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulopara o anno de 1903. São Paulo: Typographia do Diário Oficial, 1903.). Para o professor Ataliba Valle, "é este o caráter de nossa escola, nela o estudo prático é feito, generalizando-se os métodos de aplicação e estabelecendo-se as relações dos fatos entre si, de causalidade e analogia ou das leis dos fenômenos naturais" (Escola, 1905, p. 140 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1905. São Paulo: Typographia do Diário Oficial, 1905.). O professor Álvaro de Menezes ressalta que no caráter científico reside o diferencial da escola, relacionado diretamente a suas finalidades:

A Escola Politécnica de S. Paulo não tem como objetivo formar doutores da ciência; ela tem em mira preparar elementos que possam eficazmente reagir contra o atual estado de dependência agrícola e industrial, e portanto financeira e econômica, em que jaz a nossa Pátria. Ela, como as outras escolas técnicas, suas congêneres, será a oficina onde se forjarão as armas que nos libertem do estado em que jazemos, de tributários das grandes nações industriais. (Escola, 1902, p. 202)

O orador de sua turma, Gabriel Pentado, apresenta um quadro simplificado do povo brasileiro a fim de definir de que lado os engenheiros se encontravam:

O povo brasileiro se divide em dois grandes grupos: aquele que tem desenvolvimento intelectual mais ou menos considerado e que trata da política [...] e o outro grupo que trata do aproveitamento da natureza - fonte de toda a riqueza, símbolo de toda a civilização. (Escola, 1902, p. 206)

Do lado oposto aos "doutores da ciência" (Escola, 1902, p. 202 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulopara o anno de 1902. São Paulo: Typographia Brazil, 1902.), mais inclinado à política, ao serviço público e, nos piores casos, à sinecura e ao parasitismo, o verdadeiro engenheiro surge, segundo Paula Souza, como aquele que sabe "utilizar todas as forças da natureza em proveito do bem estar e engrandecimento da sociedade" (Escola, 1902, p. 211 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulopara o anno de 1902. São Paulo: Typographia Brazil, 1902.). Atuando "em proveito da felicidade e bem estar da sociedade em que vive" (Escola, 1901, p. 294 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulopara o anno de 1901. São Paulo: Typographia Brazil, 1901.), é capaz de orientar "as forças cegas da natureza na direção do melhor efeito útil, na direção do progresso" (Escola, 1908, p. 80 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1908. São Paulo: Typographia Brazil, 1908.). O diretor é taxativo quanto ao papel do engenheiro na história e sua missão no futuro da humanidade:

E, de fato, é por intermédio da classe dos Engenheiros e graças às suas investigações e experiências constantes que grande número de novos pontos de vista foram introduzidos nas ciências. A ação dessa classe, durante o século que findou, foi progressivamente aumentando e tornou-se finalmente preponderante não só porque encurtou distâncias, transformou por completo as indústrias aproveitando-se do calor, e subjugou a eletricidade [...], também porque com suas constantes aplicações dos princípios científicos e suas experiências grandemente concorreu para consolidar as bases em que assenta a ciência moderna e para promover o seu desenvolvimento. Em novo século sua influência será ainda muito maior. É da atividade, saber e inteligência dos Engenheiros que dependerão o progresso e o engrandecimento das nações. (Escola, 1902, p. 210).

A conduta e os valores dos engenheiros decorrem, portanto, não só da posse do conhecimento científico, mas do conhecimento filosófico e histórico, pelo qual se pode identificar o progressivo benefício da ciência e da técnica e derivar das leis naturais uma dinâmica social que conduziria a humanidade ao progresso: prever para prover. No panteão de valores destaca-se o apreço ao trabalho, "amigo sincero" do engenheiro, "instrumento de fraternidade", "elemento de paz e de amor" (Escola, 1908, p. 77 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1908. São Paulo: Typographia Brazil, 1908.) e à disciplina. Com frequência e ênfase aparecem referências às largas perspectivas de trabalho e realizações para o progresso, desde que se trabalhe com afinco, fazendo uso do conhecimento e do caráter transmitidos pelas lições e pelo exemplo dos mestres.

Na Poli, o mestre por excelência é justamente o idealizador, fundador e primeiro diretor da escola, que, por ter permanecido no cargo de 1893 a 1917, esteve presente em todas as cerimônias consideradas. A produção da imagem de Paula Souza como paradigma do engenheiro paulista começa imediatamente após a sua morte, com a renomeação do Gabinete de Resistência de Materiais para Gabinete Paula Souza; a fundação, pelo Grêmio Politécnico, da Escola Noturna Paula Souza; a publicação, em 1918, de sua biografia em número extraordinário da Revista Politécnica. Composta com dados recolhidos junto à família, essa biografia apresenta o diretor como filho de família oligárquica, mas defensor do fim da escravidão; formado em colégios e escolas superiores no exterior, mas preocupado com o destino de seu país. Também teria-se destacado como exímio profissional, administrador público e político, defensor de uma convicta visão do engenheiro e de seu trabalho como fundamentais para o progresso da nação.

Paula Souza, cujo avô paterno fora deputado, senador e ministro do Primeiro Império e o pai, fazendeiro, deputado provincial e geral e ministro do Segundo Império, desenvolveu sua própria carreira política, tendo sido deputado estadual e presidente da Câmara de São Paulo, além de ministro das Relações Exteriores e da Agricultura. Como professor e diretor, sua atuação é tida como brilhante, marcada por empenho pessoal, austeridade e amor pelo trabalho e, assim como Gaspard Monge, da École Polytechnique de Paris, é venerado como "pai, diretor, professor, protetor, benfeitor" (Callot et al., 1993, p. 61CALLOT, Jean-Pierre; CAMUS, Michel; ESAMBERT, Bernard; BOUTTES, Jacques. Histoire et prospective de l'École Polytechnique. Paris-Limoges: Lavauzelle, 1993.). A imagem paradigmática de Paula Souza, fixada no busto entregue no aniversário de 20 anos da escola e que orna a sede, estende-se no tempo e em seus significados. Em livro comemorativo, Nagamine e Motoyama (2004, p. 15) MOTOYAMA, Shozo; NAGAMINE, Marilda. Escola Politécnica, 110 anos construindo o futuro. São Paulo: Edusp, 2004. o designam como digno representante do "espírito paulista" "empreendedor", "autonomista" e "afinado com a mentalidade capitalista". Replicada em outras edições festivas (Samara, 2003SAMARA, Eni de M Diretores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo vidas dedicadas a uma instituição. São Paulo: Edusp, 2003.;Piqueira, 2013PIQUEIRA, José R Castilho (coord.). Fazendo história. São Paulo: Riemma, 2013.), a própria biografia tornou-se um paradigma para as histórias de vida de seus sucessores na direção da casa.

Ecos do comtismo ressoam, como no discurso do engenheirando Isaac Pereira Garcez (Escola, 1910, p. 218 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1910. São Paulo: Typographia Brazil, 1910.), que, apoiado em Luiz Pereira Barreto narra a evolução geral do espírito humano, do estágio teológico ao positivo. De toda a doutrina de Comte é sua filosofia da história a parte mais estimada e repetida, não só entre matemáticos e engenheiros, mas entre os ilustrados brasileiros de variada formação e especialidade. Em razão da intensa divulgação da "lei dos três estados" nos estratos intelectualizados de São Paulo finissecular, formou-se em torno dela um verdadeiro "clima de opinião pública esclarecida" (Monarcha, 1999, p. 153MONARCHA, Carlos. Escola Normal da Praça: o lado noturno das luzes. Campinas: Unicamp, 1999.). Os colaboradores doAlmanach Litterario de São Paulo, por exemplo, majoritariamente bacharéis, manejam-na com naturalidade, a ponto de Ribeiro de Mendonça advertir, em ensaio escrito em 1880, que não pretendia "acompanhar as sociedades através da marcha progressiva do desenvolvimento até a conquista de uma síntese definitiva; a lei que preside a essa evolução é já bastante conhecida para que tenhamos necessidade de expô-la." (Almanach..., 1884, p. 19 ALMANACH, LITTERÁRIO DE SÃO PAULO para o anno de 1883. São Paulo: Typographia da Provincia, 1884.).

Os traços do positivismo nas falas de professores e alunos da Poli são adornos que indicam a expectativa de reconhecimento da posse de um repertório erudito compartilhado, não correspondendo ao positivismo social (Bosi, 2004, p.47BOSI, Alfredo. O positivismo no Brasil: uma ideologia de longa duração. In: PERRONE-MOISÉS, Leyla. Do positivismo à desconstrução: idéias francesas na América. São Paulo: Edusp, 2004, p. 17-47.) então sustentado por apostólicos e caudilhistas. Quanto à mudança de atitude com relação ao estudo das ciências, marcada na orientação de seu plano e finalidades originais, pode-se afirmar, assim como Carvalho (1978) CARVALHO, José Murilo de A Escola de Minas de Ouro Preto o peso da glória.São Paulo: Editora Nacional/Rio de Janeiro: Finep, 1978. aponta com relação à Escola de Minas de Ouro Preto, que a Poli não deve tanto ao positivismo quanto a Escola Militar e a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

O mentor do plano geral da escola, Paula Souza, poderia ser classificado como cientificista, jamais como positivista. Desde suas primeiras aparições literárias, manifestou admiração pelo "espírito industrial e comercial" dos norteamericanos, que no Brasil poderia ser atingido com "o tempo, a atividade incansável dos bons cidadãos, a maior difusão da instrução por toda a parte e em todas as camadas sociais, e principalmente a descentralização completa, isto é um regime democrático puro, que poderá de alguma maneira encaminhar-nos pela vereda certa do progresso e engrandecimento da pátria" (Paula Souza, 1876, p. 37SOUZA, Antônio F de Paula. Esboço rapido de algumas de nossas industrias comparadas às dos Estados-Unidos . In ALMANACH LITTERARIO DE SÃO PAULO para o anno de 1876.São Paulo: Imprensa Oficial, 1982. (fac-similar).). Admirador do struggle for life e avesso às ditaduras, Paula Souza era liberal, federalista e republicano, desde a primeira hora engajado no Partido Republicano Paulista, como os positivistas, cultuava a razão fundada na ciência, mas não pregava a solidariedade entre as classes e a benemerência para com os proletários, instrínsecas ao pensamento social comtiano (Bosi, 2004BOSI, Alfredo. O positivismo no Brasil: uma ideologia de longa duração. In: PERRONE-MOISÉS, Leyla. Do positivismo à desconstrução: idéias francesas na América. São Paulo: Edusp, 2004, p. 17-47.).

Diante de um reconhecido positivista, aliás, Paula Souza viu-se obrigado a defender a proposta de criação do Instituto Polytecnhico de São Paulo da acusação de ter um caráter classista e seletivo, deixando transparecer sua desconsideração quanto à existência de classes e, mais propriamente, do proletariado. Na terceira discussão de seu projeto no Congresso Legislativo, o deputado Gabriel Prestes, normalista, professor e membro da comissão de instrução pública, defendeu que diante do analfabetismo generalizado o Estado deveria priorizar a profusão de escolas primárias e a criação de escolas normais, em vez de criar escolas superiores. Para Prestes, em vista da falta de meios econômicos e intelectuais da classe proletária, a instituição haveria de ser frequentada pelos "favorecidos da fortuna" (apud Santos, 1985, p. 536SANTOS, Maria C L. Escola Politécnica (1894-1984) . São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Engenharia, 1985.), o que só aumentaria o abismo social reinante. Em escolas superiores, argumentava, a classe dos "abastados" (p. 536) adquiriria mais recursos para vencer a luta econômica e se apropriar dos melhores postos de trabalho. Algo surpreso com a formulação do colega, Paula Souza argui que "uma das felicidades do Brasil [...] consiste justamente em não haver classes", e que seu projeto não poderia tê-las em vista (apud Santos, 1985, p.541SANTOS, Maria C L. Escola Politécnica (1894-1984) . São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Engenharia, 1985.).

Se os fundamentos da mentalidade cientificista na Poli fincam-se em suas finalidades técnicas e utilitárias, o positivismo remonta ao idioma dos matemáticos e engenheiros das antigas Escola Militar e Escola Politécnica do Rio de Janeiro (Castro, 1995CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.; Kropf, 1994KROPF, Simone P. O saber para prever, a fim de prover: a engenharia de um Brasil moderno. In: HERSCHMANN, Micael M; PEREIRA, Carlos A M. A invenção do Brasil moderno medicina educação e engenharia nos anos 20-30.Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 202-223.). A Politécnica do Rio, desmembrada em 1874 da Escola Militar da Praia Vermelha, em que germinou o comtismo no Brasil, forneceu à instituição paulista não só estudantes, porque a Poli dispensava seus diplomados do exame de entrada, mas professores, porque as primeiras nomeações de docentes foram feitas por Paula Souza entre mestres e estudantes daquela casa e da escola de Ouro Preto. Os politécnicos da escola fluminense, aliás, tiveram sucesso como administradores máximos da instituição paulista: de 1928, quando faleceu Ramos de Azevedo, segundo diretor vitalício, até 1937, quando assumiu Alexandre Albuquerque, dois diretores haviam sido nela formados, prestígio que faz supor que tenham contribuído para manter vivo o léxico positivista.

Nesta chave analítica compreende-se o tom crítico diante dos "doutores da ciência" (Escola, 1902, p. 202 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulopara o anno de 1902. São Paulo: Typographia Brazil, 1902.), cuja origem institucional finca-se na Escola Militar da Praia Vermelha (Costa, 1956COSTA, João C Contribuição à história da ideias no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.; Barros, 1959BARROS, Roque Spencer, M A ilustração brasileira e a ideia de universidade. São Paulo: Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, 1959.; Castro, 1995CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.). Segundo Castro (1995) CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. era bastante frequente, entre os jovens, a oposição entre os científicos, perfil que os caracterizava, e os bacharéis das faculdades de Direito, a quem faltariam as noções mais elementares de ciências naturais e matemáticas. Estas matérias não só ocupavam lugar central na Escola Militar como, para os estudantes, eram "elemento constitutivo de sua identidade social" (Castro, 1995, p. 52CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.). O discurso em prol da ciência e seus efeitos positivos sobre a organização social, disseminado em parte da intelectualidade brasileira desde 1870, era hegemônico entre os jovens militares da Praia Vermelha, embora nela a prática de ensino fosse tão verbalista e livresca quanto nos cursos de direito e, afinal, a escola conferisse ao concluinte o título de "bacharel em matemáticas e ciências físicas" (Castro, 1995, p. 55CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.).

Em seus discursos, os engenheiros da Poli exercitam a filosofia da história positivista e o evolucionismo para interpretar a realidade do país e para deduzir um programa transformador conforme os ditames da ciência. Não deixam, entretanto, de introduzir caracteres peculiares, em que designam as missões da escola e da profissão no quadro da conjuntura nacional. Naqueles tempos, o diagnóstico da realidade brasileira corrente entre os formandos era de "dependência agrícola e industrial, e portanto financeira e econômica", o que era grave, pois, para o orador da turma de 1901, a indústria "na existência social, [é] a condição e o fundamento de tudo" (Escola, 1902, p. 287 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulopara o anno de 1902. São Paulo: Typographia Brazil, 1902.). A escola técnica em que se absorvem esses saberes constituiria "a oficina onde se forjarão as armas que nos libertem do estado em que jazemos, de tributários das grandes nações industriais", mantendo sempre indissociadas a teoria e a prática (Escola, 1910, p. 202; 212 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1910. São Paulo: Typographia Brazil, 1910.). De porte delas, os engenheiros poderiam "eficazmente reagir contra o atual estado em que jaz a nossa Pátria" (Escola, 1902, p. 202 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulopara o anno de 1902. São Paulo: Typographia Brazil, 1902.), aplicando-se em ações como a construção de estradas de ferro, obras públicas e trabalhos de saneamento urbano.

À parte os significados associados à indústria como elemento de produção da riqueza e da felicidade geral em sociedades regidas pela razão e pela ciência, havia entre os estudantes uma forte preferência pela engenharia civil e arquitetura, especialidades relacionadas a projeto e construção de edificações. As oportunidades de trabalho e o prestígio social explicam a predominância de engenheiros civis e arquitetos entre os formados até a década de 1930, ou seja, mesmo depois da introdução, entre 1911 e 1925, dos cursos de engenheiros mecânico-eletricista, eletricista e químico. Com efeito, até 1911, na diplomação nos cursos especiais de engenharia civil, arquitetura, industrial e agronômica as duas primeiras perfazem 475, entre 528 formados (Nagamine; Motoyama, 2004MOTOYAMA, Shozo; NAGAMINE, Marilda. Escola Politécnica, 110 anos construindo o futuro. São Paulo: Edusp, 2004.). Em face de tantas oportunidades de trabalho, os engenheiros acalentavam uma visão promissora de um país que, rico em recursos naturais e carências civilizacionais, retratavam de maneira onírica: "O Brasil é a ilha encantada onde o Destino guardou todos os primores" (Escola, 1906, p. 17 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1906. São Paulo: Typographia do Diário Oficial, 1906.), "mimoso jardim de fadas, alcatifado de flores, onde a brisa fala amores" (Escola, 1908, p. 79 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1908. São Paulo: Typographia Brazil, 1908.). Se "tudo temos com abundância e facilidade", todavia, "estas riquezas precisam ser geridas, sabiamente aproveitadas, convenientemente administradas", para que forças latentes convertam-se em progresso. Para isto, seria necessário e indispensável o trabalho do engenheiro: daí a missão dos egressos (Escola, 1908, p. 79 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1908. São Paulo: Typographia Brazil, 1908.):

Em suma, daqui saímos capazes de elevar o Brasil à altura a que tem direito, colocando a nossa indústria ao lado da indústria agrícola norte-americana ou ao lado da quimica alemã, indo buscar no estudo das ciências agronômicas, complementos das ciências naturais, os elementos precisos para pleno conhecimento da natureza. (Escola, 1903, p. 159)

A Poli declara como missão constituir um "viveiro de homens úteis ao desenvolvimento do país e prosperidade de nossa Pátria" (Escola, 1909, p. III ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1909. São Paulo: Typographia Brazil, 1909.), a beneficiária de seus esforços e talentos: "a ela, a cara Pátria, todo o nosso esforço, a ela a nossa melhor dedicação" (Escola, 1908, p. 78 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1908. São Paulo: Typographia Brazil, 1908.). O amor e o serviço à pátria inspiram-se na missão École Polytechnique de Paris, que desde 1804 adota a divisa "Pour la patrie, les sciences et la gloire" (Callot et al., 1993CALLOT, Jean-Pierre; CAMUS, Michel; ESAMBERT, Bernard; BOUTTES, Jacques. Histoire et prospective de l'École Polytechnique. Paris-Limoges: Lavauzelle, 1993.). Cinquenta anos mais tarde, em agradecimento à medalha enviada por ocasião do centenário da matriz parisiense, Paula Souza o admite ao comandante da instituição, general André:

Notre École, comme la soeur de Paris [...] se propose de développer le plus possible, à côté de l'enseignement scientifique, l'amour de la Patrie. Ce culte n'exclue pas [...] la confraternité des peuples; au contraire, il cimente les bonnes relations entre eux, développe les tentatives ayant pour but le progrès et le bonheur de l'humanité. (École, 1895, p. 95)

Não estão ausentes na Poli os elementos polemológicos que frequentam a linguagem e os usos dos camarades da congênere napoleônica12 12 A não ser entre 1816 e 1831, a EPP manteve, desde 1804, caráter militar. Os alunos têm estatuto militar, sendo submetidos a seus regulamentos, carreira e soldos. O uso do uniforme é obrigatório; o brasão escolar traz o dístico, além de armadura, elmo, asas, canhões e uma âncora. Para a criação um vocabulário particular, medalhas, festas e trotes (bahutage), teriam contribuído o acasernamento e o imiscuir da escola na vida política nacional (École, 1895; École, 1993; Callot et al., 1993). . A diferença é que, enquanto os esforços de guerra foram desde cedo conhecidos pelos politécnicos militares de Paris, quer na defesa da capital, em 1814, nas revoluções de 1830 e 1848 e na Grande Guerra (École, 1993, p. 6ÉCOLE, POLYTECHNIQUE. Notice d'information. Le Bicentennaire 1794-1994. Paris: École Polytechnique, 1993.), sua presença nas falas dos civis da Poli de São Paulo, ao menos até a Revolução de 1932, é metafórica. No discurso à primeira turma, Paula Souza afirmara que a escola se fundou para dar à mocidade as "armas poderosas que tudo conquistam" (Escola, 1900, p. 417ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulopara o anno de 1900. São Paulo: Typographia do Diário Oficial, 1900.), no que daria início ao uso de expressões como "armados da profissão que escolhemos para as lutas da vida prática" (Escola, 1908, p. 86 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1908. São Paulo: Typographia Brazil, 1908.), combinadas ao repertório heróico da cristandade: "ao sermos armados cavalheiros da grande cruzada procuraremos a grande missão que vamos exercer para com a nossa Pátria" (Escola, 1906, p. 17 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1906. São Paulo: Typographia do Diário Oficial, 1906.). A representação do engenheiro como guerreiro alude, além disso, à deusa Minerva, patronesse da Poli. Desde 1894, quando foi pintada no teto da sede, a efígie da deusa guerreira da sabedoria passou a figurar em fachadas, estátuas, diplomas, publicações e carimbos da escola, estendendo assim suas virtudes aos engenheiros formados sob sua permissão e supervisão.

A transição

Em 1909 o paraninfo da turma pintou um quadro do Brasil mais sombrio do que de costume. A despeito das riquezas naturais e de oportunidades do país,

após um século de independência e quarenta anos de paz exterior, dispomos de apenas uma indústria enfezada, ressentindo-se a cada passo da atmosfera de estufa do protecionismo em que foi criada. No mercado universal [...] a nossa representação limita-se a um certo número de artigos tropicais, dos quais dois - o café e a borracha - alcançam a quase totalidade da exportação. E, apesar do monopólio desses dois produtos, o orçamento nacional é difícil de equilibrar, a circulação está depreciada, a dívida pública apresenta-se considerável. (Escola, 1909, p. 75)

Pela primeira vez, aspectos críticos da economia e da política econômica nacional são apontados com uma objetividade que destoa da retórica romantizada que marcava as falas precedentes. O paraninfo prossegue, afirmando que "não é, de fato, lisonjeira entre nós a situação do engenheiro", porque o país, orientado para a "produção natural", não se esforçava em praticar uma política econômica que visasse ao crescimento da indústria e ao "controle da produção da fortuna nacional" (Escola, 1909, p. 75 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1909. São Paulo: Typographia Brazil, 1909.), ameaçada de desnacionalização. A missão social do engenheiro surge, transcendendo os limites da técnica:

Social e profissional a um tempo, o que vos já não deve surpreender, porque foi essa, sempre, a condição social do engenheiro. Não são eles somente trabalhadores ocupando-se da força e da matéria; parecem ocupados a estudar os acessórios de uma máquina, quando, de fato, se acham no caminho da solução de problemas políticos, morais e sociais. (Escola, 1909, p. 81)

O discurso de 1909 marca uma inflexão, seja quanto ao tom crítico e algo pessimista sobre o país, seja quanto à representação do engenheiro como responsável e ocupado de "problemas políticos, morais e sociais" (Escola, 1909, p. 81 ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1909. São Paulo: Typographia Brazil, 1909.) cuja solução poderia encaminhar para o bem da nacionalidade. Sua condição social, portanto, é vista nas dimensões técnica e dirigente. Não havia, até então, nos discursos indícios de uso da palavra "elite", tampouco menções à vocação da escola na formação de dirigentes ou exortações aos egressos para que ingressassem na política. Em 1910, o paraninfo Rogério Fajardo faria a primeira referência à elite como grupo minoritário, que teria como distinção o domínio de conhecimentos para controlar as forças naturais e manter sua harmonia para com os homens:

E não é à pequena elite de homens de que ides agora engrossar as fileiras, que cabe, pelas luzes da ciência, saberem utilizar conscientemente o poder da sua influência sobre a natureza, sobre os seus semelhantes e mesmo sobre si, procurando estabelecer a maior solidariedade possível neste conjunto de elementos tão variados e tão complexos? (Escola, 1910, p. 204)

Desde 1900, quando um decreto presidencial tornou nacionalmente válidos seus certificados, a Poli foi-se consolidando como instituição formadora de profissionais superiores de engenharia e dando aos egressos condições para a conquista dos melhores empregos na especialidade e, por extensão, de boas posições na sociedade e na política. O anuário de 1907 (Escola, 1907, p. I ESCOLA, POLYTECHNICA DE SÃO PAULO Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1907. São Paulo: Typographia Brazil, 1907.) menciona as "incumbências importantes confiadas a vários membros do corpo docente em serviços da Administração Pública", referindo-se, certamente, a cargos como os que vinham sendo ocupados por Paula Souza desde fins da década de 1870, quando organizou a Repartição de Águas e Esgotos da Província de São Paulo13 13 Paula Souza foi nomeado, além disso, para a direção da Superintendência de Obras Públicas do Estado de São Paulo (1889). Em 1892, elegeu-se deputado estadual e foi designado para Ministro do Exterior do governo de Floriano Peixoto. Assumiu, em seguida e por pouco tempo, a pasta da Agricultura. Em 1898, elegeu-se novamente deputado em São Paulo (Santos, 1985) ; Ramos de Azevedo, disputado arquiteto de edifícios públicos, a quem em 1895 fora confiada a direção do Liceu de Artes e Ofícios; Manoel Garcia Redondo, que participava de comissões de comércio e indústria, fora engenheiro da Câmara Municipal de Santos e responsável pelo relatório para o projeto de obras de melhoramento do porto; Victor da Silva Freire, atuante na Comissão de Saneamento do Estado em 1897 e 1898 e primeiro diretor da Seção de Obras da Prefeitura de São Paulo; João Pereira Ferraz, empossado prefeito da cidade de Niterói em 1907, data em que Carlos Gomes de Souza Schalders completava 18 anos à frente da São Paulo Light.

Em São Paulo das primeiras décadas republicanas, além de oportunidades de empregos de boa remuneração pela expansão e dinamização dos negócios do café e dos setores ferroviários, hidrelétricos e de serviços urbanos (Dean, 1971DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo (1880-1945). São Paulo: Difel, 1971.; Kawamura, 1979KAWAMURA, Lili Katsuko Engenheiro trabalho e ideologia. São Paulo: Ática, 1979.), havia, ainda, possibilidades de acesso aos cargos públicos em vista da reorganização burocrática do Estado (Perissinoto, 1999PERISSINOTTO, Renato M Estado e capital cafeeiro em São Paulo (1889-1930) . São Paulo: Anablume/Fapesp, 1999.). No que respeita ao mercado de trabalho de engenheiros civis e arquitetos, este era determinado pelos negócios da construção, notadamente, de estradas de ferro e infra-estrutura urbana (Ficher, 2005FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo. São Paulo: Fapesp: Edusp, 2005.). Além do crescimento das demandas no setor privado, também no serviço público novas atribuições, funções e cargos para quadros especializados surgiam do reordenamento encetado pelo regime, com o saber técnico sendo requisitado nas seções, repartições e superintendências do município e do Estado, nas comissões criadas para projetar e empreender melhoramentos. À luz da distinção de Bobbio (1997, p.73) BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Unesp, 1997., os engenheiros acediam à política comoexpertos, a fornecerem conhecimentos técnicos indispensáveis para problemas cuja resolução transcendia a competência do político, mais do que como "ideólogos", ou seja, fornecedores de ideias gerais sobre os objetivos a perseguir.

Ao longo dos primeiros anos de funcionamento da Poli, várias falas em sessões de formatura trazem o clamor de mestres e alunos pela regulamentação da profissão. Era preciso que para o pleno estabelecimento do engenheiro no mercado de trabalho e nos serviços públicos os portadores de formação escolar afastassem dos melhores postos os "leigos" ou "empíricos", ou seja, os práticos sem escolaridade ou diploma válido para o exercício dos métiers da arquitetura, das construções, da energia e das viações. Além da produção da necessária massa crítica, a cargo da própria escola, avanços importantes haveriam de ser feitos para a consolidação da profissão, tais como a criação, em 1916, do Instituto de Engenharia, para "defender os direitos da categoria e dos interesses da classe, a regulamentação e a cooperação profissional e o posicionamento frente a questões nacionais" (Instituto, 2014, s/pINSTITUTO DE ENGENHARIA. História. Disponível em <http://www.institutodeengenha-ria.org.br/site/instituto/index/id_sessao/18/id_texto/14>. Acesso 3 dez. 2014.
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); a sanção, em 1923, pelo presidente do Estado de São Paulo, do projeto que englobava a atividade de engenheiros, arquitetos e agrimensores; a criação, em 1925, da Sociedade Auxiliadora dos Engenheiros e, finalmente, a regulamentação nacional da profissão e a criação do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura, em 1933, para zelar pelo cumprimento das diretrizes legislativas que normalizavam e autorizavam o exercício e regular "o diâmetro do funil pelo qual necessariamente deveriam passar, ao final dos cursos acadêmicos regulares, os candidatos ao exercício das profissões" (Coelho, 1999, p. 31COELHO, Edmundo C As profissões imperiais medicina engenharia e advocacia no Rio de Janeiro (1822-1930) . Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1999 .).

No decorrer do século, estando cada vez mais próximas as condições de estabilidade da profissão, bem como seus privilégios e exclusividades, é possível que o vislumbre de brechas na política com a eclosão de dissensões na oligarquia (Miceli, 1979MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-45). São Paulo: Difel, 1979.; Prado, 1986PRADO, Maria Ligia C A democracia ilustrada o Partido Democrático Brasileiro de São Paulo (1926-1934) . São Paulo: Ática, 1986.) ensejassem a competição entre frações sociais de escolarização superior e portadoras de boas credenciais familiares e profissionais em torno de valores, visões de mundo e projetos de salvação da pátria.

Visando a sua legitimação como grupo aspirante a lugares de direção na sociedade civil e no Estado, os engenheiros, diante de outros grupos formuladores de projetos societários, elaboraram e a ele incorporaram o seu próprio imaginário social (Baczko, 1985BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopedia Einaudi, v. 5, Lisboa: Imprensa Nacional, 1985, p. 296-332.). Haveriam de estimular outras elaborações discursivas a insurgência, nos anos 1920, de um consenso em torno da função "superior e inalienável" da universidade no "preparo e aperfeiçoamento das classes dirigentes" (Azevedo, 1960, p. 191AZEVEDO, Fernando de A educação na encruzilhada. São Paulo: Melhoramentos, 1960.); a eclosão da Revolução Constitucionalista (1932), na qual se engajaram a Poli e o Instituto de Engenharia; a criação no estado de duas instituições para a formação de elites, a Escola Livre de Sociologia e Política (1934) e a USP (1934). Depreende-se das falas proferidas após 1931 um novo tom, que acentua o orgulho paulista e as capacidades intelectuais e morais do engenheiro na condução da sociedade e da política. Mas isto será abordado em outro artigo.

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  • 1 Este artigo é resultado de pesquisas em São Paulo e Paris nos projetos Elites republicanas de Minas Gerais e São Paulo: formação, ideias e projetos - CNPq - e História e memória das instituições de ensino superior de São Paulo - Fapesp.
  • 2 Refiro-me a Kawamura (1979) KAWAMURA, Lili Katsuko Engenheiro trabalho e ideologia. São Paulo: Ática, 1979.e Nadai (1987) NADAI, Elza. Ideologia do progresso e ensino superior (São Paulo 1891-1934). São Paulo: Loyola, 1987.. Cerasoli (1998) CERASOLI, Josianne F. A grande cruzada: os engenheiros e as engenharias de poder na Primeira República. Campinas: Unicamp, 1998. 265f. Dissertação (mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de Campinas. diferencia-se dessas abordagens por analisar discursos e escritos, identificando os traços que caracterizam a identidade e os interesses dos engenheiros, evitando associá-los imediatamente à ideologia burguesa.
  • 3 Não por acaso, os que realizaram a passagem para a elite política são gratos às instituições que os prepararam. Paulo Maluf (1995, p. 22) MALUF, Paulo S. Engenheiro sempre. In: ASSOCIAÇÃO DOS ANTIGOS ALUNOS DA ESCOLA POLITÉCNICA Os engenheiros politécnicos e sua escola. São Paulo: Fundação Vanzolini, 1995., ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, declarou: "a passagem pela Escola Politécnica marcou a minha vida, não apenas em termos de formação profissional e formação de caráter, mas sobretudo por adquirir uma visão de mundo e dos problemas brasileiros a partir de um enfoque técnico, que com o tempo tornou-se base de minha carreira política".
  • 4 Os discursos estão nos Anuários da Escola Politécnica, iniciados em 1899. Não foram publicados os discursos das turmas de 1911 e 1912 e não foram editados anuários em 1904, 1913 a 1931 e 1939 a 1945. O último volume foi publicado em 1947.
  • 5 A equiparação permitia aos ginásios estaduais organizados como cursos regulares e seriados que tivessem a prerrogativa de garantir acesso a qualquer instituição de ensino superior, sem a necessidade de exames (Kulesza, 2011KULESZA, Wojciech A O processo de equiparação ao Ginásio Nacional na Primeira República: o caso do Colégio Diocesano da Paraíba. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 2, 2011, p. 81-102.). Em 1901, ela se estende aos particulares (Cunha, 2007CUNHA, Luiz A. Ensino superior e universidade no Brasil. In: LOPES, Eliana M. T. et al. (org). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 151-204.). Quanto às faculdades, mediante modelagem dos currículos conforme as federais e submissão à fiscalização, poderiam outorgar diplomas que garantissem "o privilégio do exercício das profissões regulamentadas em lei" (Cunha, 2007, p. 158CUNHA, Luiz A. Ensino superior e universidade no Brasil. In: LOPES, Eliana M. T. et al. (org). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 151-204.).
  • 6 Seguiram-se críticas e resistências que determinaram as reformas de ensino de 1911 e 1915, alterando dispositivos de uniformização e controle desencadeados em 1891. Todavia, até a reforma de 1925, que intensificou o rigor dos vestibulares e adotou o numerus clausus, prosseguiu a expansão do ensino superior em estabelecimentos e alunos.
  • 7 Na França a Convenção abolira as universidades em 1793. As escolas especiais, como a École de Ponts et Chaussés e a École des Mines, tornaram-se escolas de aplicação da École Centraux des Travaux Publics, depois École Polytechnique (Charle; Verger, 2012CHARLE, Christophe; VERGER, Jacques. Histoire des universités XIIe-XXIe siècle. Paris: PUF, 2012.).
  • 8 O ensino secundário era restrito aos que podiam pagá-lo, pois nem mesmo os ginásios públicos eram isentos de taxas, selos e contribuições. Como a União cuidava de manter o padrão do Colégio Pedro II e validar certificados para o ingresso em faculdades e não de expandir a oferta de vagas em estabelecimentos oficiais, o secundário permaneceu por muito tempo entregue à iniciativa privada.
  • 9 Em contrapartida, orientada pela máxima comtiana de promover a "incorporação do proletariado à sociedade", a Escola de Engenharia de Porto Alegre criou um instituto para meninos pobres, com ensino gratuito de artes mecânicas, gráficas, de edificações, marcenaria e carpintaria. A partir deste, toda uma rede de ensino técnico e profissional foi sendo instalada, de modo que ao final da década de 1910 os cursos superiores representavam "uma parte menor, embora muito prestigiosa" da instituição (Heinz, 2009, p. 268HEINZ, Flávio M Positivistas e republicanos: os professores da Escola de Engenharia de Porto Alegre entre a atividade política e a administração pública (1896-1930) . Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 29, n. 58, 2009, p. 263-289.).
  • 10Ficher (2005) FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo. São Paulo: Fapesp: Edusp, 2005. adiciona que a Escola de Engenharia do Mackenzie não tinha status semelhante ao da escola oficial, cujos graduados tinham preeminência no mercado de trabalho e nas entidades da categoria.
  • 11 Os cursos de primeira e segunda divisão foram instituídos pelo 3º regulamento, em 1897. Correspondiam à primeira divisão os cursos de engenheiro civil, industrial, agrônomo e arquiteto. À segunda, os de mecânicos, condutores de trabalhos, agrimensores, maquinistas e contadores (Santos, 1985SANTOS, Maria C L. Escola Politécnica (1894-1984) . São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Engenharia, 1985.).
  • 12 A não ser entre 1816 e 1831, a EPP manteve, desde 1804, caráter militar. Os alunos têm estatuto militar, sendo submetidos a seus regulamentos, carreira e soldos. O uso do uniforme é obrigatório; o brasão escolar traz o dístico, além de armadura, elmo, asas, canhões e uma âncora. Para a criação um vocabulário particular, medalhas, festas e trotes (bahutage), teriam contribuído o acasernamento e o imiscuir da escola na vida política nacional (École, 1895ÉCOLE, POLYTECHNIQUE. Annuaire de l'École Polytechnique pour l'an 1895 Avec des notices scientifiques, historiques et statistiques et le mémorial de l'École. Paris: Charles-Lavauzelle, 1895.; École, 1993ÉCOLE, POLYTECHNIQUE. Notice d'information. Le Bicentennaire 1794-1994. Paris: École Polytechnique, 1993.; Callot et al., 1993CALLOT, Jean-Pierre; CAMUS, Michel; ESAMBERT, Bernard; BOUTTES, Jacques. Histoire et prospective de l'École Polytechnique. Paris-Limoges: Lavauzelle, 1993.).
  • 13 Paula Souza foi nomeado, além disso, para a direção da Superintendência de Obras Públicas do Estado de São Paulo (1889). Em 1892, elegeu-se deputado estadual e foi designado para Ministro do Exterior do governo de Floriano Peixoto. Assumiu, em seguida e por pouco tempo, a pasta da Agricultura. Em 1898, elegeu-se novamente deputado em São Paulo (Santos, 1985SANTOS, Maria C L. Escola Politécnica (1894-1984) . São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Engenharia, 1985.)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2015
  • Aceito
    07 Abr 2015
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