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A MISSÃO EDUCATIVA DA GERAÇÃO INTEMEDIÁRIA EM TEMPO DE GUERRA: TEXTOS PARA A ESCOLA E PARA A JUVENTUDE DE LUIGI BERTELLI ENTRE 1914 E 1918

THE EDUCATIONAL MISSION OF THE MIDDLE GENERATION IN WARTIME: THE WRITINGS OF LUIGI BERTELLI FOR SCHOOLS AND YOUNG PEOPLE DURING THE YEARS 1914-1918

LA MISSION EDUCATIVE DE LA GENERATION INTERMEDIAIRE EM TEMPS DE GUERRE: LES ECRITS DE LUIGI BERTELLI POUR L'ECOLE ET LA JEUNESSE PENDANT LES ANNEES 1914-1918

Resumo

A ideia de que a Grande Guerra representa uma divisão de águas do mundo contemporâneo já está firmemente estabelecida na história (Gabelli, 1991). As repercussões que o primeiro conflito bélico mundial trouxe à escola da época, contudo, têm sido menos investigadas. Uma fonte preciosa para explorar esse campo encontra-se, sem dúvida, nos livros didáticos escritos e publicados nesse período. Este artigo tem origem nessas considerações e se concentra na produção escrita de uma ilustre figura da literatura infantil italiana: Luigi Bertelli. O famoso autor de Gian Burrasca e fundador da revista infanto-juvenil Il Giornalino della Domenica escreveu diversos textos destinados à escola e às novas gerações durante a Primeira Guerra Mundial. Neste artigo busca-se examinar esses textos, pela primeira vez, de maneira analítica e pontual, não apenas com o objetivo de estabelecer uma imagem mais articulada de Bertelli como autor e educador, bem como oferecer uma contribuição para o entendimento dessa verdadeira pedagogia da guerra promovida durante os anos da Primeira Guerra Mundial.

Palavras-chave:
primeira guerra mundial; Itália; escola; infância; livros didáticos; Luigi Bertelli

Abstract

The idea that the Great War represents a watershed in the contemporary world is by now well established in the history tout court (Gibelli, 1991). On the other hand, the impact that the First World War conflict had on the schools of the time has not been as well investigated. A valuable source for exploring this field is undoubtedly those school books which were written and published during this period. The article which we are presenting here starts from such considerations and focuses on the works of a prominent figure of Italian children's literature, Luigi Bertelli, who wrote for schools and young people. The well-known author of the novel for young readers, Gian Burrasca, and founder of the children magazine, Il Giornalino della Domenica, wrote several books for schools and the young generation during the First World War. This article intends to examine these writings for the first time, in a careful and analytical way, not only to re-establish Bertelli's position as an author and educator, but also to contribute to the understanding of the real pedagogy of war, those teachings promoted during the years of the First World War.

Key-words:
First World War; Italy; school; childhood; school textbooks; Luigi Bertelli

Résumé

L'idée selon laquelle la Grande Guerre représente un tournant dans le monde contemporain est désormais admise dans l'histoire tout court (Gibelli, 1991). En revanche, les répercussions que le premier conflit mondial eut sur l'école de cette époque sont moins étudiées. Les livres scolaires écrits et publiés au cours de cette période représentent certainement une source précieuse pour explorer ce domaine. L'article que nous présentons ici provient de ces considérations et se concentre sur la production pour l'école et la jeunesse réalisée par un personnage célèbre de la littérature italienne pour enfants: Luigi Bertelli. L'auteur bien connu du roman pour la jeunesse Gian Burrasca, et fondateur du magazine pour enfants Il Giornalino della Domenica, écrivit plusieurs textes destinés à l'école et aux nouvelles générations au cours de la Première Guerre mondiale. Cet article se propose d'examiner, pour la première fois, ces écrits d'une manière analytique et ponctuelle, afin non seulement de rétablir une image plus articulée de Bertelli en tant qu'auteur et éducateur, mais aussi d'apporter une contribution à la compréhension de cette vraie pédagogie de la guerre promue dans les années de la Première Guerre Mondiale.

Mots-clé:
Première Guerre Mondiale; Italie; école; enfance; manuels scolaires; Luigi Bertelli

Sommario

L'idea per cui la Grande Guerra rappresenti uno "spartiacque del mondo contemporaneo" è ormai assodata nella storia tout court (Gibelli, 1991, p. 43). Meno indagate sono, invece, le ripercussioni che il primo conflitto bellico mondiale ebbe sulla scuola del tempo. Una fonte preziosa per esplorare questo terreno è rappresentata certamente dai libri di scuola scritti e pubblicati in questo periodo. Da queste considerazioni muove il contributo che si presenta in questa sede, il quale si concentra sulla produzione per la scuola e la gioventù realizzata da un personaggio illustre della letteratura italiana per ragazzi: Luigi Bertelli. Il noto autore di Gian Burrasca e fondatore del periodico per ragazzi Il Giornalino della Domenica, scrisse numerosi testi destinati alla scuola e alle nuove generazioni durante la prima guerra mondiale. Il presente contributo intende esaminarli, per la prima volta, in modo analitico e puntuale, al fine non solo di restituire un'immagine più articolata del Bertelli autore ed educatore, ma anche di offrire un contributo alla comprensione di quella vera e propria pedagogia della guerra promossa negli anni del primo conflitto mondiale.

Parole-chiave:
prima guerra mondiale; Italia; scuola; infanzia; manuali scolastici; Luigi Bertelli

Introdução

O tema da educação nacional em tempo de guerra não despertou muito interesse entre os historiadores italianos. São exceções os trabalhos de Andrea Fava (1982FAVA, Andrea. Assistenza e propaganda nel regime di guerra (1915-1918). In: ISNENGHI, Mario (org.). Operai e contadini nella Grande Guerra. Bologna: Cappelli, 1982, p. 174-212.,1993, 2010), de Ester De Fort (1996) e de Antonio Gabelli (2005), bem como os artigos aceitos pela edição monográfica da Rivista di storia dell'educazione de 2015, que teve como tema A juventude europeia e a Grande Guerra.

Nas escolas, publicações e associações percebe-se que a maioria das pesquisas se concentram no período pré e pós-bélico, o qual é marcado por duas novidades importantes na organização escolar italiana: a assunção da educação primária pelo Estado, sancionada pela lei Daneo-Credaro de 1911, e a chamada Reforma Gentile de 1923, promulgada nos primórdios da era fascista. Os estudos existentes demonstram como a guerra afetou a escola causando não apenas uma drástica redução dos recursos financeiros a ela destinados, mas também uma mudança radical nos objetivos e nos conteúdos da didática escolar, visando a garantir o primado da guerra. Nesse aspecto Angelo Fava destacou como, diante de uma guerra que "invade a vida cotidiana da população [e que] estabelece a resistência para além do fronte interno [..., se] recorre ao uso de uma didática de guerra inédita e de uma forte representação patriótica da infância, das suas necessidades e de seus destinos" (Fava, 2010, p. 149).

Entre 1915 e 1918 foi exigido às escolas um enorme esforço: frente ao dramático corte nas despesas destinadas à instrução e à cultura, além das difíceis condições de uma infância e uma juventude sufocadas entre necessidades de cunho material e implicações de ordem psicológica - em especial dos professores e dos diretores - que se oferecesse auxílio na mobilização civil, trabalhando para fortalecer a base de consenso e para nutrir o espírito patriótico nas salas de aula e junto às famílias.

A escola foi incumbida desse dever por "uma mistura de iniciativas vindas do alto e de uma série de ações organizadas de baixo por adesão pessoal" (Fava, 2010FAVA, Andrea. Mobilitazione patriottica, assistenza all'infanzia, educazione nazionale nella scuola elementare dell'Italia in guerra (1915-1918). In: MENOZZI, Daniele; PROCACCI, Giovanna; SOLDANI, Simonetta (orgs.). Un paese in guerra: la mobilitazione civile in Italia (1914-1918). Milano: Unicopli, 2010, p. 147-182., p. 160). A classe dominante, no período bélico, estabeleceu uma estreita relação de colaboração com o universo das associações de professores - da batalhadora Unione Magistrale Nazionale - UMN - até a recém instituída Unione Generale degli Insegnanti Italiani per la guerra nazionale - Ugii -, que teve a adesão da própria UMN - bem como com as Opere Federate di Assistenza Civile e Propaganda Nazionale, o grupo de associações que, nascido em 1917 e ativo até 1919, constituiu o principal instrumento de coordenação da mobilização civil e da propaganda interna, tanto que a própria UGII passou a integrar o grupo na qualidade de associação fundadora (Fava, 1982; Fava, 1993; de Fort, 1996, pp. 311-324; Barausse, 2002BARAUSSE, Alberto. L'Unione magistrale nazionale: dalle origini al fascismo, 1901-1925. Brescia: La Scuola, 2002., pp. 437-471; Barausse, 2015). Assim como estava claro que era dever da escola propor uma nova didática, adaptada à situação de guerra do país, era também evidente que o trabalho dos professores em sala de aula deveria ter o apoio de novos materiais didáticos, capazes de veicular os conteúdos educativos e os valores patrióticos que essa fase histórica especificamente demandava.

Nesse quesito a editoria escolar se mostrou especialmente ativa. A revista para professores Os Direitos da Escola, por exemplo, promoveu a coluna Da escola à trincheira, depois rebatizada Ecos de guerra nos bancos da escola, criada exatamente com a intenção de oferecer subsídios didáticos aos professores. Além disso, foram propostas sugestões e planos de aula no suplemento didático A escola em ação (Fava, 2010FAVA, Andrea. Mobilitazione patriottica, assistenza all'infanzia, educazione nazionale nella scuola elementare dell'Italia in guerra (1915-1918). In: MENOZZI, Daniele; PROCACCI, Giovanna; SOLDANI, Simonetta (orgs.). Un paese in guerra: la mobilitazione civile in Italia (1914-1918). Milano: Unicopli, 2010, p. 147-182.). Não podemos deixar de lembrar que foram disponibilizados subsídios didáticos específicos após a introdução da chamada Hora patriótica nos institutos italianos de escola secundária e superior por iniciativa do Ministério da Instrução Pública depois da derrota de Caporetto (Kobarid), posteriormente estendida à escola primária, com o objetivo de "infundir no país e nos jovens uma maior consciência do momento histórico que se atravessava" (Fava, 2010, p. 171). Nesse contexto a UGII desempenhou um papel crucial, colocando à disposição dos professores um manual específico, além de produzir uma série de folhetos composta por 28 fascículos sobre os Aspectos e problemas da guerra, seguida de outra série de diapositivos sobre o exército, a marinha e sobre as terras irredentas (Fava, 1993).

Houve ainda múltiplas iniciativas editoriais a nível local. Entre fevereiro de 1917 e abril de 1919 o comitê da Ugii no Lácio publicou e distribuiu nas escolas da região um hebdomadário patriótico para alunos e professores chamado Il Piccolissimo, pensado tanto para leitura em sala de aula, quanto para a leitura em família, enquanto as entidades federadas e o comitê cidadão de preparação civil de Rovigo cuidaram da publicação do hebdomadário Scuola e Patria que, a partir de 1918, passou a incluir a coluna Para a hora patriótica, visando a fornecer aos professores sugestões de aulas capazes de nutrir o espírito patriótico dos pequenos. Os livros de catequese patrióticos foram numerosos, bem como os planos de aula, os ditados sobre o valor do sacrifício e do heroísmo, os cartazes, as estrofes e os versos de conteúdo patriótico publicados nesse período (Fava, 2010FAVA, Andrea. Mobilitazione patriottica, assistenza all'infanzia, educazione nazionale nella scuola elementare dell'Italia in guerra (1915-1918). In: MENOZZI, Daniele; PROCACCI, Giovanna; SOLDANI, Simonetta (orgs.). Un paese in guerra: la mobilitazione civile in Italia (1914-1918). Milano: Unicopli, 2010, p. 147-182.; Fava 1993). Por fim, não faltaram textos sobre escola e pátria ou sobre escola e guerra, publicados por editoras de maior ou menor renome e escritos por professores, funcionários públicos e escritores na forma de folhetos, relatos de cerimônias, coletâneas de conferências ou como textos didáticos propriamente ditos. Também não faltaram exemplos de textos infantis com entonação patriótica que configuravam uma verdadeira operação de mitificação da guerra (Todaro, 2015TODARO, Letterio. Bellicismo e mistica della rigenerazione nazionale nel racconto per l'infanzia: la collana Faville di guerra dell'editore Biondo. Rivista di storia dell'educazione. Pisa: ETS , 2015, 2, p. 81-88.; Grassi, 2015GRASSI, Chiara. La I Guerra mondiale illustrata nei testi della casa editrice Bemporad. Rivista di storia dell'educazione. Pisa: ETS , 2015, 2, p. 89-100.).

Entre os que se colocaram a serviço da causa nacional havia um personagem de relevo no panorama da literatura infanto-juvenil da época: Luigi Bertelli. O presente artigo busca analisar o corpo de textos produzido pelo intelectual toscano durante a Primeira Guerra Mundial, em especial aqueles destinados aos jovens italianos. Consideramos que retomar as obras infanto-juvenis escritas por Bertelli durante a guerra pode lançar uma nova luz aos estudos sobre a educação neste período. Não apenas porque é de nossa intenção debruçarmo-nos sobre uma fonte que se presta a diferentes níveis de análise, o campo dos livros escolares, mas também porque estudaremos a produção de uma figura que contribuiu de forma excepcional com a discussão sobre a formação ético-civil das novas gerações. Um autor que, como demonstraremos, foi instrumentalizado e ainda merece ter a autenticidade de sua mensagem recuperada entre leitores e aos pesquisadores.

Luigi Bertelli e o engajamento ético-civil de um escritor pela infância

O erudito, jornalista e escritor infanto-juvenil Luigi Bertelli, mais conhecido por seu pseudônimo Vamba, nasceu em Ponticelli, uma pequena fração de Florença, em 19 de março de 18601 1 Sobre a vida de Bertelli ver Michieli (1965); Ascenzi, Di Felice, Tumino (2008); Ascenzi (2009, p. 181-217). . Estudou no Instituto dos Padres Escolápios de Florença e já a partir do começo de 1880 começou a trabalhar como jornalista e desenhista humorístico para vários jornais, como os cotidianos romanos Capitan Fracassa e Fanfulla. A sua pena feroz e suas caricaturas de políticos italianos, chamadas de fantoches, tiveram amplo sucesso. Defensor das ideias de Mazzini e da tradição laica e democrática da matriz do Risorgimento2 2 Pelo termo Risorgimento entende-se o movimento político e cultural pelo qual, ao longo do século 19, se desenvolveu o processo de unificação da península italiana. Para uma introdução ao tema ver Banti (2004); Della Peruta (1997). , Bertelli utilizou a sátira escrita e ilustrada para denunciar os escândalos do transformismo político e da ambiguidade da Itália de Giovanni Giolitti e de Umberto I. Em 1887 interrompeu a colaboração com o Capitan Fracassa, que de um posicionamento radical-democrático e progressista passara a uma posição filogovernista, e fundou o Don Chisciotte della Mancia" (1887-1892), que depois se transformaria em Don Chisciotte di Roma (1893-1899), e, unindo-se ao Fanfulla, finalmente passaria a se chamar Il Giorno (1899-1901). Esses jornais foram muito apreciados por seu tom e ilustrações humorísticas feitas, tanto por Bertelli, quanto por Luigi Arnaldo Vassalo, diretor dos periódicos.

Nesse período Bertelli colaborou com outros jornais: fez parte da redação de Il Pupazzetto (1886-1890), revista ilustrada que também tinha Vassalo como diretor, e realizou caricaturas para o periódico de crítica teatral Carro di Tespi (1889-1891), fundado e dirigido por Eduardo Bouvet.

Em 1889 retornou a Florença e assumiu temporariamente a direção do jornal Il Corriere Italiano, órgão de imprensa dos círculos radicais florentinos. No ano seguinte fundou L'O di Giotto, um periódico ilustrado de inclinação radical-democrática, inspirado no modelo do jornal de sátira política e social romano Il Capitan Fracassa. Nesse jornal Bertelli publicou uma série de artigos que tiveram como protagonista Vossa excelência qualquer de qualqueres e que foram depois reunidos no volume intitulado Vossa excelência qualquer de qualqueres e seus últimos dezoito meses como parlamentar (Roma, 1898). Bertelli criou essa figura grotesca, o Vossa excelência qualquer de qualqueres, um personagem oportunista e pregador de um conservadorismo vazio, que teve suas aventuras parlamentares narradas.

Em 1891 voltou para Roma onde fundou e dirigiu, junto com Emilio Faelli, o Folchetto (1891-1894), um jornal de matriz radical-democrática que procurou dar voz ao descontentamento da classe média em decorrência da caótica situação política da Itália. Em 1893 retornou em definitivo a Florença, onde deu vida ao periódico político Bruscolo (1901-1905), em cujas páginas se travou a batalha entre os grupos liberais-moderados toscanos. Nesse mesmo ano publicou, junto à editora florentina Bemporad, um livro infanto-juvenil intitulado Ciondolino. Tratou-se de um evento significativo na vida de Bertelli, que em pouco tempo decidiu dedicar-se completamente à literatura infanto-juvenil. Ele sentiu que suas ideias radical-democráticas deveriam mudar de destinatário, passando do público adulto ao infanto-juvenil, para que pudesse contribuir de modo significativo com a formação de uma nova consciência ético-civil nos italianos.

Escrever Ciondolino foi um marco na vida de Bertelli. Em 24 de junho de 1906 foi publicado Il Giornalino della Domenica, um periódico ilustrado para crianças, recheado de ideais pátrios e princípios democráticos que se propunha a ensinar divertindo. As intenções que motivaram essa publicação estão expressas por Bertelli no manifesto que foi divulgado antes da saída do primeiro número de Il Giornalino, pela promoção de uma iniciativa que soava totalmente inédita e inovadora e para cuja realização foi necessário solicitar a colaboração dos melhores escritores e ilustradores da época, não restringindo-se a profissionais do universo infanto-juvenil, mas contando também com o trabalho de intelectuais capazes de perceber o alto valor civil dessa ação.

Para quem entenda o quão séria e delicada responsabilidade há em oferecer leituras às crianças, pequenas almas ingênuas às quais a palavra deve ser bem pesada e medida para que não se altere a pureza e a limpidez, não parecerá exagerada a importância que nós quisemos dar a essa nossa iniciativa, há tempos pensada e estimada, de publicar na Itália um jornalzinho para crianças, que atenda aos desejos e às necessidades dessa faixa etária nos dias atuais e que se ponha como programa as seguintes normas/orientações: Oferecer ao seu jovem público, todos os domingos, uma leitura que seja instrutiva sem exaurir sua atenção; que seja educativa sem ser entediante; interessante sem abusar da imaginação; divertida sem afetações ou vulgaridades; acender e manter sempre viva no coração dos pequenos leitores a chama dos eternos ideais de Pátria e Humanidade, não com uma retórica vã, plena de frases feitas, mas como força que vem da sinceridade no tom de quem comunica sentimentos verdadeiros; e, principalmente, abrir a alma das jovens gerações à religião do Dever que une todos os bons, os justos de todos os tempos e de todos os lugares. Sanar sempre o desejo do público infantil de saber sobre personalidades, coisas e acontecimentos do dia; explicar-lhes aos poucos as invenções e as descobertas no campo da ciência; ornamentar os textos com reproduções e ilustrações que não ofendam - como acontece com frequência - o gosto estético com figuras mal desenhadas e grosseiramente pintadas; em resumo, oferecer às nossas amadas crianças um jornalzinho variado, útil e feliz, cuja coleção (quando eles crescerem) permaneça uma cara lembrança da infância, uma bem-vinda recordação de serenas impressões que alegraram os seus primeiros anos e de sadios estímulos a gestos honestos para consigo e para o com o outro. Para realizar tais intenções Il Giornalino della Domenica - escrito e administrado com cuidado e responsabilidade - buscou a colaboração certa e duradoura dos mais ilustres escritores e dos artistas mais geniais. [...] Por fim, Il Giornalino della Domenica usa-se de todos os meios para garantir o melhor, o mais útil e o mais desejado presente que um bom pai possa dar a um bom filho. (Il Giornalino della Domenica, 1906, I, 24 jun. 1906)

Nesse manifesto Bertelli deixou claro que não considera a literatura infanto-juvenil um trabalho menos sério ou de menor prestígio em relação à literatura para adultos, demostrando com isso, apesar da época, não sofrer de um preconceito do qual a literatura infanto-juvenil ainda é, por vezes, vítima. Esse comportamento é reflexo de um profundo respeito pela infância que, a seu ver, requer compreensão e tratamento adequado à sua alteridade e diversidade, sem homologações, paternalismo e preceitos ditados verticalmente. Na base de tudo está a vontade de adotar uma linguagem adaptada às crianças, capaz de responder às suas necessidades e de estimular seus interesses. Descuido e má vontade não cabem ao escritor infanto-juvenil. Nesse aspecto, Vamba é claro e inflexível: ele requer sinceridade na relação com esse público, cujos direitos considera sagrados e inalienáveis. O maior mérito de Vamba é partir da percepção que a criança é diferente do adulto. É nisso que parece se basear a chamada descoberta da infância durante século 20 e é nesse horizonte que ele definiu o seu empenho e sua militância pedagógica nas diferentes fases históricas em que exerceu a vocação de educador das novas gerações.

A partir dessas premissas podemos compreender como Il Giornalino della Domenica marcou um novo capítulo na história das publicações infanto-juvenis, que rompeu definitivamente os laços com os velhos modelos educativos e literários de caráter oitocentista. Tudo derivou de um forte projeto de formação, nascido na férvida mente do fundador e diretor de Il Giornalino della Domenica, que idealizou esse periódico procurando, com clareza e determinação, desde as origens, acompanhar o desenvolvimento ético-civil e cultural dos jovens de classe média, ou seja, daqueles que se tornariam os futuros responsáveis pela Itália.

Bertelli se tornou, logo de início, o coração do jornal, para o qual escreveu editoriais, compôs versos e reportagens jornalísticas, assinando por vários pseudônimos, o mais conhecido deles Vamba. Ao lado dele desfilaram grandes nomes da literatura infanto-juvenil, como Emilio Salgari, Ida Baccini, Grazia Deledda, Luigi Capuana, Giovanni Parioli, Edmondo De Amicis e Matilde Serao. Além disso também escreveram nas páginas de Il Giornalino della Domenica promissores autores infanto-juvenis como Augusto Vittorio Vecchi (Jack La Bolina), Maria Antonietta Torelli Vaillier (La Marchesa Colombi) e Virginia Tedeschi Treves (Cordelia). Entre os colaboradores mais assíduos encontramos o escritor Giuseppe Fanciulli, responsável entre outras coisas pela famosa coluna Dal libro dei perché do maestro Sapone; o ilustrador Filiberto Scarpelli, encarregado da coluna Chiacchiere artistiche con i miei lettori; Aldo Valori (Ceralacca), que manteve até 1909 a coluna Pagine rosa, pela qual mantinha-se correspondência entre o jornal e os leitores e onde eram publicadas cartas escritas pelas crianças, nas quais os assinantes relatavam sobre suas escolas, famílias, viagens e dos pequenos acontecimentos da vida cotidiana; e o esculápio Ermenegildo Pistelli (Omero Redi), também professor da Universidade de Florença, muito apreciado pela coluna Le Pistole di Omero, que apresentava artigos engraçados com imperfeições gramaticais, mas ricos de humanismo e de bons preceitos.

Mas Il Giornalino della Domenica não era apenas um jornal para crianças. Ele tornou-se logo um extraordinário órgão de promoção de ações de mobilização juvenil. Em 1908 nasceu a Confederação Jornalística, depois chamada de Girotondo, descrita pelo próprio Bertelli como uma pequena república formada por todos os assinantes do jornal, constituída de "uma população espalhada por toda a Itália, incluindo naturalmente as províncias de Trieste, da Istria, de Gorizia, da Dalmazia e de Trento, já que o nosso povo ignora barreiras políticas" (Ascenzi, 2009ASCENZI, Anna. Metamorfosi della cittadinanza: studi e ricerche su insegnamento della storia, educazione civile e identità nazionale in Italia tra otto e novecento. Macerata: EUM, 2009., p. 199). A Confederação reproduzia as instituições de um verdadeiro estado republicano. O presidente era Vamba, o parlamento era presidido por Giuseppe Fanciulli, o governo central tinha sua sede em Florença, enquanto que as prefeituras se encontravam nas grandes cidades - incluindo também as cidades irredentas de Trento e Trieste -, e por elas respondiam os prefeitos das várias sedes. Tudo isso não se limitava às fronteiras do território italiano, pois havia embaixadores também em vários países - Hungria, Áustria, Alemanha, França e Dalmácia. A coluna Pagine rosa funcionava como meio de comunicação entre os vários cargos.

Foram criadas também Ligas, destinadas a agrupar jovens unidos por interesses comuns. Nasceram assim a Liga dos Gulosos, a Liga Artística, a Liga dos Fotógrafos, a Liga dos Esportistas, etc. A liga mais importante foi, todavia, a Aidai - Associação indissolúvel de almas italianas -, que tinha o trabalho de divulgar Il Giornalino della Domenica entre as crianças de classes menos favorecidas e junto a instituições educacionais e assistenciais, fornecendo às mesmas os meios para fazerem suas assinaturas. O grande sucesso atingido pela Confederação levou a instituir uma espécie de Festa do grilo - os assinantes do jornal eram chamados de grilos -, que aconteceu pela primeira vez em 1908 no Club Sportivo alle Cascine e tornou-se um evento fixo nos anos em que o jornal existiu, sendo celebrada no dia da Ascensão.

Infelizmente Il Giornalino della Domenica teve vida breve. Logo surgiram problemas financeiros. Durante o primeiro ano de atividades o jornal foi patrocinado pelo editor florentino Bemporad, e depois disso o próprio Bertelli se encarregou do financiamento. Apesar de atingir um grande sucesso de público, os custos de publicação e de distribuição do jornal eram altos e as assinaturas não cobriam suficientemente as despesas. Entre 1909 e 1911 o passivo aumentou visivelmente, também por causa da concorrência de revistas muito aguerridas, como o Corriere dei piccoli, distribuído junto ao jornal adulto de maior circulação nacional, ou seja, o Corriere della sera de Milão (Loparco, 2011LOPARCO, Fabiana. I bambini e la guerra: il Corriere dei piccoli e il primo conflitto mondiale (1915-1918). Firenze: Nerbini, 2011.). Despedindo-se de seus leitores, Bertelli explicou nesses termos a morte do Giornalino:

O vosso Giornalino morreu. - Mas como! Se estava indo tão bem! Pois é: estava indo bem em conteúdo! Mas nunca conseguimos garanti-lo fisicamente, porque. Porque, meus caros, para que um jornal seja um bom negócio industrial tem de ser criado com esse objetivo principal e tem de ter a vulgaridade necessária a abrir-lhe as portas do grande público. Ao invés disso, desde as origens, o Giornalino se propôs a desenvolver um programa educativo sério para preparar os seus pequenos leitores a se tornarem bons cidadãos italianos que sentissem o alto dever e o grande ideal de sua italianidade; e imerso nesse programa nunca pensou em fazer sequer uma propaganda de si mesmo. (Il Giornalino della Domenica, 1911, VI, 23 jul. 1911, p. 17)

Bertelli tentou inúmeras vezes, trazer de volta Il Giornalino della Domenica. Tornou a publicá-lo em 22 de dezembro de 1918, dando seguimento aos antigos números. Foram mantidas as colunas de correspondências, Pagine rosa, de enigmística e de filatelia. Foi retomada a tradicional Festa do grilo. Entretanto, a renovação da revista teve curta duração. Bertelli faleceu em 27 de novembro de 1920 e o último número do Il Giornalino della Domenica saiu com uma faixa de luto em homenagem ao seu fundador, no dia 5 de dezembro de 1920. As publicações foram retomadas em 1921 sob direção de Giuseppe Fanciulli, que permaneceu fiel à configuração original do jornal. Depois disso, de 1924 a 1927, o jornal foi dirigido por Ferdinando Palazzi. O nome permanece, "mas o jornal era fundamentalmente outro" (Michieli, 1965MICHIELI, Armando. Vamba. Brescia: La Scuola , 1965., p. 116).

No período entre o fechamento do Il Giornalino della Domenica, em 1911, e a sua reabertura em 1918, Bertelli se dedicou principalmente a escrever livros de leitura e de história para crianças, bem como a reunir em coletâneas alguns de seus textos já publicados em forma de artigo ou ainda textos inéditos. Dentre esses textos ocupa um lugar de destaque a obra prima absoluta de Vamba, Il Giornalino di Gian Burrasca, destinado a tornar-se um clássico da literatura infanto-juvenil. Nesse período Bertelli assinou textos escolares, editados pela Bemporad, como a série em quatro volumes Il Giardino: letture per le scuole elementari, escritas junto com Giuseppe Fanciulli e publicadas entre 1914 e 1915, e os livros de leitura de história da coleção em quatro volumes Come l'Italia diventò nostra, publicados entre 1917 e 19183 3 Sobre o programa editoral da Bemporad durante a guerra ver Gibelli (2005, p. 48). . Houve também muitos livros de leitura de conteúdo histórico e moral destinados aos jovens e editados pela Bemporad, como I bimbi d'Italia si chiaman Balilla. O livro I ragazzi italiani nel risorgimento foi publicado pela primeira vez em 1915; depois, Resistere per esistere (1917) e Un secolo di storia italiana (1815-1918), impresso depois da guerra em 1919.

Também em Florença foram publicados em 1916, pela editora Landi, o folheto de propaganda para o Empréstimo Nacional Il segreto della vittoria, no qual Bertelli, ao lado de belas ilustrações de Filiberto Scarpelli, incentiva cada italiano a contribuir de acordo com seus próprios recursos para realizar uma "santa fusão de todas as almas da nação em um só pensamento, em um só desejo, em uma só vontade: a vitória da Itália!" (p. 7)4 4 Sobre os empréstimos nacionais em época de guerra ver Gibelli (2005). ; e pela Tipografia Spinelli L'epitaffio di Francesco Giuseppe, uma coletânea de epígrafes de patriotas italianos condenados à morte pelo imperador austríaco, aberta por uma dedicatória a dois patriotas irredentistas, Cesare Battisti e Nazario Sauro, e apresentada como documento de santo ódio italiano além dos túmulos dos mártires e dos algozes. Além disso, também em 1916, Bertelli publicou, por iniciativa do editor Bemporad, o apaixonado retrato de Jessie White Mario, ativista mazzianiana e defensora da causa italiana que ele imaginava extasiada no céu ao ver "as suas duas pátrias, Inglaterra e Itália, unidas na mesma guerra santa contro a barbárie turca e alemã" (p. 84). Junto à editora romana Industria Grafica Nazionale foi publicada em 1918 a coletânea de documentos dedicados ao risorgimento Ora e allora: documenti del nostro Risorgimento nazionale riprodotti in facsimile e illustrati.

Nesse período Vamba foi movido, como escritor e como homem, por um objetivo principal: formar o fronte interno educando as novas gerações nos valores pátrios. Interrompendo o compromisso com Il Giornalino della Domenica, Bertelli se dedicou com renovadas energias à missão civil de sempre, publicando uma ampla variedade de textos para crianças, de modo a completar o que já havia começado em seu trabalho como escritor infanto-juvenil. Bertelli sentiu-se parte do que definiu como geração intermediária, ou seja, uma geração que não havia participado dos feitos Risorgimento e que, por uma questão de idade, não seria chamada a completar a obra de edificação nacional. (Ascenzi, Di Felice, Tumino, 2008ASCENZI, Anna; DI FELICE, Maila; TUMINO, Raffaele. Santa Giovinezza: lettere di Luigi Bertelli (1883-1920). Macerata: Alfabetica, 2008.). Essa percepção aguda da própria condição levou o escritor toscano a se concentrar na causa da educação ética e civil das novas gerações. Na verdade, em seu entendimento, essa era a única contribuição concreta que a geração intermediária poderia dar: manter viva a memória dos pais da pátria, de modo a fomentar as ações daqueles que concluiriam o trabalho iniciado por seus antepassados:

Quando os soldados italianos entraram em Roma e eu acabara de completar dez anos de idade... e vocês meninos, ainda nem tinham tido a honra de vir ao mundo. Felizes os soldados que reconquistaram a capital da nação - de coração inflamado - e se viram naquela incrível explosão de entusiasmo que Edmondo De Amicis (que estava entre eles) soube muito bem captar em um de seus belos sonetos. E felizes também vocês, jovens italianos, que ainda não eram nascidos e a quem talvez um destino amigo reserve a invejável sorte de no futuro devolver à nação outros territórios sob o jugo do domínio estrangeiro. Pior está quem nasceu muito tardiamente e muito cedo para fazer o que quer que seja; nós que viemos à luz enquanto nossos bravos pais lutavam pela Itália, nós que teremos já passado às sombras quando os nossos bravos filhos lutarem para completá-la ... Paciência! Procuremos ao menos fazer uma coisa: manter viva a lembrança de nossos pais que lutaram em nossos filhos que lutarão, entregando o futuro cheio de esperança sempre acesa a chama sagrada do ideal que assegurou o passado cheio de glória. (Il Giornalino della Domenica, 1906, I, n. 13, 16 set. 1906, p. 1)

Esse caminho que Vamba havia percebido desde a fundação de Il Giornalino della Domenica, apontando como verdadeiro desafio da geração intermediária o dever de educar, de dedicar toda sua energia para combater a corrupção moral e política alastrada na classe dominante, formando os jovens em um espírito novo e construtivo, voltado aos valores da democracia e da irmandade, emergiu com toda a força no momento de prova extrema a que foi submetido o país durante o período bélico. Nesse preciso momento as motivações ético-civis, que sempre caracterizaram a obra de Bertelli, assumiram um novo ritmo, mais intenso. A entrada da Itália na guerra era sustentada por uma ação formativa de amplo alcance, que buscava alcançar em primeiro lugar as novas gerações, comprometidas com o fronte de resistência interna (Gibelli, 2005GIBELLI, Antonio. Il popolo bambino: infanzia e nazione dalla Grande Guerra a Salò. Torino: Einaudi, 2005.). Em consequência disso surgiue o engajamento de Bertelli na produção de manuais e folhetos destinados ao amplo público dos alunos das escolas, sobretudo de escola primária, e aos jovens que ainda não tinham idade para a guerra.

Vamba e os livros didáticos em tempo de guerra

Durante o período do primeiro conflito bélico mundial os conteúdos ensinados mudaram: "somente os assuntos de patriotismo parecem [...] dotados de palavras legítimas, capazes de gerar explicações para dar sentido a um discurso pedagógico sobre a realidade da guerra em curso, da qual nenhum professor pode em última análise, e em sã consciência, permitir-se de silenciar" (Fava, 2010FAVA, Andrea. Mobilitazione patriottica, assistenza all'infanzia, educazione nazionale nella scuola elementare dell'Italia in guerra (1915-1918). In: MENOZZI, Daniele; PROCACCI, Giovanna; SOLDANI, Simonetta (orgs.). Un paese in guerra: la mobilitazione civile in Italia (1914-1918). Milano: Unicopli, 2010, p. 147-182., p. 173). Tal mudança envolveu os currículos escolares, o conteúdo dos ditados e das composições, os assuntos tratados em aula e os livros didáticos. As conotações patrióticas dos textos didáticos desse período surgem, principalmente, da análise dos manuais de orientação destinados ao ensino de matérias como História, sempre comprometida com o dever de forjar o espírito patriótico dos italianos (Ascenzi, 2009ASCENZI, Anna. Metamorfosi della cittadinanza: studi e ricerche su insegnamento della storia, educazione civile e identità nazionale in Italia tra otto e novecento. Macerata: EUM, 2009.). Nesse material um tema clássico, como o da exaltação heroica na epopeia do Risorgimento, adquiriu um novo valor. A primeira guerra mundial torna-se "a última guerra do Risorgimento" (Fava 1993, p. 147). Relembrar o passado servia a legitimar a guerra como um instrumento de resgate da Itália e das nações oprimidas pelos impérios centrais. A primeira guerra mundial tornou-se a ocasião propícia para que a Itália reconquiste as terras irredentas - Trentino, Venezia-Giulia, Ístria, Dalmácia - e os livros de história não procuram apenas informar as novas gerações sobre as razões da guerra, mas querem legitimá-la, educando-a por uma ideia de pátria que exige a prova das armas. Os jovens tornam-se, então, os destinatários de um projeto de educação civil que almejava transformar os alunos em portadores e continuadores das virtudes nacionais e em pivôs de uma estratégia de guerra que transcende as forças armadas e os canhões, e que seria vencida com a resistência interna, com a mobilização social e a consistência moral da população, começando pelos mais jovens (Gibelli, 2005GIBELLI, Antonio. Il popolo bambino: infanzia e nazione dalla Grande Guerra a Salò. Torino: Einaudi, 2005.).

A didática da guerra servia-se de exemplos extraídos da história italiana e dos feitos heroicos de soldados que combateram nos frontes para educar a infância e a juventude ao patriotismo e, com eles, as suas famílias. Por trás disso está um conceito de população escolar que é ao mesmo tempo destinatária de mensagens ideológicas específicas e instrumento de propaganda do sentimento nacional. As publicações de Bertelli, entre 1915BERTELLI, Luigi. I bimbi d'Italia si chiaman Balilla: i ragazzi italiani nel Risorgimento nazionale. Firenze: Bemporad, 1915. e 1918, são textos "de propaganda para a resistência" (Michieli, 1965MICHIELI, Armando. Vamba. Brescia: La Scuola , 1965., p. 151), que assumem conotações diferentes de acordo com o período no qual foram escritos e com os destinatários aos quais se dirigem, mas que se apresentam, em sua totalidade, como um exemplo do teor da chamada pedagogia da guerra que dá vida a grande parte dos livros didáticos italianos produzidos durante o primeiro conflito mundial.

Dessa forma os livros de leitura da coleção Il Giardino, escrita por Bertelli junto com Fanciulli no ano letivo 1914BERTELLI, Luigi. Il giardino: letture per le scuole elementari. Firenze: Bemporad , v. 4, 1914-15.-1915, estão repletos de crianças que sentem profundamente a importância do momento histórico e que parecem ansiosas em dar a sua pequena contribuição à pátria. Assim, no livro para a terceira série encontramos Luisina, Mariuccia e Nella decididas a fazer longas mantas de lã cinza em tricô para os soldados que, longe de casa, ao usarem essas mantas, poderão sentir, "além do calor da lã, [...] também o calor dos bons pensamentos" das meninas que as tricotaram (p. 28). Mas encontramos também Giovanni que, ao ficar sabendo da passagem de uma tropa de soldados em sua cidade, organiza com seus colegas um pequeno ponto de descanso com água, vinho e xaropes, para oferecer algum alívio às tropas em marcha (p. 131). Não faltam, ainda, mães que, apesar do coração tomado de angústia e de dor, despedem-se dos filhos que partem para o fronte incitando-os a cumprirem seu dever (p. 123). Também há episódios que exaltam o valor e o heroísmo dos soldados que combatem pela pátria, como no texto Gli alpini do livro da quarta série, no qual Alberto e seus amigos têm a honra de encontrar um glorioso pelotão de tropas alpinas e de aprender, pela história contada pelo pai de Alberto, a importância do papel desempenhado por "esses seletos soldados, que defendem as nossas fronteiras [... e] guardam os portões da pátria, e que foram os primeiros a oferecer a própria vida quando a Itália quis recuperar as terras ocupadas injustamente pelos estrangeiros", tanto que se desperta no pequeno Alberto o desejo de seguir seus passos, expresso através de uma exclamação de caráter tipicamente infantil: "Quando eu crescer vou ser um alpino!" (p. 204). Também podemos encontrar as escolas transformadas em hospitais e que acolhem os feridos de guerra, como no livro de leitura da quinta série (p. 269). A partir dessas leituras, as crianças compreendem que aquela história do Risorgimento, cujos primeiros capítulos estudaram na escola continua nessa "nova guerra" (p. 271).

Um dos principais temas dos livros de História, desde o início do sistema de educação nacional, consiste no Risorgimento. Os episódios de valor de cada herói, as gloriosas iniciativas dos pais da nação como Giuseppe Garibaldi e Vittorio Emanuele II e as numerosas dificuldades do povo italiano para alcançar a unificação nacional são retomados com um renovado interesse nos livros didáticos produzidos durante a Primeira Guerra Mundial e os textos de Bertelli ilustram perfeitamente essa tendência.

Isso fica evidente nos textos de natureza didática: o escritor toscano dedica um volume inteiro dos livros de história para as primeiras séries ao Risorgimento italiano, parte da coleção Come l'Italia diventò nostra. Trata-se do livro para a sexta série intitulado Risorgimento, sobre o qual o comitê ministerial para o exame de livros didáticos das escolas primárias e populares de 1923-24 dizia:

No volume para a 6a série, Bertelli ilustra o Risorgimento nacional com informações seguras dos fatos, cativando-nos com suas palavras de artista. Alguns capítulos são impossíveis de ler sem comoção: além da luta armada, Bertelli põe em cena a luta travada com a pena; e não deixa de lembrar em nenhum momento a força civilizatória das belas artes. (Michieli 1965MICHIELI, Armando. Vamba. Brescia: La Scuola , 1965., p. 153)

Todavia, o texto mais importante da produção de Bertelli nesse período, que também trata do Risorgimento italiano, é certamente I bimbi d'Italia si chiaman Balilla: i ragazzi italiani nel risorgimento nazionale. Essa obra foi publicada em novembro de 1915, como foi dito previamente: a Itália havia entrado em guerra no dia 24 de maio daquele mesmo ano. Na verdade, Bertelli trabalhava nessa obra já há tempo, separando, ao longo dos anos, diverso material sobre o assunto. Sem dúvida, a nova situação vivida pelo país oferecia a ocasião e o impulso para que o trabalho fosse concluído e publicado. A obra trazia uma dedicatória "a Giacomo e Augusto Morpurgo, soldados da Itália na hora mais bela da história da Itália" (p. VI). A dedicatória de Bertelli a esses jovens estudantes florentinos seria logo esclarecida: um intervencionista convicto, Bertelli via na primeira guerra mundial a ocasião para que a Itália restabelecesse suas fronteiras naturais, pela conquista das chamadas terras irredentas. A posição de Bertelli não era compartilhada unanimemente por todos os italianos e havia diversos partidos contrários à guerra, mas essa visão foi a que prevaleceu a ponto de determinar a entrada do país na primeira guerra mundial5 5 Observe-se, por exemplo, a posição expressa pelos grupos de mestres socialistas milaneses: Ghizzoni (2014, p. 21-30). Um panorama sobre as forças políticas que se manifestaram a favor ou contra a participação da Itália na guerra foi proposto por Isnenghi e Rochat (2000, p. 85-122). . Em setembro de 1914 os Morpurgo se apresentaram como porta-vozes de um grupo de alunos ainda muito jovens, para servir à pátria com as armas, os quais, prevendo a iminente entrada em guerra, queriam constituir em Florença uma organização com a tarefa de substituir nos serviços públicos os cidadãos chamados para o combate. Eles haviam convidado Bertelli para dar uma conferência que lançasse e ilustrasse tal ideia. Desse convite começava a surgir a conferência intitulada I ragazzi nel Risorgimento nazionale, que Bertelli proferiu em janeiro de 1915 no auditório da Associação dos Trabalhadores Civis de Florença (p. X). O evento serviu para medir as forças da população às vésperas daquela que seria entendida por muitos como a conclusão de uma guerra de liberação iniciada no século anterior. Infelizmente a iniciativa dos Morpurgo, como Bertelli viria a enfatizar no prefácio, seria sufocada pelo "egoísmo da misérrima burocracia burguesa e proletária" (p. XI). Mas a ideia já havia germinado e, a despeito desses impedimentos externos, tinha a possibilidade de arraigar-se dentro dos Comitês de Preparação Civil que surgiram em Florença, bem como em muitas outras cidades italianas, para apoiar as atividades militares com uma "atividade civil variada, intensa, fértil" (p. XI). Bertelli se inspirava nessas circunstâncias e dava forma àquele conjunto de materiais sobre o Risorgimento reunido ao longo dos anos, culminando na publicação de um livro que, ao narrar "as virtudes das crianças de ontem", alimentasse "as virtudes das crianças de hoje" (p. VII).

O título da obra era retirado de um verso de Il Canto degli italiani, de Goffredo Mameli, que depois se tornou o hino oficial da República Italiana e era descrito pelo próprio autor como um "amável comentário histórico" àquela estrofe que a seu ver era a mais digna e era o mais alto resumo da "história dos meninos do Risorgimento nacional" (p. XII). N o fundo, a figura do jovem menino genovês, chamado Balilla, que iniciara uma revolta popular contra o império austro-húngaro em 1746, configurava um símbolo do Risorgimento e, para Bertelli, o verso de Mameli que fazia referência a essa figura mítica deveria ser o título mais idôneo para essa obra dedicada aos jovens no momento da "bela guerra de liberação" (p. XIV)6 6 Sobre o tema dos pequenos heróis como modelos literários e protagonistas das reportagens jornalísticas na época da guerra ver Gibelli (2005, p. 74-100). .

O texto propunha uma história da Itália do período das repúblicas jacobinas a 1915, tendo por fio condutor o heroísmo juvenil propriamente dito. Capítulos curtos revelavam as principais fases desse percurso: Antes do hino de Mameli, As provocações austríacas, As cinco jornadas de Milão, Durante a guerra de '48, No Sul, A defesa de Veneza, A defesa de Brescia, A Áustria na Toscana, A defesa da república romana, O cinquenta e nove, Os mil, Depois do sessenta, Aos meninos de hoje. O estilo rápido e simples era típico de uma narrativa ágil e comum para dirigir-se aos jovens, o que surgia da intenção de oferecer uma leitura límpida e convincente da recente história nacional para as novas gerações. Na verdade, ao escrever o texto Bertelli tinha em mente todos os seus leitores do Il Giornalino della Domenica, tanto aqueles que já tinham morrido pela liberdade da pátria, como Mario Slataper e Giosuè Borsi, quanto aqueles que, como Giacomo e Augusto Morpurgo, se preparavam para entrar em ação e dar seguimento à unificação italiana. A partir das páginas de Il Giornalino, primeiro, e de I bimbi d'Italia si chiaman Balilla, agora, a cada leitor Bertelli havia dirigido, no fundo, uma mesma lição baseada nas virtudes humanas "mais simples e possíveis a todos, da bondade humana, da devoção pela Pátria, do amor pela Liberdade" (p. 207).

Neste cenário a narrativa do Risorgimento da nação feito por crianças e para crianças, conforme proposto por Bertelli em I bimbi d'Italia si chiaman Balilla, somente poderia se concluir com um desejo que quer servir de profecia, permitindo a concretização de um sonho cultivado por longos anos:

Assim, o Balilla da lenda antiga está prestes a aparecer na história contemporânea. Naquela que a vocês, crianças, fizeram estudar até este ponto - na história de nosso Risorgimento nacional que é dada desde a terceira série - vocês aprenderam de cor que a Itália, depois do Congresso de Viena de 1815, por meio do qual iniciou o período de preponderância austríaca, era dividida assim e assim. Pois bem: eu, vocês, vossos irmãos, vossos pais e vossas mães, todos somos italianos de alma italiana, por via de tudo aquilo que amamos sobre esta terra, por via de tudo aquilo que adoramos nos céus, pelo sangue inocente de tantas crianças que foi versado sobre nossa Pátria, pela lembrança de nosso passado, pela certeza de nosso futuro e do futuro de todos os povos civis, esperemos que os jovens venham a ler sobre este outro ano em seu livro suplementar de história nacional: "E depois de um século a Itália, tendo finalmente alçando a sua completa unidade - esta nossa Itália tão bem definida como nação pela natureza e pela história, e que um príncipe austríaco definiu uma expressão geográfica - cancelou inteiramente do mapa da Europa aquela vergonhosa mancha multicolorida que por séculos havia pretendido o título de nação com o nome de Áustria". (p. 218)

Como já apontado, I bimbi d'Italia si chiaman Balilla foi a primeira de um significativo núcleo de obras para crianças escrito por Bertelli durante a primeira guerra mundial. Em 1917BERTELLI, Luigi. Resistere per esistere. Firenze: Bemporad , 1917. foi publicado o livreto Resistere per esistere. No frontispício da obra figurava uma frase de singular efeito do ministro de Relações Exteriores, Sidney Sonnino: "Nunca como hoje se pode afirmar com certeza que vencerá seus inimigos quem melhor souber vencer a si mesmo". O ano de 1917 foi significativo para a Itália, pois coincide com a sangrenta derrota de Caporetto, sofrida pelas tropas italianas na vale do Isonzo frente ao exército austro-hungaro-alemão7 7 Caporetto é um topônimo adotado na língua italiana para indicar um núcleo situado nas Alpes Júlias, anti-gamente italiano, hoje parte do território esloveno e denominado Kobarid. Em Caporetto aconteceu um evento central da história da Primeira Guerra Mundial que marcou a memória coletiva italiana. Na noite entre 24 e 25 de outubro de 1917 o exército áustro-húngaro-alemão venceu o fronte italiano, ocupou Caporetto e, nas duas semanas seguintes, tomou o controle da faixa de território entre o rio Isonzo e o rio Piave, obrigado as tropas italianas a uma trágica retirada que se deteve junto ao Piave, onde foi reorganizada a linha defensiva italiana. O exército italiano foi surpreendido e as consequências da derrota, denominada Desfeita de Caporetto, foram profundas: 130 quilômetros de retrocesso do fronte italiano, 11.000 mortos, 29.000 feridos, 280.000 prisioneiros, 350.000 militares dispersos, 400.000 civis em fuga das áreas ocupadas em direção ao território italiano. Uma reconstrução detalhada dos eventos militares que marcaram o episódio de Caporetto é proposta por Mario Isnenghi e Giorgio Rochat, que também oferecem um quadro de síntese sobre os extensos efeitos da derrota na opinião pública italiana (2000). Antonio Gibelli (2004), por sua vez, ofereceu uma narrativa particular desta trágica página da Primeira Guerra Mundial, tomando em exame os testemunhos escritos, principalmente cartas e páginas de diários, dos homens e mulheres que, na condição de militares ou civis, foram testemunhas diretas da desfeita de Caporetto. . Após aquela, que entrou para a história como a desfeita de Caporetto, a abordagem de conteúdos bélicos passou a ser preponderante nas salas de aula italianas. Às escolas foi solicitada a máxima contribuição nas atividades de resistência moral e militar, mesmo porque a própria instituição escolar havia sido posta no banco dos réus enquanto principal responsável por esta derrota (Fava, 2010FAVA, Andrea. Mobilitazione patriottica, assistenza all'infanzia, educazione nazionale nella scuola elementare dell'Italia in guerra (1915-1918). In: MENOZZI, Daniele; PROCACCI, Giovanna; SOLDANI, Simonetta (orgs.). Un paese in guerra: la mobilitazione civile in Italia (1914-1918). Milano: Unicopli, 2010, p. 147-182.). Esta acusação havia sido explicitada por Luigi Einaudi que, sob o pseudônimo de Junius, publicou em 18 de novembro de 1917EINAUDI, Luigi. La scuola ha adempiuto al suo dovere? Il Corriere della sera. Milano, 18 novembre 1917, p. 1-2., nas páginas do mais respeitado jornal nacional, o Corriere della sera, um artigo polêmico. O artigo intitulado La scuola ha adempiuto al suo dovere? propunha uma leitura moralista dos eventos de Caporetto, interpretados como consequência da greve dos militares italianos que não haviam sido educados na sacralidade da pátria. A escola italiana não havia sido capaz de igualar aquela de outras potências europeias, como a França, a Inglaterra, a Alemanha e a própria Áustria, pois não teria sido capaz de instilar em seu povo um sentimento de amor incondicional pela pátria. Em particular, Einaudi atacava a ineficácia das metodologias didáticas adotadas no ensino da história, vinculadas a uma impostação obsoleta e baseada sobre abstratos elencos de datas e palavras a serem decoradas. Ele convidava os professores a um exame de consciência, mas seu verdadeiro alvo era a escola da época de Giolitti, que ele condenava por completo (Einaudi, 1917). O artigo provocou um amplo debate do qual se destacou a urgente necessidade de uma mudança de rumo no sistema educacional da nação, ao qual se pedia o abandono dos abstratos valores do passado para assumir seu papel primário de formador da identidade e da consciência nacional dos italianos (Fava, 2010).

É neste clima que Bertelli escreveu Resistere per esistere, a obra de 1917BERTELLI, Luigi. Resistere per esistere. Firenze: Bemporad , 1917. dedicada à "juventude de nossas escolas, enquanto nas fronteiras da Itália talvez se esteja decidindo a luta entre a civilização e a barbárie". Doado pelo autor e pela editora Bemporad à Prefeitura de Florença o texto se propunha como uma espécie de apelo à resistência, escrito para combater o sentimento de desfeita e para encorajar o revide do povo italiano8 8 Sobre a insídia do chamado inimigo interno ver Gibelli (2014, p. 168). , o qual devia seria alimentado antes de tudo entre as novas gerações, enquanto núcleo da resistência e da propaganda interna:

A vocês jovens, de mente limpa e sem as névoas dos mesquinhos egoísmos do bem imediato, ficará logo clara a necessidade da guerra até a vitória, apesar de terem ouvido de tempos em tempos ser repetida por diferentes pessoas, como que suspirada, uma doce palavra: Paz. [...]. A paz pela morte seria a paz para a Pátria hoje - e só podem aconselhá-la os corvos e os chacais. É portanto necessário resistir para não morrer. Resistir ... continuarmos todos a resistir, agora que a Itália já começou a existir com uma nova vida, por aquele caminho que sonharam seus heróis e seus mártires de hoje e de ontem ao morrerem. Ela existe, ela deve existir; e como sua existência é vida de liberdade e de progresso, vida de civilização, vida de bem, nós devemos todos, portanto, unirmos nossas vozes em um só grito: - Viva a Itália! (p. 23)

Neste apelo aflito pela resistência até a vitória encontramos toda a confiança de Bertelli na justa causa da guerra combatida pelos italianos, convencido de que, uma vez superada, iniciaria uma nova época da história nacional, aquela da Itália finalmente unida e livre:

E enquanto isso também a vocês, jovens de nossas escolas, cabe a obrigação de participar da propaganda pela resistência nesta hora suprema da Pátria; mais que isso, a vocês mais que a outros, pois é a vossa geração que gozará na Itália renovada dos belos frutos da vitória obtida com o sangue de vossos pais e de vossos irmãos mais velhos. (p. 9)

A dolorida página de Caporetto era reconstruída por Bertelli em um outro livro de história destinado ao uso escolar, Un secolo di storia italiana (1815-1918):

Por um momento a jornada de Caporetto, que havia enaltecido os feitos dos austríacos, parecia destinada a abater nossa coragem e a decidir contra nós o destino da guerra. Mas ao invés de nos abatermos aos golpes da sorte adversa, da não merecida desventura, encontramos uma nova força que permitiu enfrentar as provas que ainda nos esperavam. [...]. Durante uma primeira tentativa de obstrução ao longo do rio Tagliamento, as nossas forças tiveram tempo para se reconstituírem. Depois tivemos de retroceder para oferecer apoio às linhas de defesa organizadas no rio Piave, onde o avanço inimigo foi completamente detido e de onde iniciou nossa vitoriosa contraofensiva. (p. 253)

Em Un secolo di storia italiana (1815-1918) Bertelli podia finalmente narrar o capítulo conclusivo da história do Risorgimento, desta vez, à diferença de quanto fazia em I bimbi d'Italia si chiaman Balilla, revisitada com um corte historiográfico clássico, ao longo do qual o autor demonstrava mover-se com sua costumeira criatividade e desenvoltura de escrita, alternando os grandes episódios da epopeia do Risorgimento com os perfis biográficos dos mais ilustres artífices do processo de unificação: A Itália entre 1815 e 1820, Os primeiros movimentos, O período das ilusões, O apóstolo e os primeiros mártires da Unidade (Giuseppe Mazzini), Sangue e tinta, O quarenta e oito, O ano dos desafortunados heroísmos, Garibaldi, Entre o quarenta e nove e o Cinquenta e nove, O Cinquenta e nove, Da paz de Villafranca à expedição de Marsala, A Itália quer Roma, O sessenta e seis, A Itália em Roma, A Itália redenta perde seus redentores (Giuseppe Garibaldi, Vittorio Emanuele II), Umberto I e seu reino, A Itália ao nascer do século XX, A quarta guerra de independência italiana. Também Un secolo di storia italiana (1815-1918) vinha à luz como um texto para ser adotado nas escolas e lido nas casas. Em confirmação, desta vez não encontramos uma explícita dedicatória, mas aquele estilo narrativo espontâneo e simples, misturado a ilustrações sabiamente em diálogo com o texto, como característico do Bertelli educador. A obra foi publicada em 1918, com a Primeira Guera Mundial já encerrada, a qual é explicitamente apresentada como a quarta guerra de independência italiana. Além do mais o texto era introduzido por um epitáfio de comentário com grande alusão ao primeiro capítulo, A Itália entre 1815 e 1820, no qual era lembrada a forma de bota do país: "Uma perna que caminha desenvolta em todo o mundo mesmo com correntes ao pé". Em fechamento ao capítulo A pátria realizada Bertelli se permitia proclamar, com a alma repleta de orgulho e esperança, que

a "perna" estendida no azul dos mares final e incontestavelmente nossos está hoje dotada de uma robusta bota, completa inclusive em seus remates terminais, que lhe permitirá enfrentar mesmo as mais longas e difíceis viagens em direção ao porvir! Pensem nisso: esta nossa Itália foi capaz de afirmar sua própria superioridade nas artes, nas letras e nas ciências, soube ditar leis que, ao longo dos séculos e ainda hoje, são a base do direito junto aos maiores e mais civilizados povos da Terra, e foi capaz de fazer tudo isto sob a incessante tormenta das invasões, das senhorias estrangeiras, sob as amarras da serviçagem. Pois bem, o que deverá ela fazer agora, livre, grande, forte, respeitada, quando vê reunidos em uma só família todos seus filhos, todos aqueles que falam o mesmo dulcíssimo idioma? Serão vocês, jovens, a dar a resposta a esta pergunta, porque é para vocês que esta grande Mãe comum - a "expressão geográfica" do príncipe de Metternich - abre amorosamente seus braços, é a vocês que ela oferece suas terras libertas, suas forças virgens, seus inesgotáveis recursos, para que sejam fecundadas com vosso estudo e com vosso trabalho. Aquela que começa hoje é uma nova História, e é justamente graças a vocês, jovens, que é dado pela fortuna de escrever nas páginas do futuro, páginas que sejam dignas daquelas do passado. Vocês devem ser legitimamente honrados, orgulhosos de vossos mais velhos, e a lembrança de suas virtudes, de suas obras, deverá motivar a emular seus feitos, para que esta herança de exemplos não seja perdida, mas para que seja o gérmen fecundo de uma nova grandeza para nossa Pátria! (p. 258)

Conclusões

A alegria de Bertelli pela feliz conclusão da Primeira Guerra Mundial foi transtornada pela não sucedida anexação de Fiume, e justamente esta vitória mutilada havia levado o poeta Gabriele D'Annunzio, ao comando de 2.600 legionários, a ocupar a cidade em 12 de setembro de 1919. Il Giornalino della Domenica havia então sido reinaugurado há apenas um ano, mas não podia deixar de apoiar a empreitada de Fiume, tendo defendido deste sua fundação a causa das terras irredentas. Com efeito, a experiência de Il Giornalino, como se sabe, havia se encerrado em 1911, mas a sua "grande família [...] havia permanecido unida e, uma vez renascida, o sentimento de amor pátrio havia se revelado mais uma vez forte" (Gallo, 2008GALLO, Claudio. Vamba e i ragazzi del Giornalino della Domenica a Fiume. Atti dell'Accademia Roveretana degli Agiati. Rovereto, v. 8, n. 1, 258, 2008, p. 293-329., p. 300). As Paginas rosa do periódico prontamente acolhiam cartas de jovens leitores entusiasmados com a iniciativa, e a Confederazione Giornalinesca havia imediatamente lançado um abaixo-assinado "por uma Fiume italiana, a mais italiana cidade da Itália". Os eventos promovidos para lembrar a vitória em Vittorio Veneto logo se transformaram em oportunidades para mobilizar os jovens em favor da causa de Fiume. Além disso, o agora idoso, mas sempre vivaz diretor do periódico, em companhia de seu homem de confiança Fanciulli e de outros colaboradores próximos, havia viajado para Fiume e a narrativa de sua jornada havia sido pontualmente reproduzida nas páginas do semanal, que logo depois também acolhera a apaixonada narrativa dos feitos do poeta soldado e de seus homens. Durante toda a empreitada de Fiume Il Giornalino foi protagonista de um vasto movimento de mobilização. A ocupação da cidade se encerrou com o tratado de Rapallo de 1920 e com as terríveis jornadas do Natal sangrento do mesmo ano, durante as quais o exército real italiano enfrentou as forças comandadas por D'Annunzio. A morte preservou Bertelli do epílogo da aventura de Fiume. Como já afirmado ele havia cultivado "o sonho de que, da batalha por uma Fiume italiana, teria surgido uma nova classe dirigente capaz de dar vida a uma democracia completa, fundada sobre uma nova relação entre cultura e política" (Gallo, 2008, p. 297). Na verdade, justamente naqueles anos o Fascismo se preparava sua tomada do poder. O erudito mazziano, republicano e federalista diretor de Il Giornalino não tomou parte desta fase escura da história do País, mas seus escritos sim.

Como é sabido, grande parte da produção de Bertelli examinada neste artigo foi objeto de uma enviesada e ampla obra de instrumentalização durante o vintênio fascista. O exemplo mais conhecido é encontrado justamente no texto mais representativo da produção escolar realizada pelo autor toscano nos anos da Primeira Guerra Mundial, ou seja, I bimbi d'Italia si chiaman Balilla. A obra foi publicada em 1921, em 1928 numa versão corrigida e acrescida por Ermenegildo Pistelli, e em 1936 numa versão curada por Aldo Valori, dois antigos colaboradores de Il Giornalino. Nestas edições aconteceu uma fascistização dos conteúdos do texto, alterando completamente o pensamento do autor. Outros textos de Bertelli foram submetidos à mesma operação, de modo tão despudorado e desrespeitoso com sua ideologia que em 1924 a comissão central para o exame de livros escolares, presidida por Giuseppe Lombardo Radice, ao avaliar a nova edição do livro de leituras para as escolas elementares de Vamba, O patria mia, julgava embaraçosas as integrações realizadas:

Há uma única observação a ser feita à editora [Bemporad], por ter atualizado o terceiro volume dos últimos eventos políticos sem citar o nome do compilador. Vamba morreu há anos e não era dotado de espírito profético para ditar a visão da marcha sobre Roma; em virtude do respeito devido ao escritor e ao educador, não era oportuno creditar a seu nome páginas que [...] pecam por verdadeiras e efetivas qualidades artísticas. (Ascenzi, 2009ASCENZI, Anna. Metamorfosi della cittadinanza: studi e ricerche su insegnamento della storia, educazione civile e identità nazionale in Italia tra otto e novecento. Macerata: EUM, 2009., p. 212)

Esta operação de manipulação do pensamento de Vamba, realizada durante os anos do regime fascista, impediu uma abordagem correta e autêntica do pensamento do autor toscano também após a guerra. Apenas recentemente a historiografia soube jogar uma nova luz sobre este protagonista da cena cultural e política italiana entre os séculos 19 e 20, de cujo espírito ele se fez porta-voz junto ao público infantil por meio da promoção de eventos literários fortemente inovadores e respeitosos das peculiaridades intelectuais de seus destinatários.

Este processo de redescoberta e, em parte, de reabilitação de Luigi Bertelli enquanto escritor para a infância se deteve, sobretudo, no estudo de sua criação mais querida e genial, Il Giornalino della Domenica, mas não se preocupou com outros frutos da indomável pena deste fértil engenho. Por meio do presente artigo desejou-se oferecer um exemplo do Bertelli patriota, interventista e irredentista, ativo durante os anos do primeiro conflito mundial pela publicação de numerosas obras destinadas à escola e à juventude, com a intenção de infundir nas novas gerações aquele amor pela Itália unida e livre que ele considerava base imprescindível do projeto de educação ético-civil promovido nas páginas do Il Giornalino. Um projeto motivado por uma autêntica religião civil, no qual o termo fé, repetidamente utilizado pelo autor, designava a robusta convicção de que o bem comum fosse o mais alto valor que cada indivíduo devesse almejar, inclusive para proteger e preservar sua própria felicidade e realização pessoal. Somente à luz destas premissas é possível compreender os motivos de base e o significado mais verdadeiro do intenso apelo do Bertelli educador e escritor aos seus meninos no momento extremo de prova do País após a desfeita de Caporetto, quando afirmava:

Este livreto que vem à luz nestes dias de ansiedade, durante os quais mudou a situação militar da Itália, mas não a , que mantemos forte em nossos corações, em seu exército, em sua vitória. E se alguém tentar vos privar da faculdade de discutir por causa de vossa jovem idade, lembrem esta pessoa que, além de ser um dever, esta propaganda é para vocês também um direito, dizendo-lhe: - Dado que nós somos o futuro, temos o direito de nos opormos a ele ser comprometido ou traído por qualquer malícia e por qualquer fraqueza. (Resistere per esistere, p. 5)

Figura 1
Arma la prora e salpa verso il mondo ("Arma a proa e zarpa para o mundo"), capa ilustrada por Filiberto Scarpelli, "Il Giornalino della Domenica", III, 34, 23 de agosto de 1908, Biblioteca do Centro de documentação e de pesquisa sobre a história dos livros escolares e da literatura para a infância da Universidade de Macerata (depois, Cesco), coll.: Cesco VMB.II 2 004(1909).

Figura 2
Palloni e dirigibili ("Balões e dirigíveis"), capa ilustrada por Aleandro Terzi, "Il Giornalino della Domenica", IV, 40, 3 de outubro de 1909, Biblioteca Cesco, col.: Cesco VMB.II 2 005(1910).

Figura 3
Ilustração do livro de leituras para a escola primária de Bertelli Il Giardino. Vol. per la III classe, (1914-1915), p. 133, Biblioteca Cesco, col.: Cesco RCC.I 00407.

Figura 4
Ilustração de Filiberto Scarpelli para o opúsculo de propaganda nacional escrito por Bertelli, Il segreto della vittoria (1917), p. 8, Biblioteca Cesco, col.: Cesco LET.II 00379.

Figura 5
Frontispício da ópera de Bertelli L'epitaffio di Francesco Giuseppe (1916), Biblioteca Cesco, col.: Cesco LET.II 00375.

Figura 6
Falso frontispício com o retrato de Jessie White Mario, da biografia escrita por Bertelli dedicada à mesma (1916); Biblioteca comunale Saffi di Forlì, col.: Mastri L 5D 0007 28.

Figura 7
Capa da primeira edição do volume de Bertelli I Bimbi d'Italia si chiaman Balilla (1915), Biblioteca statale di Cremona, col.: Ragaz.I.5,

Figura 8
Capa da nova edição atualizada e acrescida por Aldo Valori de I Bimbi d'Italia si chiaman Balilla (1936), Biblioteca Cesco, col.: Cesco LET.II 00010.

Figura 9
Capa ilustrada por Filiberto Scarpelli para a obra de Bertelli Resistere per esistere (1917), Biblioteca de San Severino Marche, col.: FA 5 I 1 314.

Figura 10
Capa ilustrada por Dino Tofani da nova edição do manual de história de Bertelli Un secolo di storia italiana (1928), Biblioteca Cesco, col.: CRM I 903.

Referências

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  • 1
    Sobre a vida de Bertelli ver Michieli (1965); Ascenzi, Di Felice, Tumino (2008); Ascenzi (2009, p. 181-217).
  • 2
    Pelo termo Risorgimento entende-se o movimento político e cultural pelo qual, ao longo do século 19, se desenvolveu o processo de unificação da península italiana. Para uma introdução ao tema ver Banti (2004); Della Peruta (1997).
  • 3
    Sobre o programa editoral da Bemporad durante a guerra ver Gibelli (2005, p. 48).
  • 4
    Sobre os empréstimos nacionais em época de guerra ver Gibelli (2005).
  • 5
    Observe-se, por exemplo, a posição expressa pelos grupos de mestres socialistas milaneses: Ghizzoni (2014, p. 21-30). Um panorama sobre as forças políticas que se manifestaram a favor ou contra a participação da Itália na guerra foi proposto por Isnenghi e Rochat (2000, p. 85-122).
  • 6
    Sobre o tema dos pequenos heróis como modelos literários e protagonistas das reportagens jornalísticas na época da guerra ver Gibelli (2005, p. 74-100).
  • 7
    Caporetto é um topônimo adotado na língua italiana para indicar um núcleo situado nas Alpes Júlias, anti-gamente italiano, hoje parte do território esloveno e denominado Kobarid. Em Caporetto aconteceu um evento central da história da Primeira Guerra Mundial que marcou a memória coletiva italiana. Na noite entre 24 e 25 de outubro de 1917 o exército áustro-húngaro-alemão venceu o fronte italiano, ocupou Caporetto e, nas duas semanas seguintes, tomou o controle da faixa de território entre o rio Isonzo e o rio Piave, obrigado as tropas italianas a uma trágica retirada que se deteve junto ao Piave, onde foi reorganizada a linha defensiva italiana. O exército italiano foi surpreendido e as consequências da derrota, denominada Desfeita de Caporetto, foram profundas: 130 quilômetros de retrocesso do fronte italiano, 11.000 mortos, 29.000 feridos, 280.000 prisioneiros, 350.000 militares dispersos, 400.000 civis em fuga das áreas ocupadas em direção ao território italiano. Uma reconstrução detalhada dos eventos militares que marcaram o episódio de Caporetto é proposta por Mario Isnenghi e Giorgio Rochat, que também oferecem um quadro de síntese sobre os extensos efeitos da derrota na opinião pública italiana (2000). Antonio Gibelli (2004), por sua vez, ofereceu uma narrativa particular desta trágica página da Primeira Guerra Mundial, tomando em exame os testemunhos escritos, principalmente cartas e páginas de diários, dos homens e mulheres que, na condição de militares ou civis, foram testemunhas diretas da desfeita de Caporetto.
  • 8
    Sobre a insídia do chamado inimigo interno ver Gibelli (2014, p. 168).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2016
  • Aceito
    27 Jul 2016
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