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INTERDIÇÃO DE LEITURA E PRESCRIÇÃO DE TEXTOS PARA A INFÂNCIA E JUVENTUDE MONTES-CLARENSE (1920-1950)1 1 A pesquisa contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - Fapemig -, a quem agradecemos. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Unimontes, parecer n. 2522, em conformidade com a resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

PROHIBITION OF READING AND REQUIREMENT OF TEXTS FOR CHILDREN AND YOUNGSTERS FROM MONTES CLAROS (1920-1950)

LECTURA DE PROHIBICION Y PRESCRIPCIÓN DE TEXTOS PARA LA INFANCIA Y JUVENTUD MONTES-CLARENSE (1920-1950)

LECTURE INTERDICTION ET TEXTES PRESCRIPTION DESTINE À L'ENFANCE ET JEUNESSE MONTES-CLARENSE (1920-1950)

Resumo

Neste artigo tem-se por objetivo discutir representações de leitura que circularam em Montes Claros e visaram a prescrever leituras ou interditar textos destinados à infância e à juventude. As representações se inscrevem em dois movimentos: de um lado, a construção da relação entre professores e alunos, livros e leituras, dada a possibilidade de inculcação de valores, de desenvolvimento cultural e aprendizado. Por outro lado encontra-se a defesa da interdição de determinados textos, considerados inadequados aos leitores em formação.

Palavras-chave:
representações de leitura; prescrição de livros; história da leitura; história da educação

Abstract

This article aims to discuss representations of reading that circulated in Montes Claros and aimed to prescribe or prohibit texts aimed at children and youngsters from Montes Claros. The representations fall into two movements-on one hand, the construction of the relationship between teachers and students, books and readings, given the possibility of value inculcation, cultural development and learning. On the other hand, there is the defense of the prohibition of certain texts considered un suitable for readers who are being educated.

Key-words:
representations of reading; prescription of books; history of reading; history of education

Resumen

El artículo tiene como objetivo analizar las representaciones de lectura que circulaban en Montes Claros y apuntó prescribir lecturas o textos entredicho destinados a niños y jóvenes montes-clarenses. Las representaciones se inscriben en dos movimientos - por un lado, la construcción de la relación entre profesores y estudiantes, libros y lecturas, dada la posibilidad de inculcación de valores, el desarrollo cultural y el aprendizaje; por el contrario, es la defensa de la prohibición de ciertos textos, considerada inadecuada para los lectores en formación.

Palabras-clave:
representaciones de lectura; prescripción de textos; historia de la lectura; historia de la educación

Résumé

L'article vise à discuter des représentations de lecture qui circulaient à Montes Claros et visant prescrire des lectures ou des textes d'intercepter des destinés aux enfants et aux jeunes montes-clarenses. Les représentations sont inscrits dans deux mouvements - d'une part, la construction de la relation entre les enseignants et les étudiants, des livres et des lectures, étant donné la possibilité d'inculcation des valeurs, le développement et l'apprentissage culturel; d'autre part, il est la défense de l'interdiction de certains textes, jugée inapproprié pour les lecteurs dans la formation.

Mots-clé:
représentations de lecture; livres ordonnance; histoire de la lecture; histoire de l'éducation

Introdução

O presente texto tem a leitura como objeto de estudo e orienta-se pela História Cultural, abordagem que ganhou visibilidade a partir das últimas décadas do século 20 e refere-se a estudos que produziram um deslocamento da história social da cultura para a história cultural da sociedade. Com Chartier (1990CHARTIER, Roger. História cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Berthand, 1990., 2000), compreendemos que a História Cultural visa a identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler.

Para o estudo historiográfico da cultura Chartier (1990CHARTIER, Roger. História cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Berthand, 1990.) propôs os conceitos de representação, apropriações e práticas. Representações compreendidas como classificações e exclusões, que constituem as configurações sociais e conceptuais próprias de um tempo e de um espaço, tornando possível superar os falsos debates em torno da divisão irredutível entre as objetivações das estruturas e a subjetividade das representações, ou seja, a partir do conceito de representação é possível ultrapassar o terreno de uma história mais segura, que ilusoriamente pretende reconstruir as sociedades tais como teriam sido, bem como superar uma história dirigida às ilusões de discursos distanciados do real (Chartier, 1990).

Neste contexto teórico o objetivo do presente artigo é discutir representações de leitura que circularam em Montes Claros e visaram a prescrever leituras ou interditar textos destinados à infância e à juventude. Como fontes documentais foram utilizados os jornais Gazeta do Norte, Folha do Norte e O Operário. O jornal Gazeta do Norte é um semanário literário e independente que circulou na cidade de Montes Claros e região Norte mineira entre 1918 e 1962. A Folha do Norte é um semanário que circulou em Montes Claros nas décadas de 1920 e 1930. Publicado aos domingos o jornal divulgou "notícias de ultima hora, telegrammas, vida social, interesses locaes, notas e outras informações uteis" (Folha do Norte, 1930a, p. 1). O Operário é um semanário da União Operária e Patriótica, que circulou em Montes Claros no período de 1931 a 1945. Inicialmente o jornal se autodenominava defensor da classe proletária, sendo que, a partir de 30 de setembro de 1933, afirma-se como semanário em defesa dos interesses locais.

A Revista do Ensino também foi utilizada como fonte documental, permitindo captar a sincronia entre o contexto montes-clarense e as discussões ocorridas no âmbito do estado de Minas Gerais. A revista é uma publicação periódica da Inspectoria de Instrucção do governo de Minas Gerais, importante recurso de divulgação pedagógica e viabilização do projeto de reforma pretendido para as escolas mineiras.

O recorte temporal definiu-se pelos anos de 1920 e 1950, período em que o movimento da Escola Nova encontrou espaço para propor a renovação da educação e produzir a modernidade pedagógica. Araújo (2004) afirma que a década de 1920 ocupou-se em delinear o Brasil moderno, depositando confiança na possibilidade de produção de um futuro democrático e próspero, permitido pelo progresso liberal das artes e das ciências, mas, também, de uma educação integral científica. Ainda conforme a autora, com a revolução de outubro de 1930, o ideário do Brasil moderno ganhou certa materialidade, em razão da regulação estatal de talhe centralizador e conservador, mas, também, impulsionador do desenvolvimento da indústria, do capitalismo e da ciência (Araujo, 2004ARAUJO, Marta Maria. A educação tradicional e a educação nova no Manifesto dos pioneiros. In: XAVIER, Maria do Carmo (org). Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: FGV/Fumec, 2004, p. 131-146.).

Conforme Schwartzman (2005SCHWARTZMAN, Simon. Os desafios da educação no Brasil. 2005. Disponível em http://scholar.google.com.br/scholar?start=20&q=A+EDUCA%C3%87%C3%83O+NO+BRASIL+na+decada+de+1950&hl=pt-BR&as_sdt=0,5. Acesso em 2 out. 2013.
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), nas décadas de 1950 e 1960, a educação parecia menos importante do que em décadas anteriores, apesar de o Brasil estar inserido em um contexto de desenvolvimento. Isso porque nos anos 1930 havia a crença de que a educação seria o caminho para o progresso, por ser capaz de mudar a mentalidade e a alma das pessoas. No entanto, com o crescimento econômico, as questões sociais e a política assumiram a primazia e a educação, de uma condição necessária para a mudança social, passou a ser vista como uma decorrência (Schwartzman, 2005).

No contexto das primeiras décadas do século 20, com a ampliação das funções atribuídas à leitura e à escrita, tornou-se possível perceber que não apenas o processo de alfabetização foi posto em discussão pelos intelectuais e pela imprensa, mas também os usos que se poderiam fazer dos livros, leituras e histórias. A preocupação com os modos de ler constituiu-se como objeto de estudo histórico para diferentes autores que abordam a questão e sinalizam para práticas consideradas adequadas à formação das crianças e da juventude. Ao discutir a história do livro e da leitura Hébrard (1996HÉBRARD, Jean. (1996). O autodidatismo exemplar: como Jamerey-Duval aprendeu a ler? In: CHARTIER, Roger (org.). Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, p. 35-74.) apresentou duas vertentes pelas quais seria possível compreender a questão. A inabalável crença no poder da leitura contrapõe-se à discussão acerca de um possível mau uso que poderia ser feito pelos leitores, bem como as influências negativas dos livros e das histórias na formação dos leitores.

Nessa direção, Abreu (2000) afirma que, durante o século 18, a leitura foi considerada como prática potencialmente perigosa, que poderia oferecer riscos à saúde: o esforço continuado para ler um texto poderia prejudicar a visão, produzir esgotamento dos nervos e dificuldades digestivas, irritabilidade e uma série de outros problemas. No entanto, os problemas físicos advindos do excesso de leitura não eram os piores perigos, sendo necessário cuidado com livros e leituras que representassem ameaça para a alma e colocassem em risco a moral.

Neves (2000NEVES, Lucia Maria Bastos P. Antídotos contra obras ímpias e sediciosas: censura e repressão no Brasil de 1808 a 1824. In: ABREU, Márcia (org). Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado das Letras, 2000, p. 377-394. ) indica que, no Brasil, nas primeiras décadas do século 18 o acesso a obras pelos leitores era limitado pela censura. A leitura não dependia apenas da oferta das livrarias, mas estava sujeita à intervenção do poder real. A autora lembra que a instalação da Imprensa Régia, em 1808, produziu o despertar da vida cultural da colônia, sendo publicados documentos oficiais, jornais e obras de cunho científico e literário. No entanto, a Mesa do Desembargo do Paço reivindicou o direito de exercer a jurisdição sobre o exame de livros e, assim, nada mais se imprimia sem a prévia censura da Mesa, que também exercia o direito de autorizar a retirada de livros importados das alfândegas e de autorizar a divulgação de obras estrangeiras no Brasil. Na época a preocupação primordial dos censores se relacionava "tanto ao temor em relação às novas idéias políticas propagadas pelos abomináveis princípios franceses, quanto uma preocupação com a moral e os ataques à religião" (Neves, 2000, p. 377). Conforme a autora, havia o cuidado de proibir obras sediciosas, mas o zelo não era menor em relação às obras ímpias e imorais, ou seja, havia na censura uma preocupação com a formação moral, mas também com a influência política que as obras poderiam exercer sobre os leitores.

Uma faceta do envolvimento perigoso do leitor com os textos foi discutida por Paiva (1997PAIVA, Aparecida. A voz do veto: a censura católica à leitura de romances. Belo Horizonte: Autêntica, 1997.), que investigou a censura aos romances. A autora realizou uma incursão na censura, instaurada no início do século 20, a partir da atuação do frei Pedro Sinzig, que elaborou e publicou um guia composto de críticas a um enorme número de livros, classificando-os, julgando-os, indicando-os ou vetando-os, conforme se apresentassem como leitura sadia ou perigosa à formação das moças.

Assim, os representantes oficiais da Igreja assumiram a missão de arbitrar sobre as boas e más leituras e, partindo desse pressuposto, a resistência da Igreja revelava-se na preocupação em indicações e proibições de leituras. A partir da atuação do frei Pedro Sinzig se produziu o veto a romances destinados às moças, compreendido por Paiva (1997PAIVA, Aparecida. A voz do veto: a censura católica à leitura de romances. Belo Horizonte: Autêntica, 1997.) como uma das dimensões do discurso católico sobre a leitura. Por meio da censura aos textos literários a autora analisou o papel da Igreja Católica como guardiã do dogma da fé, indicando que a leitura de determinados romances se constituía como uma prática perigosa, quando não se precavia diante das armadilhas do texto escrito.

A prescrição de leituras também foi discutida por Diana Vidal (2001VIDAL, Diana Gonçalves. O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937). Bragança Paulista: USF, 2001.). Ao investigar a reforma do ensino empreendida na Escola Normal do Rio de Janeiro na década de 1930, Vidal (2001) afirmou que este é um espaço-tempo institucional em que se apostava na escola e em seu poder de transformação cultural, sendo que a formação de professores se produziu na tensão entre prescrições de leitura e modos de ler e utilizar o livro. Ao discutir concepções de Fernando de Azevedo, Vidal (2001) ressaltou a preocupação do reformador com a má interpretação dos princípios educativos da educação nova, que estava produzindo uma ofensiva contra o livro, sua exclusão e substituição por outros recursos didáticos. No entanto, ao estudar a influência da Escola Nova no curso de formação de professores, no Rio de Janeiro, a autora concluiu que não se tratava de excluir o livro da sala de aula, mas que se pretendia era uma nova abordagem dos livros e da leitura, em que o estudo se apresentaria como forma de experiência, por uma multiplicidade de fontes e uma diversidade de leituras, por um processo em que "o repúdio ao livro era inimaginável, exceto se circunscrito ao livro-texto" (p. 204).

As representações disseminadas revelam que, por uma apropriação de princípios da Escola Nova, o desejo, o interesse e o prazer da criança eram concebidos como molas propulsoras da sua atividade. Segundo Vidal (2001VIDAL, Diana Gonçalves. O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937). Bragança Paulista: USF, 2001.):

O discurso escolanovista não se ocupou, apenas em normatizar o livro, atentando para seu aspecto material e de conteúdo. Uma explosão de falas sobre a leitura apontava para uma nova sensibilidade. A leitura prazerosa, muitas vezes identificada com a literatura, poderia ser reencontrada no trabalho e na escola. Abolido o livro-texto, a que se escravizavam os escolares, despertar-se-ia no aluno novo prazer por ler: aventura intelectual. Uma pluralidade de textos oferecia-se à descoberta (p. 207).

Ainda conforme Vidal (2000VIDAL, Diana Gonçalves. Livros por toda parte: o ensino ativo e a racionalização da leitura nos anos 1920 e 1930 no Brasil. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 2000, p. 335-358.), no âmbito da Escola Nova, a leitura assumiu papel de destaque na formação intelectual dos estudantes: de depositários da cultura universal o livro passou a ser visto como fonte de experiência.

No contexto da cidade de Montes Claros as discussões sobre livros e leituras se apresentavam entre duas abordagens. De um lado a ideia de que para evitar possíveis malefícios os livros deveriam ser censurados e a leitura vigiada. De outro lado havia os defensores incondicionais da leitura, que compreendiam que todos os portadores de texto e todas as formas de leitura eram bem-vindos e deveriam ser estimulados por pais e professores. É assim que, nas primeiras décadas do século 20, entre prescrição e interdição, livros e leitura integram as discussões veiculadas em Montes Claros.

A interdição e indicação de textos destinados às crianças

O Brasil dos anos 1920 e 1930 encontrava-se imerso em um processo de busca da modernidade. Nos anos de 1920, conforme Araújo (2004), havia toda uma geração empenhada em fabricar um Brasil moderno, alicerçada na educação escolar integral, de pilares científicos, de onde se produziria a unidade nacional necessária à constituição da sociedade como nação. Havia uma ambiência cultural adequada às mudanças e pretendia-se a "reforma da sociedade pela reforma do homem" (2004, p. 135).

Seguindo essa tendência os educadores montes-clarenses atribuíram importância à educação da infância no processo de formação da criatura humana. Nas primeiras décadas do século 20 a prescrição de livros e outros materiais de leitura se fez presente nas preocupações da Escola Normal Official de Montes Claros e nos jornais montes-clarenses, em que a leitura era considerada ferramenta importante para o acesso ao mundo da cultura. Em 1925 o jornal Gazeta do Norte defendeu a necessidade de que as mães assumissem o seu papel:

Fiquemos certas de que, se roubarmos alguns minutos do dia dos nossos affazeres e também das nossas futilidades, que as temos e bastante, para nos dedicarmos a aprimorar, aformosear a alma e o coração dos nossos filhinhos, se tomarmos encantador encargo de ler, nas horas vagas alguma história edificante, contos escolhidos, às creancinhas, fazendo depois comentários e explicações, veremos quão surprehendentes resultados obteremos em pouco tempo. Lembremo-nos, queridos patrícios, do tempo da nossa infância, do sublime encanto que encontrávamos naquellas horas de doce intimidade, de soffreguidão com que ouvíamos as lindas histórias que nos contava a vovó, a titia ou a preta velha (Gazeta do Norte, 1925, p. 1)

Por defesa semelhante o jornal Folha do Norte, em 1930, conferiu destaque aos textos e à leitura e abordou a importância da imprensa para formação das pessoas. Nas representações disseminadas a leitura era essencial para fortalecer o espírito:

No livro ou no opúsculo, na revista ou no jornal, quantas vezes a intelligencia, ainda embrionária ou entenebrecida, adquire uma vida de luz, de sentimento e de fé que nos maravilha. A espiritualidade que se esparge de cada uma daquellas paginas, como que vem inocular-se adentro, muito adentro do ser psíquico, tornando-o outro, modificando-o, aprimorando-o, enfim, fazendo dele - tantas vezes! - um herói ou um santo. Pode dizer-se uma segunda creação. Assim como o corpo cresce pelo alimento, o espirito, o sentimento e a vontade crescem e fulguram com a leitura. É esta a alimentação espiritual do homem, a principal e mais importante. Quando nos lembramos, pois, que a criança, poisando os seus pequenos olhos sobre o livrinho, exerce uma actividade tão magna que no geral, dela depende uma vida inteira de futuros sucessos, sentimos um vivo desejo de pedir aos mestres - de joelhos, se fôra necessário - para que não esqueçam quanta obrigação neles há de levar a esses pequeninos cérebros a palavra do bem, do amor e da verdade. (Folha do Norte, 1930b, p. 2)

A Escola Normal Official de Montes Claros também prescreveu livros e leitura como ferramenta para formação da juventude e desenvolvimento cultural da população. Em conferência proferida pelo professor Plínio Ribeiro foi destacado o aumento expressivo no empréstimo de livros por alunos e professores, fato considerado como "extraordinário surto cultural, digno de registro" (Gazeta do Norte, 1935, p. 1). O quadro abaixo mostra os dados de empréstimo da biblioteca.

Tabela 1
Movimento de obras retiradas por empréstimo a alunos e professores da Escola Normal Official de Montes Claros (1931 e 1934).

Na análise do professor Plínio Ribeiro os dados de empréstimo de livros eram reveladores da ação eficiente dos professores, "cuja actividade didática se vem desenvolvendo no sentido de encaminhar a mocidade ao estudo meditado dos melhores auctores e scientistas" (Gazeta do Norte, 1935, p. 1). Esse posicionamento revela a crença no poder do livro e da leitura, constituindo-se como uma face da modernidade pedagógica proposta pelo movimento da Escola Nova.

No ano de 1937, em artigo publicado no jornal Gazeta do Norte, C. Canela abordou a questão ao tecer elogios ao progresso da leitura das crianças montes-clarenses e críticas aos posicionamentos de outrora: "Sabemos muito bem que os antigos não gostavam que seus filhos lessem". Isso porque "o menino que lia naquelle tempo, tomava o nome de letrado, de entrão. A criança não podia manifestar sua idéia acerca de qualquer assumpto porque estaria entromettendo nas conversas dos mais velhos" (Canela, 1937, p. 2).

Ao lançar um olhar positivo sobre os efeitos produzidos pelo transcurso do tempo, Canela (1937) considerou que as crianças de seu tempo estavam tão envolvidas com a leitura que até preferiam os livros aos mais diferentes brinquedos e folguedos infantis. Em suas representações, pela leitura, as crianças tinham acesso a uma ampla rede de conhecimentos, que lhes proporcionavam a imersão em outros lugares e culturas. A leitura saciava a curiosidade, proporcionava respostas para indagações, permitia às

crianças fazer escolhas, argumentar e dar opinião. Fato notável sobre o "progresso da leitura infantil em Montes Claros" era a venda extraordinária de suplementos infantis e revistas ilustradas, como a revista O Tico-Tico2 2 Vale destacar que O Tico-Tico foi a primeira revista voltada para o público infanto-juvenil no Brasil. Confor-me a Hemeroteca Digital Brasileira, que disponibiliza acesso digitalizado de seus exemplares, a revista teve sua primeira publicação datada de 11 de outubro de 1905 e no ano seguinte tornou-se sucesso nacional de vendas, chegando à tiragem de 100.000 exemplares por semana. Ainda conforme a Hemeroteca a revista oferecia aos leitores uma variedade de textos, como passatempos, mapas educativos, literatura juvenil e informações sobre história, ciência, artes, geografia e civismo. Também publicava fotografias e desenhos dos leitores, enigmas e concursos. Contudo, o pioneirismo do semanário foi a publicação de histórias em quadrinhos destinadas ao público infantil no Brasil. Ainda conforme a Hemeroteca Digital Brasileira o formato gráfico da revista tinha influência francesa, mas os temas e personagens serviam à afirmação da identidade nacional, com valorização das figuras humildes e formas diversas de folclore regional e popular, lendas, cantigas e contos de caráter educativo. A partir da década de 1930 O Tico-Tico começou a publicar histórias de personagens infantis norte-americanos, publicações que se intensificam entre 1939 e 1950. Por volta de 1960 O Tico-Tico entrou em decadência, diminuindo a periodicidade das publicações, que se encerram em 1962 (Hemeroteca Digital Brasileira. O Tico-tico. Disponível em http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/o-tico-tico. Acesso em 28 fev. 2015). (Canela, 1937, p. 2).

A referência positiva à revista O Tico-Tico já havia sido identificada no jornal O Operário, em 1935, em que esta é apresentada como possibilidade educativa destinada ao público infantil:

ÀS CREANÇAS devem ser dados bons livros e boas revistas, que as instruem e lhes despertem a vontade para o estudo. O TICO-TICO é a revista que educa, instrue e diverte. Tém concursos permanentes com prêmios e uma leitura variadíssima. Milhares de professores tém falado do valôr educativo, recreativo instrutivo de o Tico-tico. (O Operário, 1935, p. 2).

Em 1941, o jornal Gazeta do Norte publicou matéria assinada por Z, que apresenta o hábito da leitura como exigência da própria vida, considerando que a pessoa que não lê não pode acompanhar o movimento das ideias e a sucessão dos acontecimentos, relegando-se a um plano secundário e pondo-se à margem da vida social. Ainda conforme o jornal a não leitura pode até fazer com que a pessoa se torne um estranho dentro da sociedade da qual é parte integrante. O jornal considera que, ao buscar a leitura, os leitores o fazem a partir de finalidades diferentes: leitura para passar o tempo, de forma a não sentir o lento escoar das horas; leitura por mera distração do espirito, em que o leitor tenta viver as cenas que o autor lhes sugere; leitura para a busca de maior conhecimento da vida em todas as suas múltiplas manifestações, em todos os seus variados aspectos, em que o leitor deseja encontrar explicações ou simples sugestões (Gazeta do Norte, 1941, p. 4).

Ao discutir a finalidade destas diferentes modalidades de leitura o jornal afirmou que a busca de conhecimentos é a forma mais nobre de se ler. No entanto, considerou que todas as formas de acessar os livros são válidas e precisam ser valorizadas, posto que, em cada leitura, o leitor encontra algo que possa lhe ser útil (Gazeta do Norte, 1941).

Ler para passar o tempo póde não ser a melhor finalidade de leitura. Mas é, sem dúvida, uma finalidade muito mais sadia do que passar o tempo em outros derivativos, alguns bem pouco inocentes e outros bastante perigosos para a saúde física e moral do indivíduo. Ler por mera distração do espirito, sem visar qualquer aproveitamento pratico da leitura, pode também não ser o melhor objetivo da leitura. Mas, inquestionavelmente, é muito melhor do que a inteira ociosidade, em que o pensamento se escapa, chegando a formar estados da alma perniciosos. Há, no entanto, aqueles que sentem sêde de conhecimento, que não se satisfazem com o superficial aspecto dos fatos e das coisas e, por isso intentam penetrar a razão casual ou a explicação inteligível dos fenômenos. Para estes, a leitura é um objetivo amplo, capaz de dominá-los. Em regra, todo o livro, por pior que seja, há de conter algo que se aproveite, ao menos uma frase, uma ideia, um conceito, uma sugestão. Alguns livros são muito pobres de substancia. Outros excessivamente densos. Como termo médio há os livros que ensinam sem cansar, que distraem sem ser fúteis. (Gazeta do Norte, 1941, p. 4)

No contexto montes-clarense a ampla defesa da leitura já fora identificada desde o final do século 19. No ano de 1884, no jornal Correio do Norte, foi encontrado posicionamento favorável à leitura dos mais diversos textos, incluindo as revistas, como estratégia educativa e formadora, capaz de disseminar as luzes da instrução. Para o jornal não era a escola a única instituição em que se poderia desenvolver conhecimentos necessários à vida, uma vez que depois que se aprende a ler o espírito se torna capaz de refletir, comparar e generalizar. Na argumentação do jornal a leitura de bons livros, de jornais e outros materiais impressos possibilitaria a aprendizagem de diversos conhecimentos:

Um dos meios mais efifcazes de diffundir a luz da instrucção, por entre o povo, é a creação de bibliotecas publicas, e gabinetes de leitura, em que todas as classes possam encontrar, nas horas de lazer, - livros, jornaes, revistas, que offereçam uma leitura útil, se é que este qualificativo se deva applicar a alguma leitura. Com effeito, nenhuma reflexão encerra maior fundo de verdade que a do escritor portuguez, no dizer que de toda pagina impressa colhe o leitor alguma utilidade. (Correio do Norte, 1884, p. 1)

Nessa mesma linha de defesa, em 1959, o jornal retomou a discussão relativa à leitura como recurso na formação da infância. Em matéria assinada por José Raimundo Netto, professor de Psicologia do Colégio Imaculada Conceição, foi destacada a influência dos primeiros anos de vida para a formação da criança. O professor considera que esta é a "fase auroreal da vida", que se constitui como momento "de capital importância na formação da criatura humana". O professor ainda considera que "as impressões recebidas nesse período gravam-se profundamente no sub-consciente pessoal do individuo e vão influir, favorável ou desfavoravelmente, em todos as suas idades subsequentes" (Raimundo Netto, 1959, p. 2).

Em contraposição a estas defesas a imprensa montes-clarense também revelou a preocupação em controlar as leituras. No ano de 1937, sob o título de Leituras perniciosas, o editorial do jornal Gazeta do Norte apontou a necessidade de controle, pelos pais, das leituras realizadas pelos filhos. O olhar educativo lançado sobre as obras ficcionais se encaminhava para a interdição, de forma que os pais vigiassem e controlassem as leituras da criança, por entender que a literatura de má qualidade poderia prejudicar a sua formação:

Nem sempre os paes de família se preocupam com as leituras dos filhos, e assim não devia ser. Na atualidade, esta falta de vigilância pode gerar grandes males. Não somente livros, folhetos e gravuras exameiam por ahi, contendo novellas, narrativas e desenhos pouco recomendáveis à inteligência infantil, por offensivas a moral. Ha tambem os chamados romances policiaes, nem todos engendrados para a diversão dos espíritos juvenis, mas calcados sobre exclusivo interesse mercantil de auctores e editores. (Gazeta do Norte, 1937, p. 1)

A matéria apresentou as novelas, as narrativas e os romances policiais de forma negativa, descrevendo estes textos como literatura pouco recomendável e ofensiva à moral, por diferentes aspectos ligados ao enredo, aos maus exemplos, às ilustrações, à má qualidade material e estética das obras. Em 1944 o padre Osmar Novais se posicionou contra a literatura infantil que envenena a infância brasileira. O alerta aos educadores se ancorava na necessidade de se fazer uma adequada escolha dos textos disponibilizados às crianças e, nesse ponto, identificava as revistas ilustradas como material inadequado, que influenciavam negativamente as crianças:

Uma mentalidade nova está se formando dentro dos conceitos expostos nestas historietas que não são nossas e não refletem a tradição do Brasil. É triste se constatar que a influencia dessas revistas está manifesta no modo de agir de nossos meninos, nas atitudes, conversações, trazendo a todo instante, o comentário do que leu. O estudo serio é uma lastima. (Novais, 1944NOVAIS, Osmar. Vida católica - literatura infantil. Montes Claros: Jornal Gazeta do Norte , ano XXVII, n. 1529, 21 set. 1944., p. 3)

Os malefícios advindos das revistas se localizavam no conteúdo, que não refletia a cultura brasileira, mas, também, no seu formato. A ideia era de que as gravuras cedessem espaço para a leitura fácil e para a preguiça mental, por permitir que as crianças acessassem as histórias sem grande investimento para processar o texto:

O mal em parte se deve a preguiça mental que as revistas desenhadas e gravuradas imprimem à mentalidade que começa viver intelectualmente.

O esforço para saber o que está escrito desapareceu. A figura substitue a letra. E o interesse pelo que está escrito soçobra nesta inundação de literatura barata e em quadros, que prende a criança, despertando sentimentos de vingança, valentia e outras paixões ainda não desenvolvidas. Os pais acham natural demais os filhos terem tais revistas. Não explicam porém, a dificuldade que encontram na corrigenda dos defeitos. Dizem, antigamente não era assim. Dizem bem. Embora houvesse erros gravíssimos na formação dos jovens, os nossos antepassados não encontram este perverso conselheiro - a revista infantil mal orientada. (Novais, 1944NOVAIS, Osmar. Vida católica - literatura infantil. Montes Claros: Jornal Gazeta do Norte , ano XXVII, n. 1529, 21 set. 1944., p. 3)

O padre Osmar Novais declarou "guerra a má revista"3 3 Interessante destacar que esta campanha contra a revista ilustrada não foi identificada em outros artigos ou jornais montes-clarenses. Como explicitado anteriormente a revista ilustrada foi citada como leitura adequada às crianças nos jornais Gazeta do Norte e no O Operário, que citam textualmente e recomendam a leitura da revista O Tico Tico (O Operário, 1935; Canela, 1937). , apontando-a como instrumento negativo na formação da infância. Era necessário "afastar esta apatia pelo estudo, a preguiça mental, o perigo da inercia no coração do jovem é dever patriótico e religioso." [...] E, "si não houver uma união de vistas entre pais e educadores veremos abismar-se no erro e no vicio aqueles que formarão a elite da pátria" (Novais, 1944, p. 3).

A necessidade de selecionar textos e histórias a serem lidas pelas crianças era pauta de Raymundo Netto desde 1934, quando o professor se posicionou contra as "histórias piedosas e fantasistas" e outros processos que pudessem produzir o medo da criança, "tolhendo-lhe ainda mais a iniciativa e fazendo-a aguardar o bom êxito da vida, da parte do maravilhoso, do sobre-natural" (Raymundo Netto, 1934, p. 2).

A argumentação contrária aos contos de fadas se alicerça no enredo, que abria espaço para a fantasia e a imaginação e poderia gerar a ideia de que os problemas se resolveriam por intercessão do mágico e do transcendental. Ao pronunciar-se contra as histórias de fadas o professor argumentava sobre a necessidade de preparar a criança para enfrentar os problemas reais da vida cotidiana. No entanto, em 1959, ao apoiar-se nos discursos oriundos da Psicologia, Raimundo Neto cita o behaviorismo de John Watson, revisa posicionamentos e defende os contos de fadas como histórias que interessavam e agradavam as crianças:

Até os 7 anos a criança se encontra na fase fantasista e animista: - gosta de histórias de fadas, de seres bons e poderosos e outras fantasias que confortam sua sensibilidade e entusiasmam sua imaginação; emprestam vida a coisas inanimadas, reagem como selvagens, batem na pedra que machucou o dedo, etc. (Raimundo Neto, 1959, p. 2)

Ainda citando John Watson, o professor Raimundo Neto (1959) afirmava que nesta fase a criança precisa ser encorajada a superar seus medos e incapacidades, sendo um erro condenar as histórias de fadas:

Essa fase é mais que natural na evolução psicológica e constitui uma espécie de libertação inconsciente, no medo de superar suas incapacidades. É um erro, portanto, condenar as histórias de fadas, pois a fase fantasista a que nos referimos faz parte integrante da vida da criança e desaparece naturalmente quando ela entra na idade da razão, que, nos meninos normais começa aos 7 anos. (Raimundo Neto, 1959, p. 2)

A revisão de ideias pelo professor Raimundo Neto revela o embate entre os defensores da educação alicerçada nos princípios da realidade e os defensores de práticas que cedem espaço para a livre manifestação da fantasia e da imaginação das crianças. Contra a presença da fantasia na educação das crianças pode-se destacar Rousseau, que em 1782 publicou O Emilio, obra em que propôs que a literatura haveria de interferir pouco ou nada na esmeradíssima educação de seu Emílio e, menos ainda, os contos de fadas. Ao fazer restrições aos contos e bani-los do currículo escolar, Rousseau acreditava que as crianças já eram muito privilegiadas pela imaginação, sendo que a adoção dos contos significava dar espaço ao gosto que sentiam pelos aspectos fantasiosos e imaginativos.

Estas são ideias geradas pela racionalidade científica em que o elemento maravilhoso, a magia, o fantástico e o imaginário passaram a ser vistos como inadequados à formação das crianças. Por influência de Rousseau outras inúmeras vozes levantaram-se contra a fantasia na educação da infância e, assim, se configurou a disputa entre os defensores da suposta fidelidade ao real e aqueles que consideravam que os elementos presentes nos contos de fadas não eram prejudiciais à formação das crianças.

Na Revista do Ensino também foram identificadas defesas e críticas aos livros e outros textos que sinalizam para os benefícios e os riscos potenciais inscritos nas práticas de leitura. Dado o objetivo da revista, de disseminar orientações pedagógicas entre os professores da escola primária e do curso normal, a discussão sobre livros, leituras, revistas e histórias foi tematizada em diferentes oportunidades. Nessas discussões foram apontados elementos importantes para a constituição dos leitores, relacionados às práticas de ensino e à escolha de materiais adequados à formação das crianças. A revista considera que o hábito da leitura fosse a solução para o "perigo das horas vagas", pois a leitura, além de ser "uma inigualável fonte de conhecimentos, é capaz de embevecer e elevar os homens" (Revista do Ensino, 1933, p. 2).

Em 1926 Claudio Brandão lamentava que os livros destinados à leitura ainda se distanciassem do ideal pedagógico: "Muitos delles, além da feitura antiesthetica, peccam pela escolha dos trechos e dos assumptos e pela distribuição dos mesmos" (Brandão, 1926, p. 6). Firmino Costa considerava que a relação positiva com os livros dependia da atuação docente, pois "si a professora não sabe amar os livros, si não alimenta a sua intelligencia com o estudo, si enriquece o seu corpo e deixa pobrezinho o seu espírito, então, ella poderá ensinar a ler, não ha duvida, mas seu ensino não terá dado ao alumno o amor da leitura" (Costa, 1929, p. 43).

Firmino Costa (1929COSTA, Firmino. O ensino da leitura. Revista do Ensino, Belo Horizonte: Inspectoria da Instrucção , ano IV, n. 29, jan. 1929, p. 63-65.) também sugeria aos professores primários mineiros que realizem a narração de bonitas histórias e a recitação de belas poesias, como aperitivo para os alunos lerem bons livros. O professor deveria trabalhar com leituras variadas e incentivar o contato com material que "inspire aos alumnos o amor da leitura, dando-lhes exemplo desse amor, reflectido nas licções que lhes ministra" (Costa, 1930, p. 65). A professora Catharina Silveira (1930SILVEIRA, Catharina. Amor à leitura. Como suscitaes em vossos alumnos o amor à leitura? Revista do Ensino, Belo Horizonte: Inspectoria da Instrucção , ano V, n. 43, 1930, p. 35-37.) considerava que, ao despertar nos alunos o amor pelos livros, era necessário alertá-los sobre potenciais riscos e danos, "falar sobre as desvantagens e perigos que os máos livros constituem despertando nos alumnos a aversão a tudo quanto puder manchar-lhes a consciência e perverter-lhes o coração" (p. 40).

Assim se constitui a discussão relativa aos livros e leitura, dividida entre prescrever e interditar. Apesar de considerar a leitura como prática indispensável à formação das crianças e jovens era necessário controlar o acesso aos textos, que poderiam interferir negativamente e produzir danos aos leitores.

Considerações finais

Nesse artigo procuramos dar visibilidade para representações sobre a leitura de literatura, produzidas em Montes Claros. Analisando os discursos disseminados nos jornais montes-clarenses foi possível perceber a emergência de representações acerca dos livros e de outros materiais impressos. A prática da leitura tinha papel relevante na inculcação de valores, sendo que o adulto não assumiria diretamente o papel moralizador, deixando o encargo aos livros e às histórias. Os documentos consultados disseminaram imagens positivas sobre os livros e os textos, em que a leitura era considerada como prática capaz de produzir transformações nos valores e posicionamentos dos leitores, de alterar comportamentos e favorecer aprendizagens.

No entanto, também identificamos a interdição e crítica aos livros, revistas e outros impressos, dado o temor de que as leituras inadequadas pudessem deforma o espírito de crianças e jovens.

Em síntese, no contexto da cidade de Montes Claros a prescrição e a interdição de livros e leitura se fizeram presentes no bojo das discussões produzidas pela escola e pelos jornais. Os livros e a leitura foram compreendidos como possibilidade de desenvolvimento cultural e de formação das crianças e jovens. Já os posicionamentos contrários indicavam a necessidade de controle das leituras feitas pelas crianças. Isso significa que, ao longo de diferentes temporalidades, as sociedades estabeleceram distintas relações com os livros e a leitura, relações que se associam às concepções de cada época, e que se inscrevem em dois movimentos: ora a defesa irrestrita da leitura, ora a defesa de interdição de determinados textos, considerados inadequados aos leitores aos quais se destinam.

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  • 1
    A pesquisa contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - Fapemig -, a quem agradecemos. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Unimontes, parecer n. 2522, em conformidade com a resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.
  • 2
    Vale destacar que O Tico-Tico foi a primeira revista voltada para o público infanto-juvenil no Brasil. Confor-me a Hemeroteca Digital Brasileira, que disponibiliza acesso digitalizado de seus exemplares, a revista teve sua primeira publicação datada de 11 de outubro de 1905 e no ano seguinte tornou-se sucesso nacional de vendas, chegando à tiragem de 100.000 exemplares por semana. Ainda conforme a Hemeroteca a revista oferecia aos leitores uma variedade de textos, como passatempos, mapas educativos, literatura juvenil e informações sobre história, ciência, artes, geografia e civismo. Também publicava fotografias e desenhos dos leitores, enigmas e concursos. Contudo, o pioneirismo do semanário foi a publicação de histórias em quadrinhos destinadas ao público infantil no Brasil. Ainda conforme a Hemeroteca Digital Brasileira o formato gráfico da revista tinha influência francesa, mas os temas e personagens serviam à afirmação da identidade nacional, com valorização das figuras humildes e formas diversas de folclore regional e popular, lendas, cantigas e contos de caráter educativo. A partir da década de 1930 O Tico-Tico começou a publicar histórias de personagens infantis norte-americanos, publicações que se intensificam entre 1939 e 1950. Por volta de 1960 O Tico-Tico entrou em decadência, diminuindo a periodicidade das publicações, que se encerram em 1962 (Hemeroteca Digital Brasileira. O Tico-tico. Disponível em http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/o-tico-tico. Acesso em 28 fev. 2015).
  • 3
    Interessante destacar que esta campanha contra a revista ilustrada não foi identificada em outros artigos ou jornais montes-clarenses. Como explicitado anteriormente a revista ilustrada foi citada como leitura adequada às crianças nos jornais Gazeta do Norte e no O Operário, que citam textualmente e recomendam a leitura da revista O Tico Tico (O Operário, 1935; Canela, 1937).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2015
  • Aceito
    21 Jun 2016
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