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ENTRE CARTAS: PRÁTICAS EDUCATIVAS NO COTIDIANO DE MULHERES DO ALTO SERTÃO BAIANO (1885-1950)

BETWEEN LETTERS: EVERYDAY EDUCATIONAL PRACTICES OF WOMEN IN THE HIGH BLACKLANDS OF BAHIA

ENTRE CARTAS: PRÁCTICAS EDUCATIVAS EN EL COTIDIANO DE MUJERES DEL ALTO SERTÓN DE BAHIA (1885-1950)

AU MILIEU DES LETTRES: PRATIQUES ÉDUCATIVES AU QUOTIDIEN DES FEMMES D'ALTO SERTÃO BAIANO (1885-1950)

Resumo

O artigo analisa práticas educativas vivenciadas por mulheres da família Spínola Teixeira no período de 1885 a 1950. Influente econômica, social e politicamente no Alto sertão da Bahia e no Estado, essa família se projetou nacionalmente pela atuação de Anísio Teixeira no desenvolvimento educacional brasileiro na primeira metade do século XX. Analisamos as correspondências pessoais produzidas pela matriarca Anna Spinola Teixeira (1864-1944) e suas seis filhas, dialogando com os estudos em História da Educação, História da Leitura e História das Culturas do Escrito. Identificamos o papel ativo das mulheres em práticas educativas não institucionalizadas: se informavam sobre política e atualidades pela leitura de jornais e revistas; enviavam esses impressos para as irmãs e sobrinhas/os de outras localidades; instruíam seus irmãos e irmãs no ambiente doméstico; acompanhavam o desenvolvimento escolar dos familiares e noticiavam pelas cartas os progressos e desafios profissionais e educacionais, constituindo uma complexa rede de sociabilidade.

Palavras-chave:
Práticas educativas; mulheres; cartas; Alto Sertão baiano

Abstract

The article analyzes the educational practices experienced by the women of the Spínola Teixeira family between 1885 and 1950. The family was economically, socially, and politically influent in the high backlands of Bahia and in the state, it reached national projection with Anísio Teixeira and his contributions to Brazilian educational development in the first half of the 20th century. We analyzed the personal correspondences produced by the matriarch Anna Spinola Teixeira (1864-1944) and her six daughters, dialoguing with studies on History of Education, History of Reading, and History of Written Cultures. We have identified women’s active role in non-institutionalized educational practices: they kept themselves updated on politics and the news through magazines and newspapers; sent these material to sisters and nephews/nieces in other places; taught their siblings at home; followed the school development of relatives; and wrote letters on professional advancements and challenges, establishing a complex sociability network.

Keywords:
Educational practices; women; letters; high backlands of Bahia

Resumen

El artículo analiza prácticas educativas vivenciadas por mujeres de la familia Spínola Teixeira en el período de 1885 a 1950. Influyente económica, social y políticamente en el Alto Sertón de Bahia y en el Estado, esa familia se proyectó nacionalmente por la actuación de Anísio Teixeira en el desarrollo educativo brasileño en la primera mitad del siglo XX. Analizamos las correspondencias personales producidas por la matriarca Anna Spínola Teixeira (1864-1944) y sus seis hijas, dialogando con los estudios en Historia de la Educación, Historia de la Lectura e Historia de las Cultura de lo Escrito. Identificamos el papel activo de las mujeres en prácticas educativas no institucionalizadas: se informaban sobre política y actualidades por la lectura de periódicos y revistas; enviaban esa prensa para las hermanas y sobrinas(os) de otras localidades; instruían sus hermanos y hermanas en el ambiente doméstico; acompañaban el desarrollo escolar de los familiares y noticiaban, por las cartas, los progresos y desafíos profesionales y educativos, constituyendo una compleja red de sociabilidad.

Resumen:
Prácticas educativas; mujeres; cartas; Alto sertón de Bahia

Résumé

L'article analyse les pratiques éducatives vécues par les femmes de la famille Spínola Teixeira de 1885 à 1950. Influente économiquement, socialement et politiquement dans l'Alto sertão da Bahia, cette famille a été projetée à l'échelle nationale grâce au rôle d'Anísio Teixeira dans le développement éducatif brésilien dans la première moitié du 20e siècle. Nous avons analysé les correspondances personnelles produites par la matriarche Anna Spinola Teixeira (1864-1944) et ses filles, dialoguant avec des études en Histoire de l'Éducation, de la Lecture et des Cultures de l'Écriture. Nous avons identifié le rôle actif des femmes dans les pratiques éducatives non institutionnalisées: informées sur la politique et les actualités en lisant des journaux et magazines, elles envoyaient ces formulaires aux sœurs et nièces d'autres endroits et instruisaient leurs frères et sœurs dans l'environnement domestique; elles suivaient leurs l'évolution scolaire et rapportaient par les lettres, constituant un réseau complexe de sociabilité.

Mots-clés:
Histoire de l’Education; Femme; lettres; Alto Sertão baiano

Introdução1 1 A pesquisa que deu origem a este artigo contou com financiamento da CAPES por meio de bolsa de doutorado na modalidade Dinter UNEB/UFMG e bolsa do Programa de Apoio à Capacitação de Docentes e Técnicos Administrativos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB-PAC/DT).

Neste artigo temos por objetivo analisar práticas educativas protagonizadas por mulheres da família Spínola Teixeira em fins do século XIX a meados do século XX. Influente econômica, social e politicamente no Alto Sertão baiano2 2 A denominação “Alto Sertão da Bahia” inexiste nos registros estatísticos e demográficos oficiais; conforme discutido por Estrela (2003) e Ribeiro (2012), trata-se de uma construção social e histórica presente no vocabulário local, sendo registrada por cronistas regionais do extremo sudoeste do estado da Bahia; corresponde a um vasto território demarcado pelo norte de Minas Gerais, a Chapada Diamantina, e delimitado ao leste pela região de Vitória da Conquista. e também em todo o Estado, a família se projetou nacionalmente pela atuação de Anísio Teixeira no desenvolvimento educacional brasileiro na primeira metade do século XX (NUNES, 2000NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Bragança Paulista: EDUSF, 2000.).

Tendo como foco a ambiência familiar e, principalmente, a participação da matriarca, Anna Spinola Teixeira (1864-1944) e de suas seis filhas em práticas educativas não institucionalizadas, utilizamos como fontes principais sua correspondência pessoal, que inclui: cartas trocadas com suas filhas; cartas trocadas entre as filhas (irmãs de Anísio) e enviadas por elas ao tio Rogociano Teixeira3 3 Rogociano Pires Teixeira era o irmão mais novo de Deocleciano; era funcionário da Alfândega no Rio de Janeiro, solteiro, faleceu no final da década de 1920 (SANTOS, 1997, apud AGUIAR, 2011, p. 28) no período de 1885 a 19504 4 As cartas constituem o acervo pessoal doado pela família Teixeira ao Arquivo Público Municipal de Caetité (APMC) – BA, em 2003. O quantitativo organizado até o momento contabiliza 13.740 correspondências pertencentes a essa família e são divididas em cartas, cartões, telegramas, iconografias e cartões postais. Nesta pesquisa, utilizaremos parte das cartas enviadas pelas mulheres citadas, que correspondem a uma parcela do acervo. . Esse intervalo abarca o nascimento das filhas do casal Spínola Teixeira, o seu movimento de migração temporária ou permanente para diversas localidades, ocasionando a escrita das cartas, e a idade madura em que, como mães e tias, atuaram direta e indiretamente na educação das novas gerações5 5 Para a escrita deste artigo, foram analisadas somente as cartas enviadas, e entre elas, as que mencionam práticas educativas protagonizadas pelas missivistas envolvidas nesta pesquisa. Desse conjunto, citamos, neste artigo, 35 cartas escritas na juventude até a idade adulta. . Essa correspondência é cruzada com fontes secundárias e outros estudos que possibilitam confrontar, complementar e dar maior inteligibilidade às práticas envolvendo a educação de si mesmas e à das novas gerações.

Evangelina (1886-1965), Celsina (1887-1979), Hersília (1891-1968), Leontina (1896-1978), Angelina (1905-1982) e Carmem (1909-2002) são filhas de Deocleciano e Anna, nascidas em Caetité, Alto Sertão Baiano, e constituem a família numerosa do casal, que ao todo teve 14 filhos6 6 Deocleciano já tinha uma filha do primeiro casamento (Alice) e dois do segundo casamento (Mário e Alzira). Ver acervo do APMC, Livro A. 03 – Folha 156, termo 04 e 05. Ver ainda Carvalho (2018), que menciona os filhos falecidos ainda bebês: Eurico, do primeiro casamento e Celina do segundo. .

Buscamos contribuir com os estudos que evidenciam as mulheres como sujeitos que participavam ativamente das culturas do escrito7 7 Segundo Galvão (2007; 2010), a expressão se refere aos lugares ocupados e sentidos assumidos pelo escrito em diferentes situações, contextos temporais e culturais, sendo mais abrangente que o conceito de “Cultura escrita”. e, sendo assim, problematizamos a produção historiográfica e a da historiografia da educação em pelo menos três dimensões: inicialmente, intencionamos dar voz a sujeitos que, por não ocuparem postos de destaque nos espaços públicos até meados da década de 1950, deixaram poucos registros e, portanto, possuem visibilidade restrita, na escrita da história; ao analisarmos cartas pessoais ainda pouco exploradas pelos estudos acadêmicos, recuperamos aspectos do cotidiano e das vivências de grupos sociais que, por outros meios, dificilmente teríamos acesso; por fim, buscamos dar inteligibilidade a práticas educativas que se desenvolveram de modo particular, por meios e condições não institucionalizadas ou sistematizadas, mas que acreditamos que faziam parte de um repertório mais comum e mais representativo do que temos conhecimento até o momento.

Mulheres de posses

Deocleciano Pires Teixeira (1844-1930) descende de uma família que se enraizou na região da chapada Diamantina em função da exploração das lavras e de sua comercialização. Estudou medicina em Salvador e iniciou sua carreira médica em Minas Gerais, participou como voluntário da Guerra do Paraguai, e mudou-se para Caetité em 1885, após se casar com Anna Spínola Teixeira. Abandonou a medicina e passou a se ocupar das fazendas de criação de gado, tornando-se político influente (AGUIAR, 2011AGUIAR, Lielva Azevedo. Agora um pouco de política sertaneja: a trajetória da família Teixeira no Alto sertão da Bahia (1885-1924). 2011. 163f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local. Universidade do Estado da Bahia/UNEB-Campus V. Santo Antônio de Jesus, 2011.) 8 8 Deocleciano se articulava com o partido liberal, tendo sido deputado provincial (1888-1889), presidente do Conselho Municipal (1893-1898) e senador (1899-1903) (NUNES, 2000). . Anna, conhecida como Donana, nasceu também na região de Lençóis na Chapada Diamantina e fazia parte de uma família politicamente influente e com grande poder econômico, sendo herdeira de extensas propriedades na região do Médio São Francisco (AGUIAR, 2011, p. 38).

A união entre as duas famílias fazia parte dos projetos de manutenção de sua influência política local (D’INCAO, 2004D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004, p. 222-240.), o que teria condicionado os sucessivos casamentos de Deocleciano com três irmãs da família Spínola: antes de Anna, casou-se com Mariana; após o seu falecimento, casou-se com Maria Rita, que também faleceu. Cabe destacar que, naquele contexto, o “bom casamento” dependia do lugar simbólico ocupado pela mulher para o conjunto da sociedade, sendo os homens dependentes dessa imagem para elevar ou manter seu status e prestígio social (D’INCAO, 2004, p. 231-232).

Nesse sentido, compreendemos que as distintas posições destinadas para e assumidas por mulheres e homens na dinâmica social devem ser pensadas de modo relacional e passíveis de reposicionamentos e significações, e não como essencialidades (SCOTT, 1995SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, no. 2, p. 71-99, 1995). Disponível em Disponível em https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721 acesso em 14 mar. 2021.
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacao...
). A dicotomização tampouco auxilia na compreensão da complexa trama que era tecida no âmbito das relações. Ao nos afastarmos dos estereótipos que engessam as análises, propomos enxergar e dar visibilidade a práticas educativas de mulheres que precisam ser pensadas em entrelaçamento com as ações dos homens de sua ambiência familiar e social.

A trajetória educacional e a atuação profissional e política dos homens da família Spínola Teixeira são mais conhecidas, porque eram noticiadas pela imprensa, presentes nos registros da administração pública e demais documentos cartoriais relacionados às propriedades e bens. Entretanto, os percursos das meninas, irmãs de Anísio e mesmo de sua mãe, são pouco conhecidos, nos levando a questionar onde, como e em que condições teriam aprendido a ler e escrever; como se instruíram, se informavam, por que meios se constituíram ativas missivistas e participantes do universo da leitura e da escrita9 9 Embora possa parecer natural que as mulheres da elite no século XIX tinham acesso à instrução, não podemos fazer essa generalização, conforme afirma Falci (2004). ?

O cenário educacional da Bahia após a publicação da lei imperial de 1827 se caracterizava, segundo Nunes (2008NUNES, Antonietta d’Aguiar. A educação na Bahia Imperial (1823-1889). In: LUZ, José Augusto; SILVA, José Carlos (org.). História da educação na Bahia. Salvador: Arcadia, 2008, p. 122-159.), pela existência de 59 aulas de primeiras letras públicas e 36 particulares; em relação às escolas específicas para meninas, segundo Araújo (1999), haveria ao menos seis na região do recôncavo baiano, possibilitando-nos pensar que pudesse haver também, em outras regiões da província, como no extremo oeste sertanejo. Em 1832, esse número já havia se modificado, com 150 escolas para meninos e 14 para meninas; em 1838, temos notícia da criação de uma escola para meninas pelo método simultâneo em Caetité (NUNES, 2008NUNES, Antonietta d’Aguiar. A educação na Bahia Imperial (1823-1889). In: LUZ, José Augusto; SILVA, José Carlos (org.). História da educação na Bahia. Salvador: Arcadia, 2008, p. 122-159., p. 132). Em 1869, pouco após o nascimento de Anna Spínola, a província contava com 211 escolas primárias para meninos (com 8.043 alunos) e 54 para meninas (com 1.870 alunas). Entretanto, nesse cenário, essas escolas eram voltadas sobretudo para as classes pobres, na perspectiva de redenção da “ignorância” e a difusão dos ideais de civilização da população por meio da instrução.

Segundo Araújo (1999), há indícios de que as escolas ou “aulas” privadas superavam as públicas quando da implementação da primeira lei Imperial sobre a instrução pública, cenário esse que não era exclusivo da Bahia. Desse modo, para as meninas das famílias de elite, é plausível que outras alternativas educacionais estivessem disponíveis, como as aulas particulares. Essas, segundo Nunes (2008NUNES, Antonietta d’Aguiar. A educação na Bahia Imperial (1823-1889). In: LUZ, José Augusto; SILVA, José Carlos (org.). História da educação na Bahia. Salvador: Arcadia, 2008, p. 122-159.), estavam presentes significativamente na Bahia do final do período imperial, contexto em que havia liberdade para que se abrissem colégios para atender ao ensino primário e secundário. Não se pode excluir, ainda, a educação nas próprias residências por parte de preceptoras contratadas10 10 Antes do estabelecimento de prédios específicos para o funcionamento das escolas, vários eram os “arranjos” feitos para viabilizar o ensino, como a contratação de mestres por famílias. Ver Faria Filho (2000), Ritzkat (2000), Mauad (2000), Falci (2004). . Na segunda metade do século XIX no Brasil, a presença de preceptoras para os primeiros anos de instrução das meninas das famílias ricas já era comum, não sendo rara a contratação de estrangeiras que, além de diplomadas professoras, dominavam outros idiomas, o que representaria elemento de distinção para a educação das jovens brasileiras (RITZKAT, 2000RITZKAT, Marly Gonçalves Bicalho. Preceptoras alemãs no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica , 2000, p. 269-290., p. 275).

Neste estudo, a geração das meninas nascidas na transição dos séculos XIX e XX cresceu em uma Caetité urbana, enriquecida com a exploração e comércio das lavras diamantinas dos séculos anteriores. No período em análise, a região se desenvolvia em torno de fazendas de gado e os engenhos, atividades nas quais sua extensa família estava diretamente ligada. Viviam num sobrado em frente à Praça da Catedral adquirido pela família em 1885, ano em que para lá se mudou o casal Anna e Deocleciano. Em 1888, Deocleciano já atuava como deputado, realizando viagens entre sua morada e a capital, percorrendo cerca de 800 km. Entre as ausências, se correspondia com a esposa Anna, que já havia dado à luz a Evangelina (1886) e Celsina (1887), e ainda era tia-mãe de Alice, Alzira e Mário.

Em uma de suas viagens a Salvador, quando presidia o Conselho Municipal, Deocleciano assim escreveu para Anna:

A política está um horror, os homens mto inimigos um dos outros; fui mto bem recebido por todos; queriam que eu aceitasse a presidência do senado, recusei promptoriamente, foi lembrado então o Tanajura q talvez não seja eleito pr não termos maioria, visto o senador Leal Ferra q era nosso se baldeando, na última hora, pa os contrários. Amanhã é a eleição no senado.

Me escreva por todos os Correios e Alice q faça o mmo dando-me notícias de todos e Alzira q se encarregue de dar-me notícias minuciosas das irmãzinhas.

Pelo Je Alexandre não escrevi pr q cheguei a noite e embarquei as 41/2 horas da madrugada.

No Brejo Grande encontrei todos com saúde, falhei um dia e fui ver a gruta da Mangabeira, que é uma maravilha. (DEOCLECIANO, 8/4/1894)

Deocleciano inicia a carta mencionando detalhes da política e nos chama a atenção a naturalidade com a qual discute o assunto, citando nomes, mencionando as eleições, desabafando indignado pelo abandono de um aliado partidário, o que sugere o hábito de ter a esposa como interlocutora para esses assuntos. A política estava entrelaçada nessa ambiência familiar, sendo vivida diretamente, mas era também tematizada nas cartas, como poderemos ver detalhadamente ao longo do texto. Mais adiante na carta, Deocleciano pede para que a esposa e as filhas mais velhas, Alice (18 anos) e Alzira (11 anos), escrevessem noticiando sobre todos, especialmente sobre as irmãs menores, Evangelina (7 anos), Celsina (6 anos) e Hersília (3 anos).

Ao que tudo indica, todas elas habitavam o mesmo casarão, o que torna o pedido um elemento chave para compreendermos essa prática. Percebemos que o hábito de escrever cartas era parte do cotidiano familiar, não exclusivo desta, já que resulta de um processo de “intimização” da sociedade, com a construção de proximidade entre os indivíduos e o compartilhamento de aspectos relacionados à intimidade (GOMES, 2004GOMES, Angela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES, Angela de Castro (org.). Escrita de Si. Escrita da História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 7-24., p. 19). Nesse caso em particular, a prática se estendia dos interesses pessoais do casal, num movimento intergeracional, envolvendo as filhas maiores, que sabiam escrever, e as menores, ainda não “iniciadas” na escrita epistolar. Portanto, a carta não possuía apenas função informativa pois, se assim fosse, bastaria que uma das pessoas escrevesse; era parte da construção e manutenção dos vínculos afetivos.

Estimulada no ambiente familiar pelo pai, que se encontrava distante de casa, essa escrita foi intensificada quando as filhas, por motivos de estudo, casamento, administração de propriedades ou tratamentos médicos, se mudaram temporariamente ou permanentemente de Caetité, nas primeiras décadas do século XX. Conciliando a necessidade de transpor as distâncias e ausências com a prática que já se desenvolvia desde a infância e a juventude, as cartas mediaram a constituição de uma rede de interlocução familiar que incluíam localidades rurais, como a fazenda Gurutuba, para onde Evangelina se mudou após o casamento; Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, por onde transitaram ou se deslocaram permanentemente as demais filhas do casal e seus descendentes. Ao diminuir as distâncias, as cartas funcionaram também como mecanismo para a aquisição de conhecimento e para o desenvolvimento do senso crítico, conforme discute Simon-Martin, (2020).

Da carta à fonte

As diretrizes que condicionaram a produção dessa escrita, que resultou volumosa, nos revela, no entanto, um cenário e vivências com lacunas e aparentes incongruências. Longe de considerarmos esse conjunto documental um espelho da realidade, inicialmente temos que considerar que um acervo como esse, doado para a consulta pública, foi produzido. Essa produção se deu em várias épocas, por diversas motivações, às quais podemos não conhecer, além daquelas presumíveis, como a vigilância, a censura e as expectativas sociais. Assim, é como se entrássemos “em uma história sem conhecer a primeira palavra”; como se estivéssemos participando de uma cadeia “sem começo nem fim”. (DAUPHIN e POUBLAN, 2002, p. 76).

As cartas são, sobretudo, “documentos relacionais”, porque são produzidas tendo em vista um/a receptor/a imaginado/a, que pode ser ou não o/a leitor/a real e exclusivo/a. (VENANCIO, 3004, p.113). Seu caráter relacional também se refere ao fato de ser escrita em resposta a uma carta anterior, ou para provocar uma resposta, que pode ou não acontecer. Nem sempre essas pontas se encontram: para o remetente, por não haver resposta; para quem pesquisa, também por não terem sido conservadas (porque deterioraram, se perderam, foram destruídas).

A conservação das missivas parece ser um desdobramento “natural” da própria prática de enviar e receber, pelo menos no contexto em análise, pois em algumas delas, há o pedido para rasgar a carta após a leitura; ou seja, se o rasgar requeria uma observação por escrito, estamos entendendo que o guardar, era tácito. Ao final de uma carta de Angelina para a irmã, Celsina, em que ela noticia o estado de saúde de vários familiares de Salvador e dela própria num tom de desânimo, finaliza com um P.S. “Esta é só para v. rasgue” (ANGELINA, 05/09/1927). Em outra carta, Evangelina, que se encontrava no Rio de Janeiro, escreve para a mãe, em Caetité: “[...] Apezar de estar em uma grande cidade não acho assumpto para cartas! [...] P.S. Esta foi escripta a noite e vou mandar só para não deixar de escrever. Peço rasgar [...]”. (EVANGELINA, 14/07/1923). Pelo fato de as destinatárias não terem cumprido o pedido, temos elementos para tentar interpretar esse aspecto da conservação/destruição de cartas: quais delas deveriam ou poderiam ser guardadas? Para que? Quantas outras poderiam ter sido destruídas?

Segundo Teresa Malatian (2009MALATIAN, Teresa. Cartas: narrador, registro e arquivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (org.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto , 2009, p. 195-221.), o pedido para a destruição de cartas é/era uma das formas de se manter a inviolabilidade da correspondência entre interlocutores que estabeleceram um certo pacto de confiança mútua. Observamos que na primeira carta, Angelina menciona que a destinatária é única “só para v.”, reforçando essa ideia de pacto, e abrindo também para a discussão de que as cartas poderiam ter a leitura compartilhada por outras pessoas além da destinatária. No entanto, acreditamos que, ao não rasgar, as mulheres julgaram que seu conteúdo não comprometeria essa confiança; no primeiro caso, o desânimo diante do estado de saúde de vários familiares e, no segundo, a falta de assunto. Escrever mesmo não tendo assunto corresponde aos “tempos mortos” (MALATIAN, 2009MALATIAN, Teresa. Cartas: narrador, registro e arquivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (org.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto , 2009, p. 195-221., p. 207), ou seja, a carta não se prestava nem para celebrar acontecimentos, nem para compartilhar pesar (que seriam os “tempos vivos”), sendo escrita para ocupar um vazio e manter a coesão familiar.

Utilizando documentos produzidos e selecionados pelas mulheres da família Spínola Teixeira e organizados pela instância de guarda, neste trabalho, as cartas são tratadas como fonte, como veículo de informações, fragmentos e indícios que são confrontados com outras fontes. Mesmo que não sejamos as destinatárias imaginadas11 11 Antonio Castillo Gomez (2002) e Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo (2002) possibilitam discutir sobre a importância da relação entre os interlocutores na análise de correspondências. para as quais essas cartas foram dirigidas, as abrimos e exploramos, desnaturalizando o “banal” daquele contexto para ampliar nosso conhecimento a respeito das práticas educativas de mulheres daquele tempo.

Por fim, cabe considerar que as cartas às quais tivemos acesso não representam a totalidade das práticas educativas que fizeram parte do cotidiano das mulheres em estudo, mas aquelas que puderam ser conservadas e que conseguimos capturar pelos olhos do presente.

Leitura e circulação de jornais, revistas e livros como prática educativa

“Já leu os jornais sobre a morte de D. Carlos e do príncipe herdeiro? [...]” (HERSÍLIA, 21/02/1908), escreveu Hersília para sua irmã Celsina, demonstrando a rotina de leitura de jornais e o hábito de comentar sobre o assunto lido. Contrariando concepções generalizantes de que para tempos remotos, como o que analisamos, os interesses femininos estariam concentrados em assuntos como moda, cuidados domésticos e religiosidade, esse fragmento indica que acontecimentos relacionados à política internacional também faziam parte do repertório temático das irmãs da família Spínola Teixeira.

A participação não só do pai, mas também de tios na política local e estadual sensibilizava-as para a temática; além disso, seus irmãos Mário e Anísio eram nitidamente preparados para assumirem postos na administração pública, assim como seus (futuros) cônjuges12 12 Segundo Aguiar (2011), na família Teixeira, os cônjuges eram escolhidos estrategicamente, visando a ampliação do poderio econômico e da influência política: Evangelina se casou com Francisco Pires de Oliveira, Celsina se casou com José Antônio Gomes Ladeia, neto do Barão de Caetité (Alzira, que não consta deste grupo, e era filha do segundo casamento de Deocleciano Teixeira, também se casou com um dos netos do Barão de Caetité), Leontina se casou com Celso Torres. também pertenceriam a famílias de influência política, fazendo com que o assunto fosse mais que um tema a ser discutido, mas parte da própria vivência cotidiana.

Por meio dos jornais, as mulheres se informavam, fazendo desse um importante instrumento de autoinstrução. Liam como parte da rotina, e algumas notícias que lhes chamavam a atenção acabavam sendo relatadas nas cartas, como sobre a “influenza hespanhola”, o fim da guerra, entre outros. Liam também para fins utilitários, como quando Hersília informa a Celsina que leu sobre os casos de febre amarela no estado e a orienta a retornar por outra estrada (HERSÍLIA, 17/04/1914); sobre o rendimento escolar dos sobrinhos, Celsina comenta: “Temos procurado nos jornais os exames dos meninos...” (CELSINA, 07/04/1908); e se informavam por meio dos jornais sobre os acontecimentos relacionados aos membros da família, como os fragmentos a seguir: “(...) Vi n’A Penna o proclama do casamento civil de nossa afilhada Celina. (...)” (EVANGELINA, 08/09/1926); “(...) Li n’A Penna que ahi tem se dado alguns casos de gatunagem, por isso peço cuidado com a nossa casa. (...)” (ANNA, 01/07/ 1925). “(...) Li na Tarde a nomeação de Nelson para lente do Gymnasio. (...)” (EVANGELINA, 04/08/1926); “(...) Li na A Tarde a notícia da inauguração da Escola Normal e da manifestação que fizeram a Anísio. (...)” (LEONTINA, 29/04/1926); “(...) Vi na Tarde o seu retrato entregando a quantia da Associação ao Diretor do Banco. (...) Carmita leu na Tarde, falecimento de Alzira (...)”. (HERSÍLIA, 07/03/1943).

Ter membros da família sendo noticiados/as pelos jornais locais possivelmente as estimulava a lê-los. Citar o nome do jornal lido pode significar que, possivelmente, liam outros jornais, e que era necessário especificar a fonte da notícia a ser comentada. Os principais jornais citados são A Penna e A Tarde. O primeiro era impresso em Caetité no período de 1897 a 1943, de publicação quinzenal e seis páginas, tendo como proprietário e principal redator, João Gumes (1858-1930); após sua morte, continuou a ser publicado pelos filhos. Sua abrangência era regional, tendo como objetivo divulgar acontecimentos de cunho cultural e social (GUMES, 1975). Quanto ao jornal A Tarde, é impresso em Salvador desde sua fundação em 1912, estando em atividade até os dias de hoje. Foi fundado por Ernesto Simões Filho, tendo inicialmente quatro páginas, sofrendo modificações ao longo do tempo. É considerado o mais longevo e um importante jornal do estado da Bahia, que combateu o governo estadual em várias fases de seu funcionamento13 13 Consultar verbete produzido por Consuelo Novaes Sampaio disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tarde-a. Acesso em 21 fev. 2021. .

Além da leitura dos jornais, era prática comum o envio de exemplares junto às cartas, de modo que as mulheres faziam circular os impressos para além de sua abrangência programada. Exemplares de A Penna eram enviados para a capital para que as irmãs/filhas pudessem ter notícias locais, como se os jornais pudessem levar um pouco de Caetité e diminuir as distâncias.

[...] Como vai Papai com a política? Recebi a Penna e mto estimei elle ter acceitado o conselho dos amos pa descansar da política, fiquei satisfeita com a nomeação do Ouvidor veremos quaes os melhoramentos que deve fazer, a começar pela praça da Matriz, ou, Cathedral [...]. (ALICE, 22/06/1924)

Alice, que se encontrava em Salvador, acompanhava aliviada pelo jornal enviado pela sua tia-mãe, o fim da atuação política do pai, aos 80 anos. Ao comentar sobre os possíveis melhoramentos na cidade, com as novas nomeações, depositava sua expectativa sobre melhorias na região central de Caetité, onde a família residia, considerada, em sua opinião, a prioridade para os próximos governantes.

A Penna também era enviado para a fazenda Gurutuba, onde Evangelina residia, e ao Rio de Janeiro, para que o tio Rogociano pudesse acompanhar as novidades. Da mesma forma, enviavam o jornal A Tarde para o interior, nos fazendo pensar que as mulheres da família Spínola Teixeira preferiam utilizar meios alternativos para fazer circular os jornais, já que provavelmente esse impresso de Salvador era distribuído pelos principais centros urbanos do Estado, na década de 1940, chegando a Caetité.

[...] Envio-lhe a “Tarde” para V. ver o movimento presente, do novo governador.

A “Tarde” de hontem deu a nomeação dos novos secretários: Anísio como Secretário da Educação e Nestor, Secretário da Agricultura”.

No dia 10 está marcada a posse Dr. Otávio Mangabeira. (HERSÍLIA, 06/04/1947)

A mesma Hersília nos dá indícios dessa circulação de jornais pelo “uso” de uma portadora: “(...) Acabo de saber por Yayá que Zuleide viaja amanhã vou terminar esta para enviar e assim os jornaes para v. lêr a posse de Anísio como Secretário da Educação e a notícia do falecimento de Frei Boaventura (...)” (HERSÍLIA, 15/04/1947).

Vemos, por meio desses indícios, o papel ativo desse grupo de mulheres na ampliação da circulação de impressos, possibilitando também compreender aspectos dos usos que faziam do que era lido. Acompanhavam de perto as ações políticas de seus familiares, apoiando-se para isso, nos jornais. Circulação e leitura fazem parte do ciclo do impresso proposto por Darnton (1990DARNTON, Robert. The kiss of Lamourette. Reflections in Cultural History. New York: orton & Company Inc., 1990.) para a análise da história da leitura.

Além dos jornais, outros impressos e materiais eram anexados às cartas. Leontina menciona à sua irmã Celsina sobre a opereta “Conde de Luxemburgo” à qual assistiu no teatro Guarany, em Salvador. Envia jornais, incluindo o A Tarde, que noticiam a opereta, e junto, o programa da peça, indicando que compartilhavam de hábitos da elite econômica que frequentava espaços sofisticados da cultura erudita (LEONTINA, 14/12/1945). O envio do programa da opereta seria uma forma de sua irmã se aproximar melhor da experiência, acrescentando mais elementos à leitura das notícias.

O envio de outros impressos da capital para o sertão reforça a circulação e o acesso a valores e gostos por meio de outras leituras. De Salvador, Celsina enviava “(...) a Vida Doméstica, o Cruzeiro, o jornal das moças, o Gury, 2 caixas de lápis de côr, 2 livrinhos de histórias (...)”, (CELSINA, 27/03/1947). Impressos no Rio de Janeiro, a revistas Vida Doméstica (1945-1960), O Cruzeiro (1928-1975) e o Jornal das Moças (1914-1965) retratavam os costumes e modos de ser das mulheres da elite burguesa carioca ligados à beleza feminina, moda, culinária e outros, inspirados nos moldes europeus, especificamente franceses (SEVCENKO, 1998SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau (org.). História da vida privada no Brasil vol.3 /coordenador geral da coleção Fernando A. Novais. São Paulo: Companhia das Letras , 1998, p. 513-619.). Os sobrinhos também eram lembrados, ao receberem “livrinhos de histórias”, lápis de cor e a revista O Gury (1940-1968), este último também impresso também no Rio de Janeiro, pelo jornalista Assis Chateaubriand, e considerado o precursor das revistas em quadrinho no Brasil, pelo formato diferenciado.

Hersília, que pretendia seguir a vida religiosa, foi interna em conventos no Rio de Janeiro e posteriormente em São Paulo no período de 1924 e 1928. Dessas localidades, também enviava notícias e outros impressos, como o jornal Mocidade, que era vinculado ao Mosteiro Provincial de Nossa Senhora de Caridade do Bom Pastor, no Rio de Janeiro. (HERSÍLIA, 24/09/1928). Posteriormente residindo em Salvador, seguiu enviando a Caetité periódicos católicos: “Envio-lhe entre os jornaes 2 numeros da Semana Catholica para V. o artigo sobre Frei Boaventura, que é outro Frei Eustáquio e Frei Luiz de Petrópolis (...) Já paguei na Piedade ao Frei Leão a assignatura da Vida Franciscana - 10,00 cruzeiros”. (HERSÍLIA, 23/05/1947).

Essa rede de circulação de materiais de leitura se estendia para as novas gerações, netas e netos de Deocleciano e Anna. Do Rio de Janeiro, onde residia, Rogociano, irmão de Deocleciano, enviava também jornais e revistas. Mas uma iniciativa animava particularmente as suas sobrinhas mais novas e seus sobrinhos-netos: a assinatura da revista Tico-tico. Carmem, a caçula, aos onze anos, que lia a revista junto com seu irmão Nelson e a irmã Angelina, escreve ao tio Rogociano: “Tenho recebido com constância o Tico-tico, que assignastes, mas estou com receio de ser suspensa assignatura por ter a mesma findado em 31 de Dezembro (...)” (CARMEM, 27/01/1921). A revista Tico-tico foi também lida por seus irmãos, Anísio e Jayme, quando crianças, fazendo parte da rotina familiar pelo menos desde 1909 (ANNA, 05/05/1909). A revista surgiu em 1905, sendo impresso no Rio de Janeiro pela Editora O Malho. Era voltado para o entretenimento e instrução das crianças, sendo considerada a revista infantil mais longeva que se tem notícia no Brasil (GONÇALVES, 2019GONÇALVES, R. F. As Aventuras D’ O Tico - Tico: formação infantil no Brasil Republicano (1905 - 1962). 360 f. Tese (Doutorado em História). Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal Fluminense/UFF, Niterói 2019.)

Rogociano também enviava revistas para Evangelina, que residia na fazenda Gurutuba, que agradece: “(...) Recebi as revistas que vm.ce teve a bondade de mandar-nos, muito agradeço, deram-me horas de agradável distração” (EVANGELINA, 04/10/1919)

“Livrinhos de leitura” são constantemente enviados pelos familiares às crianças, embora não se tenha detalhes sobre os títulos, à exceção de dois: A sciencia do bom Homem Ricardo 14 14 Almanaque escrito por Benjamin Franklin em meados do século XVIII, traduzido e difundido por vários países. No Brasil, foi amplamente difundido desde o início do século XIX (ARRIADA et al., 2015). , enviado por Rogociano a Jayme, que “ficou muito satisfeito com o livro ... porém ainda não teve paciência de lêr” (HERSÍLIA, 04/03/1908). Um outro livro é o clássico Pinocchio, dessa vez, enviado por Jayme (já crescido) para Ernani, filho de Leontina, numa reprodução de práticas familiares, transmitidas pela geração anterior.

[...] já está lendo correntemente e comprehende facilmente tudo que lê, o que é de admirar, pois elle completou 6 annos e não forçamos muito o estudo d’elle. Jayme mandou um livro para elle, que gostou muito e leu todo em menos de 3 dias, muito interessado em saber a história de “Pinocchio”. As vezes era preciso eu tomar o livro das mãos d’elle, porque elle queria ficar todo o dia lendo, e conta muito direitinho tudo que lê. Para escrever é que elle não tem muita paciencia, mas já está escrevendo alguma cousa. (LEONTINA, 28/09/1928).

Leontina detalha a interação “voraz” de seu filho com o livro recebido; demonstra saber avaliar a compreensão sobre o que o filho lia. Essa discussão será aprofundada no próximo tópico, em que discutiremos sobre o modo como mães e tias/tios participavam ativamente do processo de escolarização dos filhos e sobrinhos, se constituindo “educadoras”.

Educação doméstica e acompanhamento dos estudos

O interesse pela educação dos familiares está presente nas cartas, que costumavam se assemelhar a “relatórios” sobre o desempenho e o desenvolvimento de cada uma das crianças. É com esse tom que Anna relata ao cunhado Rogociano, sobre os filhos:

Com grande prazer recebi sua presada carta, a qual respondo. Agradecendo as visitas e retribuindo-as faço votos para que tenha gosado saúde.

Nelson vai bem, está muito gordo, esperto e forte, já está principiando a engatinhar; Anísio e Jayme continuam bem, este sempre impertinente e Anísio muito accommodado, já anda as voltas com uma carta de abc, que pediu-me para comprar, dizendo que ele também queria aprender a ler. Evangelina e Celsina não deixaram o desenho e o bandolim: Celsina já está tocando muito melhor; Evangelina é que tem menos gosto para música; ellas agora estão sem professor; o Borba foi para Conquista com a família. Celsina leccionando Desenho no Collegio de Prescilla que criou mais um curso secundário. Por enquanto só tem 5 alumnos; porém ellas esperam que appareça mais, Hersilia também já está aprendendo Desenho e música.

Celso, Oscar, e Leontina continuam no collegio de Prescilla. Agradeço de coração dizer-me que já tem em vista um bom collegio ahi para deital-os o meu maior desejo era que elles estivessem sempre debaixo de suas vistas, fico mais tranquilla elles estando do que na Bahia, porem para o anno elles não podem ir porque ainda não estão pronptos das primeiras lettras desejo mandal-os mais adiantados.

Alzira está bôa e assim os meninos estes todos gordos e fortes. A sua affilhada já falla muito.

Alzira disse que recebeu o livro e mto agradece. (ANNA, 26/04/1904)

Anna faz menção à escola de Prescilla sua irmã que, formada na Escola Normal de Caetité na sua primeira fase (1898-1903), abriu um colégio privado, tendo como primeiros alunos, seus sobrinhos. Celsina, a sobrinha que teria 17 anos à época, lecionava Desenho, e assim a extensa família se entrelaçava nesse espaço escolar. Outro trecho que chama a atenção se relaciona ao interesse precoce de Anísio pela aprendizagem da leitura, já que ainda iria completar quatro anos. No ambiente familiar, a tia professora, as irmãs mais velhas escrevendo e lendo cartas, às voltas com jornais e revistas provavelmente despertava o interesse pelas letras. Não seria exagero inferir que havia “cartas de abc” ou cartilhas utilizadas pelas irmãs disponíveis para a consulta, além de muitos livros de uma biblioteca em constante ampliação. Por outro lado, chama a atenção a associação das filhas ao estudo das artes, sem referência ao estudo de outros conteúdos.

Entre os adultos já se faziam planos para o envio dos meninos para o Rio de Janeiro para continuidade nos estudos, sendo aquela cidade, preferida em relação a Salvador. Nesse sentido, Rogociano demonstra representar um suporte não só afetivo, mas também efetivo no encaminhamento educacional dos sobrinhos.

Uma outra carta, desta vez escrita por Hersília, possibilita visualizarmos a rotina doméstica envolvendo estudos:

Mariquinhas está com mais uma menina, e por este motivo os meninos não tem ido estes dois dias a escola, porém o João Neves está substituindo-a; na segunda-feira eles irão. Estão aqui me atrapalhando, hoje, que não foram à escola, deitei-os para estudarem aqui no sótão commigo.

Todos os dias a noite, faço eles estudarem; Jayme continua impaciente só quer ler a lição uma vez, é preciso forçal-o para ler mais vezes.

Fale com Vanvan, que Anísio já está estudando Grammatica, e com muito gosto, porém, mamãe não quer, pois, ele está muito pequeno e assim cansa a memória muito cedo, elle não quer deixar, diz que quer passar Mário, que está perdendo a escola, amanhã, faz oito dias que ele e Benjamin estão na Serra com Yaya que volta para a semana. (HERSÍLIA, 21/02/1908)

A escrita de Hersília indica a docência informal imbricada na rotina familiar. Segundo a memorialista Marieta Gumes (1975), a escola de Mariquinhas era a mais frequentada da cidade; as crianças então mais novas da família Spínola Teixeira, frequentavam essa escola municipal, e com a ausência da professora, que aparentemente tinha dado à luz uma menina, estudavam em casa à noite, com Hersília, irmã de Jayme e Anísio, e tia de Mario e de Benjamin (estes últimos, filhos de Alzira). Anísio seguia num ritmo próprio, se interessando pela gramática e aparentemente motivado, além do gosto, pela competição: “quer passar Mário”.

Além de estabelecer uma rotina de estudos à noite, Hersília menciona a preocupação da mãe, Anna, com a precocidade de Anísio que, segundo ela, era muito novo, e poderia cansar a memória. À época, Anísio contava com sete anos. Com essa notícia, destacamos a participação de Anna opinando sobre o interesse do filho em relação aos estudos, e suas recomendações sendo difundida pelas cartas, para suas outras filhas.

Posteriormente, Evangelina passou a acompanhar o estudo dos irmãos em Salvador, quando ainda era solteira. Enviava igualmente ao tio Rogociano, detalhados relatos sobre o desenvolvimento escolar de cada um: “[...] Anísio está estudando para fazer exame no fim do anno assim como Mario. Jayme é um pouco vadio, mas intelligente. Nelson que entrou este anno para a escola está satisfeito e tem gosto pelo estudo. Leontina está estudando francês, desenho, etc. [...]”. (EVANGELINA, 04/07/1910)

Anna residia em Caetité e buscava, mesmo de longe, manter o controle sobre o desenvolvimento escolar dos filhos, cobrando dedicação e envolvimento. Escrevia para Celso (16 anos): “Escreva sempre não espere só cartas minhas para responder. Estude muito, não perca o tempo; preste mais attenção para não escrever errado (...)”. (ANNA, 26/04/1909). As cartas se entrelaçavam e por meio delas pode-se construir uma malha de interdependências e conexões:

[...] Por carta de Celso soube que v pode ser matriculado na escola anexa a escola comercial. Por Catharino também telegraphou dizendo que tinha combinado com Celso sobre sua colocação. Oscar, estimei saber que v teve poucas faltas no Gymmasio. Ambos estudem muito para aproveitarem bem o anno. [...]. (ANNA, 06/05/1910).

Os irmãos Celso e Oscar tinham pouco mais de um ano de diferença e eram estimulados a estudar juntos, sendo acompanhados pela mãe, que demonstrava saber das possibilidades futuras de estudos ou ainda, podemos dizer que Anna participava das articulações para buscar melhores oportunidades de estudo para os filhos.

Anna, Evangelina e Heresília apresentam um modo protetor e controlador de acompanhar as crianças da família em seus desempenhos escolares. As expressões “aproveitar o ano”, “não perder tempo” “cansar a memória”, “precisar forçar”, “perder escola”, “prestar atenção” indicam a crença no percurso escolar bem sucedido para a conquista de objetivos, e o esforço necessário para tal.

Como apontado anteriormente e visível em algumas correspondências, a mesma entonação não aparece associada às meninas da família. Para elas, outras dimensões formativas eram estimuladas e defendidas, e sobre elas falaremos a seguir.

As artes e a formação estética

Por meio das cartas conseguimos visualizar a arte como “senso comum” no processo educativo de meninas e meninos dessa família de elite. Nos referimos particularmente à musica, ao desenho e à pintura como parte da rotina de estudos e da boa educação. Na carta de Evangelina, abaixo, a apreciação “passiva” da música é vista como distração na fazenda. Assim Evangelina escreve ao tio Rogociano: “(...) nos distrahimos com a Victrola, que mandamos vir há pouco tempo. Anísio, porém, comprou poucos discos e todos em italiano e a maior parte de Caruso, que muito apreciamos, mas, o pessoal daqui prefere peças brasileiras ou de música que tencionamos comprar (...)”. (EVANGELINA, 04/10/1919).

Acima, vemos elementos distintivos de uma senhora de elite em contraste com o restante da população da fazenda. Apreciar Caruso é resultado de um processo de sensibilização para uma estética, uma língua, que não faz sentido para os demais; Evangelina, suas irmãs, irmãos e tios se conectam por compartilharem um processo de educação que não se desenvolve espontaneamente e nem nas escolas. Essa educação é estimulada no ambiente familiar, a partir de valores de uma sociedade de elite, pelo incentivo, por exemplo, à aprendizagem de instrumentos.

As aulas de bandolim, violão e piano são mencionadas com bastante frequência, tanto para as meninas, quanto para os meninos. Celsina estudou bandolim enquanto estava em Salvador, e era aguardada com expectativas para que, retornando a Caetité, pudesse ensinar às irmãs: “(...) V. fez bem em tomar uma Professora, para lhe ensinar o bandolim. Deocleciano já tinha lembrado disto, e mesmo serve para v. ensinar Tilinha e Leontina. O José Elysio continua a vir sempre, mas, logo que v. chegar vou dispensar porque até hoje Leontina, não sabe uma nota (...)”. (ANNA, 30.03.1908)

Piano, bandolim, violino, violão e gramophone. Assim se ampliavam as práticas de leitura e de participação num universo cultural mais ampliado, de outras linguagens. Além da música, o desenho e a pintura também estavam entre as artes valorizadas. Em correspondência entre irmãs, Hersília diz a Celsina:

Não tenho desenhado, agora estou lhe esperando para dar-me boas lições, assim como de bandolim que estou no mesmo, admirei v. ter achado meu desenho bom, porque além não saber, nem pincel tenho a não ser 2 que não vale nada e outro muito grosso, me da muito trabalho não sahe coisa que preste. (HERSÍLIA, 07/04/1908)

Cabe lembrar que Celsina já havia tido a experiência de ensinar desenho no colégio de sua tia Prescila, motivo pelo qual a sua opinião, para Hersília, era importante. O tio Rogociano era também um entusiasta que certa vez, enviou a Hersília uma caixa completa para pintura em resposta ao envio de seu primeiro trabalho a ele. (HERSÍLIA, 19/08/1920). Tendo tido ou não a intenção de ser presenteada, os vínculos afetivos com o tio já estavam consolidados e Hersília teve ao menos condições materiais para desenvolver-se melhor na arte da pintura.

Entretanto, essas cartas nos sinalizam que a formação “do gosto” pela arte também não se dava de modo tão tranquilo. Aparentemente Caetité não dispunha de profissionais muito qualificados, ou as filhas não eram tão entusiasmadas, sendo necessário buscar instrução em Salvador. Celsina se destacava, aparentava reunir gosto e competência para a música e o desenho, inclusive para ensinar as irmãs e também na escola da tia Prescila. Resta saber se o esforço com as aulas particulares resultou na apreciação de operetas por mais alguma das irmãs. Como vimos anteriormente, Celsina seguiu apreciadora da música, frequentando os teatros e buscou difundir esse gosto por outros meios, enviando além de notícias de jornal, o programa de uma opereta à irmã Leontina.

Os novos tempos, no entanto, não favoreciam necessariamente a manutenção desses costumes e valores “tradicionais”. Nas primeiras décadas do século XX passavam a ser recorrentes as menções ao cinema e à rádio, como sendo as formas preferidas de lazer dos mais jovens. A década de 1930 é considerada a era de ouro do cinema no Brasil e os principais centros urbanos foram invadidos pelo cinema de Hollywood, ditando novos hábitos, modas e padrões de beleza. A rádio teria sua “explosão” na década seguinte, passando também a participar das rotinas das casas e espaços públicos (SEVCENKO, 1998SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau (org.). História da vida privada no Brasil vol.3 /coordenador geral da coleção Fernando A. Novais. São Paulo: Companhia das Letras , 1998, p. 513-619.)

Alice escreve para Celsina da capital baiana no dia 19 de outubro de 1945 e, dentre os vários assuntos, diz: “Pela rádio foi avisado, q. no Rio, foi lembrado o nome de Anísio pa Ministro de educação, e parece q ele aceita, mas isto só deps das eleições e que se sabe de tudo certo (...)”. A rádio como agente de letramento e instância educativa é discutida em trabalhos como os de Cota (2016COTA, Leide Mara da Conceição. Rádio, educação e formação da identidade Nacional: um estudo da Rádio Inconfidência de Minas Gerais (1936-1945). 220 f. 2016. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG. Belo Horizonte, 2016.) e Neves (2018NEVES, Simone Aparecida. O rádio como agente de letramento literário de crianças: um estudo sobre o programa radiofônico Encontro Com Tia Leninha, da Rádio Nacional da Amazônia (1979-1999). 214 f. 2018. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG. Belo Horizonte, 2018.). A crença em seu potencial para influenciar os ouvintes pode ser percebida pela carta de Hersília do dia 29 de julho de 1947 que, dentre os vários assuntos, discorre sobre a preferência juvenil pelo cinema e pelas novelas de rádio, e emite sua opinião: “(...) uma verdadeira escola de perdição, tem passagens tão livres que não se pode nem se deve ouvir (...)”.

O posicionamento de Hersília é possivelmente influenciado pela formação religiosa e, somada aos seus quase 60 anos, a tornaram crítica em relação às novas formas de lazer e entretenimento frequentadas pela juventude das classes privilegiadas dos grandes centros.

Assim, podemos verificar o acesso e a aderência da família Spínola Teixeira a variadas práticas educativas, buscando constituir e manter hábitos que faziam parte da elite econômica e política: a formação estética por meio do estudo das artes, num movimento de desenvolvimento de sensibilidades por meio da educação (TABORDA DE OLIVEIRA, 2020TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus. Pesquisa sobre a educação dos sentidos e das sensibilidades na História da Educação: algumas indicações teórico-metodológicas. Revista História da Educação, Santa Maria, v.24, p. 1-32, 2020. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-34592020000100410&tlng=pt . Acesso em 31/03/2021.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
).

Considerações finais

Para concluir nossas reflexões, parece bem acertada a máxima de Júlia Lopes de almeida, traduzida e interpretada por Ana Magaldi (2007MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello. Lições de casa. Discursos pedagógicos destinados à família no Brasil. Belo Horizonte: FAPERJ, Argvmentvm, 2007.) na qual à mulher cabia aprender para ensinar. O ensinar nas escolas pode ser considerado como uma abertura legítima de participação no espaço público, conquistado inicialmente para a instrução de meninas e, mais ao final do século XIX, também para os meninos. O aprender e o ensinar não institucionalizado, que igualmente faziam parte do cotidiano das mulheres, corre como um rio subterrâneo cujo acesso é menos evidente. Buscamos problematizar essa dimensão educativa feminina que, como vimos, era indissociável da posição social em que se encontravam, dos vínculos matrimoniais que foram estabelecendo, dos laços de sociabilidade e afeto que foram desenvolvendo, possibilitados pelas cartas.

O ambiente familiar fornecia os elementos iniciais para o desenvolvimento de uma cultura letrada, em especial voltada para as meninas, que eram estimuladas a escrever no final do século XIX, num contexto em que ainda se temia pela “virtude” das mulheres ao acessarem a escrita (CHARTIER, 1990CHARTIER, Roger. As práticas da escrita. In: ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges. (Org.) História da vida privada. Da Renascença ao Século das Luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.V. 3, p. 113-161.).

As práticas corriqueiras de ler jornais e revistas, de ampliar a sua circulação por meio de portadoras/es, com a intenção despretensiosa de compartilhar, faziam a diferença, nos autorizando a considerá-la uma espécie de “educação epistolar” (SIMON-MARTIN, 2020); levar o aprendizado da música e repassar às irmãs e às alunas tornava o ambiente familiar e cultural da cidade mais amplo.

A docência fez parte da trajetória de três filhas de Anna e Deocleciano: Hersília, Celsina e Carmem foram professoras da Escola Normal de Caetité na sua segunda fase, a partir de 1926. Antes dessa atuação, exercitaram a tutoria de suas irmãs e irmãos menores no ambiente doméstico em Caetité e monitoravam o desempenho escolar em Salvador, sob a vigilância atenta de Anna.

Sentimos falta, nesse conjunto de cartas, dos livros lidos pelas mulheres, que não foram identificados nas cartas, mas certamente existiram e provavelmente constituem a biblioteca de cerca de 1.320 livros pertencentes à família Teixeira doados ao Arquivo Público Municipal de Caetité (AGUIAR, 2011AGUIAR, Lielva Azevedo. Agora um pouco de política sertaneja: a trajetória da família Teixeira no Alto sertão da Bahia (1885-1924). 2011. 163f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local. Universidade do Estado da Bahia/UNEB-Campus V. Santo Antônio de Jesus, 2011.).

Não lamentamos as lacunas encontradas nessa rica coleção documental; o desafio nos fez exercitar a liberdade interpretativa, legado das bravas mulheres que nos antecederam e que contribuiu para fazer da educação um bem cultural de fundamental importância.

Referências

  • AGUIAR, Lielva Azevedo. Agora um pouco de política sertaneja: a trajetória da família Teixeira no Alto sertão da Bahia (1885-1924). 2011. 163f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local. Universidade do Estado da Bahia/UNEB-Campus V. Santo Antônio de Jesus, 2011.
  • ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE CAETITÉ. Acervo Particular da família Spínola Teixeira. Grupos: Anna Spínola, Deocleciano Teixeira, Evangelina Spínola Teixeira, Celsina Spínola Teixeira, Hersília Spínola Teixeira, Leontina Spínola Teixeira, Angelina Spínola Teixeira, Carmem Spínola Teixeira. Série: Correspondências pessoais, 1885-1950.
  • ARRIADA, Eduardo; TAMBARA, Antonio Callegaro; DUARTE, Sheila. A Sciencia do Bom Homem Ricardo: um texto de leitura escolar no Brasil Imperial. Revista História da Educação, Santa Maria, v.19, n. 46, p. 243-259, May/Aug. 2015. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/pdf/heduc/v19n46/2236-3459-heduc-19-46-00243.pdf acesso em 15 mar. 2021.
    » https://www.scielo.br/pdf/heduc/v19n46/2236-3459-heduc-19-46-00243.pdf
  • CAMARGO, Maria Rosa Rodrigues Martins de. Escreva-me urgente... um estudo dos elos comunicativos na carta. In: BASTOS, Maria Helena Camara; CUNHA, Maria Teressa Santos; MIGNOT, Ana Chrystina Venancio (orgs.). Destinos das letras. História, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002, p.159-180.
  • CARVALHO, Jumara Carla Azevedo Ramos. Cotidiano e poder: a trajetória da família Spínola Teixeira em Caetité - Bahia (1894 a 1944). Dissertação (Mestrado em História). 2018. Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES, Programa de Pós-Graduação em História/PPGH, 2018.
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  • CHARTIER, Roger. As práticas da escrita. In: ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges. (Org.) História da vida privada. Da Renascença ao Século das Luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.V. 3, p. 113-161.
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  • NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Bragança Paulista: EDUSF, 2000.
  • RIBEIRO, Marcos Profeta. Mulheres e poder no Alto sertão da Bahia: a escrita epistolar de Celsina Teixeira Ladeia (1901-1927). São Paulo: Alameda, 2012.
  • RITZKAT, Marly Gonçalves Bicalho. Preceptoras alemãs no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica , 2000, p. 269-290.
  • SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, no. 2, p. 71-99, 1995). Disponível em Disponível em https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721 acesso em 14 mar. 2021.
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  • SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau (org.). História da vida privada no Brasil vol.3 /coordenador geral da coleção Fernando A. Novais. São Paulo: Companhia das Letras , 1998, p. 513-619.
  • SILVA, José Carlos de Araújo. O recôncavo baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar. 1999. 209 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal da Bahia/UFBA. Salvador, 1999.
  • SIMMON-MARTIN, Meritxell. La educación epistolar: los intercâmbios de cartas entre mujeres burguesas como fuente de desarrollo personal en la Inglaterra victoriana. Revista História da Educação, Santa Maria, v. 24, p. 1-31, 2020.
  • TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus. Pesquisa sobre a educação dos sentidos e das sensibilidades na História da Educação: algumas indicações teórico-metodológicas. Revista História da Educação, Santa Maria, v.24, p. 1-32, 2020. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-34592020000100410&tlng=pt Acesso em 31/03/2021.
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  • VENANCIO, Gisellle Martins. Cartas de Lobato a Vianna: uma memória epistolar. In: GOMES, Angela de Castro (org.). Escrita de Si. Escrita da História. Rio de Janeiro: Editora FGV , 2004, p. 111-137.
  • 1
    A pesquisa que deu origem a este artigo contou com financiamento da CAPES por meio de bolsa de doutorado na modalidade Dinter UNEB/UFMG e bolsa do Programa de Apoio à Capacitação de Docentes e Técnicos Administrativos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB-PAC/DT).
  • 2
    A denominação “Alto Sertão da Bahia” inexiste nos registros estatísticos e demográficos oficiais; conforme discutido por Estrela (2003) e Ribeiro (2012), trata-se de uma construção social e histórica presente no vocabulário local, sendo registrada por cronistas regionais do extremo sudoeste do estado da Bahia; corresponde a um vasto território demarcado pelo norte de Minas Gerais, a Chapada Diamantina, e delimitado ao leste pela região de Vitória da Conquista.
  • 3
    Rogociano Pires Teixeira era o irmão mais novo de Deocleciano; era funcionário da Alfândega no Rio de Janeiro, solteiro, faleceu no final da década de 1920 (SANTOS, 1997, apud AGUIAR, 2011, p. 28)
  • 4
    As cartas constituem o acervo pessoal doado pela família Teixeira ao Arquivo Público Municipal de Caetité (APMC) – BA, em 2003. O quantitativo organizado até o momento contabiliza 13.740 correspondências pertencentes a essa família e são divididas em cartas, cartões, telegramas, iconografias e cartões postais. Nesta pesquisa, utilizaremos parte das cartas enviadas pelas mulheres citadas, que correspondem a uma parcela do acervo.
  • 5
    Para a escrita deste artigo, foram analisadas somente as cartas enviadas, e entre elas, as que mencionam práticas educativas protagonizadas pelas missivistas envolvidas nesta pesquisa. Desse conjunto, citamos, neste artigo, 35 cartas escritas na juventude até a idade adulta.
  • 6
    Deocleciano já tinha uma filha do primeiro casamento (Alice) e dois do segundo casamento (Mário e Alzira). Ver acervo do APMC, Livro A. 03 – Folha 156, termo 04 e 05. Ver ainda Carvalho (2018CARVALHO, Jumara Carla Azevedo Ramos. Cotidiano e poder: a trajetória da família Spínola Teixeira em Caetité - Bahia (1894 a 1944). Dissertação (Mestrado em História). 2018. Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES, Programa de Pós-Graduação em História/PPGH, 2018.), que menciona os filhos falecidos ainda bebês: Eurico, do primeiro casamento e Celina do segundo.
  • 7
    Segundo Galvão (2007; 2010), a expressão se refere aos lugares ocupados e sentidos assumidos pelo escrito em diferentes situações, contextos temporais e culturais, sendo mais abrangente que o conceito de “Cultura escrita”.
  • 8
    Deocleciano se articulava com o partido liberal, tendo sido deputado provincial (1888-1889), presidente do Conselho Municipal (1893-1898) e senador (1899-1903) (NUNES, 2000).
  • 9
    Embora possa parecer natural que as mulheres da elite no século XIX tinham acesso à instrução, não podemos fazer essa generalização, conforme afirma Falci (2004FALCI, Miridan Knox. Mulheres do sertão nordestino. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto , 2004, p. 241-277.).
  • 10
    Antes do estabelecimento de prédios específicos para o funcionamento das escolas, vários eram os “arranjos” feitos para viabilizar o ensino, como a contratação de mestres por famílias. Ver Faria Filho (2000FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no século XIX. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 135-150.), Ritzkat (2000), Mauad (2000), Falci (2004FALCI, Miridan Knox. Mulheres do sertão nordestino. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto , 2004, p. 241-277.).
  • 11
    Antonio Castillo Gomez (2002) e Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo (2002) possibilitam discutir sobre a importância da relação entre os interlocutores na análise de correspondências.
  • 12
    Segundo Aguiar (2011AGUIAR, Lielva Azevedo. Agora um pouco de política sertaneja: a trajetória da família Teixeira no Alto sertão da Bahia (1885-1924). 2011. 163f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local. Universidade do Estado da Bahia/UNEB-Campus V. Santo Antônio de Jesus, 2011.), na família Teixeira, os cônjuges eram escolhidos estrategicamente, visando a ampliação do poderio econômico e da influência política: Evangelina se casou com Francisco Pires de Oliveira, Celsina se casou com José Antônio Gomes Ladeia, neto do Barão de Caetité (Alzira, que não consta deste grupo, e era filha do segundo casamento de Deocleciano Teixeira, também se casou com um dos netos do Barão de Caetité), Leontina se casou com Celso Torres.
  • 13
    Consultar verbete produzido por Consuelo Novaes Sampaio disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tarde-a. Acesso em 21 fev. 2021.
  • 14
    Almanaque escrito por Benjamin Franklin em meados do século XVIII, traduzido e difundido por vários países. No Brasil, foi amplamente difundido desde o início do século XIX (ARRIADA et al., 2015).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2021
  • Aceito
    03 Jul 2021
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