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O PAPEL DA ESCOLA NA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL DE MAKARENKO

THE ROLE OF SCHOOL IN MAKARENKO'S INTEGRAL EDUCATION CONCEPTION

EL PAPEL DE LA ESCUELA EN EL CONCEPTO DE EDUCACIÓN INTEGRAL DE MAKARENKO

LE RÔLE DE L'ÉCOLE DANS LA CONCEPTION D'ÉDUCATION INTÉGRALE DE MAKARENKO

Resumo

Por meio de uma análise bibliográfica, o presente artigo, busca discutir o papel da instrução escolar na concepção de educação do pedagogo Anton Semionovich Makarenko (1888-1939), a partir das suas experiências na Colônia Gorki (1920-1928) e na Comuna Dzerjinski (1927-1935), desenvolvidas na União Soviética. A complexidade do período pós-Revolução Russa de 1917, tensionaram a sua obra. Inicialmente, a vinculação da educação à atividade de trabalho dos alunos, destaca-se em relação à aprendizagem escolar, até como uma questão de sobrevivência no cenário de destruição gerada pela guerra contrarrevolucionária. À medida que as dificuldades iniciais foram superadas, a instrução escolar começou a se tornar importante e passou a ser usada como um instrumento de superação da vida camponesa, um dos objetivos da Nova Política Econômica - NEP (1920-1928). A instrução escolar articula-se a uma concepção de educação integral, que tenta contemplar diferentes espaços de atuação da vida de seus educandos.

Palavras-chave:
Instrução Escolar; Makarenko; Educação Integral; História da Educação Soviética

Abstract

Using a bibliographic analysis, this article seeks to discuss the role of school instruction in the conception of education by Anton Semionovich Makarenko (1888-1939), based on his experiences in the Gorki Colony (1920-1928) and the Comuna Dzerjinski (1927-1935), developed in the Soviet Union. The complexity of the post-Russian Revolution, tensioned his work. Initially, the link between education and students' work activity stands out in relation to school learning, even as a matter of survival in the destruction generated by the counterrevolutionary war. As the initial difficulties are overcome, school education begins to become important and starts to be used as an instrument to overcome peasant life, one of the objectives of the New Economic Policy - NEP (1920-1928). School instruction is linked to a concept of integral education, which tries to contemplate different spaces in which the students' lives can act.

Keywords:
School Instruction; Makarenko; Integral Education; History of Soviet Education

Resumen

Mediante un análisis bibliográfico, este artículo busca discutir el papel de la instrucción escolar en la concepción de la educación del Anton Semionovich Makarenko (1888-1939), a partir de sus experiencias en la Colonia Gorki (1920-1928) y en la Comuna Dzerjinski (1927-1935), desarrollada en la Unión Soviética. Inicialmente, el vínculo entre la educación y la actividad laboral de los estudiantes se destaca en relación al aprendizaje escolar, incluso como una cuestión de supervivencia en el escenario de destrucción generado por la guerra contrarrevolucionaria. A medida que se superan las dificultades iniciales, la educación escolar cobró importancia y comenzó a utilizarse como un instrumento para superar la vida campesina, uno de los objetivos de la Nueva Política Económica - NEP (1920-1928). La instrucción escolar está vinculada a una concepción de educación integral, que intenta contemplar diferentes espacios en los que actúa la vida de los estudiantes.

Palabras clave:
Instrucción Escolar; Makarenko; Educación Integral; Historia de la Educación soviética

Résumé

À travers une analyse bibliographique, le présent article cherche à discuter du rôle de l'enseignement scolaire dans la conception de l'éducation par le pédagogue Anton Semionovich Makarenko (1888-1939), à partir de ses expériences dans la colonie de Gorki (1920-1928) et dans le Dzerjinski Commune (1927-1935), développée en Union soviétique. Dans un premier temps, le lien entre l'éducation et l'activité professionnelle des élèves se distingue par rapport à l'apprentissage scolaire, voire comme une question de survie dans le scénario de destruction engendré par la guerre contre-révolutionnaire. Au fur et à mesure que les difficultés initiales étaient surmontées, l'enseignement scolaire a commencé à prendre de l'importance et à être utilisé comme un instrument pour surmonter la vie paysanne, l'un des objectifs de la nouvelle politique économique - NEP (1920-1928). L'enseignement scolaire est lié à un concept d'éducation intégrale, qui tente d'envisager différents espaces dans lesquels la vie des élèves peut agir.

Mots-clés:
Éducation Scolaire; Makarenko; Éducation Intégrale; Histoire de L'éducation Soviétique

Introdução

O objetivo deste trabalho é analisar o papel da instrução escolar na produção de Anton Semionovich Makarenko (1888-1939). A pesquisa faz parte de um trabalho mais amplo1 1 Pesquisa de Doutorado em Educação intitulada: Trabalho e Educação em Makarenko: entre a necessidade de profissionalização e uma educação integral (FREITAS, 2021). , onde analisamos a relação entre trabalho e educação presente neste autor. Makarenko foi diretor da Colônia Gorki (1920-1928) e da Comuna Dzerjinski (1927-1935), desenvolvidas na União Soviética das décadas de 1920 e 1930.

Essas instituições educacionais funcionavam em regime de internato, onde os educandos tinham atividades de trabalho, estudo e lazer. A especificidade dessas instituições, o contexto de debate sobre uma pedagogia socialista e as intenções de Makarenko, colocam o trabalho como o elemento central da sua concepção pedagógica. As características deste trabalho e sua relação com a educação, não são objetos da discussão apresentada, tendo em vista o espaço disponível, e pode ser encontrada na referência supracitada. Também não realizaremos uma biografia do autor, pelos mesmos motivos acima. O enfoque aqui é como o autor aborda a importância da instrução escolar, tendo em vista que a centralidade da escola como espaço de formação das novas gerações foi questionada no período histórico estudado, e o próprio autor ucraniano destacou-se com o trabalho em outro tipo de instituição. Chegou-se a afirmar que “Makarenko fundou uma pedagogia sem escola, nascida das trágicas circunstâncias da Guerra Civil que gerou milhares de jovens a-sociais - razão pela qual, ele tem pouco a dizer a respeito da escola” (TRAGTENBERG, 2003TRAGTENBERG, Maurício. Pistrak: uma pedagogia socialista. Revista Espaço Acadêmico, ano III, n. 24, maio de 2003., p. 07).

A tese da “morte da escola” na União Soviética defendia a fábrica como o espaço primordial para a educação comunista, e que a escola, sem função na nova sociedade, deveria desaparecer. Criticavam a permanência “perigosa” de valores burgueses dentro da escola soviética (LINDENBERG, 1977LINDENBERG, Daniel. A Internacional Comunista e a escola de classes. Coimbra: Centelha, 1977.). Veja por exemplo, o que afirmava Viktor N. Shulgin (1894-1965): “[…] na minha opinião não haverá escola alguma na futura sociedade comunista; as crianças vão direto para o trabalho na sociedade” (SHULGIN, 1927 apud FITZPATRICK, 1979FITZPATRICK Sheila. Education and Social Mobility in the Soviet Union 1921-1934. Londres: Cambridge University Press, 1979., p. 143).

A metodologia de trabalho consiste numa análise bibliográfica das obras: Poema Pedagógico (escrita entre 1925 e 1935) e Bandeiras nas Torres (1938), além de um conjunto de palestras e artigos do autor. Recuperamos o papel da instrução escolar em Makarenko, como ela se relaciona com a sua concepção de educação mais ampla, integral. Para isso, a análise parte das realizações na Colônia Gorki, mas também analisa elementos posteriores a década de 1920, principalmente, as palestras proferidas por Makarenko a professores e que, portanto, incorporaram elementos desenvolvidos na Comuna Dzerjinski na década de 1930. Uma revisão da literatura não apenas como formalismo, mas como um aspecto essencial na construção de novas interpretações de nosso objeto de pesquisa (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2002ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Método nas Ciências Naturais e Sociais: Pesquisa Quantitativa e Qualitativa. 2. ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. (Cap. VIII: Revisão da Bibliografia).).

A Colônia Gorki e a Comuna Dzerjinski inserem-se num contexto particular, no momento em que intencionava-se a construção de uma sociedade voltada para o pleno desenvolvimento do ser humano, o socialismo, ocorrido na Rússia, no início do século XX, com a Revolução de Outubro de 1917. Os problemas sociais e econômicos presentes desde o final do século XIX no Império Tzarista levaram a uma série de revoltas populares e greves. Essas condições, aliadas à crescente organização dos trabalhadores, levaram à Revolução de Outubro de 1917 (HOBSBAWM, 1995HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução Marcos Santarrita; revisão técnica Maria Célia Paoli. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.).

Como todo processo revolucionário, esse momento é bastante complexo, tendo em vista também o atraso econômico e industrial que a Rússia se encontrava, um estágio semifeudal. Era preciso enfrentar diferentes contradições em variadas instâncias: organização e funcionamento do Estado numa nova perspectiva; enfrentar os movimentos contrarrevolucionários e as consequências desse processo (destruição de forças produtivas, morte de milhares de pessoas, fome, entre outras questões); organizar a sociedade a partir de novos valores; promover o desenvolvimento econômico e modernização do país, inclusive como condição de tornar o socialismo possível. A partir de 1925 o Partido Comunista anunciou a realização da industrialização socialista como a principal tarefa da União Soviética (FREITAS, 2009FREITAS, Luiz Carlos. A luta por uma pedagogia do meio: revisitando o conceito. In: PISTRAK, M. M. A Escola-Comuna. São Paulo: Expressão Popular, 2009b.b, p. 70). A educação (que também ambicionava uma nova perspectiva) é atravessada por todas essas determinações e, a análise das estratégias adotadas por Makarenko, precisavam ser situadas nelas.

Nossa perspectiva é de entender o regime soviético, como o “socialismo real”, possível dentro daquelas condições históricas e que apresenta as seguintes características do socialismo real: desenvolvimento industrial acelerado; altíssimas taxas de acumulação; ênfase na indústria pesada; preocupação com o aumento da produtividade; coletivização forçada da agricultura e planejamento econômico centralizado; além de um Estado centralizado e poderoso (FREITAS, 2009FREITAS, Luiz Carlos. A luta por uma pedagogia do meio: revisitando o conceito. In: PISTRAK, M. M. A Escola-Comuna. São Paulo: Expressão Popular, 2009b.).

Essas características somente podem ser entendidas a partir do contexto soviético: a “herança” de período tzarista (atraso econômico/industrial, diversidade étnica e crise social); a fase do capitalismo mundial (imperialismo, guerras mundiais, nazi-fascismo); e os “inimigos externos” (tanto a guerra contrarrevolucionária apoiada por potências capitalistas, quanto à oposição “interna”, exemplificada pelo embate com Trotsky2 2 Leon Trotsky (1879-1940) foi uma figura importante na Revolução Russa. Teve papel decisivo liderando o Exército Vermelho na Guerra Civil contrarrevolucionária que se seguiu. Virou uma figura polêmica, principalmente pela oposição à Stálin, criticando os rumos políticos da República Soviética. Criou a IV Internacional Comunista, para opor-se a Terceira Internacional, controlada pela URSS. ).

As produções de Makarenko e sobre ele, são produto deste momento, assim como, as análises realizadas sobre o período revolucionário, tanto aquelas que a ressaltaram, quanto as que apontaram os seus erros. Há uma grande dificuldade com o nível de confiança nas informações das publicações e traduções, boa parte produzida pelo estado Soviético, dentro desse contexto de enfrentamento do socialismo real. De acordo com Rose Edwards (1991EDWARDS, Rose. A.S. Makarenko's General Educational Ideas and Their Applicability to a Non-Totalitarian Society. Faculty of the Graduate School of Loyola University of Chicago, Doctorate degree of Philosophy. April, 1991. Disponível em Disponível em https://ecommons.luc.edu/luc_diss/2755 Acesso em 25 fev. 2020.
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), após a morte de Makarenko na década de 1940, tem início um processo de torná-lo um “herói” e fundador da educação soviética, por meio de um conjunto de ações, eventos e publicações educacionais a pedido do Comitê Central do Partido Comunista. A mesma autora afirma que comentários críticos à União Soviética presentes em sua obra foram retirados ou “suavizados”.

Até a década de 1920, seus escritos eram geralmente publicados por ele e tinham pouca circulação no país. Na década de 1930, a publicação do Poema Pedagógico, considerada a obra mais importante, somente foi possível devido ao apoio de Máximo Gorki . Essa aproximação levou-o à vinculação ao Realismo Socialista, um movimento artístico-literário onde Máximo Gorki3 3 Máximo Górki (1968-1936) é um pseudônimo de Alexei Maxímovich Péshkov. Gorki significa “amargo”, apelido escolhido devido às duras experiências vividas pelo escritor em sua infância (CAPRILES, 1989, p. 15). Gorki, além de amigo, ofereceu ajuda financeira para que Makarenko escrevesse o Poema Pedagógico. A primeira edição do livro foi publicada em 1933 na revista Ano dezessete, que tinha Gorki como editor (KUMARIN, 1975). é considerado o representante mais significativo, e ao mesmo tempo, a inspiração que deu origem a esse movimento. O realismo socialista, “[…] que devia refletir a realidade e a mentalidade socialista, parte ‘de uma postura positiva em relação à nova realidade de uma sociedade coletivizada’” (ANDRADE, 2010ANDRADE, Homero Freitas de. O Realismo Socialista E Suas (In)Definições. Literatura e Sociedade, v. 15, n. 13, p. 152-165, 29 jun. 2010. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.11606/issn.2237-1184.v0i13p152-165 Acesso em 23 jun. 2019.
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, p. 160). Inserido no conjunto de ações de propaganda do estado soviético, difundia os novos ideais da revolução e educava a população através dos escritores, “engenheiros de almas humanas” (PINKEVICH, s/d. p. 407).

Acrescenta-se o fato de que, entre 1950 e 1952, a Academia de Ciências Pedagógicas da União Soviética publicou Obras Escolhidas em Sete Volumes, conhecida como Academy Edition, ampliada em 1957, e por muitos anos “[…] foi a coleção mais completa dos escritos de Makarenko, fornecendo a base para traduções dentro e fora da União Soviética e moldando a imagem dos estudiosos de Makarenko” (EDWARDS, 1991EDWARDS, Rose. A.S. Makarenko's General Educational Ideas and Their Applicability to a Non-Totalitarian Society. Faculty of the Graduate School of Loyola University of Chicago, Doctorate degree of Philosophy. April, 1991. Disponível em Disponível em https://ecommons.luc.edu/luc_diss/2755 Acesso em 25 fev. 2020.
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, p. 05, tradução nossa). Ainda segundo a mesma autora, mudanças substanciais apareceram quando, a partir de 1968, ao analisar os arquivos soviéticos, pesquisadores do Centro de Pesquisa para Educação Comparada da Universidade Philipps, em Marburg, Alemanha, descobriram na Academy Edition, alterações dos manuscritos de Makarenko, acréscimos e excisões com mudanças substanciais de fato e conteúdo (EDWARDS, 1991).

A contribuição de Makarenko precisa ser analisada sem mitificá-la ou mistificá-la, tendo sempre presente as condições em que foi produzida. Cabe, portanto, ao pesquisador, do ponto de vista metodológico, buscar os elementos de mediação entre essas diferentes informações e produzir um conhecimento relevante. Isso evidenciaria que a produção do conhecimento vai além do entendimento da fonte, é preciso compreender os “projetos históricos ali presentes e das perspectivas que - não raro obliteradas no texto - estão em litígio e em disputa pelo conceito, pelo que define o mundo, pelo que constitui a história” (EVANGELISTA, 2009EVANGELISTA, Olinda. Apontamentos para o trabalho com documentos de Política Educacional. Curso de Extensão, Universidade Estadual de Maringá, novembro de 2009., p. 07).

Acrescenta-se, a título de contexto para compreender a obra de Makarenko, a NEP, Nova Política Econômica (1921-1928), que buscou recuperar a União Soviética da destruição do Comunismo de Guerra4 4 Para combater a contrarrevolução, o estado bolchevique adota a política que ficou conhecida como “Comunismo de Guerra”, que entre outras ações, definiu: estatização de indústrias e requisições forçadas nos campos. Através da Tcheka, polícia política, o Estado obrigava os camponeses que resistiam, a entregarem sua produção ao governo (FREITAS, 2009, p. 107). , e desenvolver a indústria. Foi um período crucial para o processo de desenvolvimento da maior experiência socialista da História e, ao mesmo tempo, resultou no chamado “socialismo de um só país” reinante durante o stalinismo5 5 Em referência a Joseph (ou Iosef) Vissarionovich Djugashvili (1879-1953), que em 1912, adotou o nome Stálin - “homem de aço”. Stálin foi eleito Secretário-Geral do Partido Comunista em 1922. Após a morte de Lênin, assume a liderança da União Soviética e introduz a sua tese de “socialismo num só país”. Tem início uma ação repressiva às vertentes divergentes no interior do partido e na sociedade. De acordo com Conceição (2007), Stálin não foi o único criador do stalinismo, ou do conjunto de práticas que expressam uma política que, apesar dos avanços econômicos e sociais, apresentou muitos problemas referentes aos direitos de difusão de informações e de expressão crítica. O stalinismo se autodeterminou como o verdadeiro intérprete do materialismo histórico e tudo mais era “desvio”, “dissidência”, “idealismo”, etc. (CONCEIÇÃO, 2007. p. 269). e que trouxe as mais variadas críticas, inclusive no interior do marxismo. A NEP inaugura elementos de um capitalismo de Estado, marcado pelo rígido comando da economia pelo Estado, onde o objetivo fundamental era a recuperação do aparato produtivo, destruído nos confrontos, e a construção de forças produtivas modernas. Era preciso desenvolver o proletariado, tanto do ponto de vista numérico (transformando camponeses em operários), quanto do ponto de vista dos valores defendidos pela revolução.

A NEP reflete a sociedade soviética em construção “[...] criando sua própria cultura, ordem social e sistema estatal” (ROSEMBERG, 1991ROSEMBERG, Willian. NEP Rússia as a “Transitional” Society. In: FITZPATRICK, Sheila.; RABINOWITCH, Alexander; STITES, Richard. Russia in the era of NEP: explorations in Soviet society and culture. Indiana University Press, 1991., p. 04). Nesse sentido essa política também adotou estratégias formativas em três perspectivas: difusão da lógica de funcionamento do trabalho industrial (tempo, produtividade, controle); formação do “novo homem socialista”, com foco na cooperação e no coletivismo; e aumento do atendimento escolar da população. A preocupação cultural caminhava junto com a necessidade técnica, o atraso econômico também foi combatido pela cultura, com a difusão da lógica do trabalho moderno e com os cuidados com a saúde e higiene. Há vários elementos na obra de Makarenko que corroboram essas orientações.

A RELAÇÃO ENTRE INSTRUÇÃO ESCOLAR E EDUCAÇÃO EM MAKARENKO: CULTURA, MODERNIZAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO

A leitura do Poema Pedagógico revela, sem dúvida, muitos elementos para compreendermos o desenvolvimento da estratégia educativa de Makarenko, os ideais de formação encaminhados pelo pedagogo ucraniano. Entretanto, há poucas referências sobre o papel da educação escolar nessa formação desenvolvida na Colônia. O próprio educador secundarizava o papel da instrução no início das atividades em Gorki, certamente pelas precárias condições iniciais da Colônia e pelas características de infratores de seus educandos.

Em uma conferência proferida em 1938, assumia o autor que no começo em Gorki,

[…] A função que eu devia cumprir em primeiro lugar era a de educar. A ninguém lhe veio à cabeça colocar-me a tarefa de instruir. […] A princípio parecia-me que o fundamental era qualquer trabalho educativo independente, em particular a educação através do trabalho. Mantive-me nesta posição extrema durante pouco tempo […] Esta linha aplicava-se com a ajuda de uma afirmação aparentemente aceitável: quem quiser pode estudar na escola, quem quiser pode não estudar. Na prática isto terminou com que ninguém estudasse a sério. Bastava experimentar algum fracasso na escola, pronto: a pessoa já podia fazer valer o direito de não estudar (MAKARENKO, 1986MAKARENKO, Anton Semionovich. Problemas da Educação Escolar. Moscou: Progresso , 1986., p. 51. Grifo nosso).

Esta secundarização inicial da escola pode ser justificada por vários fatores. Primeiramente, segundo o autor, havia um “fetichismo ético” em torno da questão do trabalho, resquícios de uma crença em sua capacidade redentora, maior do que o estudo:

A princípio o trabalho era percebido como um trabalho simples, como trabalho de ‘autosserviço’, depois como um processo laboral inútil, improdutivo, como exercício para consumir energia muscular. […] Mas acreditávamos tanto na força ética do próprio termo que também a lógica nos parecia sagrada. […] Em todo o caso, o trabalho sem um ensino que marche a par, sem uma educação política e social que o acompanhe, não produz efeito educativo algum e converte-se num processo neutral (MAKARENKO, 1986MAKARENKO, Anton Semionovich. Problemas da Educação Escolar. Moscou: Progresso , 1986., p. 56-57).

Em segundo lugar, no início em Gorki a escola significava pouco para os colonos porque, a primeira e vital necessidade era a sobrevivência, num cenário de miséria e destruição causado pela Guerra Civil pós-Revolução. Era preciso sobreviver antes de pensar em estudar. Somaram-se às essas questões, o fato de que as oficinas de trabalho presentes na instituição, representavam para os educandos, ex-camponeses, a inserção na cultura e na economia urbana, ainda que artesanal. Certamente já influenciados pelo discurso de modernização e industrialização que se difundia na União Soviética desde a Revolução de Outubro, com as ações da NEP. Quando chegavam na colônia, a maioria dos educandos apresentava “[…] um profundo desprezo pelo trabalho camponês, um desprezo que não se referia tanto ao trabalho em si, mas à vida dos camponeses e sua psicologia” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. I, p. 65, tradução nossa).

Essa visão aparentemente manteve resquícios durante a permanência em Gorki. O “desdém” pela vida camponesa presente entre os colonistas, pode ser exemplificado por dois episódios: A solicitação de um “dote” para casar de Opríchko e o suicídio de Tchóbot.

Ambos acontecem em 1925, época em que a Colônia Gorki estava num bom nível econômico. Opríchko fez a solicitação ao conselho de comandantes, alegando que iria trabalhar com o pai de sua noiva. Ele é tratado com indiferença pelos companheiros: “[…] Lápot, olhando para Opríchko por cima da ponta de um lápis […] perguntou com voz mansa: […] quer dizer que te tornarás camponês?” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. II, p. 150). Quando Tchóbot suicida-se, as reações são descritas como “contidas”. Um dos colonistas afirma: “Faltava muito para Tchóbot chegar a Buddionny6 6 De acordo com Henady Malarenko (2008) Simion Mikhailovitch Budionny (1883-1973), está presente em canções populares que o exaltam. Ex-militar tzarista, passa para o lado bolchevique durante a Revolução. Torna-se amigo de Stálin e em 1919 passou a comandar o Primeiro Exército de Cavalaria, responsável por grandes vitórias soviéticas, contava também com infantaria, artilharia, blindados e aviões. : viveu como um mujique e como mujique 7 7 Mujique é forma como é descrita, principalmente na literatura russa, o camponês pobre do período pré-revolucionário. Depois da Revolução de Outubro esse termo é usado com certo sarcasmo. O camponês russo normalmente é dividido em três categorias, após 1917: “Os camponeses ricos - kulaks detinham as melhores terras, instrumentos de trabalho, excedentes, animais e somas para empréstimo. [...] os camponeses médios - seredniaks. Trabalhavam a terra com a família e ocasionalmente produziam excedentes. Embaixo, situavam-se os camponeses pobres bedniaks -, sempre com déficit na produção de auto-consumo, obrigados a alugar sua força de trabalho ou arrendar seus pequenos lotes.” (REIS FILHO, 1983, p. 84). morreu.” (MAKARENKO, 1979, vol. II, p.164). Os colonistas também desenvolveram uma “raiva surda contra os camponeses”. Há no Poema Pedagógico vários conflitos envolvendo os educandos e os vizinhos camponeses. Muitos furtos explicados pela fome e ausência de recursos dos primeiros anos da colônia. Quando Makarenko tentava demonstrar a importância de respeitar o trabalho do camponês, os educandos interpretavam esses argumentos como coisa de “[…] intelectuais urbanos, incapazes de compreender toda a profundeza da falta de atrativo dos camponeses” (MAKARENKO, 1979, vol. I, p. 153).

Karabánov, destacado gorkiano, afirmava que gostava do trabalho no campo, porém achava que ele não tinha sentido: “Seria bom, por exemplo, trabalhar assim: a gente trabalhava no campo, segava um pouco, e logo cresce uma manufatura, máquinas se agitavam pela várzea, tratores, sanfonas, óculos, relógios, cigarros...” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. II, p. 157). Os ideais revolucionários ressaltavam o desenvolvimento do operário na indústria, e não do camponês. A inserção nas atividades da escola, contribuíam para esse caminho, mas naquela época, era o trabalho, e não a escola que tornava o sujeito operário8 8 Boa parte dos quadros administrativos e do partido, inclusive, era recrutada entre operários com baixa escolaridade. Somente com os Planos Quinquenais no final da década de 1920, destaca-se a preocupação em “escolarizar” esses quadros através de um programa de “ações afirmativas” (FITZPATRICK, 1979). . É nesse sentido que o pedagogo ucraniano foi “[…] defensor dos processos de produção na escola” (MAKARENKO, 1977a, p. 268).

Entretanto, por volta de 1923, a escola já tinha se tornado uma obrigação para os colonistas e:

As aulas na nossa escola ajudaram muito os colonistas e aprofundaram bastante a sua cultura política. Os colonistas já se assumiam orgulhosamente como proletários e compreendiam perfeitamente a diferença entre a sua posição e a posição da mocidade aldeã. O trabalho agrícola intensivo e muitas vezes pesado não os impedia de formarem a profunda convicção de que outro tipo de atividade os aguardava no futuro. […] E na determinação desses anseios e movimentos, eram as forças juvenis urbanas e não as rurais que exerciam o papel principal (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. I, p. 237).

Os colonistas passaram a ter contato com as oficinas ferroviárias, vistas como portadoras de um glorioso passado revolucionário, com uma certa mística, descritas como palácios de contos de fadas, onde a magia repousava nas gruas, martelos, vapores, tornos, nos “príncipes” com trajes nobremente sujos de graxa, homens com rostos “[…] finos e inteligentes, onde brilhavam o conhecimento e o poder: o poder sobre os tornos e as locomotivas, o conhecimento das complicadíssimas leis das manivelas, suportes, alavancas e volantes” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. I, p. 237).

Esse contato possibilitou a realização de um anseio de Makarenko, ainda de 1922: a criação de uma célula do Komsomol na Colônia. Esta presença “[…] introduziu e alimentou o sonho de continuar os estudos e entrar nas rabfaks [rabochiy fakulte], a faculdade operária. (LUEDEMANN, 2002LUEDEMANN, Cecília. Anton Makarenko: vida e obra - a pedagogia na revolução. São Paulo: Expressão Popular , 2002., p. 165). O bom funcionamento do Komsomol produziu uma maior valorização da vida escolar da Colônia, que “Até então, arrastava uma existência bastante precária, sem forças para vencer a repugnância pelo estudo de numerosos colonos” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. II, p. 25).

A rabfak passou a ser vista pelos educandos como uma “[…] bandeira da libertação da juventude obreira das trevas da ignorância. […] o mais belo caminho humano” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. II, p. 26), fazendo com que quase todos os colonistas ambicionassem entrar na rabfak. As rabfaks tinham forte apoio popular e do partido e era visto pelos jovens trabalhadores como um caminho para a mobilidade social através da educação (FITZPATRICK, 1979FITZPATRICK Sheila. Education and Social Mobility in the Soviet Union 1921-1934. Londres: Cambridge University Press, 1979., p. 51). Para o partido, a rabfak, revelou-se uma estratégia eficiente de formação na perspectiva soviética. O fato é que os exames preparatórios colocaram os colonistas em um ritmo de estudos que anteriormente não existia.

Importante destacar que a colônia não tinha escola secundária completa, de 10 anos, mas não se fala de ingresso no ensino secundário “geral”, mas de rabfaks. De acordo com Fitzpatrick (1979FITZPATRICK Sheila. Education and Social Mobility in the Soviet Union 1921-1934. Londres: Cambridge University Press, 1979.), muitos membros do Partido, influenciados pelo Komsomol, viam o ensino propedêutico ou o technicum 9 9 O Technicum, modalidade existente antes da Revolução de 1917, era uma formação também em nível secundário, porém com um currículo mais amplo e um curso mais longo do que as outras formas de educação profissional (FITZPATRICK, 1979). como burgueses. Para eles, as escolas “proletárias” eram as escolas de aprendizes (FZU10 10 Escolas de Aprendizes (Fabrichno-Zavodskoe Uchilishche – FZU). Luiz Carlos de Freitas ao traduzir a obra de Shulgin (2013) afirma em nota de rodapé que a FZU foi a principal escola de formação profissional entre os anos 1920 e 1940 na URSS. De acordo com Straus (1997), as FZUs foram criadas em 1921 e sofreram muitas transformações. Em 1926 tinham um programa de treinamento longo e combinava educação secundária com experiência no “chão de fábrica”, era uma escola anexada à fábrica: “Os jovens começaram o curso de FZU aos quatorze ou quinze anos, e o programa durava três anos, a primeira metade na sala de aula e a segunda metade no chão da fábrica.” (STRAUS, 1997, p. 113). Esse formato é muito parecido com o que a Comuna Dzerjinski assume a partir de 1932. ) e as rabfaks:

O Komsomol há muito considerava que a escola secundária era burguesa e que seu nível superior (séries VIII e IX) deveria ser transformado em escola profissional. Em 1928, quando [...] o Primeiro Plano Quinquenal enfatizou a necessidade de pessoal treinado tecnicamente, a posição do Komsomol ganhou credibilidade […] Em outubro de 1928, uma reunião plenária do Comitê Central de Komsomol decidiu que o nível superior da escola secundária geral deveria ser abolido e reorganizado em escolas profissionais e technicums (FITZPATRICK, 1979FITZPATRICK Sheila. Education and Social Mobility in the Soviet Union 1921-1934. Londres: Cambridge University Press, 1979., p. 144, tradução nossa).

O ingresso de alguns educandos na rabfak é descrito no capítulo Lírica do Poema Pedagógico. Era celebrado com uma cerimônia solene, num misto de alegria pela conquista e tristeza pela despedida. O que não significava o rompimento definitivo dos laços com a colônia, além do retorno à colônia durante às férias, enviavam constantemente correspondências, como uma espécie de relatório ou prestação de contas:

O sucesso de nossos rabfakianos nos exames de Kharkiv e a contínua sensação de que, mesmo vivendo em outra cidade e estudando, eles não haviam deixado de ser colonos do Sétimo Destacamento Misto, acrescentaram uma grande esperança à colônia. Zadorov, chefe do sétimo destacamento misto, enviava-nos regularmente relatórios semanais, que lemos em reuniões sob aprovação e com rumores agradáveis. (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. II, p. 138, tradução nossa).

A colônia também lhes enviava uma certa quantia para se manterem estudando. A medida que chegavam notícias dos rabfakianos, aumentava a energia dos trabalhos na escola, mesmo entre os mais novos, quase todos sentiam a necessidade do estudo: “[…] estavam convencidos de que a rabfak é uma coisa real e que, querendo, cada um pode conseguir atingi-la” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. II, p. 139).

Essa preocupação com a escola e o estudo, uma atitude dos educandos, inexistente no início, transformou a Colônia, segundo seu diretor, ela “[…] tornou-se mais culta e mais próxima de uma sociedade escolar normal. Nenhum colono questionou mais a importância e a necessidade do estudo” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. II, p. 141, tradução nossa).

No Poema Pedagógico há relatos de poucos colonistas que não almejavam à rabfak, justamente pelo apego à vida no campo. Chama a atenção a forma como são descritos na obra: desprezo pela ciência, pouco amigáveis e orgulhosos. Como se alguns elementos do atraso do período tzarista ainda estivesse presente neles e que, ao valorizar a vida camponesa, contribuíam para o desprezo dos outros colonistas:

Dotados de uma força não inferior à de um par de cavalos, conheciam em todos os seus detalhes o trabalho de arar, infelizmente, esses camaradas aplicavam equivocadamente os métodos da aradura em todas as áreas da vida. Tanto na esfera coletiva, quanto na amigável e na particular, eles apreciavam sulcos retos e fundos, talhos lustrosos e pesados. E o seu trabalho mental não se realizava nas células cerebrais, mas nalgum outro lugar: nos músculos dos braços de ferro, na encouraçada caixa toráxica, nos flancos monumentais e inabaláveis. Na colônia, eles opunham firme resistência contra quaisquer tentações da rabfak, e evitavam com silencioso desdém quaisquer conversas sobre temas científicos. Eles possuíam alguma certeza profunda, e nenhum outro colono sabia como virar a cabeça de um modo tão benevolente e orgulhoso, e nenhum usava expressões tão seguras e tão escassas. Como membros atuantes do primeiro e segundo destacamentos, esses colonistas gozavam de grande respeito de todos, mas os nossos gaiatos nem sempre conseguiam conter os sarcasmos a eles dirigidos (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. II, p. 134).

Subentende-se no relato acima, a mudança no entendimento do autor da importância da instrução escolar como elemento de elevação cultural e, consequentemente de ajuda na superação do “atraso” presente na vida camponesa. Somente a incorporação da necessidade de trabalho, não conseguiu romper essa visão de alguns colonistas. Makarenko não nos informa muito sobre o futuro desses educandos. Em relação aos outros, no Epílogo do Poema Pedagógico, Makarenko narra orgulhoso o destino de vários deles: engenheiros, médicos, pilotos, militares, pedagogos, entre outros. Porém, afirmava Makarenko: “[…] devo reconhecer com tristeza que dos gorkianos não saíram nem escritores nem artistas, e não porque lhes faltasse talento, mas por outros motivos: a vida lhes absorveu com suas exigências práticas e imediatas. Também não saiu um agrônomo” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. III, p. 252).

Ao se preocupar com a futura profissão dos gorkianos, Makarenko aponta também, que a formação profissional de seus educandos se daria em outro espaço e tempo além da colônia e sua escola, mas no Ensino Superior, alcançado através das rabfaks. No período em que esteve na Colônia Gorki Makarenko era contra a profissionalização antes dos 17 anos, e seus educandos tinham entre 14 e 18 anos11 11 Em uma correspondência enviada em agosto de 1925 à Máximo Gorki, Makarenko apresenta a seguinte informação: “Atualmente, temos 130 meninos e 10 meninas que vivem na colônia (idade de 14 a 18 anos). Educadores 8” (MAKARENKO, A. Correspondências de A.S. Makarenko com M. Gorki. Disponível em: https://ruslit.traumlibrary.net/book/makarenko-ss08-01/makarenko-ss08-01.html#work002002 Acesso em 02 jul. 2019. , e o máximo que a escola da Colônia ofereceu foi até a sexta série, já quando instalada em Kuriaj (1926-1928). A “qualificação” que a colônia oferecia vinha das oficinas artesanais, de onde questiona seu diretor: “[…] que qualificação? De carpinteiro, sapateiro, moleiro. Não, eu creio firmemente que para um moço de dezesseis anos da nossa vida soviética, a qualificação mais preciosa é a qualificação de lutador e de homem” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. II, p. 166).

Além do incentivo das rabfaks, a aproximação da Colônia com Máximo Gorki através da troca de correspondências, contribuiu para a valorização do estudo e da escola:

Esse novo estado de espírito aumentava porque todos pensávamos em Máximo Gorki. Em uma de suas cartas aos colonos, Gorki escreveu: “Gostaria que os colonos lessem meu livro Infância em alguma noite de outono. Então veriam que eu sou um homem absolutamente igual a eles, só que desde minha juventude soube perseverar no meu desejo de estudar e nenhum tipo de trabalho me assustou. Acreditava que, efetivamente, o estudo e o trabalho poderiam lidar com tudo.” […] Tive dificuldade em convencer os colonos de que Gorki escreveu a verdade em sua carta; que um homem talentoso também precisa trabalhar e estudar muito. (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. II, p. 141-143, tradução nossa).

Pode-se perceber que, naquele momento em Gorki, a educação escolar ganhou importância em relação ao trabalho nas oficinas, porém é impossível falar ainda de uma equiparação ou hierarquização entre esses dois aspectos. No início era trabalho e educação na sua perspectiva mais ampla, de formação dos valores coletivistas, depois que o elemento da instrução, ganha força.

Destaca-se a ideia de que o trabalho e vida no campo, apesar do sucesso econômico atingido posteriormente pela Colônia, não se tornou um ideal de trabalho para a maioria dos educandos, que idealizavam outro tipo de ocupação. O desenvolvimento econômico atingido através da vida no campo forneceu uma vida melhor aos educandos, mas não os realizava como profissionais.

O pedagogo ucraniano reconhecia a importância da instrução, valorizava sobremaneira a literatura e o teatro, porém considerava importante distinguir a educação da instrução, sendo que o seu trabalho em Gorki era mais focado na primeira. Após a experiência na Comuna Dzerjinski, Makarenko afirma a importância da instrução escolar para a educação. Afirmava o autor em 1938, após a sua experiência na Comuna:

Não tardei a convencer-me de que no sistema das colônias de trabalho, a escola constitui um poderoso meio educativo. Nos últimos anos apoiei-me firmemente na escola com 10 anos de escolaridade e estou completamente convencido de que a verdadeira reeducação, a reeducação total, a que exclua as reincidências só é possível através da escola do ensino secundário. Certo que todo o trabalho na aula é sempre um trabalho educativo, mas reduzir o trabalho educativo à instrução considero impossível. (MAKARENKO, 1986MAKARENKO, Anton Semionovich. Problemas da Educação Escolar. Moscou: Progresso , 1986., p. 52-53. Grifo nosso).

A afirmação acima, além de recolocar o papel da escola na educação, enfatiza o Ensino Secundário. Pode ter contribuído para essa compreensão, o fato de ter a disposição todos os 10 níveis escolares, algo que era difícil não somente em Gorki, mas em boa parte da URSS do início da década de 1920. De fato, as condições materiais da Comuna eram muito diferentes da Colônia: “Em 1920, não conseguia imaginar a atmosfera de trabalho que reinaria na Comuna Dzerjinski nos anos de 1935 e 1936” (MAKARENKO, 1986MAKARENKO, Anton Semionovich. Problemas da Educação Escolar. Moscou: Progresso , 1986., p. 118). Isso fez com que Makarenko se preocupasse mais com a relação entre educação e instrução.

Na Comuna Dzerjinski acrescenta-se à necessidade de estudo, o anseio de seus educandos em ter uma “vida melhor”, na esfera individual. Afirmava em 1939:

[...] os comuneiros compreenderam que o caminho para o ensino superior é o mais rico e interessante. Eram também atraídos pelo fato de o ensino superior lhes proporcionar residência e bolsa de estudo. Os meus comuneiros tinham mais paixão pelos estudos do que o escolar médio (MAKARENKO, 1986MAKARENKO, Anton Semionovich. Problemas da Educação Escolar. Moscou: Progresso , 1986., p. 25-26).

Também na obra Bandeiras nas Torres, que narra parte da experiência de Dzerjinski, afirma o autor que os educandos saiam cansados da oficina para “[…] mergulharem impetuosamente no estudo […] A imensa maioria dos colonos gostava de se instruir e aplicava-se com seriedade modesta, porque cada um se dava conta que só a escola lhes abriria uma verdadeira carreira” (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b.b, p. 396)12 12 Aqui é interessante compararmos a afirmação com a tradução da editora Progresso de 1976, onde a última frase é traduzida como “somente a escola lhes abriria verdadeiramente o caminho para a vida” [tan sólo la escuela les abriria de verdad el camino de la vida] (MAKARENKO, 1976, p. 353). A edição de 1977 expressa uma ideia de preparação profissional, diferente de formação geral presente na edição de 1976. .

O papel da instrução diante do trabalho na produção, foi motivo de embates entre Makarenko e o Conselho Diretor da Tcheka, responsável por Dzerjinski. Os conflitos aumentaram à medida que a Comuna se desenvolvia economicamente, em meados de 1931/32 quando foram aprofundados os desentendimentos sobre o fator predominante - a produção ou a instrução - expressão das diferentes perspectivas para o futuro da Comuna. Dzerjinski tinha um Conselho Diretivo da Tcheka, que, de acordo com Edwards (1991EDWARDS, Rose. A.S. Makarenko's General Educational Ideas and Their Applicability to a Non-Totalitarian Society. Faculty of the Graduate School of Loyola University of Chicago, Doctorate degree of Philosophy. April, 1991. Disponível em Disponível em https://ecommons.luc.edu/luc_diss/2755 Acesso em 25 fev. 2020.
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), limitava as decisões de Makarenko.

Ainda de acordo com a mesma autora, alguns membros do conselho insistiam em 6 horas de atividades nas oficinas e duas horas de escola, enquanto o pedagogo defendia o inverso, seis horas de trabalho escolar e duas horas de oficina. Em um texto sobre uma conferência de 1938, parece que as duas partes tiveram que ceder em prol de uma terceira opção: jornada de 9 horas, com 5 delas dedicadas ao trabalho escolar:

Na comuna tínhamos uma escola completa de 10 anos com todas as qualidades que lhes são inerentes. Também tínhamos uma fábrica na qual todos trabalhavam quatro horas por dia. Portanto, você tinha que trabalhar 4 horas na fábrica e 5 horas na escola, no total, 9 horas (MAKARENKO, 1975, p. 293, tradução nossa).

Outro conflito entre Makarenko e a direção da Tcheka, por conta do papel da instrução, ocorreu quando o Conselho Diretivo aboliu o cargo de educador,13 13 É muito comum nas obras de pedagogia progressista traduzidas no Brasil, o uso do termo “educador” em vez de “professor” ou “pedagogo”. Tal nomenclatura contribui para uma visão menos hierárquica na relação entre professor e aluno. Por outro lado, nos traz alguns problemas nas traduções. Uma análise superficial no idioma russo, encontramos referência a três palavras que podem ser traduzidas como educador, embora expressam atuações diferentes: 1) pedagog (педагог), refere-se mais ao especialista em educação, o pedagogo; 2) uchitel (учитель) vinculado à ideia de professor de disciplinas específicas; 3) vospitatel (воспитатель), traduzido como educador em geral, pode ser tanto o pedagogo, um professor de uma área específica, quanto qualquer outro agente educativo na instituição, como por exemplo, os agentes que “cuidam” dos educandos, ou os mestres e profissionais das oficinas. O termo em inglês upbringers, usado por Edwards (1991), nos ajuda a entender esse terceiro significado. Derivado de upbringing: “a maneira como você é tratado e educado quando jovem […] especialmente em relação ao efeito que isso tem sobre como você se comporta e toma decisões morais” (Cambridge Dicionary. Disponível em https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/upbringing?q=upbringings Acesso em 30 jul. 2020). Pelas informações apresentadas a seguir, parece que Makarenko referia-se ao vospitatel ou upbringers. em 1930: “[…] acontecimento que Makarenko chamou de ‘trágico’. […] anos depois, lembrando-se da demissão do último educador, afirmou que temia ‘cair no abismo’ sem o apoio dessas pessoas” (EDWARDS, 1991EDWARDS, Rose. A.S. Makarenko's General Educational Ideas and Their Applicability to a Non-Totalitarian Society. Faculty of the Graduate School of Loyola University of Chicago, Doctorate degree of Philosophy. April, 1991. Disponível em Disponível em https://ecommons.luc.edu/luc_diss/2755 Acesso em 25 fev. 2020.
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, p. 225, tradução nossa).

Essa preocupação é apontada pela autora acima, a partir das pesquisas de Marburg, pois nas obras de Makarenko essa transição aparece como uma decisão coletiva ou algo consentido. Veja por exemplo o texto de 1932: “Em 1930, a comuna Dzerjinski renunciou por completo aos educadores” (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b., p. 72, grifo e tradução nossa). Em uma conferência de 1938, intitulada “Acerca de minha experiência”, o texto é ainda mais pessoal: “Em nossa comuna não havia mais educadores, eliminei todos eles em 1930. Eles simplesmente foram para a escola como professores. Acabamos com o quadro de educadores” (MAKARENKO, 1975, p. 299, grifo e tradução nossa). Enfim, a obra de Makarenko aponta para a força do coletivo como agente educativo, a omissão do conflito nas traduções que temos acesso, também é uma forma de valorizar esse elemento, além, é claro, de ilustrar a dificuldade das traduções da obra do autor, como já apontamos.

O desenvolvimento dos Planos Quinquenais14 14 São três Planos Quinquenais: o primeiro vai de 1928 a 1932; o segundo de 1933 a 1937; e o terceiro de 1940 a 1945, interrompido durante a II Guerra Mundial. na União Soviética aprofundou a necessidade de formação de novos quadros profissionais para a indústria, cientistas, engenheiros e técnicos qualificados, elemento que orientou as reformas educacionais da década de 1930, mas que já estavam em debate na década de 1920. Nesse sentido, para atender essas prioridades “[…] a demanda era por habilidades básicas e disciplina, e uma base sólida em conhecimentos fundamentais. […] As escolas eram obrigadas a se dedicar mais seriamente à instrução e a preparar os alunos para o ensino superior” (EDWARDS, 1991EDWARDS, Rose. A.S. Makarenko's General Educational Ideas and Their Applicability to a Non-Totalitarian Society. Faculty of the Graduate School of Loyola University of Chicago, Doctorate degree of Philosophy. April, 1991. Disponível em Disponível em https://ecommons.luc.edu/luc_diss/2755 Acesso em 25 fev. 2020.
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, p. 46-47, tradução nossa). Este contexto interferiu no cuidado que Makarenko passa a dedicar ao papel da instrução. Inclusive, Dzerjinski passou a contar com sua própria rabfak, desde setembro de 1930 (MAKARENKO, 1984MAKARENKO, Anton Semionovich. Esta é a Nossa História. In: MAKARENKO, A. S. Obras Pedagógicas 1922-1936. vol. I. Moscou, 1984. Disponível em Disponível em https://ruslit.traumlibrary.net/book/makarenko-ss08-01/makarenko-ss08-01.html Acesso em 25 mai. 2019.
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).

Acrescenta-se o fato de que após a sua experiência nas duas instituições, o pedagogo passa a fazer várias palestras aos professores soviéticos, levando-o a incorporar em suas reflexões o tema da escola: “[...] Makarenko interessou-se especialmente pela escola do ensino geral e tentou que a sua própria experiência passasse a ser patrimônio dela. Visitava muitas escolas de Moscou, encontrava-se com professores” (VINOGRÁDOVA, 1986VINOGRÁDOVA, Maria. Dussia. A atividade pedagógica de Anton Semionovich Makarenko. In: MAKARENKO, A. S. Problemas da educação escolar. Moscou: Progresso , 1986, p. 06).

Antes disso, porém, o autor tinha a convicção de que suas orientações poderiam ser aplicadas às outras escolas. Afirmava em 1931: “[…] as minhas conclusões práticas podem tornar-se extensivas não só às crianças desamparadas, mas a toda a coletividade infantil e, consequentemente, a todo trabalhador da frente da educação” (MAKARENKO, 1986MAKARENKO, Anton Semionovich. Problemas da Educação Escolar. Moscou: Progresso , 1986., p. 51). Inclusive, de acordo com Edwards (1991EDWARDS, Rose. A.S. Makarenko's General Educational Ideas and Their Applicability to a Non-Totalitarian Society. Faculty of the Graduate School of Loyola University of Chicago, Doctorate degree of Philosophy. April, 1991. Disponível em Disponível em https://ecommons.luc.edu/luc_diss/2755 Acesso em 25 fev. 2020.
https://ecommons.luc.edu/luc_diss/2755...
), poucos meses antes de sua morte, o pedagogo candidatou-se para a direção de uma escola secundária de Moscou, mas não teve tempo de assumir.

A educação é entendida pelo pedagogo ucraniano como uma forma de organizar a vida (KOROTOV, 1975KOROTOV, V. A. Makarenko, eminente pedagogo sovietico. In: MAKARENKO, A. Problemas de la educación escolar soviética. Moscou: Progresso, 1975.), o que envolve a participação do sujeito em diferentes coletividades: família, Pioneiros, Komsomol, escola, entre outras. Porém, defende que esses diferentes espaços devem ser integrados, precisam ter objetivos comuns. Makarenko criticava que nas escolas soviéticas os alunos participavam de diferentes organizações, mas sem ligação entre si, seria preciso uma união e interdependência entre esses espaços, e a escola poderia coordenar essa participação, ajudando na configuração de um objetivo comum de uma coletividade maior. Afirmava o autor em 1938:

A correta educação soviética deve organizar-se mediante a criação de coletividades unidas, fortes e influentes. A escola deve ser uma coletividade unida em que estão organizados todos os processos educativos e cada membro desta coletividade deve sentir a sua dependência em relação a ela, à coletividade, deve ser fiel aos interesses dela, defendê-los e sobretudo apreciá-los.

[…] sinto-me inclinado a insistir que a única coletividade infantil que dirija a educação das crianças deve ser a escola. E todas as outras instituições devem estar subordinadas a ela (MAKARENKO, 1986MAKARENKO, Anton Semionovich. Problemas da Educação Escolar. Moscou: Progresso , 1986., p. 66-67).

Cabe destacar que, o fato de colocar-se como instância de coordenação da educação coletiva, não implica em dizer que a instrução escolar é o elemento central da educação, mas que a escola tem o direito de coordenar porque nela, em tese “[…] estão concentrados os quadros pedagógicos mais qualificados e é ela que incorpora melhor a ideia de uma educação social” (KUMARIN, 1975KUMARIN, V. Pedagogo, escritor, ciudadano. In: KUDRYASHOVA, A. Anton Makarenko: su vida y labor pedagógica. Moscou: Progreso, 1975., p. 35, tradução nossa).

Diferente do que afirmava no início da Colônia Gorki, o pedagogo ucraniano destacava em 1936 que a atitude dos educandos com os estudos era um problema de grande importância, pois “[…] A assimilação sistemática de conhecimentos fundamentais na escola e sua oportuna conclusão determinam o caminho da pessoa na vida, algo também necessário para a formação saudável e correta do caráter” (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b., p. 132, tradução nossa).

O autor passa a colocar os estudos também como determinante para o destino dos sujeitos. Ao mesmo tempo, ressalta o perigo dos sujeitos envolverem-se somente com os estudos: “[…] O garoto que estuda com excelência pode estar propenso a outra posição super-coletivista: presunção, narcisismo e egoísmo, disfarçados sob a máscara e postura mais virtuosas” (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b., p. 132, tradução nossa). Ou seja, não é somente o estudo que forma o sujeito, mas a participação ativa em todas as instâncias da coletividade.

O autor tinha uma certa repulsa ao intelectualismo ou academicismo, expressado nos embates que teve com seus superiores do Narcompros, mas também no entendimento do papel do educador, que desenvolveu em sua experiência de trabalho. Makarenko tinha sérias ressalvas com os maus educadores e chegou a defender enquanto trabalhava na Comuna, que não precisava de um profissional de educação, mas de um profissional que exercesse o papel de educador:

Em 1930, a comuna Dzerjinski renunciou completamente aos educadores; mas isso não significa que não os temos. […] Nossos educadores são professores, engenheiros, contramestres, instrutores, Tchekistas e membros de nossa Diretoria e, acima de tudo, nossas células do Partido e do Komsomol (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b., p. 72, tradução nossa).

As qualidades de um bom educador para Makarenko eram algo mais do que uma boa formação pedagógica. Um educador qualificado, além de conhecimento na área, precisa ser de “[…] poucas palavras e total ausência de pose, disposição constante para o trabalho […] tanto faz quem sejamos: marceneiro, agrônomo, ferreiro, professor, maquinista (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., vol. I, p. 208-209).

O educador principal para Makarenko não era um sujeito no singular, pois este estaria suscetível à qualidade ou aos interesses individuais. O coletivo educa tanto os educandos, quanto os educadores individuais. Um coletivo que funciona bem, pode inclusive resolver o problema de não se ter bons educadores:

Se apostarmos num educador isolado significa admitir conscientemente o fato de que o bom educador educará o bem e o mal. Quem contou quantos são educadores talentosos e quantos incapazes existem? […]

Mais tarde renunciei por completo aos educadores isolados. Habitualmente, valia-me da ajuda de alguns professores da escola, mas era necessário realizar um grande trabalho com eles para os ensinar a educar.

[…] é melhor ter 5 educadores regulares integrados numa coletividade, animados pela mesma ideia, pelo mesmo princípio, pelo mesmo estilo e que trabalham unidos do que 10 bons educadores que trabalhem isoladamente” (MAKARENKO, 1986MAKARENKO, Anton Semionovich. Problemas da Educação Escolar. Moscou: Progresso , 1986., p. 101-104).

A afirmação acima é de 1938, após a experiência da Comuna Dzerjinski. É possível perceber também nela, a relativa independência que o autor coloca do trabalho de instrução desenvolvido na escola, onde admite-se que a instrução aceita um certo trabalho isolado, o do “educador da escola”, desde que articulado aos objetivos educacionais mais amplos, colocados pelo coletivo.

Outro exemplo dessa relativa autonomia, está na diferença entre instrução política e educação política: a primeira, refere-se ao ensino das conquistas da Revolução de Outubro e as mudanças envolvidas nos diferentes aspectos (econômico, social, cultural…); já a segunda, a educação política está no desenvolvimento da participação de todos os sujeitos no coletivo, seu envolvimento ativo na política e na economia do país, a partir de seu lugar, a instituição educativa, mas que insere-se com os objetivos sociais mais amplos:

A coletividade só é possível na condição de unir as pessoas em torno do cumprimento de tarefas de evidente utilidade social. [...] nossa organização educacional tem a forma de um coletivo. Não concebemos o nosso aluno como um material de formação, mas como um membro da nossa sociedade, um elemento ativo, um criador de valores sociais. A comunidade de nossos alunos não é um simples encontro de jovens, mas acima de tudo, uma célula da sociedade socialista com todas as peculiaridades, direitos e deveres de qualquer outra comunidade do país soviético. (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b., p. 64, tradução nossa).

O predomínio do coletivo como agente educativo, coloca-o como autoridade sobre o educador individual. Afirmava em 1932, que “[…] por exemplo, uma ação ruim de um indivíduo, qualquer que seja, não deve ser imediatamente seguida pela reação do pedagogo que antecipa a comunidade” (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b., p. 67, tradução nossa).

Ao apontar as atribuições individuais dos educadores no coletivo, Makarenko ressalta a participação na atividade econômica, o seu predomínio sobre os interesses estritamente pedagógicos ou acadêmicos.

O aluno da nossa instituição infantil é, primeiro, membro de uma coletividade de trabalho e, depois educando; […] Para ele, o educador também deve ser, em primeiro lugar, mais um membro da mesma coletividade laboral e, posteriormente, aparecer como tal, como pedagogo especialista. Por esse motivo, o contato do educador e do educando não deve realizar-se tanto no plano pedagógico especial, como no da coletividade laboral produtora, sobre um fundo de interesses não apenas do processo pedagógico restrito, mas de uma luta para melhorar a instituição, por aumentar sua riqueza material, prosperidade e reputação, para uma vida culta, feliz pela comunidade e pela felicidade e razão de ser desta vida.

Para o grupo de alunos, seu educador deve ser um camarada combativo que luta com eles ombro a ombro e que sempre marcha na linha de frente, defendendo todos os ideais inerentes a uma excelente instituição infantil soviética (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b., p. 130. Grifo e tradução nossa).

Se o trabalho é um elemento educativo importante, é coerente que o educador não atue como alguém acima dos outros trabalhadores, mas numa relação de igualdade. Importante destacar que a preocupação acima, não é simplesmente produzir a riqueza da instituição, mas de produzir a riqueza do coletivo em coletivo. Na construção da prosperidade da instituição, educador e educando atuam de forma igual, sem hierarquização, embora com atribuições diferentes.

Outro elemento que merece ser destacado em relação aos educadores, é que os professores eram vistos como contrarrevolucionários, tanto pelo posicionamento assumido durante a Guerra Civil, “[…] quando o sindicato dos professores pré-revolucionários se opôs aos bolcheviques” (FITZPATRICK, 1979FITZPATRICK Sheila. Education and Social Mobility in the Soviet Union 1921-1934. Londres: Cambridge University Press, 1979., p. 30, tradução nossa), quanto pela atuação posterior no interior das escolas: “[...] A grande maioria dos professores permanecia indiferente aos apelos bolcheviques, recusando-se, durante anos, a colocar em prática as recomendações do partido” (FREITAS, 2009FREITAS, Luiz Carlos. A luta por uma pedagogia do meio: revisitando o conceito. In: PISTRAK, M. M. A Escola-Comuna. São Paulo: Expressão Popular, 2009b., p. 110).

Os professores que atuavam no interior, eram vistos como descendentes de camponeses prósperos e de membros da Igreja (FITZPATRICK, 1979FITZPATRICK Sheila. Education and Social Mobility in the Soviet Union 1921-1934. Londres: Cambridge University Press, 1979.). O documento sobre a criação da Escola Única do Trabalho, emitido em 1918 pelo Narcompros, assinado por Lunacharski e com a participação de Krupskaya, traz essa preocupação com a resistência do magistério:

O relacionamento de parte do magistério com o Comissariado, apesar da demonstração de preparação do último para colocar toda a força no renascimento de nossa sofrida escola como uma escola realmente popular, por motivos políticos, permanece hostil, o que é claro, em grande medida é prejudicial para a complexa e delicada tarefa de reformar a escola, onde tão insistentemente seria necessária a participação enérgica e sincera de todos os seus elementos (NARCOMPROS, 191815 15 NARCOMPROS. Declaração sobre os princípios fundamentais da escola única do trabalho. Moscou: 16 de outubro de 1918. apud KRUPSKAYA, 2017KRUPSKAYA, Nadezhda Konstantínovna. A construção da pedagogia socialista: escritos selecionados. São Paulo: Expressão Popular , 2017., p. 286).

Makarenko, de certa forma, opera uma “dessacralização” da figura do professor tzarista. Contribuiu muito para isso, a sua trajetória na Colônia Gorki. Primeiramente pela igualdade de condições materiais entre os educadores e educandos, ambos miseráveis: “[…] nossa pobreza extraordinária tinha um aspecto bom, que depois nunca existiu. Igualmente pobres e famintos éramos nós, os educadores” (MAKARENKO, 1979MAKARENKO, Anton Semionovich. Poema Pedagogico em tres partes. Moscou: Progresso , 1979., p. 32). Em segundo lugar, os constantes conflitos com os seus supervisores em Gorki, contribuíram para a visão mais “mundana” e limitada de Makarenko sobre os educadores profissionais: “Educadores são pessoas comuns. Se eles se casarem e tiverem filhos, garanto que 50% de seus filhos serão mal criados, sem mencionar o fato de que sua educação não terá o estilo exigido” (MAKARENKO, 1923, n.p, tradução nossa).

Makarenko defendia que além de ensinar para os educadores o processo de instrução, era preciso ensinar o domínio do processo de educação, que envolve a organização do caráter do pedagogo, a sua conduta e depois a organização de conhecimentos especiais e hábitos imprescindíveis: usar o tom de voz adequado, domínio das expressões faciais16 16 “Eu somente aprendi a dominar essa arte quando aprendi a dizer ‘venha aqui’ com 15 ou 20 inflexões de voz, quando aprendi a dar 20 expressões ao meu rosto, à minha fisionomia, à minha voz. Só então perdi o medo de que alguém não atendesse ao meu chamado ou não sentisse o que era preciso.” (MAKARENKO, 1977, p. 137). , alegrar-se e zangar-se no momento correto; saber “ler” o rosto dos educandos; ter consciência que seus movimentos educam e ter clareza de suas intenções. Enfim, seguindo suas inclinações para a literatura e teatro, afirmava que o pedagogo deveria ser um intérprete: “Não pode existir pedagogo que não saiba interpretar. […] Não é simplesmente uma performance de palco, externa […] ou qualquer tipo de tecnicismo, mas do verdadeiro reflexo dos processos de sua alma” (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b., p. 137, tradução nossa).

Além do destaque na participação das atividades econômicas da instituição, Makarenko orientava as atribuições do educador. Basicamente, acompanhar o envolvimento e o desenvolvimento dos educandos. Para isso o educador deve ter um diário para observações sobre a participação dos educandos nas diferentes atividades: no processo de instrução, como se envolve nas atividades culturais, como se interessa pela leitura e o que lê, quais talentos têm ou quais precisam ser desenvolvidos. No processo de produção, deve observar em que parte da produção trabalha, como trabalha, como enfrenta os obstáculos, se mostra ou não interesse pela assimilação técnica de sua profissão, se tem preocupação com o aumento da produção, entre outras questões (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b.).

Enfim, os apontamentos de Makarenko sobre a atuação do educador, ressaltam a dimensão ampliada da educação, a sua preocupação com uma educação integral que contempla diferentes aspectos:

Desde o primeiro encontro, o educador deve considerar como objetivo prático tornar esse menino ou menina uma verdadeira pessoa soviética educada, um trabalhador que, quando saia da instituição, seja um cidadão útil, qualificado, instruído, formado e educado politicamente, com saúde mental e física. (MAKARENKO, 1977MAKARENKO, Anton Semionovich. As Bandeiras nas Torres. Lisboa: Livros Horizonte, 1977b., p. 129, tradução nossa).

Importante a ressalva de que, a maior parte desses apontamentos sobre a atuação do educador frente ao processo de instrução, são desenvolvidos depois da experiência em Dzerjinski. Nota-se que essas indicações se referem não ao processo de ensino de disciplinas em específico, mas ao processo de educar, mais amplo, de formação do sujeito da coletividade. E como podemos perceber, há uma grande preocupação com o envolvimento de educador e educando nas atividades econômicas da instituição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto na Colônia como na Comuna, o processo de instrução está inserido na lógica das atividades educativas mais amplas, onde o trabalho e o seu papel na produção econômica destacam-se. A organização/gestão das atividades dos educandos, pautadas no coletivo, atuam como o elemento educativo mais influente, “aceitando” uma certa autonomia da instrução escolar na formação dos valores pretendidos por Makarenko, fato exemplificado pela pouca atenção que Makarenko ofereceu em sua obra para explicar elementos da rotina escolar de seus educandos.

A preocupação com a instrução escolar, menor no início dos trabalhos em Gorki, desenvolve-se depois como uma necessidade. Makarenko via primeiro o papel da educação mais ampla, onde o trabalho e a organização da produção da vida eram mais importantes que a escola, expressão das necessidades geradas pela Guerra Civil. À medida que essas duas dimensões foram sendo enfrentadas, supridas ainda que minimamente, a instrução surge como uma demanda. Certamente o contexto da cultura e da política educacional soviética influenciou para essa mudança, vários elementos contribuem para esse entendimento. Primeiramente, a instrução está presente no Poema Pedagógico como um ideal de superação da condição de camponês, o que se articula com os ideais de modernização e industrialização difundidos pelo Estado.

Na Comuna Dzerjinski, a produção passou a ocupar um lugar cada vez em detrimento do estudo, levando à conflitos entre Makarenko e o Conselho Diretivo da Instituição. Esses conflitos, acabaram por fortalecer no pedagogo ucraniano, o posicionamento de defesa da instrução escolar, ideal presente nas suas conferências após a experiência nessa instituição.

Também se destaca no debate sobre a educação escolar para Makarenko, a preocupação de que o processo de instrução superasse o “intelectualismo”, o desenvolvimento apenas do aspecto teórico, distante das necessidades sociais. Essa questão surgiu inclusive, nas exigências do perfil de educador colocado pelo autor. Esse “anti-intelectualismo” não significou a desvalorização da formação cultural dos seus educandos, pois a perspectiva do pedagogo ucraniano estava de acordo com os apontamentos colocados pela NEP, de que a superação do “atraso” econômico da URSS deveria ser enfrentada também pelo avanço cultural da população, tanto na resolução do analfabetismo, quanto na superação de resquícios feudais e construção de valores “modernos”, um novo ethos entre o campesinato. Embora o conceito de moderno traz em si, a ideologia da sociedade liberal/capitalista (individualismo, liberdade de mercado, propriedade privada dos meios de produção, igualdade jurídica, entre outros), nos referimos aqui como moderno, à incorporação de valores como a produtividade para além da subsistência e a organização da produção ampliando os critérios técnico-científicos.

O cenário social e político do pedagogo ucraniano era outro, sua pedagogia não pode ser transportada para a educação atual, principalmente não para a forma de escola que temos atualmente. Porém, o autor mostra que educação precisa ser uma forma de reorganizar a vida. Pensar uma vida diferente exige viver de forma diferente. A instrução escolar não era o elemento central em sua pedagogia, mas um dos elementos de uma organização mais ampla. Sua experiência também demonstrou que, a coletividade não é um valor a ser ensinado por sermões ou palestras, mas algo que se constrói enquanto se vive e sobrevive. Formou sim, sujeitos comprometidos com o ideal do partido, mas foi muito além de uma educação panfletária, de “militantes”, deu subsídios para a formação de profissionais comprometidos com a construção coletiva, com certo grau de cultura e conhecimentos técnicos. Materializou uma forma de articular desenvolvimento tecnológico e formação do trabalhador, numa perspectiva de Educação Integral.

A dificuldade de escrever a história da Revolução Russa, expressa-se também nas análises sobre Makarenko: as paixões impedem uma análise das contradições. Contribui para isso a perspectiva literária na produção do autor e o seu envolvimento no Realismo Socialista. As explanações sobre o funcionamento interno de uma coletividade foram permeadas por uma felicidade poética, inspirada na luta de construção do socialismo. O contexto de miséria e destruição pós-revolução, as dificuldades, o trabalho com órfãos, a tarefa de construir uma nova sociedade, são elementos que por si só compõem um certo romantismo. Nesse cenário, a luta pela sobrevivência é um ato heroico e os sujeitos tendem a ser mitificados.

Referências

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  • 1
    Pesquisa de Doutorado em Educação intitulada: Trabalho e Educação em Makarenko: entre a necessidade de profissionalização e uma educação integral (FREITAS, 2021).
  • 2
    Leon Trotsky (1879-1940) foi uma figura importante na Revolução Russa. Teve papel decisivo liderando o Exército Vermelho na Guerra Civil contrarrevolucionária que se seguiu. Virou uma figura polêmica, principalmente pela oposição à Stálin, criticando os rumos políticos da República Soviética. Criou a IV Internacional Comunista, para opor-se a Terceira Internacional, controlada pela URSS.
  • 3
    Máximo Górki (1968-1936) é um pseudônimo de Alexei Maxímovich Péshkov. Gorki significa “amargo”, apelido escolhido devido às duras experiências vividas pelo escritor em sua infância (CAPRILES, 1989, p. 15). Gorki, além de amigo, ofereceu ajuda financeira para que Makarenko escrevesse o Poema Pedagógico. A primeira edição do livro foi publicada em 1933 na revista Ano dezessete, que tinha Gorki como editor (KUMARIN, 1975).
  • 4
    Para combater a contrarrevolução, o estado bolchevique adota a política que ficou conhecida como “Comunismo de Guerra”, que entre outras ações, definiu: estatização de indústrias e requisições forçadas nos campos. Através da Tcheka, polícia política, o Estado obrigava os camponeses que resistiam, a entregarem sua produção ao governo (FREITAS, 2009, p. 107).
  • 5
    Em referência a Joseph (ou Iosef) Vissarionovich Djugashvili (1879-1953), que em 1912, adotou o nome Stálin - “homem de aço”. Stálin foi eleito Secretário-Geral do Partido Comunista em 1922. Após a morte de Lênin, assume a liderança da União Soviética e introduz a sua tese de “socialismo num só país”. Tem início uma ação repressiva às vertentes divergentes no interior do partido e na sociedade. De acordo com Conceição (2007), Stálin não foi o único criador do stalinismo, ou do conjunto de práticas que expressam uma política que, apesar dos avanços econômicos e sociais, apresentou muitos problemas referentes aos direitos de difusão de informações e de expressão crítica. O stalinismo se autodeterminou como o verdadeiro intérprete do materialismo histórico e tudo mais era “desvio”, “dissidência”, “idealismo”, etc. (CONCEIÇÃO, 2007. p. 269).
  • 6
    De acordo com Henady Malarenko (2008) Simion Mikhailovitch Budionny (1883-1973), está presente em canções populares que o exaltam. Ex-militar tzarista, passa para o lado bolchevique durante a Revolução. Torna-se amigo de Stálin e em 1919 passou a comandar o Primeiro Exército de Cavalaria, responsável por grandes vitórias soviéticas, contava também com infantaria, artilharia, blindados e aviões.
  • 7
    Mujique é forma como é descrita, principalmente na literatura russa, o camponês pobre do período pré-revolucionário. Depois da Revolução de Outubro esse termo é usado com certo sarcasmo. O camponês russo normalmente é dividido em três categorias, após 1917: “Os camponeses ricos - kulaks detinham as melhores terras, instrumentos de trabalho, excedentes, animais e somas para empréstimo. [...] os camponeses médios - seredniaks. Trabalhavam a terra com a família e ocasionalmente produziam excedentes. Embaixo, situavam-se os camponeses pobres bedniaks -, sempre com déficit na produção de auto-consumo, obrigados a alugar sua força de trabalho ou arrendar seus pequenos lotes.” (REIS FILHO, 1983, p. 84).
  • 8
    Boa parte dos quadros administrativos e do partido, inclusive, era recrutada entre operários com baixa escolaridade. Somente com os Planos Quinquenais no final da década de 1920, destaca-se a preocupação em “escolarizar” esses quadros através de um programa de “ações afirmativas” (FITZPATRICK, 1979).
  • 9
    O Technicum, modalidade existente antes da Revolução de 1917, era uma formação também em nível secundário, porém com um currículo mais amplo e um curso mais longo do que as outras formas de educação profissional (FITZPATRICK, 1979).
  • 10
    Escolas de Aprendizes (Fabrichno-Zavodskoe Uchilishche – FZU). Luiz Carlos de Freitas ao traduzir a obra de Shulgin (2013) afirma em nota de rodapé que a FZU foi a principal escola de formação profissional entre os anos 1920 e 1940 na URSS. De acordo com Straus (1997), as FZUs foram criadas em 1921 e sofreram muitas transformações. Em 1926 tinham um programa de treinamento longo e combinava educação secundária com experiência no “chão de fábrica”, era uma escola anexada à fábrica: “Os jovens começaram o curso de FZU aos quatorze ou quinze anos, e o programa durava três anos, a primeira metade na sala de aula e a segunda metade no chão da fábrica.” (STRAUS, 1997, p. 113). Esse formato é muito parecido com o que a Comuna Dzerjinski assume a partir de 1932.
  • 11
    Em uma correspondência enviada em agosto de 1925 à Máximo Gorki, Makarenko apresenta a seguinte informação: “Atualmente, temos 130 meninos e 10 meninas que vivem na colônia (idade de 14 a 18 anos). Educadores 8” (MAKARENKO, A. Correspondências de A.S. Makarenko com M. Gorki. Disponível em: https://ruslit.traumlibrary.net/book/makarenko-ss08-01/makarenko-ss08-01.html#work002002 Acesso em 02 jul. 2019.
  • 12
    Aqui é interessante compararmos a afirmação com a tradução da editora Progresso de 1976, onde a última frase é traduzida como “somente a escola lhes abriria verdadeiramente o caminho para a vida” [tan sólo la escuela les abriria de verdad el camino de la vida] (MAKARENKO, 1976, p. 353). A edição de 1977 expressa uma ideia de preparação profissional, diferente de formação geral presente na edição de 1976.
  • 13
    É muito comum nas obras de pedagogia progressista traduzidas no Brasil, o uso do termo “educador” em vez de “professor” ou “pedagogo”. Tal nomenclatura contribui para uma visão menos hierárquica na relação entre professor e aluno. Por outro lado, nos traz alguns problemas nas traduções. Uma análise superficial no idioma russo, encontramos referência a três palavras que podem ser traduzidas como educador, embora expressam atuações diferentes: 1) pedagog (педагог), refere-se mais ao especialista em educação, o pedagogo; 2) uchitel (учитель) vinculado à ideia de professor de disciplinas específicas; 3) vospitatel (воспитатель), traduzido como educador em geral, pode ser tanto o pedagogo, um professor de uma área específica, quanto qualquer outro agente educativo na instituição, como por exemplo, os agentes que “cuidam” dos educandos, ou os mestres e profissionais das oficinas. O termo em inglês upbringers, usado por Edwards (1991), nos ajuda a entender esse terceiro significado. Derivado de upbringing: “a maneira como você é tratado e educado quando jovem […] especialmente em relação ao efeito que isso tem sobre como você se comporta e toma decisões morais” (Cambridge Dicionary. Disponível em https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/upbringing?q=upbringings Acesso em 30 jul. 2020). Pelas informações apresentadas a seguir, parece que Makarenko referia-se ao vospitatel ou upbringers.
  • 14
    São três Planos Quinquenais: o primeiro vai de 1928 a 1932; o segundo de 1933 a 1937; e o terceiro de 1940 a 1945, interrompido durante a II Guerra Mundial.
  • 15
    NARCOMPROS. Declaração sobre os princípios fundamentais da escola única do trabalho. Moscou: 16 de outubro de 1918.
  • 16
    “Eu somente aprendi a dominar essa arte quando aprendi a dizer ‘venha aqui’ com 15 ou 20 inflexões de voz, quando aprendi a dar 20 expressões ao meu rosto, à minha fisionomia, à minha voz. Só então perdi o medo de que alguém não atendesse ao meu chamado ou não sentisse o que era preciso.” (MAKARENKO, 1977, p. 137).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2019
  • Aceito
    29 Ago 2019
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