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PESQUISAS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, POSSIBILIDADES E CONTRIBUIÇÕES

Mas o que é um texto histórico? Uma organização semântica destinada a dizer o outro: uma estruturação associada à produção (ou manifestação) de uma ausência. (CERTEAU, 2021CERTEAU, Michel de. O lugar do outro. História religiosa e mística. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2021., p. 56).

Com as palavras inquiridoras de Certeau, queremos dar as boas-vindas a você, leitor da Revista de História da Educação. Estamos iniciando 2023, um ano já demarcado por eventos intensos no âmbito social, cultural e político. O Brasil desperta para um tempo de (re)construção de políticas públicas em diferentes áreas e, em especial, destacamos os campos da Educação e Ciência. Após anos de interrupção no financiamento de revistas científicas, em 2023, a Revista de História da Educação volta a contar com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para os investimentos necessários para sua editoração e manutenção. Nos últimos anos, em função de todo um contexto de falta de investimentos na produção científica no país, a Associação Sul-rio-grandense de Pesquisadores em História da Educação (ASPHE) vinha mantendo e suprindo com recursos próprios as atividades vinculadas à editoração do periódico.

O ano de 2023 é também um período para a reconstrução de um ambiente democrático, com liberdade e valorização da Universidade, em especial, no âmbito científico e educacional no nosso país. Periódicos científicos como a Revista História da Educação se colocam no papel de contribuir, por meio de um trabalho sério e rigoroso, na difusão de pesquisas histórico-educacionais que nos permitam disseminar os conhecimentos da área, e, para além disto, convidar a pensar sobre a educação em tempos pretéritos, iluminando de modo crítico o presente.

O trabalho de editoração é acompanhado pela participação de uma miríade de pesquisadores que contribuem como autores, avaliadores e leitores. E, à medida em que avançamos na produção do conhecimento científico, complexificando as análises e os saberes na História da Educação, é desejável que possamos contribuir para a constituição de políticas públicas e práticas educativas coerentes com os tempos em que vivemos.

A História da Educação é um estar entre-dois, como refere Felgueiras (2008FELGUEIRAS, Margarida Louro. A história da educação na relação com os saberes histórico e pedagógico. Revista Brasileira de Educação. ANPED, v. 13, nº 39, set./dez. 2008, p. 483 - 501.) ou, como explicou Nóvoa (1996NÓVOA, António. História da Educação: percursos de uma disciplina. Análise Psicológica, nº 4, vol. XIV, 1996, p. 417-434.) há algum tempo, trata-se de uma dupla possibilidade que demanda “novos entendimentos do trabalho histórico e da acção educativa”, pois

O mínimo que se exige de um historiador é que seja capaz de reflectir sobre a história da sua disciplina, de interrogar os sentidos vários do trabalho histórico, de compreender as razões que conduziram à profissionalização do seu campo académico. O mínimo que se exige de um educador é que seja capaz de sentir os desafios do tempo presente, de pensar a sua acção nas continuidades e mudanças do trabalho pedagógico, de participar criticamente na construção de uma escola mais atenta às realidades dos diversos grupos sociais (NÓVOA, 1996NÓVOA, António. História da Educação: percursos de uma disciplina. Análise Psicológica, nº 4, vol. XIV, 1996, p. 417-434., p. 417).

A construção de uma escola e mesmo de uma prática educacional atenta aos desafios nos tempos pós-pandêmicos que possa fazer frente a lógicas como aquela do desempenho meritocrático e da concorrência, nos instiga a desejar que o trabalho do historiador da educação possa suscitar reflexões sobre o humano e seu processo educativo no tempo. Nesta direção, retomamos as palavras de Michel de Certeau (2021CERTEAU, Michel de. O lugar do outro. História religiosa e mística. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2021.) que nos inspira ao refletir que

O trabalho histórico, inclusive em seu aspecto de erudição, não se limita, portanto, a reunir objetos encontrados, mas incidem essencialmente sobre a correlação entre eles. Ao combinar a multiplicação dos vestígios (papel da erudição) e a invenção das hipóteses ou de pertinências (papel da teoria), ele instaurou um sistema de relações: mediante tal procedimento é que ele produz o conhecimento de um passado, ou seja, de uma unidade (biográfica, ideológica, econômica, etc.) já superado (ainda mesmo que haja “sobras” disso, retiradas de outros sistemas). (CERTEAU, 2021CERTEAU, Michel de. O lugar do outro. História religiosa e mística. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2021., p.56).

Nos movimentos de pesquisa, com e a partir de um problema, consultamos arquivos, selecionamos e reunimos documentos, ordenando-os, analisando-os, reescrevemos, revisamos os problemas do presente, esculpimos evidências, articulando, produzindo inteligibilidades, narrando a partir dos referenciais teórico-metodológicos que nos embasam. E assim, constituímos os saberes histórico-educacionais que partilhamos em diferentes seções ao longo de 2023. Outro historiador, Georges Duby (1999DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000: na pista de nossos medos. São Paulo: Editora UNESP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999.) pergunta: “Para que escrever a história, se não for para ajudar seus contemporâneos a ter confiança em seu futuro e abordar com mais recursos as dificuldades que eles encontram cotidianamente?” E, afirma: “O historiador, por conseguinte, tem o dever de não se fechar no passado e de refletir assiduamente sobre os problemas de seu tempo” (DUBY, 1999DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000: na pista de nossos medos. São Paulo: Editora UNESP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999., p. 09).

Diante dessas questões, ao lado da publicação escrita dos artigos, resenhas, documentos e traduções, a revista também incide nos leitores. Como adverte Chartier (1998CHARTIER, Roger. A aventura do livro. Do leitor ao navegador. Conversações com Jean Lebrun. 1ª reimpressão. Tradução Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Editora UNESP, 1998.), a leitura produz significados e tal prática contará com apropriação e invenção. A comunidade leitora, no caso aqui, especificamente, os pesquisadores interessados na área da História da Educação, têm liberdade para subverter o escrito. Ela pode refletir e esperar contribuições nas suas investigações. A leitura não é uma prática passiva, mas eivada de incursões, contradições, descobertas e pertencimentos. A escolha e seleção dos textos, que compõem esse editorial, foi pensada em contemplar a socialização e publicização de elementos investigativos da área historiográfica educacional, portanto, direcionada a um público leitor que deseja avançar e aprofundar diferentes pesquisas acadêmicas.

E, com tal intuito, desejamos que o conjunto de pesquisas aqui apresentado nos permita pensar/refletir no contemporâneo, complexificando e aprofundando nossos saberes. Boa leitura!

REFERÊNCIAS

  • CERTEAU, Michel de. O lugar do outro. História religiosa e mística. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2021.
  • CHARTIER, Roger. A aventura do livro. Do leitor ao navegador. Conversações com Jean Lebrun. 1ª reimpressão. Tradução Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Editora UNESP, 1998.
  • DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000: na pista de nossos medos. São Paulo: Editora UNESP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999.
  • FELGUEIRAS, Margarida Louro. A história da educação na relação com os saberes histórico e pedagógico. Revista Brasileira de Educação. ANPED, v. 13, nº 39, set./dez. 2008, p. 483 - 501.
  • NÓVOA, António. História da Educação: percursos de uma disciplina. Análise Psicológica, nº 4, vol. XIV, 1996, p. 417-434.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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