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ATRÁS DA CATEDRAL DE RUÃO: contributos de uma leitura analítica do conto de Mário de Andrade para historiadores da educação

DETRÁS DE LA CATEDRAL DE RUAN: aportaciones de una lectura analítica del cuento de Mário de Andrade para los historiadores de la educación

BEHIND THE RUÃO CATHEDRAL: contributions of an analytical reading of Mário de Andrade's short story for historians of education

DERRIÈRE LA CATHÉDRALE DE ROUEN: contributions d'une lecture analytique du conte de Mário de Andrade pour les historiens de l'éducation

Resumo

O presente artigo tem a finalidade de contribuir para o campo da História da Educação brasileira a partir de uma leitura analítica da obra “Atrás da Catedral de Ruão”, de Mário de Andrade, escrita entre 1923 e 1944, época em que o modernista revelou maior preocupação com problemáticas da ordem social, sendo a educação uma importante pauta para o debate. Desse modo, ao considerarmos as obras literárias como artefatos da cultura, é possível que essas possam ser utilizadas pelos historiadores para extrair as verossimilhanças e compreender, via representação, as possibilidades de como se dava a educação doméstica pelas preceptoras estrangeiras. Utilizamos, para a elaboração dessa pesquisa a metodologia relacionada à noção de operação historiográfica, por meio da qual pudemos verificar que o conto revela possíveis compreensões dos desafios do oficio de ensinar nas casas, bem como as demandas de parte da elite paulistana pela educação sofisticada à época.

Palavras-Chave:
Educação doméstica; Literatura modernista; Processo educativo não escolar

Resumen

El presente artículo pretende contribuir al campo de la Historia de la Educación Brasileña a partir de una lectura analítica de la obra "Detrás de la Catedral de Ruan", de Mário de Andrade, escrita entre 1923 y 1944, época en que el modernista reveló mayor preocupación con los problemas de orden social, siendo la educación un tema importante para el debate. De esta forma, al considerar las obras literarias como artefactos de la cultura, es posible que puedan ser utilizadas por los historiadores para extraer la verosimilitud y comprender, vía representación, las posibilidades de cómo la educación doméstica era impartida por institutrices extranjeras. Utilizamos, para la elaboración de esta investigación, la metodología relacionada con la noción de operación historiográfica, a través de la cual pudimos verificar que el cuento revela posibles comprensiones de los desafíos de la profesión docente en el hogar, así como las demandas de parte de la elite paulista por una educación sofisticada en la época.

Palabras clave:
Educación doméstica; Literatura modernista; Proceso educativo no escolarizado

Abstract

This article aims to contribute to the field of History of Brazilian Education through an analytical reading of the work "Behind Ruão’s Cathedral", by Mário de Andrade, written between 1923 and 1944, a time when the modernist revealed greater concern with problems of social order, education being an important issue for the debate. In this way, when we consider literary works as cultural artifacts, it is possible that they can be used by historians to extract verisimilitude and understand, via representation, the possibilities of how domestic education was provided by foreign governesses. We used, for the elaboration of this research, the methodology related to the notion of historiographical operation, through which we could verify that the tale reveals possible understandings of the challenges of the teaching profession in the homes, as well as the demands of part of the São Paulo elite for a sophisticated education at the time.

Keywords:
Domestic education; Modernist literature; Non-school educational

Résumé

Le présent article vise à contribuer au domaine de l'histoire de l'éducation brésilienne à partir d'une lecture analytique de l'œuvre «Atrás da Catedral de Ruão», en français, «Derrière la cathédrale de Rouen», de Mário de Andrade, écrite entre 1923 et 1944, époque à laquelle les modernistes se sont montrés plus préoccupés par les problèmes d'ordre social, l'éducation étant une question importante pour le débat. Ainsi, lorsque nous considérons les œuvres littéraires comme des artefacts de la culture, il est possible qu'elles soient utilisées par les historiens pour extraire la vraisemblance et comprendre, par le biais de la représentation, les possibilités de la manière dont l'éducation domestique était dispensée par des gouvernantes étrangères. Nous avons utilisé, pour l'élaboration de cette recherche, la méthodologie liée à la notion d'opération historiographique, grâce à laquelle nous avons pu vérifier que le conte révèle des compréhensions possibles des défis de la profession d'enseignant à domicile, ainsi que les exigences d'une partie de l'élite de São Paulo en matière d'éducation sophistiquée à l'époque.

Mots-clés:
Éducation domestique; Littérature moderniste; Processus éducatif non scolaire

O modernista Mário de Andrade faleceu em 25 fevereiro de 1945, sem ver publicada Contos Novos, sua derradeira coletânea de contos praticamente finalizada. A obra foi considerada pela crítica contemporânea como o mais bem acabado trabalho do escritor, tanto na perspectiva estilística como nas temáticas ali presentes, o que se deu a partir de apurado talento do autor na decifração da sociedade paulistana dos anos de sua escritura, iniciada em 1927 e concluída em 1944 ( LOPES, 1995LOPES, Eliane Marta Teixeira. Perspectivas históricas da educação. 4. ed. São Paulo: Ática, 1995.; RABELLO, 2011RABELLO, Ivone Daré. Novos tempos. In: ANDRADE, Mário de. Contos Novos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 97-107.).

A sofisticação empregada na perspectiva temática e estilística em Contos Novos decorreu, sobretudo, de seu reposicionamento crítico ao abandonar ideias do início de carreira, discursos que ele mesmo classificou como “moda de passeio”, para dar lugar a uma arte saturada de angústias, tornando-se voz de resistência ante o estado de coisas no cenário político, econômico e social brasileiro e mundial. Isso nos faz lembrar da importante lição de Foucault ([1979]/2006FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder (1979). 22. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006., p. 71), a de que os intelectuais - assim tomando como, por exemplo, Mário de Andrade -, exerciam função de agentes não só de discurso, mas da consciência, devido sua aptidão de mobilizar seus saberes. Para o filósofo francês, tal mobilização é também uma forma de expressar poder.

Considerando que a literatura é artefato cultural passível de ser analisada pelos historiadores do presente, põe-se aqui como evidência o conto “Atrás da Catedral de Ruão”, doravante 1 1 Para maior fluidez na leitura. denominado simplesmente “Ruão”, que faz parte do compêndio Contos Novos, escolha que se dá em razão de ser o único dentre os nove contos que tematiza questões pedagógicas. Nesse específico escrito, Mário de Andrade expôs os dramas vividos por uma professora estrangeira, designada como Mademoiselle, em passagem pela casa de uma família rica paulistana para dar lições de língua francesa a duas adolescentes, revelando não só as dificuldades de uma mulher trabalhadora no cenário urbano do início do século XX, mas também representando a emblemática condição social que reprimia a sexualidade da mulher aos trinta e cinco anos de idade, ridicularizando-a.

Nessa direção, a partir do conto em referência, cotejando com outras fontes, buscamos analisar as possíveis representações de professoras em uma determinada época e sociedade, considerando fazer sentido a compreensão de que “ficção e realidade não são os lados opostos da mesma moeda; ao contrário, em alguns momentos, uma pode servir de reflexo para a outra” ( OLIVEIRA; SILVA, 2008OLIVEIRA, Ana Maria Domingues de; SILVA, Telma Maciel da. Memória e ficção na correspondência do escritor João Antônio . In: TERESA REVISTA DE LITERATURA BRASILEIRA. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, n. 8/9. São Paulo: Editora 34, 2008. p. 356-371., p. 358). Assim, os fatos vistos e experienciados na literatura atravessam o imaginário dos escritores e eles, de algum modo, são motivados a externalizar e tomar posição acerca de situações testemunhadas num tempo e espaço, de modo que os acontecimentos ao derredor podem constituir matéria-prima canalizada em suas obras ficcionais.

Tais expedientes criativos e estéticos não deixam de ser uma maneira peculiar de se registrar a história, cabendo aos intérpretes do presente identificar onde estão as plausibilidades e o que é verossímil ao se acionar o procedimento de operação historiográfica ensinada por Michel de Certeau (2020CERTEAU, Michel de. A Escrita da história (1975). 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.).

Do processo criativo do autor em Atrás da Catedral de Ruão

[...] a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente ( TODOROV, 2020TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. 11. ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2020., p. 23-24).

Se estudar literatura resulta numa experiência enriquecedora, como infere Tzvetan Todorov, conjugá-la com reflexão histórica parece ativar importantes possibilidades ao pesquisador. Assim, antes de adentrar na caracterização e na análise do conto “Ruão” é necessário esclarecer que nele vislumbramos ato educativo (ensino de francês), processo educacional (prática do ensino do idioma) e sujeito educacional (a professora Mademoiselle como agente de educação doméstica).

Conto, a partir do século XIX, consiste num gênero literário de narrativa concisa que, segundo Piglia (2004PIGLIA, Ricardo. Novas teses sobre o conto. In: PIGLIA, Ricardo. Formas breves. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 95-114., p. 89), normalmente possui duas narrativas, uma na superfície e outra que aparece de forma secreta, que se encontra nas entrelinhas do episódio. É também um texto narrativo que condensa conflito, tempo e espaço. Percebe-se, todavia, que o gênero conto foi pouco praticado pelos modernistas, que tiveram predileção pela modalidade lírica na forma de poemas.

No entanto, Mário de Andrade utilizou tal forma em Primeiro Andar (1926) e Contos de Belazarte (1933) que, em síntese, retrataram as angústias vividas por paulistanos da periferia da cidade no início do século XX, inclusive pelos recém chegados imigrantes, evidenciando a miséria tanto econômica quanto humana dos mais pobres. Esse segundo conjunto de contos demonstra a infelicidade, denuncia a ausência de direitos e os arraigados meios de subordinação ( LOPES, 1995LOPES, Eliane Marta Teixeira. Perspectivas históricas da educação. 4. ed. São Paulo: Ática, 1995.; CANDIDO, 2011CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. 5. ed. São Paulo: Duas Cidades, 2011. p. 169-191.).

Não bastasse, por meio de Contos de Belazarte, Mário de Andrade veio, em certa medida, impugnar, por figuração 2 2 Mecanismo literário em que a problematização e/ou narração é feita com emprego de metáforas. , o mito da alegria 3 3 Mito da alegria ou filosofia da alegria era uma ideia do escritor Graça Aranha (1868-1931), que sustentava que a essência do brasileiro seria o da “eterna alegria”, e tal felicidade inata seria o grande diferencial para universalizar a cultura nacional. Como explica Rabello (1999), Mário de Andrade se contrapunha frontalmente a tal ideia, ao argumento que ela não seria sustentável a qualquer teste empírico, pois “o mito da alegria não resiste ao olhar que se radica na realidade objetiva dos bairros periféricos da São Paulo dos anos 20” (RABELLO, 1999, p. 27). , ao demonstrar que a realidade social da década de 1920 infirma a ideia de povo inteiramente feliz, por entender que tal engodo escondia a perversidade de uma gente, na maioria, analfabeta 4 4 Esclareça-se que, em 1890, o Brasil contava com apenas 19,1% dos homens alfabetizados ( BRASIL 1898), que chegou a 28,9% em 1920 ( BRASIL, 1928), mas alcançou o patamar de 42,3% em 1940 ( IBGE, 1950). Num recorte detalhado sobre a medição estatística de 1920, daquele montante, 64,3% se referia à cidade de São Paulo, ao passo que, nesse mesmo ano, a população feminina alfabetizada do Brasil era de 19,9%, sendo 52,1% da cidade de São Paulo. , empobrecida e tão arraigada num formato de sociabilidade baseada no paternalismo. Essas questões preliminares ajudarão compreender “Ruão” e seus contos pares.

Aliás, assim como ocorreu com outras obras, como os romances Amar, verbo intransitivo: idílio (1927) e Macunaíma (1928), Mário de Andrade exerceu estratégico cuidado para nomear sua coletânea de contos que abrange “Ruão”, considerando, por exemplo que no romance de 1927, aparenta ter desafiado a gramática normativa ao dispor que amar seria um verbo intransitivo, quando de fato amar, na forma nominal sequer se conjuga (o amar). Não bastasse, empregou um subtítulo (Idílio) que serviu como ironia, já que tal romance contém enredo que exprime o contrário de uma relação de ternura e dispõe sobre uma docência idealizada, porém subvertida.

Contos Novos foi obra escrita devagar. Iniciada em julho de 1927, recebeu derradeira 5 5 Considerando que Mário de Andrade faleceu em fevereiro de 1945. revisão pelo autor apenas em julho de 1944, contudo sem contemplar seu projeto inicial de serem doze contos, em decorrência do falecimento ocorrido em 25 de fevereiro de 1945, sendo considerada pela crítica literária como a produção mais bem acabada de Mário ( RABELLO, 1993RABELLO, Ivone Daré. Histórias de um Mário pouco celebrado: tentativa de interpretação do contista Mário de Andrade. Revista da Biblioteca Mário de Andrade, v. 51, p. 89-98, jan./dez. 1993. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1993., 1999RABELLO, Ivone Daré. A caminho do encontro: uma leitura de Contos Novos. Cotia: Ateliê Editorial, 1999.).

A Figura 1 contém apontamentos feitos pelo próprio autor, quanto ao andamento da escritura da coletânea. Dos “capítulos” planejados, a legenda indica que apenas oito contos estavam finalizados: “Vestida de preto”, “O ladrão”, “Primeiro de Maio”, “Por trás da Catedral de Ruão”, “O poço”, “O peru de Natal”, “Frederico Paciência” e “Tempo de camisolinha”. Além desses, pelos apontamentos do autor, somente um estava por consertar: “Nelson”. Dessa forma, efetivamente, a obra reuniu o montante de nove contos.

Figura 1 -
Acompanhamento da escrita de Contos Novos”

Contos Novos foi obra publicada de forma póstuma, em 1947, pela editora Martins, num esforço de Antonio Candido, que obedeceu a mesma ordem planejada pelo intelectual, com exceção do conto de número cinco: “por trás da Catedral de Ruão”, que teve alteração em seu título para “atrás da Catedral de Ruão”.

Ainda convém destacar que o título pensado inicialmente como Contos Piores sofreu alteração pelo autor antes de sua efetiva publicação para Contos Novos. Essa ideia inicial de chamar a coletânea de “piores” tem a ver com o estilo irreverente do autor em nominar seus trabalhos. Assim, o importante crítico literário Fábio Lucas, ao analisar tal questão, explicou que “Mário foi quase sempre muito feliz nos seus títulos: escolhia-os admiràvelmente ( sic), fazia-os sugestivos, sintéticos, originais, dotados de comunicação rápida e de alta dose de impacto” ( LUCAS, 1971LUCAS, Fábio. Fronteiras imaginárias: crítica. Rio de Janeiro: Cátedra, 1971., p. 95).

Não se descarta a hipótese de “piores” ser também rótulo estratégico para driblar e provocar o olhar da crítica literária quanto às suas sucessivas publicações, como pode ser percebido nas informações fornecidas durante entrevista cedida a Mário da Silva Brito 6 6 Também publicada no Diário de S. Paulo, de 2 de dezembro de 1943. :

Muito embora doente, Mário de Andrade é um trabalhador infatigável. Tem um livro de contos em preparo. - Os Contos piores? Indago. - Não. Não tem nome ainda - esclarece o escritor. Houve um jornalista que lhe deu aquele título, mas não é verdade. Pretendia chama-lo assim, porque, quando publico um livro novo, dizem que o anterior era melhor... Mas já passou o tempo dos nomes “blagues” 7 7 Expressão que significa história engraçada ou anedota. ( ANDRADE, [1943]/1983ANDRADE, Mário de. O que vai fazer e o que não vai. [Entrevista cedida a] Mário da Silva Brito. São Paulo, 1943. In: LOPEZ, Telê Porto Ancona (org.). Mário de Andrade: entrevistas e depoimentos. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 1983. p. 93-98. (Série Estudos Brasileiros, 5)., p. 96, grifo nosso).

“Piores”, no entanto, parece não ter a ver com valoração própria, mas com o destaque ao tempo histórico de sua construção, marcada pela crise econômica global eclodida em 1929, pela ditadura Vargas no Brasil e, ainda, pela Segunda Guerra Mundial e seus desastrosos impactos, ocasião que o autor reconhece que lhe faltou - e também a seus pares intelectuais - contundente posicionamento político de denúncia e resistência, conforme seu texto lido na conferência Movimento Modernista, de 1942:

Deveríamos ter inundado a caducidade utilitária do nosso discurso, de maior angústia do tempo, de maior revolta contra a vida como está. Em vez: fomos quebrar vidros de janelas, discutir modas de passeio, ou cutucar os valores eternos, ou saciar nossa curiosidade na cultura. [...] Eu creio que os modernistas da Semana de Arte Moderna (sic) não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição. O homem atravessa uma fase integralmente política da humanidade. Nunca jamais êle foi tão “momentâneo” como agora. Os abstencionismos e os valores eternos podem ficar pra depois ( ANDRADE, 1942ANDRADE, Mário de. O movimento modernista: conferência lida no salão de Conferências da Biblioteca do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, no dia 30 de abril de 1942. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1942., p. 74-81).

O lamento do modernista entoa em Contos novos que a vida pode ser marcada pelos recomeços, talvez por isso tenha tratado no conto de variados temas sombrios e de desesperança envolvendo pessoas comuns, numa espécie de acertamento de contas com sua consciência modernista de compreender a política e as questões sociais do Brasil das décadas de 1930 e 1940 de maneira mais combativa. Desse modo, destacou-se que de fato Contos Novos eram contos da novidade, mas obra publicada num tempo bastante hostil, dada a conjuntura bélica mundial, razão pela qual Rabello (2011RABELLO, Ivone Daré. Novos tempos. In: ANDRADE, Mário de. Contos Novos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 97-107., p. 107) asseverou que o lançamento da obra na década de 1940 remete a ideia de serem “Novos contos em tempos piores”.

Elementos intrínsecos e contextuais do conto “Ruão”

O texto discorre sobre o cotidiano da brasileira Dona Lúcia e suas filhas adolescentes: Lúcia, com dezesseis anos; e Alba, com quinze anos, todas recém-chegadas à capital paulista, vindas da Europa. Mesmo abandonada 8 8 Lembrando que a ideia de indissolubilidade matrimonial sustentada pela sacralização da família vigia no tempo representado por Dona Lúcia, que só ruiu no plano normativo a partir de 1977, com a instituição do divórcio após três anos de separação judicial (interstício atualmente não mais exigido) ( BRASIL, 1977). Antes disso, havia apenas o instituto do desquite, inserido em 1942 no Código Civil, que permitia a separação, mas sem dissolver o vínculo conjugal, condição que impedia novo casamento. A “estatização do afeto”, como explica Dias (2007), permaneceu como matéria dura, dada sua sustentação por razões morais, religiosas, naturais, físicas e políticas, de modo que as lentas alterações só se mostraram mais robustas a partir de 1988, com o novo marco regulatório constitucional. pelo marido, a “ricaça” 9 9 Expressão utilizada no conto ( ANDRADE, 2017, p. 46). Dona Lúcia integrava a dileta burguesia paulistana e, paradoxalmente, é revelada pelo autor como não pertencente à representação preponderante de mãe idealizada, considerada como caseira, zelosa e tão presente na vida dos filhos ( PERROT, 2019PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2019.). “Dona Lúcia voltava de alma fatigada, maternidade incorreta que aquele vaivém de colégios e hotéis transformara quase num dever. Adorava as filhas, mas era o êxtase inerte das adorações nacionais” ( ANDRADE, [1947]/2017ANDRADE, Mário de. Atrás da Catedral de Ruão. In: ANDRADE, Mário de. Contos Novos (1947). Barueri: Novo Século, 2017., p. 46).

Embora radicadas na cidade de São Paulo, o conto indica que Dona Lúcia e as filhas tiveram diversas experiências com viagens internacionais e dominavam outros idiomas, como alemão, inglês e francês. Todavia, mesmo com tais habilidades, Dona Lúcia resolveu contratar Mademoiselle para fazer companhia às garotas em ocasiões de visitas, encontros sociais e, sobretudo, na educação voltada para aprendizagem da língua francesa.

Mas, para quê aprender algo que se sabe bem? Parece que tal artifício consistia em mera justificativa para que a mãe tivesse menos preocupação com a educação das filhas, e não necessariamente com a transmissão de saberes especializados, já que no conto há informações de que as meninas conheciam um francês moderno e tinham vocabulário sofisticado, contrastante com o da professora “estagnada no ensino e nas suas metáforas suspeitas” ( ANDRADE, 2017ANDRADE, Mário de. Atrás da Catedral de Ruão. In: ANDRADE, Mário de. Contos Novos (1947). Barueri: Novo Século, 2017., p. 44).

Nisso, a teoria do conto de Ricardo Piglia (2004PIGLIA, Ricardo. Novas teses sobre o conto. In: PIGLIA, Ricardo. Formas breves. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 95-114.) - de ser gênero literário composto por dupla narrativa - se amolda a “Ruão”, por ter na superfície o modo de vida da família e, por trás, um dos aspectos mais importantes: Mademoiselle é uma professora desiludida na vida, tanto por sua condição profissional quanto por ser uma mulher envelhecida, estrangeira e frustrada sexualmente. A ordem social lhe adoecia, e o resultado eram as alucinações das quais não podia fugir.

A decadência profissional está representada na imagem de uma professora aviltada, que se vê obrigada a ter que adular as alunas voluntariosas, além de ter sua dignidade como trabalhadora substituída pela piedade da família, dada sua condição de “[...] vida mesquinha de lições e pão incerto [...]” ( ANDRADE, 2017ANDRADE, Mário de. Atrás da Catedral de Ruão. In: ANDRADE, Mário de. Contos Novos (1947). Barueri: Novo Século, 2017., p. 44); que a sujeitava à benevolência alheia para sobreviver: “E assim ajudava Mademoiselle, coitada” (p. 46).

Comparando a preceptora do conto com outra preceptora famosa - personagem criada por Mário de Andrade, Fräulein, de Amar, Verbo Intransitivo -, observamos que esta vivia em condições materiais mais confortáveis do que Mademoiselle. No romance, doravante 10 10 Para maior fluidez na leitura. designado simplesmente Amar, a requintada professora estrangeira foi contratada por uma família rica para dar lições de iniciação sentimental e sexual (na evidência), mas na aparência, lições de língua alemã em velado mecanismo para o método da sedução. A empreitada especial custou à família Sousa Costa Rs. 8:000$000 (oito contos de réis) 11 11 Equivalente a aproximadamente R$ 144.497,38, se considerarmos como referência para cálculo o preço da arroba de boi, cotada em julho de 1927 a Rs17$500 (dezessete mil e quinhentos réis) ( DIÁRIO NACIONAL, 1927, p. 7); e a R$ 316,09 essa commodity em agosto de 2021 ( CEPEA, 2021). , que não parece caracterizar baixa remuneração. Por outro lado, em “Ruão”, Mademoiselle, vivia a dinâmica da desvalorização salarial. Isso se amolda à ideia de que: “A princípio a preceptora foi valorizada, pois era necessária. Mais tarde, ainda que necessária, foi desdenhada, tornando-se um miasma social” ( MONTEIRO, 2000MONTEIRO, Maria Conceição. Sombra errante: a preceptora na narrativa inglesa do século XIX. Niterói: EdUFF, 2000., p. 13).

Fora do campo ficcional, parece verossímil que a queda remuneratória das preceptoras que atuavam nas casas tenha se acentuado na capital paulista, à medida que a demanda por preceptoras se reduz drasticamente, a partir dos anos 1920, num cenário em que se consolidam os formatos de educação formal, sejam escolas públicas ou colégios privados (VASCONCELOS, 2004; CURY, 2006CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação escolar e educação no lar: espaços de uma polêmica. Educação & Sociedade, Campinas, v. 27, n. 96 - Especial, p. 667-688, out. 2006. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-73302006000300003 . Acesso em: 15 dez. 2022.
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).

Nesse sentido, apesar da tormentosa condição social da governanta, no conto - com narrador onisciente em terceira pessoa - , os holofotes foram postos por Mário de Andrade na sexualidade reprimida da professora e na forma com que as alunas estimulavam suas reações, as quais achavam graça, cientes que produziriam miragens como vazão às inquietações sexuais que a preceptora carregava.

Nesse cenário, o autor não economizou em teorias freudianas para demonstrar os conflitos, os traumas e as inseguranças da professora envolvendo o sexo. Parece que Mário de Andrade, em “Ruão”, não se furtou ao que Foucault ([1976]/1999FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber (1976). 13. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999. 1 v. (Biblioteca de filosofia e história das ciências).) sustentava ao dizer que, a partir do século XIX, o sexo passou a ocupar lugar central na sociedade ocidental, que não negava a sexualidade, mas elevava o assunto à condição de suspeita, como se a sociedade capitalista estivesse desconfiando que o sexo estaria a abrigar um segredo fundamental.

Na trama em questão, a professora, diferentemente de Fräulein, do Amar, mantinha alguns pertences guardados numa pensão, mas passava boa parte do tempo na casa das alunas de francês. Entretanto, as aulas desse idioma são distorcidas pelo fato de que, enquanto as alunas já púberes estavam na fase da descoberta da sexualidade e do desejo, Mademoiselle, ainda virgem, encontrava-se atormentada por não ter passado por nenhuma experiência amorosa, não obstante seus quarenta e três anos de idade vividos. Da aurora, a professora alcançou o poente da vida, em que vivia seu ocaso sexual sem, contudo, experimentar os resultados das pulsões, a não ser pelo delírio.

Nos anos da escrita de “Ruão” era comum que, em ocasião das celebrações religiosas, os jovens aproveitassem a oportunidade para se encontrarem nas praças e imediações dos templos, longe dos olhos dos pais ( CAMPOS, 2004CAMPOS, Alzira Lobo de Arruda. População e sociedade em São Paulo no século XIX. In: PORTA, Paula (org.). História da cidade São Paulo: a cidade no império (1823-1889). São Paulo: Paz e Terra, 2004. 2 v. p. 15-55.). Tal prática parece ser o mote para que o autor associe os pátios externos das catedrais como locais de “prática de pecado”, razão pela qual foi escolhido o título desse conto, pois as maiores alucinações sexuais da professora se deram ao redor da Igreja de Santa Cecília, na cidade de São Paulo, numa alusão, também, a uma catedral localizada na cidade francesa de Rouen.

Valter Cesar Pinheiro (2014PINHEIRO, Valter Cesar. A França em contos de Mário de Andrade. São Cristóvão/SE: Editora UFS, 2014.), ao estudar como a França aparece na obra marioandradiana, esclarece que “Ruão” dialoga com o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert, por conter passagens que remontam para “aventuras” nas imediações da Cathédrale Notre-Dame de Rouen. Entretanto, as tramas, as motivações e as sociedades são diferentes. A personagem Emma Bovary era casada e suas frustrações giravam também em torno do seu desejo de expansão social, ao passo que o motivo preponderante do sofrimento de Mademoiselle era a falta de experiência sexual.

Dito isso, convém esclarecer que, baseado na ideia de antropofagia e emulação 12 12 Palavra que vem do latim aemulātĭō ( CUNHA, [1982]/2005, p. 426), que tem como significado “tomar como modelo”. Trata-se da noção presente na tradição literária onde o escritor se apropria de estruturas textuais e as transfigura (emular), uma tomada como modelo para rivalizar e que não resulta essencialmente em cópia, e sim numa estética revitalizada, reconstruída. , “Ruão” (conto) não é cópia de Madame Bovary (romance). São textos completamente diferentes no conteúdo e na forma e, assim como também ocorreu no romance Amar, Mário de Andrade tão somente revigorou e reposicionou sua estética para algo diferente, a fim de expressar a fatalidade da vida das mulheres preceptoras, considerando que a escritura das obras partiu da ideia que “ninguém é original. Semelhanças e diferenças se entrelaçam no tecido de que somos feitos” ( SCHÜLER, 2013SCHÜLER, Donaldo Abismados em amor. Porto Alegre: Movimento, 2013., p. 86).

Voltando à trama de “Ruão”, nos diálogos da professora com as alunas, tornou-se cada vez mais evidente o afloramento de desejos de forma tardia, os quais se manifestavam a partir das conversas em francês. Tal língua oportunizava esse elo de ambiguidade dos entendimentos alucinados da governanta, acrescida por uma espécie de código conhecido apenas pelas interlocutoras (professora e alunas), excluída a mãe, Dona Lúcia:

Il y a des jours où je sens à tout moment qu’un... “personage” me frôle! E acentuava o “personnage”, que repetia sempre num nojo despeitado. Mas Lúcia: − Ça vous fait mal! − “Mâle”, ma chère enfant, “mâ-le”. N’égratignez pas vos mots comme çà. “Mâ-le”. Mas logo um gritinho de surpresa: − Oh! je vous demande pardon, Lúcia! Je me suis trompée de lisière! Vous avez parlé du Bien et du Mal, j’ai pensé que vous parliez du maléfice des hommes, ah! ah! ah!... 13 13 Tem dias que eu sinto o tempo todo um... “sujeito” me tocar! E lhe faz mal! “Macho”, minha querida, “ma-cho”. Não coma as letras desse jeito. “Ma-cho”. Oh! Eu peço perdão, Lúcia! Eu me enganei! Você falava do Bem e do Mal, e eu pensei que era sobre o malefício dos homens, ah! Ah! Ah!... ( ANDRADE, 2017, p. 43, tradução nossa). E ria bem-aventurada. ( ANDRADE, 2017ANDRADE, Mário de. Atrás da Catedral de Ruão. In: ANDRADE, Mário de. Contos Novos (1947). Barueri: Novo Século, 2017., p. 43).

Na passagem acima está presente um trocadilho das palavras francesas mâle (macho) e mal (advérbio de modo, contrário de bem), de pronúncia bastante similar, demonstrando uma consciência cada vez mais cativa dos instintos e desejos da professora.

Isso não a constrange ao tempo que revela a vazão dada às suas perturbações sexuais através da imaginação externalizada, coisa que, sem corar, não consegue mais esconder: “às vezes, até mesmo com pessoas presentes, lhe acontecia aquela sensação afrosa 14 14 Do francês affreux, que significa repulsante, abominável. [...]” ( ANDRADE, 2017ANDRADE, Mário de. Atrás da Catedral de Ruão. In: ANDRADE, Mário de. Contos Novos (1947). Barueri: Novo Século, 2017., p. 42). Tal efeito se torna patológico em Mademoiselle, ao ponto de, entre diálogos sempre em francês, risos e brincadeiras, a situação se agravar quando, ao final do conto, a professora, ao caminhar pelas ruas paulistanas, traz à memória um episódio ficcional, em que uma mulher teria sido violentada atrás da Cathédrale Notre-Dame de Rouen, e supõe que lhe aconteceria o mesmo após ser perseguida. Desse modo, ao final do conto, a professora, de forma imaginária, teria sucumbido às fortes mãos de dois homens, “justamente atrás” da Igreja de Santa Cecília, em São Paulo, mas tudo isso não passava de devaneios, de desejo que as alucinações se concretizassem.

Quanto ao espaço relacionado ao título do conto, Valter Cesar Pinheiro (2014PINHEIRO, Valter Cesar. A França em contos de Mário de Andrade. São Cristóvão/SE: Editora UFS, 2014.) considera que o advérbio atrás não funciona simplesmente como identificação da localização de um espaço físico, no qual a professora realizaria seu desejo: “Mais do que isso, representaria por si só o desejo irrealizado. ‘Atrás’ tona-se ‘em busca de’, iluminando as leituras deturpadas da professora de francês, que sonharia desesperadamente em realizar aquilo que só conhecia pela literatura” ( PINHEIRO, 2014PINHEIRO, Valter Cesar. A França em contos de Mário de Andrade. São Cristóvão/SE: Editora UFS, 2014., p. 125).

Assim o conto termina. A professora, movida pela ilusão há muito alimentada, expressa gratidão aos homens desconhecidos, oferecendo-lhes algumas moedas para pagar pela conjunção carnal forçada, desejada e festejada, mas não ocorrida. Termina o conto, mas não finaliza a desilusão da professora.

A professora representada em “Ruão”

Pela própria característica estética de narração curta poderíamos, a princípio, pensar que “Ruão” pouco teria a dizer sobre representação de professoras que atuavam em processos educativos nas casas de algumas famílias ricas da capital paulista. No entanto, trata-se de texto sui generis dentro da coletânea Contos Novos, por ser o único que, especificamente, trouxe um enredo envolvendo ensino e aprendizagem e, guardadas suas especificidades, muito tem a revelar sobre as mulheres daquele tempo e espaço.

Oportuno lembrar, como já fizera Luiz Dantas (1987DANTAS, Luiz. Amar sem aulas práticas. Remate de Males, Campinas, v. 7, p. 63-68, 1987. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/article/view/8636324 . Acesso em: 12 nov. 2022.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
) no ensaio Amar sem aulas práticas, que Amar e “Ruão” envolvem objetos, situações e comportamentos diferentes de professoras estrangeiras na capital paulista. Para fins de cotejo - se considerarmos a preceptora do Amar -, Fräulein tinha objeto contratual definido, qual seja, seduzir e executar a iniciação sexual do primogênito Carlos. Isso se dava, de um lado, pela contingência do Pai, e de outro, pela necessidade 3 3 Mito da alegria ou filosofia da alegria era uma ideia do escritor Graça Aranha (1868-1931), que sustentava que a essência do brasileiro seria o da “eterna alegria”, e tal felicidade inata seria o grande diferencial para universalizar a cultura nacional. Como explica Rabello (1999), Mário de Andrade se contrapunha frontalmente a tal ideia, ao argumento que ela não seria sustentável a qualquer teste empírico, pois “o mito da alegria não resiste ao olhar que se radica na realidade objetiva dos bairros periféricos da São Paulo dos anos 20” (RABELLO, 1999, p. 27). de sobrevivência de Fräulein em terras brasileiras, por se submeter ao rito burguês de ensinar lições que protegiam a família e os bens do jovem rico. Conforme Schüler (1992SCHÜLER, Donaldo. Eros: dialética e retórica. São Paulo: EDUSP, 1992., p. 132), “a submissão dela forma o opressor. Ela precisa dele para ser feliz. Ambos protegem o filho como protegem a propriedade. Não o consultam. Querem-no dócil, infantil, sadio. A inercia prolonga a vigência do sistema”.

Assim, no romance Amar, Carlos parece ter aprendido bem a lição, ao passo que a professora assimilou a lógica desse sistema preservador. Tal constatação se vê no final do romance, quando Fräulein, já em outro emprego, ao passear pelas ruas paulistanas com seu novo aluno, o pupilo Luís, vê o ex-aluno Carlos acompanhado de uma bela jovem. Diante de tal cena, a ex-professora respira fundo compreendendo que “[...] o mundo é tal como é. A gente tem de aceitar sem revolta. Carlos casará rico. Perfeitamente” ( ANDRADE, [1944]/1995ANDRADE, Mário de. Amar, verbo intransitivo: idílio (1944). 16. ed. Belo Horizonte: Villa Rica, 1995., p. 147).

Por sua vez, no conto “Ruão”, temos uma família composta apenas por mulheres: Dona Lúcia e suas duas filhas. Casa ornamentada com riqueza e sem a presença do marido e pai. Parece que nem fazia falta, já que todas as necessidades eram bem supridas por elas e, no campo das relações sociais, a ausência masculina não impedia que a casa fosse frequentada por políticos importantes e suas respectivas esposas.

A professora era gente comum, inominada, considerada até mesmo uma “fracassada” na dinâmica pulsional, conforme Rabello (1993RABELLO, Ivone Daré. Histórias de um Mário pouco celebrado: tentativa de interpretação do contista Mário de Andrade. Revista da Biblioteca Mário de Andrade, v. 51, p. 89-98, jan./dez. 1993. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1993., p. 97). Sua identidade não tinha importância. Era apenas senhorita, descrita como uma ingênua que utilizava método de ensino por repetição, de aprendizagem receptiva e mecânica e que se amoldava com a tendência pedagógica que à época passava a ser denominada como tradicional ( SAVIANI, 2013SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2013.; BICCAS, 2008BICCAS, Maurilane de Souza. O impresso como estratégia de formação: Revista do Ensino de Minas Gerais (1925-1940). Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008. (EDVCERE, 4).). Tal modelo contrastava com o perfil das alunas que já viajaram o mundo, eram capciosas e sabiam tanto ou mais que a professora, a ponto de valerem-se de expressões ambíguas para causar-lhe embaraços e cometimento de atos falhos 16 16 Acontecimentos aleatórios de aparente falta de causalidade, que, para Freud, são meios de expressão de vontades mais profundas. Os atos falhos podem se dar, por exemplo, pela repentina troca de nomes e palavras, pelo esquecimento ou deixar algo cair de forma involuntária. Entretanto, esses acontecimentos precisam ser analisados para, talvez, perceber que tais falhas ou erros seriam, na verdade, acertamento ( BETTELHEIM, 2010). .

Interessante notar o “apagamento” da professora ante suas alunas, numa espécie de subversão daquele que aprende em relação ao que ensina. Esses papeis (professora - alunas) são claramente alterados no conto, no sentido de que o mais importante não era a transmissão do conhecimento, e sim o divertimento das alunas sobre as feridas da professora no campo da sexualidade. Seja como for, embora não informado pelo autor o quantum e a forma remuneratória, o texto revela uma professora que não tinha casa própria, nem familiares no Brasil que a pudessem apoiar financeiramente.

A conjuntura profissional na capital paulista parecia não garantir boa rentabilidade nem mesmo estabilidade, já que Mademoiselle, como acompanhante requintada, vivia de casa em casa, numa vida de escassez e pão incerto. Tal situação conflui para a explicação de Vasconcelos (2004), em pesquisa realizada com foco nas preceptoras com recorte até 1889. Embora não tenha avançado para a Primeira República, os achados da pesquisadora mostram oscilação tanto no conteúdo dos anúncios de emprego em jornais, quanto na remuneração oferecida.

Num primeiro momento, a partir de 1839, os anúncios enfatizavam a trajetória dessas educadoras, sobretudo quando haviam passado por espaços de excelência em sua formação. Isso muda com o passar do tempo. Conforme pode ser visto nas Figuras abaixo, as preceptoras que anunciavam seus trabalhos preferiam o anonimato, aplicando o artigo indefinido sobre si mesmas: “uma” professora, governanta ou professora “se oferece para dar aulas”. Isso demonstra que os atributos curriculares das professoras já não mais importavam tanto.

Figura 2 -
Anúncios de Professoras estrangeiras Estado S. Paulo, (1914O ESTADO DE S. PAULO. São Paulo, Anno XL, n. 12919, 5 maio 1914, Caderno Geral, p. 11., p. 11) 17 17 Transcrição: Gouvernante: institutrice allemande, sachant bien le français et um peu d´anglais desire place dans bonne familie auprés des enfants de 7 à 12 ans. Donne instrution, education et soins complets. 13, Travessa da Consolação. Tradução nossa: Governanta: professora alemã, com bons conhecimentos de francês e um pouco de inglês, deseja ser colocada numa boa família com crianças de 7 a 12 anos. Fornece instrução, educação e cuidados completos. Travessa da Consolação nº 13. Estado de S. Paulo (1923O ESTADO DE S. PAULO. São Paulo, Anno XLIX, n. 16.179, 15 maio 1923, Secção de Annuncios, p. 10., p. 10) 18 18 Transcrição: Professora estrangeira. Recentemente chegada da Europa deseja collocar-se com modesto ordenado, para ensinar inglez, allemão e hespanhol. Poderá ir para a fazenda - Cartas para W. S., neste jornal.

Vasconcelos (2004) esclarece ainda que, inicialmente, a remuneração das preceptoras se mostrava vantajosa em razão das reduzidas alternativas profissionais para mulheres, mas considera que, enquanto o século XIX poderia ser classificado como o século da educação doméstica, o século XX deu fortes sinais de ser o da escola como instituição, conquanto admita ser uma toada lenta de mudanças, permanecendo ainda a demanda por preceptoras, que se alonga para as primeiras décadas daquele novo século. É que, anteriormente, conforme explica Cury (2006CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação escolar e educação no lar: espaços de uma polêmica. Educação & Sociedade, Campinas, v. 27, n. 96 - Especial, p. 667-688, out. 2006. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-73302006000300003 . Acesso em: 15 dez. 2022.
https://doi.org/10.1590/S0101-7330200600...
), a educação não era obrigatória.

Com a Reforma Couto Ferraz, de 1854, bem como a de Leôncio de Carvalho, de 1879, a educação se torna compulsória, ou seja, “os Paes ( sic) e mais pessoas acima referidas têm o direito de ensinar ou mandar ensinar os meninos em casa, ou em estabelecimentos particulares” ( OLIVEIRA, 1874OLIVEIRA, João Alfredo Corrêa de. Projecto reorganizando o ensino primário e secundário, de 1874. Rio de Janeiro: Annaes do Senado do Imperio do Brazil, 1874., p. 1, grifo nosso). Essa questão da educação doméstica é reafirmada no plano normativo, inclusive na época da escritura de “Ruão”, com o Plano Nacional de Educação de 1936/37, que em seu art. 39 dispunha que “a obrigatoriedade da educação primária pode ser satisfeita nas escolas públicas, particulares ou ainda no lar” ( BRASIL, 1936BRASIL. Plano Nacional de Educação: questionário para um inquérito. Ministério da Educação e Saúde Pública. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936., p. 5).

Vê-se que a educação se tornava obrigatória, mas não teria que ser ofertada, necessariamente, em escola, além disso, por considerar a convivência e a concorrência entre colégios particulares, as escolas públicas e a educação doméstica ministrada nas casas, aliada à menor atuação das preceptoras no decorrer das primeiras décadas do século XX, acionava-se a lógica da oferta e da procura, pondo em queda a remuneração, como parece ter ocorrido com Mademoiselle.

Vale lembrar que os serviços das preceptoras com atuação nas casas, de algum modo, seguiam a necessidade sazonal. Ora, com a conquista do conhecimento pontual, por exemplo, com idioma, piano ou mudança de faixas etárias dos alunos, as famílias não dependiam mais do serviço, cuja dispensa abasteceria um mercado cada vez mais saturado de professoras disponíveis ( VASCONCELOS, 2005VASCONCELOS, Maria Celi Chaves. A casa e os seus mestres: a educação no Brasil de oitocentos. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005.). Como pode ser visto nos anúncios de jornais ao tempo de “Ruão”, mesmo em parte do século XX havia demanda profissional para educação doméstica, a qual se enfraquece na medida que a escola se consolida e as famílias de elites buscam cada vez menos esse tipo de serviço.

Pensando na mulher Mademoiselle, um detalhe se mostra evidente: o lugar onde ocorreu o auge de sua perturbação sexual, ao supor que estaria sendo violentada por dois homens, atrás da Catedral, local atrativo por ser palco de supostas imoralidades. Primeiro vem a ideia de que a explosão de desejos da professora se deu, ainda que mentalmente, na retaguarda do edifício do templo, que simboliza o escondido, o secreto, que sua sexualidade precisava ser omitida, que seria intolerável uma mulher se expor frontalmente num cenário social que interditava manifestações dessa natureza.

A também preceptora Ina Von Binzer ([1956]/2017BINZER, Ina Von. Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil (1956). 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.), já no início da Primeira República, dizia em carta endereçada a sua amiga alemã, que o lugar central das mulheres no Brasil era o espaço privado: “[...] outro dia, num salão de cabeleireiro, onde entrei para mandar ondular meu cabelo, cortado curto. Não sabia que, já por mim, chamava a atenção, pois nenhuma senhora brasileira sai sozinha à rua, nem de maneira alguma vai pentear-se fora de casa” ( BINZER, 2017BINZER, Ina Von. Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil (1956). 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017., p. 103).

Nesse sentido, indo contra a mentalidade da época, o ponto culminante da suposta violação sexual da professora não se deu na pensão onde guardava alguns pertences ou na casa das alunas, mas na rua, em espaço público. Tal constatação não é do acaso, já que casa e rua não indicam meramente lugares geográficos ou coisas corpóreas, mas demarcações morais e domínios culturais arraigados, suficientes para gerar regras jurídicas, canções, sentimentos e preces ( DAMATTA, 1997DAMATTA, Roberto. A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.).

Isso se coaduna com a ideia de “jardim” e de “praça” formulada por Saldanha (2005). Praça ou rua se referem a espaços públicos para circulação dos homens, locais para tomada de decisões importantes, ao passo que a casa e suas dependências (jardins) se destinam às mulheres. Mademoiselle, na forma que foi construída por Mário de Andrade, não é a femme fatale, pelo contrário, representa a sujeição, a fragilidade imposta pelo espaço que está inserida, seja pela condição de estrangeira, mulher e pobre, ou pelo recalque de sua sexualidade. É no espaço público, atrás da Catedral, que a professora experimenta sua maior derrota como mulher, quando sua dor era negligenciada e lhe era negada a realização de sua sexualidade.

Considerações

O conto “Ruão” mostra a letargia capaz de imobilizar a família de Dona Lúcia - como contratante dos serviços pedagógicos da professora francesa -, que representa parte da burguesia paulistana. Tal paralisia também recaiu sobre a culta preceptora Mademoiselle, na contingência da necessidade de sobreviver em terras estranhas.

Além disso, a professora, enquanto personagem do conto, revela uma mulher imigrante cujo destino é exercer atividade itinerante, de casa em casa para fins de sobrevivência. Trata-se, portanto, do exercício de encargo de natureza pública em espaço privado, e essa condição servia também como ameaça ao domínio do espaço público reservado aos homens, já que tais ambientes, supostamente, não poderiam ser ocupados por mulheres comuns.

Por ser estrangeira, essa preceptora simboliza, também, mulheres desejadas pelo que traziam, seja em função do domínio de outras línguas, seja por representarem a sofisticação europeia. Paradoxalmente, elas eram temidas e negadas por reunirem características de antítese à construção social de rainha do lar.

Convém ainda ressaltar que Mário Vário, com seu projeto de modernidade, evidenciou mais que uma personagem feminina, estrangeira, a serviço de uma pedagogia anódina, mas a um discurso crítico a um passado que precisava ser vencido, sobretudo pela francofonia esvaziada, enaltecida pela ideia de que a língua francesa poderia resultar numa melhor experiência do que a literatura vertida no idioma português. Nesse sentido, “Ruão” através da velha professora, fala de cânones desgastados que precisavam ser superados para que se criassem as condições para um novo processo educativo.

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  • SCHÜLER, Donaldo Abismados em amor. Porto Alegre: Movimento, 2013.
  • SCHÜLER, Donaldo. Eros: dialética e retórica. São Paulo: EDUSP, 1992.
  • TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. 11. ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2020.
  • VASCONCELOS, Maria Celi Chaves. A casa e os seus mestres: a educação no Brasil de oitocentos. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005.
  • 1
    Para maior fluidez na leitura.
  • 2
    Mecanismo literário em que a problematização e/ou narração é feita com emprego de metáforas.
  • 3
    Mito da alegria ou filosofia da alegria era uma ideia do escritor Graça Aranha (1868-1931), que sustentava que a essência do brasileiro seria o da “eterna alegria”, e tal felicidade inata seria o grande diferencial para universalizar a cultura nacional. Como explica Rabello (1999), Mário de Andrade se contrapunha frontalmente a tal ideia, ao argumento que ela não seria sustentável a qualquer teste empírico, pois “o mito da alegria não resiste ao olhar que se radica na realidade objetiva dos bairros periféricos da São Paulo dos anos 20” (RABELLO, 1999, p. 27).
  • 4
    Esclareça-se que, em 1890, o Brasil contava com apenas 19,1% dos homens alfabetizados ( BRASIL 1898BRASIL. Ministerio da Industria, Viação e obras Publicas. Directoria Geral de Estatistica. Synopse do Recenseamento de 31 de dezembro de 1890. Rio de Janeiro: Officina da Estatistica, 1898. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv25490.pdf . Acesso em: 7 dez. 2022.
    https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
    ), que chegou a 28,9% em 1920 ( BRASIL, 1928BRASIL. Ministerio da Agricultura, Industria e Commercio. Directoria Geral de Estatistica. Recenseamento do Brazil realizado em 1 de setembro de 1920. População do Brazil por Estados e municipios, segundo o sexo, a idade e a nacionalidade. v. IV, parte 2. Rio de Janeiro: Typ. da Estatistica, 1928. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv6463.pdf . Acesso em: 14 nov. 2022.
    https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
    ), mas alcançou o patamar de 42,3% em 1940 ( IBGE, 1950INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Recenseamento Geral do Brasil de 1 de setembro de 1940. Série nacional. Censo demográfico. Quadros de totais para o conjunto da União e de distribuição pelas regiões fisiográficas e unidades federadas. v. II. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1950. Disponível em: Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/65/cd_1940_v2_br.pdf . Acesso em: 14 nov. 2022.
    https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
    ). Num recorte detalhado sobre a medição estatística de 1920, daquele montante, 64,3% se referia à cidade de São Paulo, ao passo que, nesse mesmo ano, a população feminina alfabetizada do Brasil era de 19,9%, sendo 52,1% da cidade de São Paulo.
  • 5
    Considerando que Mário de Andrade faleceu em fevereiro de 1945.
  • 6
    Também publicada no Diário de S. Paulo, de 2 de dezembro de 1943.
  • 7
    Expressão que significa história engraçada ou anedota.
  • 8
    Lembrando que a ideia de indissolubilidade matrimonial sustentada pela sacralização da família vigia no tempo representado por Dona Lúcia, que só ruiu no plano normativo a partir de 1977, com a instituição do divórcio após três anos de separação judicial (interstício atualmente não mais exigido) ( BRASIL, 1977BRASIL. Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977. Dá nova redação ao § 1º do artigo 175 da Constituição Federal. Brasília: Diário Oficial da União, 29 jun. 1977. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc09-77.htm . Acesso em: 3 mar. 2022.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
    ). Antes disso, havia apenas o instituto do desquite, inserido em 1942 no Código Civil, que permitia a separação, mas sem dissolver o vínculo conjugal, condição que impedia novo casamento. A “estatização do afeto”, como explica Dias (2007DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.), permaneceu como matéria dura, dada sua sustentação por razões morais, religiosas, naturais, físicas e políticas, de modo que as lentas alterações só se mostraram mais robustas a partir de 1988, com o novo marco regulatório constitucional.
  • 9
    Expressão utilizada no conto ( ANDRADE, 2017ANDRADE, Mário de. Atrás da Catedral de Ruão. In: ANDRADE, Mário de. Contos Novos (1947). Barueri: Novo Século, 2017., p. 46).
  • 10
    Para maior fluidez na leitura.
  • 11
    Equivalente a aproximadamente R$ 144.497,38, se considerarmos como referência para cálculo o preço da arroba de boi, cotada em julho de 1927 a Rs17$500 (dezessete mil e quinhentos réis) ( DIÁRIO NACIONAL, 1927DIÁRIO NACIONAL. São Paulo, Anno I, n. 12, 27 jul. 1927, p. 7., p. 7); e a R$ 316,09 essa commodity em agosto de 2021 ( CEPEA, 2021CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA. Indicador do Boi Gordo CEPEA. Média móvel de 6 de agosto de 2021. São Paulo: CEPEA, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.cepea.esalq.usp.br/br/indicador/boi-gordo.aspx . Acesso em: 7 out. 2022.
    https://www.cepea.esalq.usp.br/br/indica...
    ).
  • 12
    Palavra que vem do latim aemulātĭō ( CUNHA, [1982]/2005CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa (1982). 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. 839 p., p. 426), que tem como significado “tomar como modelo”. Trata-se da noção presente na tradição literária onde o escritor se apropria de estruturas textuais e as transfigura (emular), uma tomada como modelo para rivalizar e que não resulta essencialmente em cópia, e sim numa estética revitalizada, reconstruída.
  • 13
    Tem dias que eu sinto o tempo todo um... “sujeito” me tocar! E lhe faz mal! “Macho”, minha querida, “ma-cho”. Não coma as letras desse jeito. “Ma-cho”. Oh! Eu peço perdão, Lúcia! Eu me enganei! Você falava do Bem e do Mal, e eu pensei que era sobre o malefício dos homens, ah! Ah! Ah!... ( ANDRADE, 2017ANDRADE, Mário de. Atrás da Catedral de Ruão. In: ANDRADE, Mário de. Contos Novos (1947). Barueri: Novo Século, 2017., p. 43, tradução nossa).
  • 14
    Do francês affreux, que significa repulsante, abominável.
  • 15
    Nesse ponto, Rago (1996RAGO, Margareth. Prostituição e mundo boêmio em São Paulo (1890-1940). In: PARKER, Richard; BARBOSA, Regina Maria (org.). Sexualidades brasileiras. Rio de Janeiro: Relume Dumará: ABIA: IMS/UERJ, 1996. p. 51-60.) explica que, em praticamente todas as fontes documentais por ela acessadas em sua pesquisa, a prostituta é identificada como a mulher que é vítima das próprias adversidades.
  • 16
    Acontecimentos aleatórios de aparente falta de causalidade, que, para Freud, são meios de expressão de vontades mais profundas. Os atos falhos podem se dar, por exemplo, pela repentina troca de nomes e palavras, pelo esquecimento ou deixar algo cair de forma involuntária. Entretanto, esses acontecimentos precisam ser analisados para, talvez, perceber que tais falhas ou erros seriam, na verdade, acertamento ( BETTELHEIM, 2010BETTELHEIM, Bruno. Freud e a alma humana (1982). 15. ed. São Paulo: Cultrix, 2010.).
  • 17
    Transcrição: Gouvernante: institutrice allemande, sachant bien le français et um peu d´anglais desire place dans bonne familie auprés des enfants de 7 à 12 ans. Donne instrution, education et soins complets. 13, Travessa da Consolação. Tradução nossa: Governanta: professora alemã, com bons conhecimentos de francês e um pouco de inglês, deseja ser colocada numa boa família com crianças de 7 a 12 anos. Fornece instrução, educação e cuidados completos. Travessa da Consolação nº 13.
  • 18
    Transcrição: Professora estrangeira. Recentemente chegada da Europa deseja collocar-se com modesto ordenado, para ensinar inglez, allemão e hespanhol. Poderá ir para a fazenda - Cartas para W. S., neste jornal.

Editado por

Editor responsável:

Eduardo Cristiano Hass da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2022
  • Aceito
    08 Mar 2023
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