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Os desembarques de cativos africanos e as rotinas médicas no Porto do Recife antes de 1831

Resumo:

A Provedoria-Mor da Saúde de Pernambuco foi criada em 1810. A partir de então, os navios negreiros que chegavam no Recife passaram a ser visitados por agentes da saúde que verificavam se os escravizados recém-desembarcados traziam doenças consideradas contagiosas, de acordo com a medicina da época. Apenas aqueles que traziam esses males eram mandados para o Lazareto de Santo Amaro para serem tratados. Uma vez curados, eram devolvidos a seus donos para serem vendidos. Os empregados da Provedoria da Saúde vistoriaram navios negreiros que trouxeram mais de 47 mil pessoas para o Recife. Seus relatos das visitas ajudam-nos a entender o funcionamento do tráfico de escravos num dos principais portos brasileiros antes que este fosse decretado totalmente ilegal, em 1831.

Palavras-chave:
tráfico de escravos; doenças contagiosas; quarentena; porto do Recife

Abstract:

The Provedoria-Mor da Saúde of Pernambuco (Brazil), the government agency which took care of public health in Pernambuco, was created in 1810. Thereafter, slave ships that arrived at Recife were visited by health agents who verified if the recently arrived enslaved people carried diseases which were considered contagious, according to the 19th century medical sciences. Only those who carried the said maladies were sent to the Santo Amaro Leprosarium to be treated. Once they were healed, they were returned to their owners to be sold. The employees of that health agency examined slave ships that carried more than 47 thousand people to Recife. Their reports help us to understand how the slave trade was carried out in a major Brazilian harbor, before it was declared illegal in 1831.

Key words:
slave trade; contagious diseases; quarantine; Recife harbor

Antes da lei antitráfico de 1831, o comércio de escravizados fazia parte da rotina dos principais portos do Brasil. Na virada do século XVIII para o XIX, os higienistas recomendavam que os africanos recém-desembarcados fossem conduzidos para um local de quarentena. Lá, segundo Robert Conrad, deveriam ficar confinados por pelo menos oito dias em observação e tratamento antes de serem vendidos nos armazéns de seus donos.1 1 CONRAD, Robert E. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 58. Apesar do Recife receber navios negreiros desde o século XVI, só no final do XVIII foi estabelecido que os "negros-novos" deveriam ser encaminhados ao Lazareto de Santo Amaro.2 2 VASCONCELLOS GALVÃO, Sebastião. Diccionário chorográfico, histórico e geográfico de Pernambuco (Rio de Janeiro, 1908-1927). Recife: CEPE, 2006, vol. 1, p. 82-83. Veja-se ainda: SANTOS FILHO, Lycurgo. História Geral da Medicina Brasileira. São Paulo: Edusp, 1966, p. 256. Situado à margem do rio Beberibe, o Lazareto ficava a uma distância considerada segura de Olinda e dos bairros centrais do Recife, o que protegeria os habitantes dos miasmas pestilenciais que emanavam dos corpos das pessoas lá internadas. O bairro de Santo Amaro era ainda arejado pelos ventos oceânicos, que, antes de chegar lá, atravessavam o istmo em cujas pontas estavam Olinda e Recife. Esse regime de ventos, de acordo com a teoria miasmática, protegeria os locais mais habitados das doenças que na época eram consideradas contagiosas. Em 1810, foi então criada a Provedoria-Mor da Saúde da Província de Pernambuco.3 3 PEREIRA DA COSTA, F.A. Anais Pernambucanos. Recife: Fundarpe, 1983-1985, vol. 7, p. 147. A partir daí, os navios negreiros deveriam ser visitados por peritos que, após examinarem os cativos, encaminhariam os portadores de doenças consideradas contagiosas ao lazareto. Neste trabalho, além de outras fontes, utilizaremos, principalmente, um livro que restou da Provedoria-Mor da Saúde, no qual foi registrado uma parcela substantiva dos desembarques de navios negreiros no Recife entre 1813 e 1829.4 4 Agradecemos a Francisco Sales de Albuquerque, Vera Lúcia Costa Acioli e Hildo Leal da Rosa pela cópia do livro digitalizada e transcrita pelo "Projeto de Conservação do Acervo Documental da Vigilância Sanitária do Porto do Recife" (APEJE/MP-PE - PROCURADORIA), coordenado por Francisco Sales de Albuquerque e Vera Lúcia Costa Acioli. Agradecemos ainda: a Professora Ana Lúcia Araújo e aos pareceristas da Almanack pela atenta leitura do texto originalmente enviado; ao CNPq pelo apoio à pesquisa; a Alexandre Guilherme de Farias Oliveira, bolsista PIBIC/CNPq em 2008/2009. O nosso objetivo é investigar como se davam os desembarques de cativos na cidade antes que a lei antitráfico de 1831 provocasse a transferência do comércio atlântico de escravos para as praias do litoral pernambucano. Como veremos, havia rotinas a cumprir, envolvendo negociantes, agentes da saúde e trabalhadores livres e escravos em diferentes atividades do comércio de gente. Sendo Pernambuco o terceiro ponto de receptação de gente cativa da África no Brasil, e o quarto nas Américas, o porto do Recife pode servir de parâmetro para se entender o tráfico em uma escala mais ampla.

O livro lamentavelmente é incompleto. A primeira parte traz registros sobre 20 desembarques entre 1813 e 1814. São indicados basicamente a origem da embarcação, a data de entrada, o nome do capitão, número da equipagem, dias de viagem e o total de cativos desembarcados. O livro está em branco nos anos seguintes (1815-1818), até 1819, quando passa a trazer um "Termo de Desimpedimento e Entrega dos Escravos" de cada embarcação até 1829. Nesse termos bastante circunstanciados eram lançados o número de cativos a bordo, o nome do dono e/ou consignatário, mestre, número de doentes, tipos de enfermidades, número de sobreviventes e morbidade durante o tratamento, marcas dos escravos, pessoas a quem foram entregues os curados. No total, o volume registra 193 entradas de navios negreiros, dos quais desembarcaram 47.110 cativos vivos entre 1813 e 1829.5 5 Arquivo Público Jordão Emerenciano, (Recife), "Livro d'Entradas das Embarcacoens Vezitadas da Provedoria Mor da Saude" (daqui em diante referenciado como "APEJE, Livro d'Entradas"). Os dados do Transatlantic Slave Trade Database: Voyages mostram a incompletude dos registros da Provedoria, pois apontam que um total de 148.440 cativos desembarcaram em Pernambuco entre 1813 e 1829.6 6 Para ser exato, o livro informa apenas 3 desembarques em 1813, 17 em 1814, 25 em 1819, 27 em 1820, 28 em 1821, 12 em 1822, 19 em 1823, 10 em 1824, 16 em 1825, 13 em 1826, 11 em 1827, 7 em 1828 e 5 em 1829. Sobre o total de navios negreiros entrados em Pernambuco, veja-se: Transatlantic Slave Trade Database: Voyages. www.slavevoyages.org A amostra aqui estudada, portanto, representa aproximadamente um terço dos cativos entrados na província naquele período. Somando os registros desse livro com dados obtidos em outras fontes coevas sobre o tráfico pode-se observar uma parte do cotidiano do comércio atlântico de gente escravizada antes de 1831.

I - A questão da quarentena

Jaime Rodrigues informa que a Provedoria-Mor de Saúde foi criada na Corte por Dom João em 28 de julho de 1809, respondendo ao temor provocado por algumas epidemias que muitos pensavam vir nos navios negreiros. Era quase consensual que o exame prévio dos cativos antes do desembarque, e uma quarentena eficiente, poderiam prevenir muitos desses males. Só que a quarentena não vingou. Nem sequer na corte, onde residia Dom João. Os negociantes atlânticos conseguiram burlar as recomendações nesse sentido.7 7 RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 284. Em Pernambuco, a quarentena também não vingou, diante do poder dos grandes comerciantes que queriam jogar os cativos no mercado assim que desembarcavam. O fracasso da quarentena para os navios negreiros é confirmado pelos viajantes Henry Koster, que escreveu sobre Pernambuco entre 1811 e 1814, e Tollenare, que esteve na província em 1817. Ambos contaram que os cativos, supostamente, deveriam ser desembarcados em Santo Amaro, onde ficava o Lazareto, no qual deveriam ser tratados os enfermos. Deveria ser lá a quarentena, segundo eles. Todavia, reconheceram, esta regra não era obedecida. Os cativos eram rapidamente transportados para a cidade. O fato de dois viajantes dizerem isso sugere que talvez essa regra, mesmo que ineficaz, era de domínio público.8 8 KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Recife: Secretaria de Educação, 1978, p. 395-396. TOLLENARE, Louis F., Notas Dominicais Tomadas durante uma Viagem em Portugal e no Brasil, em 1816, 1817 e 1818. Salvador: Progresso, 1956, p. 139.

A ausência de uma quarentena, todavia, não significa que não houvesse quem a desejasse, inclusive por razões de economia política e não apenas sanitárias. Em 1799 a junta de governo de Pernambuco dirigiu-se a Dom Rodrigo de Souza Coutinho, alegando que a impossibilidade de adotar uma quarentena de pelo menos 15 dias prejudicava os agricultores. Explicando isso, contaram que, alguns dias antes, os consignatários de três navios negreiros venderam os cativos a seus próprios caixeiros, "debaixo de nomes supostos". Depois dessa venda fictícia, levaram os africanos para o interior onde foram revendidos aos "pobres lavradores" por "dobrados e tresdobrados preços". Argumentava a junta que, caso fosse obedecida a quarentena, haveria tempo para os agricultores virem ao Recife comprar os cativos diretamente no porto, a preços bem mais em conta e sem incorrerem no risco de adquirir gente doente. Se houvesse mortes durante a quarentena, o prejuízo seria dos negociantes e não dos agricultores, já muito endividados.9 9 Laboratório de Pesquisa e Ensino de História da UFPE (LAPEH): Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate) - ACL-CU-015, caixa 212, D. 14405. Ofício da Junta Governativa da Capitania de Pernambuco ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, 25/11/1799.

Em 1800 foi a vez do bispo de Pernambuco, Azeredo Coutinho, reiterar a reclamação. Autor de um conhecido estudo em defesa do comércio de gente da África para o Brasil, o bispo chegou a comparar os negociantes de Pernambuco com os do Rio de Janeiro afirmando que os cariocas, "muitas vezes mais ricos" que os do Recife, aceitaram bem a determinação de só desembarcar e vender escravos no arrabalde de Nossa Senhora da Saúde.10 10 LAPEH: Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate) - ACL-CU-015, caixa 216, D. 14657. Ofício do bispo de Pernambuco 06/06/1800. Possivelmente, o bispo recebeu informações apressadas acerca da quarentena no Rio que, como em Pernambuco, também não era seguida e causava intensos embates entre negociantes e autoridades.

As queixas dos agentes do governo, no entanto, não surtiram efeito. Pelo Aviso nº 21, de 17 de março de 1800, eles receberam a notícia de que o príncipe havia dispensado a quarentena de escravos recém-chegados a Pernambuco.11 11 Sobre os atritos entre os negociantes e a Provedoria da Corte ver RODRIGUES, JAIME. Op. Cit, p. 286-292. Sobre o aviso do Príncipe ver: LAPEH: Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate) - ACL-CU-015, caixa 216, D. 14.661. Ofício da Junta Governativa da Capitania de Pernambuco ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, 09/06/1800. Era a vitória dos negreiros. Mas a história não acabaria por aí. Em 1801 a Junta voltaria a escrever, anexando um abaixo-assinado dos próprios lavradores pedindo a volta da quarentena, para que pudessem comprar os escravos "em primeira mão". À reclamação, os membros do governo adicionariam o argumento em favor da saúde pública. Segundo eles, "por falta da quarentena" estava ocorrendo o "contágio" de doenças como bexigas e "mal de Luanda" (escorbuto) e que 180 pessoas já tinham morrido no povoado em decorrência delas.12 12 LAPEH: Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate) - ACL-CU-015, caixa 223, D. 15.104. Ofício da Junta Governativa da Capitania de Pernambuco ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, 21/01/1801.

Apesar do ofício representar mais um capítulo da disputa entre os "pobres lavradores" e os negociantes de escravos, a declaração da Junta acontecia em um contexto oportuno. Aos poucos ia se consolidando a ideia de contágio, à medida em que se avançavam os estudos médicos, apoiados na própria experiência de cidades submetidas ao comércio atlântico de gente, sempre à mercê das doenças transmitidas e agravadas no bolor dos porões dos navios negreiros. Mas não vamos reduzir tudo ao tráfico. Navios vindos de uma Europa amiúde atacada por epidemias variadas, também aterrorizavam as cidades vinculadas ao mundo atlântico. Mesmo no XIX ainda se acreditava que a grande epidemia de 1666, que ceifou a capitania como nunca antes nem depois, teria vindo da Europa.13 13 "Representação da Sociedade de Medicina ao Presidente da Província, 11/05/1842. In: Annaes da Medicina Pernambucana (Recife, 1842-1844). Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977, p. 127. Sobre a grande epidemia de 1666, veja-se: CABRAL DE MELLO, Evaldo. A Fronda dos Mazombos: Nobres contra Mascates, Pernambuco, 1666-1716. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 38. OSÓRIO DE ANDRADE, Gilberto (Org.). Morão, Rosa & Pimenta: notícia dos três primeiros livros em vernáculo sobre a medicina no Brasil. Recife: Arquivo Público, 1956, passim. Muitos dos médicos coevos, corretamente inclusive, contestavam a origem africana de várias doenças, o que justificava algumas medidas sanitárias das autoridades. Uma delas, em 1832, foi colocar em quarentena um brigue mercante inglês e não um navio negreiro que acabara de chegar na cidade. A medida deixou o cônsul inglês indignado. Em carta ao presidente da província, Mr. Cowper queixou-se da liberação imediata do negreiro, enquanto o Peruvian permanecia em rigorosa quarentena. O que o agente consular não entendia, ou não queria aceitar, é que, para os agentes da saúde, o Peruvian, que zarpou de um porto atacado por um surto de cólera, era considerado uma ameaça muito maior do que a escuna Despique, mesmo tendo esta chegado ao Recife com barris cheios de grilhões e correntes depois de desembarcar ilegalmente cativos na praia de Pau Amarelo.14 14 Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (HDBN), DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 26 de janeiro de 1832, 01/02/1832. Mr. Cowper ao Presidente da Província, 14/01/1832, in APEJE, Diversos Cônsules, vol. 2 p. 217.

Não eram apenas os negreiros, portanto, que podiam cair na malha da Provedoria. Em 1817, Tollenare contou que o navio que o trouxe ao Recife foi visitado pelos agentes da saúde assim que entrou no porto, guiado por um prático local, que foi até o navio numa chalupa manejada por oito negros vestidos apenas com tangas sumárias.15 15 TOLLENARE, L.F. Op. Cit., p. 22-23. Isso não aconteceu no navio em que veio Henry Koster, que atravessou a barra guiado por um prático que também chegou ao navio em um barco remado por negros quase nus. O inglês, todavia, desceu direto na cidade, sem maiores delongas.16 16 KOSTER, Henry, Op. Cit., p. 28. De fato, uma visita mais rigorosa a navios da marinha mercante só se justificava se houvesse suspeita de doenças consideradas contagiosas. É importante perceber, todavia, que visitar um navio mercante, como o de Tollenare, ou o Peruvian que ficou detido em 1832, para averiguar se havia gente com "bexigas", "oftalmia", disenterias, escorbuto e outras enfermidades consideradas contagiosas, era muito diferente de examinar um navio com centenas de pessoas famélicas e desidratadas que subiam de um porão infecto. Sabemos que feridas devido a castigos, ao atrito com a madeira do navio ou grilhões e dermatites as mais variadas eram relevadas, pois assumia-se que os donos eram capazes de tratar as chagas de seus cativos. O que realmente interessava aos agentes da saúde era a possibilidade de contágio. Isso nos termos da medicina da época que, por exemplo, considerava que o escorbuto - o "mal de Luanda" - podia ser contagiante, o que justificava internar no lazareto os cativos atacados por aquele problema grave e mortal. Por outro lado, a medicina do XIX já era suficientemente avançada para distinguir as "bexigas", um nome genérico que poderia significar muita coisa, inclusive varíola, do "sarampo", bem menos ameaçador, mesmo que contagiante.17 17 O médico pernambucano S.A. Mavignier distinguia claramente a variole da petit variole em sua tese publicada em Paris em 1829, na qual discutia as doenças encontradas em Pernambuco. Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro): MAVIGNIER, Simplício Antonio. Du Climat de Pernambuco. Paris: Didot le Jeune, 1829, p. 48. Sobre o "Mal de Luanda", como "infecção do sangue", segundo a medicina da época, veja-se ainda o "Tratado XII: do escorbuto ou mal de Luanda", in GOMES FERREIRA, Luís. Erário Mineral (Org.: FURTADO, Júnia Ferreira). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002, vol. 2, p. 689-700.

É importante, portanto, evitar uma visão anacrônica do contágio. Antes da revolução microbiótica encabeçada por Pasteur, havia muitas dúvidas e debates acadêmicos sobre as formas de propagação das doenças, afinal de contas, muitos pensavam (corretamente inclusive) que nem todas as enfermidades podiam ser explicadas pelo contato físico entre as pessoas, muito menos pela presença de eflúvios pestilenciais que, quando presentes, podiam inclusive dissipar-se se o local de desembarque fosse bem arejado. Os defensores mais radicais do contágio como o principal agente causador de doenças eram inclusive chamados por seus opositores de "contagionistas". Mesmo assim, levava-se muito a sério a teoria miasmática. Não é à toa que as revistas médicas traziam rigorosos estudos barométricos e eólicos das localidades. Apesar desse debate, que chegou a Pernambuco, havia algum consenso sobre a exposição que as cidades portuárias sofriam. Sabia-se também, pela própria experiência, que muitas doenças eram realmente transmissíveis de uma pessoa para outra. Isso era reconhecido mesmo pelos mais radicais defensores da teoria dos humores, que na época havia se renovado com o avanço da Química, que estudava os elementos e substâncias que, no entender da época, compunham os diversos humores corporais, permitindo um enorme avanço na fabricação de medicamentos.18 18 Existe uma extensa literatura sobre o assunto, mas o que interessa aqui é observar que um grupo de médicos bastante experientes de Pernambuco, ao fundarem a Sociedade de Medicina em 1842, estavam sintonizados com esse debate. Eram todos educados na Europa inclusive. Annaes da Medicina Pernambucana, passim. O bom médico era aquele que sabia balancear bem essas duas principais tendências coevas. A preservação da saúde pública, portanto, exigia algum zelo para evitar o contato físico entre doentes e pessoas saudáveis.

Os senhores de engenho não eram totalmente alheios a essas questões. Como diria o cônsul inglês em Pernambuco, alguns anos depois, às vezes os proprietários rurais incorriam em débito para comprar mais gente e terminavam pior do que antes, pois os cativos recém adquiridos traziam enfermidades que atingiam duramente os ladinos. O resultado era que os senhores pouco cuidadosos terminavam com menos trabalhadores do que tinham antes da aquisição de gente recém-chegada da África.19 19 Mr. Cowper to the Earl of Aberdeen, 01/01/1844. In: British Parliamentary Papers, Slave trade. Correspondence with Foreign Powers relative to the Slave trade [class B and C], n. 28, vol L, Feb. 04, Aug. 09, 1845, fls. 407. Situações como essas justificavam a tensão entre os negociantes atlânticos de escravizados e as autoridades e agentes da saúde realmente preocupadas com o contágio. No período coberto pelo livro da Provedoria já era bem sedimentada a ideia de que a África era o túmulo do homem branco e mesmo para aqueles que não acreditavam nisso, eram sentidos os miasmas pestilenciais que emanavam dos navios negreiros, cujo cheiro de morte e podridão, lembra Emma Christopher, chegava antes do navio ser visto.20 20 CHRISTOPHER, Emma. Slave Ship, Sailors, and their Captive Cargoes, 1730-1807. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p. 29.

Essa tensão continuou depois da Independência. No dia 9 de março de 1822, a Câmara Municipal do Recife oficiou à Junta de Governo da Província queixando-se dos abusos dos negociantes que começavam a vender os cativos assim que desembarcavam. Pedia que fossem recolhidos ao Lazareto em Santo Amaro. Atendendo a essa demanda, um bando datado de 18 de março do mesmo ano proibiu a exposição dos cativos "nus ou quase nus à venda nas portas dos seus recebedores e no centro desta capital". É interessante destacar o uso de um bando, um documento lido em público ao som de tarol. O texto a ser lido dizia que essa prática "perniciosa" permitia uma "fácil comunicação das doenças contagiosas". Exigia ainda o bando, que todos os "negros novos" fossem desembarcados em Santo Amaro, que doravante seria o "lugar único para o mercado público dos mesmos". Cabia aos negociantes "prevenir-se de armazéns e outras acomodações que melhor lhes parecer". As exigências não paravam aí, pois, os "negros que se acharem infeccionados de doenças contagiosas" deveriam ser internados no armazém que pertencia ao Hospital dos Lázaros. O descumprimento da regra resultava em multa. Na primeira infração, 6 mil-réis por cabeça, na segunda 20 mil-réis e na terceira, além de pagar 50 mil-réis, o infrator seria preso. A arrecadação da multa seria revertida para o hospital.21 21 PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 6, p. 541 e vol. 7, p. 374-375. APEJE, Registro de Provisões vol. 9/01, "Bando sobre a proibição dos negros pelas ruas", 18/03/1822.

Não sabemos até onde essas medidas foram eficazes, mas o Livro da Provedoria deixa claro que pelo menos nos casos registrados, os agentes da saúde acompanhavam os desembarques, contando inclusive os cativos para confirmar se o número informado pelo mestre ou capitão conferia. Feito isso, tal como exigia o bando, os enfermos eram recolhidos e enviados para um armazém no Lazareto para serem tratados. Para ser mais exato, 2.912 de um total de 47.110 cativos registrados no livro, ficaram sob os cuidados dos agentes da Provedoria antes de serem devolvidos a seus donos e/ou representantes. Isso significa que 6,18 por cento dos cativos vivos desembarcados estavam reconhecidamente enfermos, mesmo para os padrões pouco rigorosos da medicina do tráfico, que liberava para a venda imediata multidões com feridas e/ou doenças que não eram consideradas contagiosas na época.

II - A Provedoria e seus trabalhos

Pelo que se vê no Livro da Provedoria, aparentemente havia procedimentos a serem seguidos. Após a ancoragem em algum dos pontos do porto (Mosqueiro, Lamarão ou Poço), o navio era taxado pela alfândega e os cativos, regra geral, eram desembarcados para serem submetidos à visita da saúde. Na vistoria, eram examinados por um médico e um cirurgião, os peritos Felipe Neri Rodrigo de Carvalho e Manoel Pereira Teixeira. Os que aparentavam doenças contagiantes, eram detidos para tratamento no Lazareto sob a custódia dos guardas de saúde, que assinavam o ato da visita. Os que aparentavam não ter nenhum mal considerado contagioso eram imediatamente entregues a seus proprietários, consignatários, ou representantes destes. Após o tratamento, os guardas deveriam dar conta dos cativos, avisando ou entregando aos donos.

A imensa maioria dos exames acontecia na praia do Pilar, no istmo que liga o bairro portuário do Recife a Olinda. Eventualmente, ocorreram vistorias nos navios ou no próprio Lazareto de Santo Amaro.22 22 Pelo menos uma vez, a carga humana de um navio foi examinada em um armazém particular. Foi o caso do brigue Santo André Deligente, pertencente a Francisco José de Araújo. Era, todavia, um barco que havia sido apresado pelo brigue imperial Bahia. O navio chegou ao Recife no dia 20 de dezembro de 1823 com 107 cativos enviados de Angola. Talvez o apresamento, cujas circunstâncias desconhecemos, explique a excepcionalidade do caso. APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 126 verso e 127. Quando o exame era em Santo Amaro, os escravos eram levados de barcos do istmo até lá, onde apenas os achacados com doenças consideradas contagiosas permaneciam "impedidos" em tratamento. Esse certamente era o procedimento mais adequado para os agentes. Todavia, era inconveniente para os negociantes que tinham que desembarcar centenas de pessoas, andar do ponto de desembarque até o outro lado do istmo e dali seguir de barco até Santo Amaro. Feito o exame, poderiam retornar com os cativos para cidade ou dar o destino que bem entendessem. Claro que a vistoria na praia do Pilar era bem mais prática para os negociantes, pois o local era acessível a partir dos principais ancoradouros do bairro portuário e dali era só entrar na cidade a pé mesmo. Ao mesmo tempo, para os agentes da saúde, a vistoria na praia devia ser melhor do que visitar um navio com centenas de pessoas apinhadas nos porões. A praia do Pilar ficava fora das fortificações da época da guerra contra os holandeses, ou seja, ficava em "Fora de Portas" do Recife.23 23 Segundo Pereira da Costa, ali havia uma antiga polé, onde muita gente deve ter sido castigada desde o período colonial. PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 2, p. 154-155.

Andando da praia do Pilar pelo istmo na direção norte, chegava-se ao forte do Brum e, logo depois, à Cruz do Patrão, que guiava os navios que entravam no porto.24 24 A entrada segura do porto podia ser feita mirando a cruz do patrão na cruz da capela de Santo Amaro. PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 7, p. 360-361. Prosseguindo na mesma direção, passava-se por um trecho mais longo de praia até alcançar o forte do Buraco. Mais praia, depois Olinda. Na medida da época, era uma légua de distância de uma ponta a outra do istmo. Andando da praia do Pilar, na direção sul, passava-se pela capela de Nossa Senhora do Pilar (c. 1680) e entrava-se no bairro portuário, o bairro do Recife propriamente dito, pela rua do Pilar que praticamente emendava com a atual rua do Bom Jesus, eternizada como local de venda de gente em duas gravuras famosas, encontráveis online em diferentes acervos. A primeira delas, pintada pelo soldado da Companhia das Índias Ocidentais Zacharias Wagener, um aquarelista de talento limitado, mas excelente esquadrinhador da vida social do Recife durante a ocupação holandesa (1630-1654). A segunda de Augustus Earle, que serviu para ilustrar o diário de viagem de Maria Graham, a camareira de Dom João que passou pelo Recife em 1820 e assistiu in loco a independência brasileira. É interessante observar que as duas gravuras têm perspectivas opostas. Zacharias olha da porta em direção ao centro da cidade. Earle mira exatamente o arco da porta norte do Recife: "o portão do Conde Maurício". Além desse arco estava a praia do Pilar.25 25 GRAHAM Maria. Diário de uma Viagem ao Brasil (e de uma estada nesse país durante parte dos anos de 1821, 1822 e 1823). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956, p. 114. Em comum nas duas imagens, a venda de gente no meio da rua do Bom Jesus, a rua do Judeus no período nassoviano, rua da Cruz no século XIX e novamente rua do Bom Jesus na contemporaneidade. Uma terceira gravura da rua, olhando para a "porta norte do Recife" - ou seja a mesma perspectiva de Earle - foi feita pela própria Maria Graham em sépia. Essa imagem é menos conhecida provavelmente porque não apresenta gente exposta à venda, como as outras duas.26 26 GRAHAM, Maria. Op. Cit., p. 139. Como vimos, a rua retratada nas três imagens emendava com a rua (e praia) do Pilar.

Na praia do Pilar, além da porta desenhada por Earle e Graham, a Provedoria tinha um "armazém" para encarcerar os cativos a serem examinados.27 27 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 91 e 121. Não sabemos onde ficava exatamente o tal armazém, mas dali era fácil alcançar o Lazareto do outro lado do rio, por qualquer barco de baixo calado ou canoa, a remo de pau ou à vela. Os cativos "desimpedidos" prosseguiam em direção aos locais de venda como devia ser o "armazém" de Alexandre José de Araújo situado "na rua da Cadeia, fundo pra rua da Senzala Velha", onde estavam os 58 cativos vistoriados pela Provedoria no dia 20 de dezembro de 1823.28 28 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 126 verso. A rua da Senzala Velha e a rua da Senzala Nova eram paralelas à rua do Bom Jesus (rua da Cruz no XIX), retratada por Wagener, Earle e Graham. Essas ruas já tinham esses nomes na época da ocupação holandesa (1630-1654). Seus nomes são testemunhas do intenso vinculo do bairro portuário com o comércio de gente africana.29 29 Arquivo Público Estadual, M9/G3 n. 1623. Eliziário Antonio dos Santos e José Mamede Alves Ferreira, "Planta do bairro do Recife e do porto de Pernambuco", Recife 13 de junho de 1854. GONSALVES DE MELLO, José Antonio. Gente da Nação. Recife: Editora Massangana, 1989, p. 274. PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 6, p. 49. Ibid., vol. 2, p. 163. MOTA MENEZES, José Luiz. Atlas Histórico Cartográfico do Recife. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife/Fundaj, 1988, passim.

Não devia ser muito longe dali também, o lugar onde se descartavam os corpos das pessoas encontradas mortas nos porões dos navios negreiros ancorados no Recife, ou daqueles que faleciam pouco tempo depois do desembarque, antes que pudessem construir laços que lhes garantissem rituais fúnebres adequados.30 30 Sobre os rituais fúnebres dos africanos no Brasil, veja-se: REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. É daí talvez, a origem da lenda urbana de que era comum enterrar-se cativos junto à Cruz do Patrão. Essa lenda urbana é confirmada pelo médico pernambucano Simplício Mavignier na sua tese sobre o clima de Pernambuco, publicada em 1829 em Paris. Segundo ele, os cativos "não batizados" eram enterrados no entorno da Cruz do Patrão.31 31 MAVIGNIER, Le Climat, p. 49. São antigos os rumores de que havia cativos enterrados na atual Cruz do Patrão. Buscando verificar se isso procede, a arqueóloga Ana Catarina Torres Ramos escavou o local mas não encontrou evidências de um cemitério. Em seu estudo, todavia, ela sugere que, talvez, originalmente a Cruz do Patrão do Recife fosse mais ao norte, praticamente no meio do istmo. Além disso, observa Torres Ramos, no período colonial havia uma outra cruz, indicada na iconografia do século XVII, mais ao sul, entre o bairro do Recife e o forte do Brum, fora das fortificações de defesa da cidade, ou seja em Fora de Portas. Num mapa holandês havia a inscrição karkoff naquele lugar, cemitério, segundo Torres Ramos.32 32 TORRES RAMOS, Ana Catarina. "Além dos mortos da Cruz do Patrão simbolismo e tradição no uso do espaço no Recife". In: 26a REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 2008, https://www.ufpe.br/clioarq/images/documentos/V23N2-2008/artigo3.pdf

Essa segunda cruz estava mais perto da igreja e praia do Pilar do que a atual Cruz do Patrão. Talvez, portanto, com o passar dos anos tenham se misturado as estórias sobre o antigo cemitério de gente europeia e a grande quantidade de corpos de gente africana que foi sendo descartada pelo istmo através dos tempos. Na realidade, eram poucos os cuidados dados aos africanos que chegavam mortos ou que faleciam logo depois do desembarque. Isso foi confirmado por Maria Graham que contou que, um dia andando pelo istmo, no meio do areal, viu um cão arrastando na boca o braço de uma pessoa mal enterrada.33 33 GRAHAM. Diário de uma Viagem, p. 140. Vinte anos depois, foi o engenheiro francês Vauthier quem viu o corpo de um negro boiando na praia, sem que ninguém desse a menor importância.34 34 VAUTHIER Louis L., Diário íntimo de Louis Léger Vauthier. In: FREYRE, Gilberto (Org.), Um engenheiro francês no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970, vol. 2, p. 569. Mais contundente foi o que testemunhou um sujeito que atravessou o istmo de Olinda até o bairro do Recife, em junho de 1841. À medida que andava, foi encontrando um, dois, três corpos abandonados pelo trajeto. Todos à mercê dos corvos. Um deles, provavelmente uma criança ("cadáver pequeno"). Perguntando as pessoas que encontrou sobre aquilo, foi-lhe respondido que era mais um resultado do tráfico de escravos. Eram africanos que haviam falecidos de diferentes moléstias. Essa notícia foi anexada pelo cônsul inglês em sua correspondência. Segundo ele, era normal as pessoas envolvidas no tráfico se desfazerem dos corpos dos africanos mortos, jogando-os nos mangues da cidade.35 35 DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 16 de junho de 1841. In: National Archives (Londres). Foreign Office vol. 84/36, Slave Trade, Brazil Consular, Mr. Goring to Lord Palmerston 26/07/1841, fls. 128-129.

Não devia ser muito diferente do outro lado do rio Beberibe, no Lazareto. Muita gente deve ter sido jogada para apodrecer ou foi sumariamente enterrada naquelas imediações nos mangues e descampados circundantes. Essa prática, provavelmente muito antiga no Recife, deve ter ajudado a compor o quadro de razões que levou o governo provincial a erigir o primeiro cemitério público ali perto, afinal de contas, já fazia muito tempo que os manguezais de Santo Amaro eram lugar de desova de cadáveres. Já não cabia mais ninguém nas igrejas, quando, em 1851, foi inaugurado o Cemitério de Santo Amaro. Andando a pé em linha meio reta do Lazareto (no atual Hospital do Câncer do Recife) até lá, dava menos de um quilômetro. No cemitério está enterrada grande parte da "nobreza da terra", inclusive negociantes de escravos. Não estão longe, portanto, dos muitos africanos que trouxeram para o Brasil. Na morte, os homens se igualam.

De 1813 a 1829, a Provedoria era presidida pelo guarda-mor e juiz delegado da saúde pública, João Antonio de Oliveira. Sobre ele não temos maiores informações além da coincidência de ter o mesmo sobrenome de dois negociantes de gente da época, José Antonio de Oliveira e Francisco Antonio de Oliveira. A equipe de Oliveira incluía peritos e pelo menos mais cinco guardas citados nominalmente. Além deles, o Lazareto dos Escravos devia ter outros funcionários para tratar dos ferimentos, preparar unguentos e vigiar os internos. Em 1823, por exemplo, Maria Therta (?) Angélica de Carvalho era "encarregada do curativo de alguns escravos impedidos".36 36 APEJE, "Livro d'Entradas", fls 125 verso. Como a documentação menciona a existência de um "intérprete", Joaquim Boris, entre os trabalhadores que circulavam pelo lazareto, podemos supor que havia também especialistas para auxiliar a comunicação entre os cativos e os agentes de saúde.37 37 APEJE, "Livro d'Entradas", fls 83; Sobre Boris também como guarda da saúde ver: Ibid., fls. 65 verso. Eram com essas pessoas que os doentes interagiam quando desembarcavam no Recife.

Na década de 1820, houve algumas mudanças na rotina de trabalho dos agentes da saúde devido a questões institucionais na Provedoria. Segundo Jaime Rodrigues, após a independência, a atenção do Imperador, em relação ao órgão na Corte e às medidas de controle da saúde, diminuíram em benefício dos negociantes de escravos. A falta de interesse do governo teria resultado na decadência das Provedorias. Em 1821, o guarda-mor do Rio, que coordenava as Provedorias em todo o país, solicitou recursos para reformar o Lazareto de Pernambuco que, segundo ele, estava "em ruínas".38 38 RODRIGUES, Jaime. Op. Cit, p. 291. A petição parece ter sido atendida, mesmo que tardiamente, pois, de 1824 a 1825, o Lazareto passou por reformas. Não sabemos, todavia, se elas foram ineficientes, ou se os critérios do órgão estavam mais frouxos, pois, a partir daí, tornou-se bem comum deixar os enfermos recém-chegados em tratamento nos próprios navios negreiros.

É difícil imaginar todas as consequências dessa transferência, mas podemos supor que possibilitou um maior controle dos negociantes sobre o tratamento. Agora, a recuperação dos cativos era acompanhada não só pelos guardas da saúde, mas também por gente da confiança ou mesmo contratada pelos negociantes de escravos. Sabemos que os navios negreiros possuíam boticas, por vezes até enfermarias para tratamento da tripulação e dos cativos curáveis, pois os incuráveis eram jogados ao mar durante a travessia. Uma vez no Recife, todavia, é natural que o tratamento fosse melhor, afinal de contas, em terra havia água potável facilmente acessível, alimentos frescos, considerados essenciais para evitar o escorbuto e mais medicamentos disponíveis. Quanto mais sobreviventes, maiores os lucros. Pelo livro da Provedoria, sabemos que as escunas Regeneradora, Velha de Dio e Dona Ana e os brigues Bonfim, São José Grande e Quatro de Agosto possuíam enfermarias consideradas capazes de receber gente para se tratar, inclusive cativos de outros navios negreiros.39 39 APEJE, "Livro d'Entradas", fls 131, 132, 134, 145 verso, 190 e 191.

O primeiro barco a receber cativos enfermos para se tratar na sua enfermaria foi a escuna Regeneradora, que chegou de Angola no dia 22 de fevereiro de 1824, com 219 africanos a bordo. Um deles agonizava, pois morreu antes de desembarcar. Depois do exame, feito pelo "médico Felipe Néri Rodrigo de Carvalho e pelo cirurgião aprovado Luis Jose Saraiva", 209 pessoas foram entregues ao mestre do navio para dar o destino desejado por seus donos. Os outros nove cativos, todavia, foram mandados de volta ao brigue, onde ficaram recolhidos na enfermaria sob a custódia dos guardas da saúde Antônio Joaquim dos Santos e José Vicente Viana. Ressaltava o termo, que essa medida era provisória, até a ultimação da "reedificação" do Lazareto. 40 40 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 131.

A 16 de março do mesmo ano, 1824, os enfermos trazidos na escuna Velha de Dio, vinda de Angola, também ficaram recolhidos no próprio navio. O médico e o cirurgião foram os mesmos que examinaram os cativos da Regeneradora. Os cativos que não eram portadores de males considerados contagiosos foram entregues ao mestre do navio. Os 26 doentes foram recolhidos à enfermaria da escuna. Ficaram aos cuidados dos guardas da saúde João Caetano da Silva e Antônio Joaquim dos Santos. Não eram, portanto, os mesmos guardas que ficaram na Regeneradora. Dos impedidos, 16 recuperaram-se e foram entregues ao piloto Manuel Pedro Soares, mas 10 não suportaram e faleceram.41 41 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 132.

Aparentemente, a tal "reedificação do lazareto" havia se concluído, quando a Felicidade aportou na cidade no dia 30 de abril de 1824, pois 10 cativos diagnosticados com disenteria e escorbuto foram levados para lá. Sete dessas pessoas vieram a falecer. Os outros 242 sobreviventes foram entregues ao mestre do navio.42 42 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 133. Não sabemos o peso das omissões de registro nos meses seguintes, mas é relevante ressaltar que, no final do ano, o lazareto voltou a se mostrar inadequado para o internamento, pois, quando o brigue Bomfim chegou de Angola em 2 de setembro de 1824 com 449 cativos vivos, os 39 doentes com "bexigas e escorbuto" foram recolhidos à enfermaria da embarcação aos cuidados dos guardas da saúde João Caetano da Silva e Jose Vicente Viana.43 43 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 134. Em dezembro, os dois doentes com escorbuto que estavam entre os 154 cativos trazidos pelo cutter Minerva da Conceição ficaram no próprio barco sob a supervisão do seu mestre.44 44 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 136. Em março de 1825, 26 doentes que vieram no brigue Primoroso Divino também foram internados na enfermaria do próprio barco. Novamente o termo de entrada indica que a medida era até a "ultimação da reedificação" do Lazareto.45 45 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 139 verso.

Diante das lacunas da documentação consultada neste trabalho, é difícil estabelecer quando se deu realmente a tal "ultimação da reedificação" do Lazareto, se é que ela de fato ocorreu. O que sabemos é que nos anos seguintes, diversos navios receberam os cativos recém-chegados doentes em suas próprias enfermarias. Foi assim com os navios negreiros Bonfim, Minerva da Conceição, Velha de Dio, Feiticeira, Dona Anna e Conceição Thalegrafo em 1825.46 46 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 141, 142 verso, 144, 145, 145 verso e 148. No ano de 1826, receberam gente cativa para se tratar nas suas enfermarias os navios negreiros Atrevido Brasileiro, Imperador do Brasil.47 47 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 153 e 166. Em 1827, novamente temos o Imperador do Brasil e a sumaca Desengano.48 48 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 174 verso e 175. Em 1829, foi o caso dos brigues Donna Anna e Quatro de Agosto.49 49 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 188 verso e 191.

O internamento nos próprios navios pode ter contribuído para aproximar os guardas e peritos da saúde com os comerciantes de gente do Recife. Se médicos e cirurgiões eram os responsáveis pelos diagnósticos, declarando quando os cativos estavam curados, os guardas, por sua vez, acompanhavam o tratamento, testemunhavam as mortes e enterros e devolviam os sobreviventes. Cada um com suas funções, esses funcionários podiam influir no ritmo de uma parte das transações do comércio de gente escravizada. Não podemos dizer, portanto, que os agentes de saúde estavam totalmente à mercê dos negociantes. Deviam, portanto, lucrar alguma coisa com isso. Essa proximidade ajuda também a entender os sub-registros no livro e as lacunas da documentação, que, por exemplo, indica as doenças dos cativos em apenas 85 registros e raramente especifica o número de pessoas acometias por cada uma delas.50 50 Os registros indicam a presença de bexigas em 54 registros, disenteria em 43, oftalmias em 41, escorbuto em 12, sarampo em 9 e maculo em 4. Também ajuda a explicar os pequenos erros de registro, como quando sete escravos do Príncipe Real foram confundidos e contados como sendo do Brigue General Silveira.51 51 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 164. Não é exagero supor que essas omissões, uma certa incompetência até, tenham sido propositais.

Mesmo assumindo essa proximidade com os negociantes, deve-se ter em conta que os funcionários da Provedoria tinham suas próprias demandas. Pouco sabemos sobre eles nos anos anteriores a 1831. Todavia, em 1835, um dos guardas da saúde, Germano Antonio Alves, encabeçaria uma petição reivindicando um aumento prometido e não concedido. Germano aparece pela primeira vez no livro da Provedoria em 1825, quando foi designado junto com outro guarda da saúde, João Caetano da Silva, para supervisionar os oito africanos com escorbuto que foram se tratar na enfermaria do brigue Bonfim.52 52 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 141. Em 1835, portanto, era um empregado com no mínimo dez anos de serviço na repartição. Na petição, Germano alegava que a Provedoria não apenas era importante para a província, mas também nada "improdutiva de rendas".53 53 PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 6, p. 541. E mais, dizia a petição, enquanto os funcionários da saúde no Rio de Janeiro ganhavam proporcionalmente às horas marcadas para as visitas da saúde e tinham tempo para repouso, os do Recife não tinham descanso, porque precisavam visitar tanto os navios que ancoravam no Mosqueiro, quanto no Lamarão. Por fim, destacava o requerimento, que nenhuma outra repartição concorria mais para a grandeza da nação do que "um estabelecimento preservador da saúde de um povo dos contágios e pestes".54 54 Arquivo da Assembleia Legislativa de Pernambuco (AALEPE), Petições, Caixa P-115. 6 de abril de 1835.

Não sabemos se os guardas foram bem sucedidos nessa demanda.55 55 Em 1829, Germano Antônio Alves anunciou a venda de um escravo seu, que, aos 25 anos, era um "mestre no ofício de padeiro" com sete anos de experiência. Com essa qualificação era certamente um trabalhador rentável. Talvez, quem sabe, Germano já estivesse em dificuldades financeiras nessa época. HDBN, DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 2 de novembro de 1829, nº 235. Mas Germano e os demais peticionários tinha razão quando disseram que a Provedoria não era "improdutiva de rendas". No Rio de Janeiro, segundo Jaime Rodrigues, os negociantes reagiam muito contra o pagamento da taxa de 18 mil-réis pela visita da Provedoria da Saúde, alegando que já estavam muito onerados por outros tantos tributos desde o momento em que o navio deixava o Brasil em direção à África.56 56 RODRIGUES, Jaime. Op. Cit., p. 287. Em Pernambuco, disse Pereira da Costa, o "Lazareto dos escravos" cobrava 12 mil-réis pelas visitas dos seus agentes. O valor parece pequeno e como Pereira da Costa - como era comum entre diletantes cultos da época - nem sempre revelava sua fonte, nem detalhou essa informação, ficamos sem saber quanto custava o processo como um todo. 57 57 PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 6, p. 541; Não obstante, um outro livro da Provedoria dá uma ideia mais clara disso. Nele está indicado que a vigilância taxava os donos e/ou consignatários em 200 réis "por cabeça" pelos "escravos grandes" desembarcados e 100 réis pelos "pequenos".58 58 APEJE, Vigilância Sanitária do Porto do Recife, vol. 3, s/n, passim.

III - A devolução dos recuperados e as tramas do negócio

Apesar das dificuldades em exercer suas funções e do fracasso das propostas de quarentena, percebe-se que a Provedoria não foi inativa, apesar de todas as falhas do sistema. O internamento dos enfermos com doenças consideradas transmissíveis era algo que realmente podia acontecer. Esse cuidado mínimo correspondia a um certo conhecimento prático sobre a possibilidade de vir a ocorrer aquilo que disse o cônsul inglês citado acima, ou seja, os enfermos contagiarem os saudáveis, prejudicando o plantador, ou mesmo o próprio negociante que tinha pessoas à venda no Recife. Não é difícil, portanto, entender porque houve ocasiões em que os próprios negociantes de escravos pediram a interferência dos agentes da Provedoria para averiguar a incidências de doenças contagiosas.

A primeira solicitação desse tipo envolveu o brigue Vigilante Africano, que chegou ao Recife, em 21 de maio de 1822, com 428 cativos vivos a bordo. Entre eles, havia 7 pessoas acometidas de "bexigas" e disenteria. Pode-se dizer que eram poucos os doentes em relação à grande quantidade de gente emparedada no brigue. Apesar disso, o negociante Elias Coelho Sintra (ou Cintra), "requereu verbalmente" a "visita" dos agentes da Provedoria ao navio.59 59 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 101 verso. Veja-se ainda: Slavevoyages, ID n. 48.903. A requisição de Elias Coelho Cintra não pode ser relegada, pois, nessa época, provavelmente ainda era o maior negociante atlântico de escravos de Pernambuco. É o que dizem os dados não apenas do livro da Provedoria, mas também do Trans-Atlantic Slave Trade Database: Voyages, compulsado em estudo recente, que indica que, antes de 1831, Elias foi responsável pela vinda de pelo menos 10.312 cativos para Pernambuco.60 60 Apud ALBUQUERQUE, Débora de Souza Leão; VERSIANI, Flávio Rabelo e VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Financiamento e Organização do Tráfico de Escravos para Pernambuco no Século XIX. Economia, Brasília, v.14, n.1, p. 220, jan/abr 2013.

Elias merece algumas linhas. Antes de se estabelecer definitivamente na província, residiu em Angola. Quando eclodiu a Insurreição Pernambucana de 1817, ele ficou contra o movimento e refugiou-se na Bahia. A sua lealdade à coroa foi recompensada, pois, enquanto durou o movimento, o governador de Angola impediu a saída dos navios negreiros com despachos para Pernambuco, exceto os de Elias, cuja lealdade ficara comprovada.61 61 Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa: Angola, caixa 133, 04/07/1817, 23/06/1817, 30/07/1817, 12/08/1817, 18/08/1817, 23/09/1817, 18/11/1817. Veja-se também CAPELA, José. As burguesias portuguesas e a abolição do tráfico da escravatura, 1810-1842. Porto: Afrontamento, 1979, p. 94-95. Na documentação da devassa de 1817, consta uma "Relação dos negociantes, fabricantes, lavradores e outras pessoas pecuniosas residentes no Recife, e a quem se não faz pesada qualquer contribuição até as quantias indicadas à margem." Nela está escrito que Elias era um "europeu generoso", dono de uns 160 mil cruzados em prédios urbanos, engenhos, negócios, dinheiro. Segundo o documento, ele era capaz de doar, sem grandes sacrifícios, a soma de dois contos de réis.62 62 Documentos Históricos: Revolução de 1817. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1954, vol. CV, fls. 238, 246.

Negociante ousado, Elias teve um de seus navios, o brigue Gavião, apreendido pelos ingleses em 1821, quando se preparava para receber cativos do famoso Duke Ephraim de Calabar.63 63 Papers relating to the brig Gavião, Fernando Po, 16/04/1821, in British and Foreign State Papers, 1821-1822-1823. London, Printed by J. Harrison and Son, Orchard St. Westminster, 1829, fls. 237-239. Em 1822, ele subscreveu um abaixo-assinado pedindo a permanência do batalhão português no Recife, ameaçado de expulsão pela junta de governo, liderada por Gervásio Pires Ferreira, um remanescente de 1817, anistiado pela Revolução do Porto. Esse contexto jogou Elias na oposição ao governo local. Nos anos seguintes, durante o movimento de independência, ele manteve-se um pé de chumbo, tanto que Frei Caneca o acusou nominalmente de estar "à testa" dos portugueses, financiando o grupo que pretendia derrubar o governo federalista de Manoel de Carvalho Paes de Andrade, que assumiu em dezembro de 1823 e terminaria decretando a Confederação do Equador em julho de 1824.64 64 TYPHIS PERNAMBUCANO. Recife: 01 de abril de 1824. In: MELLO, Antônio Joaquim de (Ed.). Obras Políticas e Literárias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. (Recife, 1875); reedição: Recife, Assembléia Legislativa, 1972, tomo II, p. 515. Era considerável sua fortuna. Tornou-se senhor do engenho Pedreira, entre outros, e era dele a antiga campina dos Coelhos, atual bairro dos Coelhos no Recife.65 65 NUNES CAVALCANTI Jr. Manoel, "O egoísmo, a degradante vingança e o espírito de partido": a história do predomínio liberal ao movimento regressista (Pernambuco, 1834-1837). 2015. Tese (Doutorado em História, UFPE), p. 126. VASCONCELLOS GALVÃO, Sebastião, Op. Cit., Vol. 1, p. 192. Aparentemente, nunca deixou suas convicções ultramontanas, pois, em 1829, mesmo os liberais mais moderados que faziam o Diário de Pernambuco o acusavam de pertencer a Coluna do Trono e do Altar.66 66 (HDBN), DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 21 de novembro de 1829 e 26 de novembro de 1829. Nesse mesmo ano, uma notícia dizia que haviam furtado 3 "negros novos" do armazém dele. Todos traziam a letra E marcada no peito esquerdo.67 67 (HDBN), DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 23 de março de1829.

Elias também foi um competente formador de quadros para o tráfico, pois Gabriel Antonio começou sua bem sucedida carreira como mestre e caixa dos seus navios negreiros. Depois de 1831, esse antigo empregado de Elias Coelho Cintra tornou-se um dos maiores traficantes de escravos da província. Não é absurdo supor, portanto, que talvez Elias tivesse continuado nesse ramo de negócio, depois de 1831, através de Gabriel Antonio.68 68 Sobre Gabriel Antonio, veja-se: CARVALHO, Marcus. J. M. de. O galego atrevido e malcriado, a mulher honesta e o seu marido, ou política provincial, violência doméstica e a Justiça no Brasil escravista. In: SOHIET, Rachel; BICALHO Maria Fernanda; GOUVÊA Maria de Fátima (Orgs). Culturas Políticas: Ensaios de História Cultural, História Política e Ensino de História. Rio de Janeiro: FAPERJ/Ed. Mauad, 2005, p. 201-234. Diante de sua vasta fortuna, e interesses bem alicerçados no tráfico, o seu pedido de uma vistoria nos cativos trazidos no Vigilante Africano só pode ter sido sincero e, obviamente, interessado. Quem sabe, ele queria até dar uma pressinha no tratamento.

Também chama atenção o caso da escuna Dona Ana, em 1825, pertencente a Antônio José Vieira da Silva, que chegou ao Recife com 281 cativos, entre os quais 34 doentes de escorbuto e "oftalmia".69 69 APEJE, "Livro d'Entradas", fls.145 verso e 146 verso. Veja-se ainda: Trans-Atlantic Slave Trade Database Voyages in www.slavevoyages.org, ID n. 48.882. O registro tem uma correção no final, pois a contagem estava errada, o que confunde o leitor. Todavia, no momento da devolução fica claro que o exame foi requisitado por José Ramos de Oliveira. Este é outro personagem que merece ser identificado aqui, pois era filho de um grande negociante de escravizados atuantes em Pernambuco, José de Oliveira Ramos (escrito assim com o sobrenome do filho invertido), responsável pela vinda de pelo menos 5.186 cativos para Pernambuco antes de 1831.70 70 Apud ALBUQUERQUE; VERSIANI; VERGOLINO. Op. Cit., p. 220.

Tollenare tornou-se amigo do "Sr. Ramos" (o pai), como gostava de se referir ao negociante de gente. Elogiou muito as maneiras refinadas de sua família e conheceu o engenho Salgado, descrito com entusiasmo em seu livro de viagem. Os produtos do Salgado eram exportados pela barra do rio Ipojuca, no limite norte da praia de Porto de Galinhas.71 71 Existe um livro de Tombo do engenho Salgado no IAHGP, o qual ainda não foi devidamente estudado. Qualquer olhada rápida nele, todavia, permite observar que o Salgado era um empreendimento diversificado. Não produzia apenas açúcar, mas outros subprodutos da cana, além de couros, farinha, etc. Livro de Tombo do Engenho Salgado. IAHGP. Em 1823, o administrador do engenho escreveu para o Senhor Ramos informando que um surto de "bexigas cristalinas" havia atacado os cativos, por essa razão pediu ao patrão vacina e "escravos novos". IAHGP, Fundo Instituto Arqueológico (FIA), "Correspondência de José Joaquim Pereira para José de Oliveira Ramos" (1823), Cx. 7, doc. 0380. Tollenare disse que a barra podia receber navios de até 150 toneladas, talvez um exagero do viajante. Mas se era verdade, pelas regras do tráfico, que considerava adequado carregar cinco cativos por cada duas toneladas, um navio desse porte poderia levar até 375 pessoas na travessia atlântica. José de Oliveira Ramos, tal como Elias Coelho Cintra posicionou-se contra a Revolução de 1817, mas não conseguiu fugir a tempo e terminou preso pelos rebeldes. Só foi solto quando as tropas imperiais tomaram o Recife. Seu nome também consta da tal lista de negociantes e gente "pecuniosa" de Pernambuco, onde é descrito como um "europeu aferrado à riqueza e teimoso", com fortuna avaliada na "casa de milhão e pouco mais ou menos" em embarcações, gêneros de comércio, engenhos, escravaturas, e mais de 300 mil cruzados em moeda. A lista dizia ainda que Ramos era capaz de fazer facilmente doações de 4 contos de réis, o dobro do que supunham que Elias Coelho Cintra poderia dar. Dizia ainda que Ramos era solteiro, mas que havia reconhecido seu filhos naturais.72 72 Tollenare, L.F. Op. Cit., p. 218, 225, 228, 231, 271. Documentos Históricos: Revolução de 1817. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1954, vol. CV, fls. 238, 241.

José Ramos de Oliveira, o filho do "Senhor Ramos", provavelmente era um dos donos do Bonfim que trouxe 353 cativos para Pernambuco em 1822, pois segundo o registro n. 48.906 do Trans-Atlantic Slave Trade Database: Voyages (www.slavevoyages.org), o navio pertencia à firma "José de Oliveira Ramos e Ramos (filhos)". Ele certamente herdou boa parte da fortuna do pai, tanto que conseguiu casar com uma das filhas de Bento José da Costa, um abastado negociante que se envolveu no movimento de 1817.73 73 A mesma lista de gente pecuniosa dizia que Bento José da Costa possuía coisa como um milhão e meio "em embarcações, prédios urbanos e rústicos, inclusive engenhos, fazendas de gado, gêneros de comércio, etc" e era capaz de doar sem problemas 4 contos de réis. Bento também era sogro de Domingos José Martins, negociante falido, mas líder civil de 1817. Dizem que foi só por isso que se envolveu na Insurreição Pernambucana de 1817. O conhecido traficante de Lagos e Porto Novo, Domingos Martins, era filho natural do líder homônimo e teria assistido a execução do pai na Bahia. Como Bento José da Costa era um bem consolidado negociante atlântico de escravos, é razoável especular que talvez tenha facilitado o ingresso do desafortunado filho natural do seu genro naquele ramo de negócios. Sobre Domingos Martins, veja-se: VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 466-473, 481-483. COSTA E SILVA, Alberto da. Francisco Felix de Souza, Mercador de Escravos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, passim. Certamente formavam um dos casais mais ricos de Pernambuco.74 74 Não dispomos do seu inventário, mas o da esposa (feito 3 anos depois da morte do marido), que indica um patrimônio líquido de pelo menos 633 contos de réis. Só o engenho Salgado valia mais de 140 contos. IAHGP (Recife), Inventariada: Izabel Maria da Costa Ramos. Inventariante: Bento José da Costa Jr. Recife, 1849. José começou cedo a carreira política, mas não se dedicou integralmente a ela. Foi vereador e deputado à Assembleia Provincial. Na primeira eleição que disputou, em 1829, representando a facção conservadora, foi o vereador mais votado do Recife, com 1007 votos, secundado por um remanescente da Confederação do Equador, Antonio Joaquim de Mello, que estava preso por causa de pasquins incendiários contra Pedro I e mesmo assim obteve 768 votos.75 75 Arquivo Público Estadual (Recife): Câmara Municipal vol. 7, 26/05/1829. Seria cansativo elencar as inúmeras atribuições de José Ramos de Oliveira nos anos seguintes, mas vale a pena mencionar que foi sócio fundador e o primeiro presidente da Associação Comercial de Pernambuco que congregava os negociantes mais ricos da província.

Seu necrológio foi escrito por Borges da Fonseca, um liberal radical (!), que teceu rasgados elogios ao "primeiro capitalista" e "único banqueiro" da província. José Ramos de Oliveira, segundo Borges, faleceu porque resolveu fazer uma cirurgia com um médico inglês, o Dr. May, apesar de recomendações contrárias de outros médicos da cidade, que não gostaram desse fuxico e contestaram Borges, deixando a dúvida no ar.76 76 APEJE, O NAZARENO. Recife: nº 32 15 de julho de 1846. Outra amizade inusitada de José Ramos de Oliveira foi com o cônsul inglês em Pernambuco, o homem que deveria vigiar o tráfico de escravos. Segundo ele, o falecido negociante era seu "intimate friend" (amigo íntimo). Reconhecia o cônsul que o pai de José era um "slave merchant" (mercador de escravos), mas que o filho era um administrador de escravos ousado, tanto que considerava a forma de trabalhar dos seus 180 cativos brasileiros "an experience with free labor" (uma experiência de trabalho livre).77 77 National Archives (Londres). Foreign Office vol. 84/809, Slave Trade, Brazil, January to December 1850. Consul Chritopher to Lord Palmerston, 30/05/1850, fls. 97, 97 verso. Ainda sobre suas atividades, Borges da Fonseca disse que ele havia deixado o tráfico de escravos a pedido do sogro, Bento José da Costa, como condição para casar com sua filha. Como Bento tinha sido um traficante bastante ativo antes de 1831 e continuou vendendo gente no Recife depois daquela data, fica difícil acreditar nesse prurido todo. Além disso, a barra de Porto de Galinhas, onde estava o Salgado, tornou-se um dos principais portos do contrabando de cativos para Pernambuco depois de 1831. A última referência que encontramos do seu envolvimento no tráfico data de 1835, quando foi consignatário do Lial Portuense que ia para Angola, numa época em que não havia nenhum outro negócio relevante entre Pernambuco e a costa da África além do tráfico de gente escravizada.78 78 (HDBN), DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 26 de março de 1835. Diante da experiência e tradição familiar em vender gente, não deve ter sido a toa o pedido de José Ramos de Oliveira para que os agentes da saúde averiguassem os cativos trazidos pela Dona Ana em 1825.79 79 Vale ressaltar que, em abril de 1831, José Ramos de Oliveira seria novamente o consignatário da Dona Ana que voltava de Serra Leoa, carregada apenas com uma inocente carga de cera, que certamente não pagava uma viagem tão longa. (HDBN), DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 21 de abril de 1831. Havia, portanto, uma certa confiança nos procedimentos da Provedoria, por mínimos que eles possam parecer numa perspectiva contemporânea, e, portanto, anacrônica. Dos 34 enfermos internados nesse episódio, apenas 4 faleceram durante o tratamento.

A terceira vez em que o próprio negociante requereu a ajuda da Provedoria foi no caso do brigue Imperador do Brasil, que aportou no Recife em 21 de julho de 1827 com 439 cativos a bordo. Destes, 26 foram remetidos ao Lazareto. Mas outros onze foram entregues ao guarda da saúde Antonio Joaquim dos Santos que os recolheu à enfermaria do próprio brigue, conforme "requerimento verbal" de Francisco Antonio de Oliveira. O guarda deveria cuidar dos onze cativos até a cura de suas enfermidades. Mais uma vez, portanto, foi o próprio negociante quem decidiu manter os doentes internados. Neste caso, no seu navio, mas sob a custódia do próprio guarda da saúde.

No momento em que requisitou o auxílio dos agentes da Provedoria, o nome de Francisco Antonio de Oliveira ainda não aparecia com frequência nas fontes sobre o tráfico atlântico. Todavia, entre 1822 e 1831, ninguém traria mais cativos para Pernambuco do que ele.80 80 GOMES, Amanda Barlavento. "O barão traficante e as redes socias do tráfico: Francisco Antonio de oliveira, 1820 - 1855," p. 3. Texto apresentado no 7º ENCONTRO ESCRAVIDÃO E LIBERDADE NO BRASIL MERIDIONAL, Curitiba (UFPR), 2015, http://www.escravidaoeliberdade.com.br/ Segundo os dados do Banco de Dados do Tráfico Transatlântico de Escravos: Viagens, Oliveira trouxe 6.211 cativos para Pernambuco nos anos 1820.81 81 Apud ALBUQUERQUE; VERSIANI; VERGOLINO. Op. Cit., p. 220. Participou ainda de empreendimentos para traficar escravos associado a Angelo Francisco Carneiro (futuro visconde de Loures e, segundo Capela, "maior negreiro do seu tempo em Luanda"),82 82 CAPELA, José. Conde Ferreira e Cia: Traficantes de escravos. Lisboa: Afrontamento, 2012, p. 171. Sobre a carreira de Angello Francisco Carneiro no tráfico, veja-se: ALBUQUERQUE, Aline Emanuelle De Biase, De "Angelo dos retalhos" a Visconde de loures: a trajetória de um traficante de escravos, (1818-1858). 2016. Dissertação (Mestrado em UFPE), p. 10. Joaquim Ferreira dos Santos (futuro Conde de Ferreira, estabelecido no Rio de Janeiro) e Elias Baptista da Silva outro grande negociante sediado em Pernambuco. Barão de Beberibe em 1853, Francisco Antonio de Oliveira é um personagem relativamente fácil de encontrar nas fontes sobre a política e sociedade pernambucana na primeira metade do XIX. Durante muitos anos, foi membro destacado da Câmara Municipal do Recife e depois da Assembleia Provincial. Tal como Elias Coelho Cintra e José Ramos de Oliveira, era um aliado do grupo que derrotou a Confederação do Equador, liderados pelos Cavalcanti, Araújo Lima e Francisco do Rego Barros, o Barão da Boa Vista. Posteriormente, provavelmente com os capitais que acumulara com seus navios negreiros, envolveu-se nas reformas urbanas das décadas de 1830 e 1840. Entre elas a Companhia do Beberibe, que levaria água encanada para os chafarizes no centro da cidade, e a construção do teatro Santa Isabel. Seus casarões marcavam a paisagem da cidade. Um deles abriga hoje o Museu do Estado de Pernambuco. 83 83 GOMES. Amanda. Op. Cit., passim.

Depois de 1831, Francisco manteve muitos negócios legais (e talvez ilegais) com seu cunhado Ângelo Francisco Carneiro (depois Visconde de Loures), segundo os ingleses, talvez o maior traficante de escravos ao norte da Bahia.84 84 ALBUQUERQUE, Aline. Op. Cit., passim. Sobre as redes dos traficantes de escravos que operavam na rota para Pernambuco, veja-se ainda: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos; CARVALHO,Marcus J. M. de. O Alufá Rufino: Tráfico, Escravidão e Liberdade no Atlântico Negro (c.1822 - c. 1853). São Paulo: Companhia das Letras, 2010, capítulos 10 e 11. Francisco aparentemente gozava da amizade pessoal do Barão (depois Conde) da Boa Vista, em cujo governo houve uma grande expansão das obras públicas nas quais Francisco se envolveu e certamente ganhou muito dinheiro. Depois de 1845, quando os praieiros estavam no governo e ele na oposição, seus adversários ficaram mais ousados. Em janeiro de 1849, um liberal mais afoito comentou no jornal sobre a sua relação com o presidente da província, chamando-o de "menininha do barão", além de tangomão, claro.85 85 APEJE, A VOZ DO BRASIL. Recife: 9 de janeiro de 1849. Sabemos também sobre sua vida pessoal através dos relatos do engenheiro francês Vauthier, contratado para as obras públicas no governo do Barão da Boa Vista. Vauthier por vezes era reticente com Oliveira e considerava seu filho, Augusto de Oliveira, simplesmente insuportável, mas aceitava feliz banquetear-se na casa do negociante de escravos sempre que era convidado. Francisco já era viúvo da sua primeira esposa nessa época. O nome da falecida batizava um dos seus navios negreiros, o brigue escuna Maria Gertrudes. Num fuxico maldoso, Vauthier disse que a mulher com que Francisco andava depois da viuvez, tinha 25 anos e era "assez distinguée" (bastante distinta) mas tinha cabelos de "mulâtre" (mulata).86 86 VAUTHIER Louis-Léger. Journal Intime (1840-1846). Paris: Michel Houdiard Editeur, 2009, p. 127. Na versão brasileira, Gilberto Freyre, traduziu o nome do "M. Oliveira" como "Sr O.", evitando assim citar o nome do negociante de escravos e ainda traduziu mulâtre por "cor de azeitona". FREYRE, Gilberto (org.), Op. Cit., vol. 2, p 659-660. Agradecemos a Emanuele Carvalheira de Maupeou por ter-nos enviado com as passagens da versão original em francês nas quais Vauthier falava de dois grandes negociantes de escravos: Ângelo Francisco Carneiro e Francisco Antonio de Oliveira. Sobre Francisco Antonio de Oliveira, veja-se: GOMES. Amanda. Op. Cit., passim.

Francisco era um amante das artes, segundo o Guarda Nacional, quando o Barão da Boa Vista não ia ao teatro, ele costumava aboletar-se no camarote destinado ao presidente da província.87 87 APEJE, O GUARDA NACIONAL. Recife: 12 de fevereiro de1844. De fato, Francisco era um homem sensível. É comovente o anúncio que colocou nos jornais em 1839, procurando seu cachorrinho branco "muito magrinho, de olhos lânguidos, com as orelhas cor de café com leite, barriga fina, pernas muito finas e compridas". Seu nome, Petit.88 88 HDBN, DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 18 de fevereiro de1839. Não sabemos se foi encontrado. Mas sabemos que mesmo indo ao teatro, convivendo com um intelectual socialista francês e amando Petit, Francisco nunca perdeu a frieza do tráfico. Conta o cônsul inglês em Pernambuco que, em 1845, uma jóia foi roubada em sua casa. Francisco, "probably the most wealthy man of this city [sic]" (provavelmente o homem mais rico desta cidade) acusou uma empregada da casa, que aterrorizada com a possibilidade de ser torturada, jogou-se da janela embaixo, morrendo na hora. Francisco não ficou satisfeito e fez questão de abrir a barriga dela para procurar a joia, que não estava lá, para sua decepção.89 89 National Archives (Londres). Foreign Office vol. 84/584, Slave Trade: Brazil Consular, January to December, 1845, Mr. Cowper to the Earl of Aberdeen, 11/06/1845, fls. 221-221 verso.

Voltando às transações negreiras de Francisco de Oliveira, antes de 1831, os 11 cativos enfermos recolhidos no seu brigue Imperador do Brasil, 4 faleceram. Os 7 sobreviventes foram entregues ao piloto do barco, um empregado do traficante. Tiveram melhor sorte do que os que foram para o Lazareto, no qual 17 dos 26 internos não resistiram ao tratamento e morreram.90 90 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 174 verso, 175 verso e 176 verso. Slavevoyages, ID n. 48.680.

O interesse de Elias, José Ramos e Francisco na intervenção dos agentes da saúde, portanto, foi sincero, pois tinham experiência e cabedais para saber o que estavam fazendo. Provavelmente estavam preocupados em não juntar, sem uma averiguação mais segura, as pessoas recém-desembarcadas com outras tantas que deviam ter à venda.91 91 Mesmo depois de 1831, os negociantes mais experientes evitavam a venda direta dos recém-desembarcados pouco saudáveis. Ricardo Caires Silva elencou uma série de depoimentos de africanos, nos quais eles contaram que ficavam vários dias perto do local de desembarque recuperando-se da viagem, antes de serem vendidos. CAÍRES SILVA, Ricardo Tadeu. Memórias do tráfico ilegal de escravos nas ações de liberdade: Bahia, 1885-1888. Afro-Ásia, Salvador, vol. 35, p. 37-82, 2007.

Mas essa era a perspectiva dos negociantes. A dos cativos era outra. Devia ser grande o sufoco diante das condições precárias de internamento, pois, se é que podemos confiar minimamente na documentação da Provedoria, das 2.912 pessoas isoladas para tratamento, 713, ou seja, 24,48 por cento ou um quarto, morreu. Isso sem contar os encontrados mortos nos navios nos momentos dos desembarques, ou um "semi-vivo" desembarcado, que obviamente faleceu pouco depois.92 92 APEJE, "Livro d'Entradas", fls 164. Quatro chegaram mortos no Santo Antônio Realista (fls. 31) e dois no Primoroso Divino (fl. 43 verso), e houve um cativos que faleceu no ato da visita ao Conceição e Passos (fls. 32 verso). De fato a mortalidade em terra era alta. Não obstante, a viagem desde o litoral ocidental africano até Pernambuco apresentava um índice de morbidade baixo, o que, na mentalidade da época, talvez justificasse o relativo desleixo com a saúde dos cativos, ou com medidas de prevenção de contágio mais rígidas. Paradoxalmente, a documentação da Provedoria poucas vezes informa a morbidade na viagem. A seção de "Movimento do Porto" do Diário de Pernambuco ajuda a resolver este problema uma vez que informa o número de mortos de 29 navios negreiros vindos de Angola entre 1827 e 1831, à exceção do ano de 1828, cujo acervo digitalizado é muito incompleto e a consulta aos originais no Arquivo Público de Pernambuco está interditada. Convém relembrar ainda, que não havia interesse em relatar fielmente as mortes durante o percurso. Qualquer resultado alcançado sobre a morbidade durante a travessia será sempre baseado em uma subcontagem do que realmente aconteceu. Segundo esses dados extraídos dos jornais, apenas 3,6 por cento dos embarcados faleciam no trajeto.

Essa baixa morbidade se deve principalmente à duração da viagem da região Congo/Angola para Pernambuco, que era menor do que dessa mesma região para o Rio de Janeiro, Bahia e portos ao norte do Brasil ou no Caribe. O regime de correntes e ventos atlânticos favorecia o trajeto até Pernambuco. Herbert Klein, em estudo clássico, testou diversas variáveis que poderiam aumentar a mortalidade, tais como, por exemplo, superlotação do navio e chegou à conclusão que nada afetava mais a taxa de mortalidade do que o tempo da viagem.93 93 KLEIN, Hebert. The Middle Passage: Comparative Studies in the Atlantic Slave Trade. Princeton: Princeton University Press, 1978, p. 86-87. Claro, a duração da travessia era o tempo de contágio. Quanto mais demorada, maior a propagação e/ou agravamento das enfermidades a bordo, além de aumentarem as chances de faltar água, víveres, ou contaminação destes. Um estudo recente indica que, entre 1776 e 1830, a viagem de Angola para o Rio de Janeiro durava em média 40,9 dias e 37 para a Bahia. Para Pernambuco o número médio de dias caía para apenas 26,7 dias.94 94 ELTIS, David; RICHARDSON David. Atlas of the Transatlantic Slave Trade. New Haven e Londres: Yale University Press, 2010, p. 186. SILVA, Daniel Barros Domingues da; ELTIS, David, The Slave Trade to Pernambuco, 1561-1851. In: ELTIS David; RICHARDSON David (orgs.). Extending the frontiers: essays on the new transatlantic slave trade database. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 113.

A segunda razão para a baixa mortalidade do tráfico para Pernambuco era a vasta experiência dos negociantes envolvidos na rota para Pernambuco. O tráfico para a província remonta ao século XVI, quando, segundo dados do Trans-Atlantic Slave Trade Database: Voyages, 54 por cento de todos os africanos que vieram para o Brasil, e 12 por cento dos que vieram para as Américas, foram parar na velha capitania de Duarte Coelho. No total do tráfico, Pernambuco fica atrás apenas do Rio de Janeiro, Bahia e Jamaica.95 95 ELTIS e RICHARDSON. Op. Cit, p. 17. Sobre o tráfico para Pernambuco, veja-se ainda SILVA; ELTIS. Op. Cit., passim.. Poucos lugares do mundo atlântico tiveram tráfico constante e intenso do XVI ao XIX. Havia, portanto, um know how local, uma tradição mercantil e marítima bem enraizada. É importante ressaltar essa experiência, pois negociar gente na costa da África, e trazer o maior número possível dentro de uma embarcação à vela, não era negócio para amadores. Era comércio especializado e de risco. Essa experiência dos negociantes da rota para Pernambuco fica clara quando se constata que a província, além de ser a quarta região que mais recebeu gente da África, é a sétima que mais aprestou viagens para o comércio atlântico de gente escravizada.96 96 ELTIS e RICHARDSON Op. Cit, p. 17 e 39. Esses dados são tanto mais expressivos quando levamos em conta que Pernambuco não estava na ponta da produção mundial de açúcar desde a ocupação holandesa em 1630. Talvez, portanto, devêssemos inverter a equação, sugerindo que foi essa posição vantajosa do tráfico que facilitou a sobrevivência da província como um participante do comércio internacional de açúcar, apesar da concorrência feroz de outras partes das Américas e da relativamente baixa capitalização dos seus plantadores.

Devido a rapidez da viagem, pode-se supor que, em termos relativos, os malungos chegavam ao Recife menos estropiados do que aqueles submetidos a viagens mais demoradas. Talvez isso ajude a explicar o relativo sucesso dos agentes da saúde em alguns casos. O brigue Comerciante, por exemplo, trouxe 429 cativos para o Recife, dos quais 176, ou seja 41 por cento, foram detidos pela Provedoria. Não sabemos que enfermidade atormentava aquelas pessoas. Sabemos, todavia, que ao poucos foram se recuperando. Ao final do tratamento, apenas 9 haviam falecido dentre os 176 internos.97 97 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 155 verso. O brigue Príncipe Real é outro caso de tratamento relativamente bem sucedido. O navio chegou ao Recife com 505 africanos vivos. Dos 103 doentes encaminhados ao Lazareto, apenas 12 faleceram.98 98 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 161, 162 verso, 163, 164.

Apesar de casos como esses, onde a possibilidade de cura era concreta, alguns navios, mesmo ancorados na cidade, continuavam sendo verdadeiros tumbeiros. Entre as embarcações registradas, a galera Dom Domingos, que chegou ao Recife no dia 11 de fevereiro de 1819, foi a que trouxe mais gente: 649. Sendo que, explicava o livro, havia ainda 7 pessoas mortas dentro do barco quando ele aportou no Recife. Outras 19 foram enviadas para tratamento, das quais 18 faleceram.99 99 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 27 verso. O brigue Vigilante Africano também trouxe gente morta em seus porões. Foram encontrados 8 cadáveres no barco, além dos 389 sobreviventes da travessia, dos quais 104 foram detidos para tratamento. Nem todos foram devolvidos no mesmo dia. O brigue chegou em 26 de junho de 1820. Em 11 de julho seguinte, 46 cativos recuperados foram devolvidos ao dono do navio. No dia 27 de julho, outras 32 pessoas seguiram o mesmo caminho. Todavia, 45 não sobreviveram, ou seja, dos 104 doentes, quase a metade simplesmente não resistiu.100 100 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 62. Nada sabemos quais as enfermidades que acometeram as vítimas da galera Dom Domingos, pois dentre as 191 entradas de navio negreiros registradas no livro da Provedoria, apenas 85 listam as doenças das vítimas do tráfico. Sabemos, todavia, que no brigue Vigilante Africano havia gente com "bexiga, disenteria e oftalmia".

Concluído o tratamento, os sobreviventes eram entregues a quem de direito. Aí começam a aparecer detalhes dos negócios que não ficam claros apenas da leitura dos nomes dos proprietários e/ou consignatários. Sabemos que muitos navios negreiros, na realidade, operavam a partir da soma de uma série de investimentos. Era comum uma parceria entre os interessados na operação. Obviamente, em navios com pouca gente doente, esses detalhes nem sempre aparecem. Mas quando havia muita gente a ser devolvida, essas tramas emergem. Em alguns casos, havia gente a ser entregue em pequenos lotes a vários proprietários. Foi assim com o Imperador do Brasil101 101 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 150 verso, 151, 151 verso e 152. e com o Commerciante,102 102 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 155 verso, 156, 156 verso, 157 verso. mencionados acima. Uma outra indicação dessas parcerias é a grande quantidade de marcas de ferro diferentes encontradas nos cativos. O livro é explícito nesses casos ao indicar que os desimpedidos deveriam ser entregues a seus donos conforme as suas respectivas marcas, cuidadosamente desenhadas pelo escrivão. Infelizmente, o livro apenas mostra essas marcas - dezenas delas - mas não identifica a que negociantes elas correspondiam. Fica claro, todavia, que muitos dos navios vistoriados traziam cativos que pertenciam a proprietários distintos, cada um com seu lote de gente para vender.

Apesar da legalidade do comércio atlântico de gente escravizada ao sul do equador, a documentação da Provedoria traz indícios de contrabando. Não era preciso sequer ser dono de um porto natural adequado à entrada de navios negreiros, como era o caso de José de Oliveira Ramos e seu filho, que, como vimos acima, podiam receber quaisquer navios de até 150 toneladas no engenho Salgado. Às vezes pequenos deslizes dessa natureza aconteciam no Recife à vista das autoridades portuárias. Em fevereiro de 1821, houve suspeitas do desembarque clandestino de pelo menos dois cativos trazidos da escuna Minerva, procedente de Cabinda.103 103 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 76 verso. Em fevereiro de 1824, foram apreendidos nove africanos que havia sido desembarcados "clandestinamente" da escuna Santo Cristo dos Milagres, que trouxe 289 pessoas escravizadas de Angola.104 104 APEJE, "Livro d'Entradas", 129 verso. Essas práticas, por vezes eram detectadas na contagem dos cativos, que nem sempre correspondia ao que estava dito no passaporte dos navios. Faltavam dois, por exemplo, na Velha de Dio, que trouxe 281 cativos para Pernambuco em março de 1824.105 105 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 132. O caso da sumaca Desengano foi o mais estranho. O navio trouxe 289 cativos de Angola em julho de 1827. Foram feitas pelo menos duas contagens em dias sucessivos. Em cada uma delas, estava faltando alguém, pois os "diferentes donos" levavam os escravizados à revelia da Provedoria.106 106 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 175.

Eventualmente, alguns navios negreiros iam parar nas praias ao norte ou ao sul do eixo urbano Recife/Olinda, talvez por erro de rota ou devido a ventos e correntes desfavoráveis, algo normal na navegação à vela. De lá os cativos eram enviados ao Recife para serem examinados pelos agentes da Provedoria. Talvez tenha sido isso que aconteceu com a Escuna Dona Anna, cujos 321 cativos desembarcaram em Goiana, perto da fronteira com a Paraíba, e vieram andando até o Recife.107 107 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 159.

Todavia, o desembarque em outros portos do litoral podia também servir para disfarçar o contrabando. Em maio de 1819, a Chalupa Paquete do Rio arribou em Ponta de Pedras, um conhecido porto natural ao norte do Recife, onde desembarcaria muita gente clandestinamente depois de 1831. Trazia pelo menos 311 cativos, dos quais sabemos que apenas 100 vieram para o Recife, de jangada, para serem examinados pela Provedoria.108 108 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 34 verso. Os 167 cativos trazidos pelo brigue Eliza, por sua vez, desembarcaram em Pau Amarelo, outro conhecido porto natural perto de Olinda, antes de prosseguirem até o Recife.109 109 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 36 verso. Em abril de 1820, o brigue São José Grande arribou na Paraíba. Os 23 cativos que teria trazido de Angola foram para o Recife de jangada e a pé.110 110 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 54. Essa pequena quantidade de gente desembarcada é tanto mais estranho quando constatamos, na própria documentação da Provedoria, que o mesmo São José Grande trouxera 294 pessoas para o Recife alguns meses antes deste episódio111 111 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 49. e mais 455 poucos meses depois dessa suspeita viagem com apenas 23 cativos.112 112 APEJE, "Livro d'Entradas", fls.72 verso. Também é estranho que os proprietários do Brigue Cabragante tenham viajado desde Quelimane para trazer apenas 46 cativos, que tiveram que vir andando desde a Paraíba até o porto do Recife. Sendo que, dizia o livro da Provedoria, o dono há havia vendido 14 dessas 46 vítimas do tráfico.113 113 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 64 verso.

É relevante observar ainda que, nos casos dos desembarques nas praias ao norte ou ao sul do Recife, os cativos que não vinham por terra para serem examinados pela Provedoria, chegavam à cidade em jangadas, a mesma embarcação empregada na pesca artesanal marítima até muito recentemente. É importante pontuar, portanto, o envolvimento de jangadeiros nessa atividade que podia render uns cobres extras. Depois de 1831, as jangadas continuariam servindo ao tráfico, encontrando os navios negreiros em alto mar para guiá-los até os portos onde eram esperados.114 114 Consul Watts to Mr. Hamilton, 09/05/1837. 3rd Enclosure to n. 84. Parliamentary papers. Correspondence with foreign powers relating to the slave trade, 1837 [Class B], vol. 15, p. 76. CARVALHO, Marcus J. M. O desembarque nas praias: o funcionamento do tráfico de escravos depois de 1831. Revista de História, São Paulo, n. 167, p. 223-260, julho/dezembro, 2012.

Os jangadeiros não eram os únicos empregados eventuais do tráfico. No momento da devolução dos recuperados, apareciam outros tantos trabalhadores, inclusive escravos, recebendo os cativos em nome de alguém. Obviamente, a maioria dos cativos era entregue diretamente aos proprietários ou a seus representantes, tais como os capitães e mestres dos navios negreiros, os caixeiros e, pelo menos uma vez, ao "procurador" do proprietário. Mas há registros de gente sendo entregue a outros representantes menos qualificados, tais como pilotos, contramestres, o "intérprete" do navio negreiro, a "encarregada do curativo", o "despenseiro do brigue" e pelo menos em duas oportunidades cativos de confiança dos negociantes de gente foram receber os africanos curados pela Provedoria. Uma delas foi Anna, escrava de Elias Coelho Cintra que recebeu 14 pessoas para levar para seu senhor.115 115 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 118. Isidoro, cativo de Francisco Antonio de Oliveira, recebeu 13 africanos a mando do seu senhor.116 116 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 124.

IV - Considerações Finais

A análise da documentação da Provedoria de Saúde, complementada com outras fontes coevas, permite observar que, apesar do fracasso da ideia de uma quarentena linear para os navios negreiros, a Provedoria, enquanto existiu, foi atuante. Até navios ingleses foram vistoriados e pelo menos depois de 1831, um deles, o brigue Peruvian, foi submetido à quarentena. Os cativos com doenças consideradas contagiosas na época, como escorbuto, "bexigas", sarampo, disenteria e "oftalmias" ficavam impedidos e internados pelo tempo que fosse necessário para se recuperarem. O tempo mínimo que encontramos de internamento foi de um dia e o máximo cinquenta e seis. Os demais cativos eram desimpedidos e seguiam o destino que lhes reservavam seus senhores, que, supunha-se, tinham como tratar seus bens achacados pelas mazelas da viagem ou enfermidades que na época não eram consideradas contagiosas. A vigilância sanitária tinha assim uma certa rotina a cumprir e seus principais funcionários foram bastante estáveis no período analisado, trabalhando anos a fio nas mesmas funções.

É importante ressaltar também que este acervo traz relevantes informações sobre os locais de desembarque de cativos na primeira metade do século XIX no Recife, que, aparentemente, não era totalmente aleatório. Isso também faz sentido, não porque houvesse alguma preocupação realmente especial com as pessoas que desciam dos navios negreiros, mas pelo fato delas serem bens semoventes valiosos que precisavam de cuidados diferenciados. Entre os cuidados, a vigilância, não apenas para evitar fugas mas também para evitar furtos, como aconteceu com um dos africanos trazidos no cutter Minerva da Conceição, roubado em "horas noturnas".117 117 APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 121. Como havia muita gente envolvida e muitos interesses em jogo, é natural que houvesse espaço também para outras atividades ilegais, como o contrabando de cativos africanos dentro do próprio porto.

Também é revelador uma certa tensão entre os interesses da agricultura e os do comércio. Ficou evidente que os negociantes tinham mais alavancagem política, levando ao fracasso as propostas de se impor uma quarentena sobre os navios negreiros. Mas não deixa de ser importante destacar que o governo provincial tentou pelo menos uma vez defender os agricultores no começo do XIX. Isso aconteceu quando o boom algodoeiro entrava em sua curva ascendente, fazendo com que Pernambuco voltasse a ser um grande importador de cativos, passando em alguns anos a Bahia e chegando muito próximo ao Rio de Janeiro.

Embora a documentação da Provedoria não permita acompanhar fielmente todos os anos entre 1813 e 1829, percebe-se que, além da presença marcante de grandes negociantes, como Elias Coelho Sintra (ou Cintra), José de Oliveira Ramos e seu filho José Ramos de Oliveira e Francisco Antonio de Oliveira, havia muitas embarcações cujas cargas humanas eram compartilhadas por diversos comerciantes menos conspícuos no tráfico, algo que tem sido verificado em outros portos do mundo atlântico escravista. Essa pulverização do comércio de gente testemunha a casualidade e naturalização desse tipo de negócio na época e ajuda a explicar, no apogeu do tráfico, a maior distribuição da propriedade escrava no Brasil entre pequenos proprietários.

Percebe-se ainda que o comércio de gente era um negócio que empregava uma miríade de trabalhadores livres, libertos e até cativos nas mais variadas atividades. E nesse comércio, vale ressaltar novamente, os negociantes pernambucanos eram experientes e sabiam fazer bom uso dos ventos e correntes atlânticas que encurtavam o tempo de viagem desde a África, em comparação a outras rotas mais demoradas, como o Rio de Janeiro ou mesmo a Bahia. Essa experiência foi útil quando passaram a empregar as enfermarias dos próprios navios negreiros para internar os cativos com doenças consideradas contagiosas, nos termos da medicina pre-microbiana, que percebia o escorbuto, por exemplo, como contagioso, mas que era suficientemente sofisticada para distinguir varíola do sarampo, mesmo que generalizasse outras tantas enfermidades em nomes genéricos como "bexigas", disenteria e "oftalmias".

Por fim, a definição de locais de desembarque e tratamento, com suas respectivas edificações, armazéns, empregados, ruas com nomes de Senzala Nova e Senzala Velha, marcou a distribuição espacial da cidade, em cujos casarões habitavam alguns dos seus maiores negociantes de escravos.

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  • 1
    CONRAD, Robert E. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 58.
  • 2
    VASCONCELLOS GALVÃO, Sebastião. Diccionário chorográfico, histórico e geográfico de Pernambuco (Rio de Janeiro, 1908-1927). Recife: CEPE, 2006, vol. 1, p. 82-83. Veja-se ainda: SANTOS FILHO, Lycurgo. História Geral da Medicina Brasileira. São Paulo: Edusp, 1966, p. 256.
  • 3
    PEREIRA DA COSTA, F.A. Anais Pernambucanos. Recife: Fundarpe, 1983-1985, vol. 7, p. 147.
  • 4
    Agradecemos a Francisco Sales de Albuquerque, Vera Lúcia Costa Acioli e Hildo Leal da Rosa pela cópia do livro digitalizada e transcrita pelo "Projeto de Conservação do Acervo Documental da Vigilância Sanitária do Porto do Recife" (APEJE/MP-PE - PROCURADORIA), coordenado por Francisco Sales de Albuquerque e Vera Lúcia Costa Acioli. Agradecemos ainda: a Professora Ana Lúcia Araújo e aos pareceristas da Almanack pela atenta leitura do texto originalmente enviado; ao CNPq pelo apoio à pesquisa; a Alexandre Guilherme de Farias Oliveira, bolsista PIBIC/CNPq em 2008/2009.
  • 5
    Arquivo Público Jordão Emerenciano, (Recife), "Livro d'Entradas das Embarcacoens Vezitadas da Provedoria Mor da Saude" (daqui em diante referenciado como "APEJE, Livro d'Entradas").
  • 6
    Para ser exato, o livro informa apenas 3 desembarques em 1813, 17 em 1814, 25 em 1819, 27 em 1820, 28 em 1821, 12 em 1822, 19 em 1823, 10 em 1824, 16 em 1825, 13 em 1826, 11 em 1827, 7 em 1828 e 5 em 1829. Sobre o total de navios negreiros entrados em Pernambuco, veja-se: Transatlantic Slave Trade Database: Voyages. www.slavevoyages.org
  • 7
    RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 284.
  • 8
    KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Recife: Secretaria de Educação, 1978, p. 395-396. TOLLENARE, Louis F., Notas Dominicais Tomadas durante uma Viagem em Portugal e no Brasil, em 1816, 1817 e 1818. Salvador: Progresso, 1956, p. 139.
  • 9
    Laboratório de Pesquisa e Ensino de História da UFPE (LAPEH): Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate) - ACL-CU-015, caixa 212, D. 14405. Ofício da Junta Governativa da Capitania de Pernambuco ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, 25/11/1799.
  • 10
    LAPEH: Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate) - ACL-CU-015, caixa 216, D. 14657. Ofício do bispo de Pernambuco 06/06/1800.
  • 11
    Sobre os atritos entre os negociantes e a Provedoria da Corte ver RODRIGUES, JAIME. Op. Cit, p. 286-292. Sobre o aviso do Príncipe ver: LAPEH: Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate) - ACL-CU-015, caixa 216, D. 14.661. Ofício da Junta Governativa da Capitania de Pernambuco ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, 09/06/1800.
  • 12
    LAPEH: Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate) - ACL-CU-015, caixa 223, D. 15.104. Ofício da Junta Governativa da Capitania de Pernambuco ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, 21/01/1801.
  • 13
    "Representação da Sociedade de Medicina ao Presidente da Província, 11/05/1842. In: Annaes da Medicina Pernambucana (Recife, 1842-1844). Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977, p. 127. Sobre a grande epidemia de 1666, veja-se: CABRAL DE MELLO, Evaldo. A Fronda dos Mazombos: Nobres contra Mascates, Pernambuco, 1666-1716. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 38. OSÓRIO DE ANDRADE, Gilberto (Org.). Morão, Rosa & Pimenta: notícia dos três primeiros livros em vernáculo sobre a medicina no Brasil. Recife: Arquivo Público, 1956, passim.
  • 14
    Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (HDBN), DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 26 de janeiro de 1832, 01/02/1832. Mr. Cowper ao Presidente da Província, 14/01/1832, in APEJE, Diversos Cônsules, vol. 2 p. 217.
  • 15
    TOLLENARE, L.F. Op. Cit., p. 22-23.
  • 16
    KOSTER, Henry, Op. Cit., p. 28.
  • 17
    O médico pernambucano S.A. Mavignier distinguia claramente a variole da petit variole em sua tese publicada em Paris em 1829, na qual discutia as doenças encontradas em Pernambuco. Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro): MAVIGNIER, Simplício Antonio. Du Climat de Pernambuco. Paris: Didot le Jeune, 1829, p. 48. Sobre o "Mal de Luanda", como "infecção do sangue", segundo a medicina da época, veja-se ainda o "Tratado XII: do escorbuto ou mal de Luanda", in GOMES FERREIRA, Luís. Erário Mineral (Org.: FURTADO, Júnia Ferreira). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002, vol. 2, p. 689-700.
  • 18
    Existe uma extensa literatura sobre o assunto, mas o que interessa aqui é observar que um grupo de médicos bastante experientes de Pernambuco, ao fundarem a Sociedade de Medicina em 1842, estavam sintonizados com esse debate. Eram todos educados na Europa inclusive. Annaes da Medicina Pernambucana, passim.
  • 19
    Mr. Cowper to the Earl of Aberdeen, 01/01/1844. In: British Parliamentary Papers, Slave trade. Correspondence with Foreign Powers relative to the Slave trade [class B and C], n. 28, vol L, Feb. 04, Aug. 09, 1845, fls. 407.
  • 20
    CHRISTOPHER, Emma. Slave Ship, Sailors, and their Captive Cargoes, 1730-1807. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p. 29.
  • 21
    PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 6, p. 541 e vol. 7, p. 374-375. APEJE, Registro de Provisões vol. 9/01, "Bando sobre a proibição dos negros pelas ruas", 18/03/1822.
  • 22
    Pelo menos uma vez, a carga humana de um navio foi examinada em um armazém particular. Foi o caso do brigue Santo André Deligente, pertencente a Francisco José de Araújo. Era, todavia, um barco que havia sido apresado pelo brigue imperial Bahia. O navio chegou ao Recife no dia 20 de dezembro de 1823 com 107 cativos enviados de Angola. Talvez o apresamento, cujas circunstâncias desconhecemos, explique a excepcionalidade do caso. APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 126 verso e 127.
  • 23
    Segundo Pereira da Costa, ali havia uma antiga polé, onde muita gente deve ter sido castigada desde o período colonial. PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 2, p. 154-155.
  • 24
    A entrada segura do porto podia ser feita mirando a cruz do patrão na cruz da capela de Santo Amaro. PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 7, p. 360-361.
  • 25
    GRAHAM Maria. Diário de uma Viagem ao Brasil (e de uma estada nesse país durante parte dos anos de 1821, 1822 e 1823). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956, p. 114.
  • 26
    GRAHAM, Maria. Op. Cit., p. 139.
  • 27
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 91 e 121.
  • 28
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 126 verso.
  • 29
    Arquivo Público Estadual, M9/G3 n. 1623. Eliziário Antonio dos Santos e José Mamede Alves Ferreira, "Planta do bairro do Recife e do porto de Pernambuco", Recife 13 de junho de 1854. GONSALVES DE MELLO, José Antonio. Gente da Nação. Recife: Editora Massangana, 1989, p. 274. PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 6, p. 49. Ibid., vol. 2, p. 163. MOTA MENEZES, José Luiz. Atlas Histórico Cartográfico do Recife. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife/Fundaj, 1988, passim.
  • 30
    Sobre os rituais fúnebres dos africanos no Brasil, veja-se: REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
  • 31
    MAVIGNIER, Le Climat, p. 49. São antigos os rumores de que havia cativos enterrados na atual Cruz do Patrão.
  • 32
    TORRES RAMOS, Ana Catarina. "Além dos mortos da Cruz do Patrão simbolismo e tradição no uso do espaço no Recife". In: 26a REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 2008, https://www.ufpe.br/clioarq/images/documentos/V23N2-2008/artigo3.pdf
  • 33
    GRAHAM. Diário de uma Viagem, p. 140.
  • 34
    VAUTHIER Louis L., Diário íntimo de Louis Léger Vauthier. In: FREYRE, Gilberto (Org.), Um engenheiro francês no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970, vol. 2, p. 569.
  • 35
    DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 16 de junho de 1841. In: National Archives (Londres). Foreign Office vol. 84/36, Slave Trade, Brazil Consular, Mr. Goring to Lord Palmerston 26/07/1841, fls. 128-129.
  • 36
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls 125 verso.
  • 37
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls 83; Sobre Boris também como guarda da saúde ver: Ibid., fls. 65 verso.
  • 38
    RODRIGUES, Jaime. Op. Cit, p. 291.
  • 39
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls 131, 132, 134, 145 verso, 190 e 191.
  • 40
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 131.
  • 41
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 132.
  • 42
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 133.
  • 43
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 134.
  • 44
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 136.
  • 45
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 139 verso.
  • 46
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 141, 142 verso, 144, 145, 145 verso e 148.
  • 47
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 153 e 166.
  • 48
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 174 verso e 175.
  • 49
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 188 verso e 191.
  • 50
    Os registros indicam a presença de bexigas em 54 registros, disenteria em 43, oftalmias em 41, escorbuto em 12, sarampo em 9 e maculo em 4.
  • 51
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 164.
  • 52
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 141.
  • 53
    PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 6, p. 541.
  • 54
    Arquivo da Assembleia Legislativa de Pernambuco (AALEPE), Petições, Caixa P-115. 6 de abril de 1835.
  • 55
    Em 1829, Germano Antônio Alves anunciou a venda de um escravo seu, que, aos 25 anos, era um "mestre no ofício de padeiro" com sete anos de experiência. Com essa qualificação era certamente um trabalhador rentável. Talvez, quem sabe, Germano já estivesse em dificuldades financeiras nessa época. HDBN, DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 2 de novembro de 1829, nº 235.
  • 56
    RODRIGUES, Jaime. Op. Cit., p. 287.
  • 57
    PEREIRA DA COSTA, F.A. Op. Cit., Vol. 6, p. 541;
  • 58
    APEJE, Vigilância Sanitária do Porto do Recife, vol. 3, s/n, passim.
  • 59
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 101 verso. Veja-se ainda: Slavevoyages, ID n. 48.903.
  • 60
    Apud ALBUQUERQUE, Débora de Souza Leão; VERSIANI, Flávio Rabelo e VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Financiamento e Organização do Tráfico de Escravos para Pernambuco no Século XIX. Economia, Brasília, v.14, n.1, p. 220, jan/abr 2013.
  • 61
    Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa: Angola, caixa 133, 04/07/1817, 23/06/1817, 30/07/1817, 12/08/1817, 18/08/1817, 23/09/1817, 18/11/1817. Veja-se também CAPELA, José. As burguesias portuguesas e a abolição do tráfico da escravatura, 1810-1842. Porto: Afrontamento, 1979, p. 94-95.
  • 62
    Documentos Históricos: Revolução de 1817. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1954, vol. CV, fls. 238, 246.
  • 63
    Papers relating to the brig Gavião, Fernando Po, 16/04/1821, in British and Foreign State Papers, 1821-1822-1823. London, Printed by J. Harrison and Son, Orchard St. Westminster, 1829, fls. 237-239.
  • 64
    TYPHIS PERNAMBUCANO. Recife: 01 de abril de 1824. In: MELLO, Antônio Joaquim de (Ed.). Obras Políticas e Literárias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. (Recife, 1875); reedição: Recife, Assembléia Legislativa, 1972, tomo II, p. 515.
  • 65
    NUNES CAVALCANTI Jr. Manoel, "O egoísmo, a degradante vingança e o espírito de partido": a história do predomínio liberal ao movimento regressista (Pernambuco, 1834-1837). 2015. Tese (Doutorado em História, UFPE), p. 126. VASCONCELLOS GALVÃO, Sebastião, Op. Cit., Vol. 1, p. 192.
  • 66
    (HDBN), DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 21 de novembro de 1829 e 26 de novembro de 1829.
  • 67
    (HDBN), DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 23 de março de1829.
  • 68
    Sobre Gabriel Antonio, veja-se: CARVALHO, Marcus. J. M. de. O galego atrevido e malcriado, a mulher honesta e o seu marido, ou política provincial, violência doméstica e a Justiça no Brasil escravista. In: SOHIET, Rachel; BICALHO Maria Fernanda; GOUVÊA Maria de Fátima (Orgs). Culturas Políticas: Ensaios de História Cultural, História Política e Ensino de História. Rio de Janeiro: FAPERJ/Ed. Mauad, 2005, p. 201-234.
  • 69
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls.145 verso e 146 verso. Veja-se ainda: Trans-Atlantic Slave Trade Database Voyages in www.slavevoyages.org, ID n. 48.882.
  • 70
    Apud ALBUQUERQUE; VERSIANI; VERGOLINO. Op. Cit., p. 220.
  • 71
    Existe um livro de Tombo do engenho Salgado no IAHGP, o qual ainda não foi devidamente estudado. Qualquer olhada rápida nele, todavia, permite observar que o Salgado era um empreendimento diversificado. Não produzia apenas açúcar, mas outros subprodutos da cana, além de couros, farinha, etc. Livro de Tombo do Engenho Salgado. IAHGP. Em 1823, o administrador do engenho escreveu para o Senhor Ramos informando que um surto de "bexigas cristalinas" havia atacado os cativos, por essa razão pediu ao patrão vacina e "escravos novos". IAHGP, Fundo Instituto Arqueológico (FIA), "Correspondência de José Joaquim Pereira para José de Oliveira Ramos" (1823), Cx. 7, doc. 0380.
  • 72
    Tollenare, L.F. Op. Cit., p. 218, 225, 228, 231, 271. Documentos Históricos: Revolução de 1817. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1954, vol. CV, fls. 238, 241.
  • 73
    A mesma lista de gente pecuniosa dizia que Bento José da Costa possuía coisa como um milhão e meio "em embarcações, prédios urbanos e rústicos, inclusive engenhos, fazendas de gado, gêneros de comércio, etc" e era capaz de doar sem problemas 4 contos de réis. Bento também era sogro de Domingos José Martins, negociante falido, mas líder civil de 1817. Dizem que foi só por isso que se envolveu na Insurreição Pernambucana de 1817. O conhecido traficante de Lagos e Porto Novo, Domingos Martins, era filho natural do líder homônimo e teria assistido a execução do pai na Bahia. Como Bento José da Costa era um bem consolidado negociante atlântico de escravos, é razoável especular que talvez tenha facilitado o ingresso do desafortunado filho natural do seu genro naquele ramo de negócios. Sobre Domingos Martins, veja-se: VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987, p. 466-473, 481-483. COSTA E SILVA, Alberto da. Francisco Felix de Souza, Mercador de Escravos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, passim.
  • 74
    Não dispomos do seu inventário, mas o da esposa (feito 3 anos depois da morte do marido), que indica um patrimônio líquido de pelo menos 633 contos de réis. Só o engenho Salgado valia mais de 140 contos. IAHGP (Recife), Inventariada: Izabel Maria da Costa Ramos. Inventariante: Bento José da Costa Jr. Recife, 1849.
  • 75
    Arquivo Público Estadual (Recife): Câmara Municipal vol. 7, 26/05/1829.
  • 76
    APEJE, O NAZARENO. Recife: nº 32 15 de julho de 1846.
  • 77
    National Archives (Londres). Foreign Office vol. 84/809, Slave Trade, Brazil, January to December 1850. Consul Chritopher to Lord Palmerston, 30/05/1850, fls. 97, 97 verso.
  • 78
    (HDBN), DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 26 de março de 1835.
  • 79
    Vale ressaltar que, em abril de 1831, José Ramos de Oliveira seria novamente o consignatário da Dona Ana que voltava de Serra Leoa, carregada apenas com uma inocente carga de cera, que certamente não pagava uma viagem tão longa. (HDBN), DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 21 de abril de 1831.
  • 80
    GOMES, Amanda Barlavento. "O barão traficante e as redes socias do tráfico: Francisco Antonio de oliveira, 1820 - 1855," p. 3. Texto apresentado no 7º ENCONTRO ESCRAVIDÃO E LIBERDADE NO BRASIL MERIDIONAL, Curitiba (UFPR), 2015, http://www.escravidaoeliberdade.com.br/
  • 81
    Apud ALBUQUERQUE; VERSIANI; VERGOLINO. Op. Cit., p. 220.
  • 82
    CAPELA, José. Conde Ferreira e Cia: Traficantes de escravos. Lisboa: Afrontamento, 2012, p. 171. Sobre a carreira de Angello Francisco Carneiro no tráfico, veja-se: ALBUQUERQUE, Aline Emanuelle De Biase, De "Angelo dos retalhos" a Visconde de loures: a trajetória de um traficante de escravos, (1818-1858). 2016. Dissertação (Mestrado em UFPE), p. 10.
  • 83
    GOMES. Amanda. Op. Cit., passim.
  • 84
    ALBUQUERQUE, Aline. Op. Cit., passim. Sobre as redes dos traficantes de escravos que operavam na rota para Pernambuco, veja-se ainda: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos; CARVALHO,Marcus J. M. de. O Alufá Rufino: Tráfico, Escravidão e Liberdade no Atlântico Negro (c.1822 - c. 1853). São Paulo: Companhia das Letras, 2010, capítulos 10 e 11.
  • 85
    APEJE, A VOZ DO BRASIL. Recife: 9 de janeiro de 1849.
  • 86
    VAUTHIER Louis-Léger. Journal Intime (1840-1846). Paris: Michel Houdiard Editeur, 2009, p. 127. Na versão brasileira, Gilberto Freyre, traduziu o nome do "M. Oliveira" como "Sr O.", evitando assim citar o nome do negociante de escravos e ainda traduziu mulâtre por "cor de azeitona". FREYRE, Gilberto (org.), Op. Cit., vol. 2, p 659-660. Agradecemos a Emanuele Carvalheira de Maupeou por ter-nos enviado com as passagens da versão original em francês nas quais Vauthier falava de dois grandes negociantes de escravos: Ângelo Francisco Carneiro e Francisco Antonio de Oliveira. Sobre Francisco Antonio de Oliveira, veja-se: GOMES. Amanda. Op. Cit., passim.
  • 87
    APEJE, O GUARDA NACIONAL. Recife: 12 de fevereiro de1844.
  • 88
    HDBN, DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife: 18 de fevereiro de1839.
  • 89
    National Archives (Londres). Foreign Office vol. 84/584, Slave Trade: Brazil Consular, January to December, 1845, Mr. Cowper to the Earl of Aberdeen, 11/06/1845, fls. 221-221 verso.
  • 90
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 174 verso, 175 verso e 176 verso. Slavevoyages, ID n. 48.680.
  • 91
    Mesmo depois de 1831, os negociantes mais experientes evitavam a venda direta dos recém-desembarcados pouco saudáveis. Ricardo Caires Silva elencou uma série de depoimentos de africanos, nos quais eles contaram que ficavam vários dias perto do local de desembarque recuperando-se da viagem, antes de serem vendidos. CAÍRES SILVA, Ricardo Tadeu. Memórias do tráfico ilegal de escravos nas ações de liberdade: Bahia, 1885-1888. Afro-Ásia, Salvador, vol. 35, p. 37-82, 2007.
  • 92
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls 164. Quatro chegaram mortos no Santo Antônio Realista (fls. 31) e dois no Primoroso Divino (fl. 43 verso), e houve um cativos que faleceu no ato da visita ao Conceição e Passos (fls. 32 verso).
  • 93
    KLEIN, Hebert. The Middle Passage: Comparative Studies in the Atlantic Slave Trade. Princeton: Princeton University Press, 1978, p. 86-87.
  • 94
    ELTIS, David; RICHARDSON David. Atlas of the Transatlantic Slave Trade. New Haven e Londres: Yale University Press, 2010, p. 186. SILVA, Daniel Barros Domingues da; ELTIS, David, The Slave Trade to Pernambuco, 1561-1851. In: ELTIS David; RICHARDSON David (orgs.). Extending the frontiers: essays on the new transatlantic slave trade database. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 113.
  • 95
    ELTIS e RICHARDSON. Op. Cit, p. 17. Sobre o tráfico para Pernambuco, veja-se ainda SILVA; ELTIS. Op. Cit., passim..
  • 96
    ELTIS e RICHARDSON Op. Cit, p. 17 e 39.
  • 97
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 155 verso.
  • 98
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 161, 162 verso, 163, 164.
  • 99
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 27 verso.
  • 100
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 62.
  • 101
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 150 verso, 151, 151 verso e 152.
  • 102
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 155 verso, 156, 156 verso, 157 verso.
  • 103
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 76 verso.
  • 104
    APEJE, "Livro d'Entradas", 129 verso.
  • 105
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 132.
  • 106
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 175.
  • 107
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 159.
  • 108
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 34 verso.
  • 109
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 36 verso.
  • 110
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 54.
  • 111
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 49.
  • 112
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls.72 verso.
  • 113
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 64 verso.
  • 114
    Consul Watts to Mr. Hamilton, 09/05/1837. 3rd Enclosure to n. 84. Parliamentary papers. Correspondence with foreign powers relating to the slave trade, 1837 [Class B], vol. 15, p. 76. CARVALHO, Marcus J. M. O desembarque nas praias: o funcionamento do tráfico de escravos depois de 1831. Revista de História, São Paulo, n. 167, p. 223-260, julho/dezembro, 2012.
  • 115
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 118.
  • 116
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 124.
  • 117
    APEJE, "Livro d'Entradas", fls. 121.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016
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