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Almanack para quê?

Quando em 2005, um grupo de pesquisadores que participavam do projeto “A fundação do Estado e da nação brasileiros (c.1780-c.1850)” dirigido por István Janscó e financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), concebeu a criação da Revista Almanack Braziliense, a aposta na sua longevidade não poderia ser mais precisa. Concebida como um espaço de reflexão sobre a formação do Estado e da nação em uma dimensão social e abrangência espacial amplas, interligando continentes, pessoas e experiências, a Revista respondia aos anseios da chamada globalização e aos impasses que se colocavam sob as formas de se pensar historicamente a realidade. Poucos anos depois, em 2011, ela deixava de ser apenas a revista de um projeto, ampliando sua base com a participação de pesquisadores de várias universidades no Brasil que passariam a nomeá-la, para marcar este novo momento, de Almanack.

Desta, chegamos agora no seu número 23, com ações que têm por objetivo reforçar ainda mais nosso espaço de reflexão diante de todo capital que acumulamos ao longo destes anos, e do universo acadêmico cada vez mais internacionalizado em que nos inserimos. Primeiramente, por meio da renovação de parte de seu corpo editorial, com a chegada de editores de outros países articulados com a temática que nos move - entre os quais alguns já estavam entre nossos colaboradores. Também pela inauguração do espaço destas Palavras para debate para expressão de questões, polêmicas e opiniões sobre nossa temática, que nos toca enquanto cientistas sociais, mas também como cidadãos do mundo cuja percepção da velocidade com que os tempos têm sido atualmente vividos, e a banalidade das suas cotidianas explicações, não deixa de nos atemorizar.

Substancialmente, nosso objetivo passa pela reafirmação de nossa missão no atual momento em que vivemos. Como revista especializada na história dos citados processos nos séculos XVIII e XIX, há que se notar que nosso espaço temático revelou-se ao longo do tempo ser preferencialmente o da América, em todas as suas relações locais, regionais e/ou globais, bem como em dimensões que envolvam refletir sobre o tortuoso caminho da passagem de domínios coloniais a unidades soberanas independentes, e tudo que isso significa em seus vários níveis sociais. Valorizar o papel destas histórias hoje no continente nos parece essencial diante da agudização de posições que observamos cotidianamente. Seja pelo que poderíamos chamar de novas formas de autoritarismo, que podem ou não remontar a passados ditatoriais, mas que invariavelmente se nutrem da perda de eficácia social de dispositivos democráticos que, no Novo Mundo, sempre estiveram longe de serem universalmente pactuados, tendo em vista a sociedade multiétnica e multicultural como sua marca constitutiva; seja pelas mais encarniçadas disputas entre esquerdas e direitas, bem como pelas bandeiras libertárias e progressistas atuais, verdadeiros movimentos do povo nas ruas, que coexistem com a ascensão de slogans conservadores sob a base de teses ultraliberais em nome de supostos direitos dos indivíduos; seja, finalmente, pelo que significa este momento de jurisdicionalização da sociedade, evidente pelo anseio permanente por uma maior regulamentação das relações entre indivíduos, grupos, etc., ao mesmo tempo que um descrédito pelas instituições existentes, refém de fenômenos nefastos que terminam conduzindo à despolitização em nome do bem-comum social. Isso sem dizer do estrondoso papel das redes sociais como um desafio às atuais democracias.

Afinal o que significa falar de História, de sujeitos políticos, de Estado, hoje? Para nós, estarmos atentos que por debaixo de uma aparente perda de interesse na História está presente, mais que nunca, sua valorização, a qual chega às raias de verdadeiros sequestros para sua instrumentalização no campo das disputas políticas. Historiadores foram e seguem sendo alvos, mas também porta-vozes em meio ao espaço público cada vez mais invadido por versões dicotômicas e simplistas da realidade. Complicar para entender o processo de formação do mundo contemporâneo nas suas mais variadas matizes segue snedo, mais que nunca, tarefa urgente. Para nós, também significa assumir que, além da dimensão global de todos os fenômenos, pensar a especificidade da América é não apenas uma forma metodológica de ter em mente que o mundo sempre foi hierarquizado e que a localização das coisas e das pessoas não deve ser simples instrumento de retórica. Assumir que, como único periódico da área que se ocupa somente da discussão histórica deste espaço-tempo, Almanack deve apostar, mais que nunca, no debate, sem abandonar a utopia de que o Novo Mundo continue a nos supreender com soluções de futuro.

Nesta empreitada, é nosso objetivo fortalecer ainda mais o espaço dos nossos Fóruns. Como discussões presenciais que terminam resultando em textos para a Almanack, nossa aposta é que seus temas sigam sendo desafiadores, e as falas dos especialistas amplificadas. Assim se pensou o último, feito sob o espírito destas Palavras, nas dependências da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP, Campus Guarulhos) no dia 18 de novembro de 2019, intitulado “Às vésperas dos 200 anos da Independência: o quê e como discutir?”, com a exposição dos pesquisadores Rodrigo Turin (Unirio), Cecília Helena de Salles Oliveira (USP) e Lucia Maria Bastos Pereira das Neves (UERJ), cujos textos que serão publicados em breve na Revista. Discutir quem se apropria desta data no Brasil atualmente, em meio a um governo que cotidianamente tem colocado à prova quaisquer conquistas democráticas e de reconhecimento das diferenças, é um problema, no mínimo, para muita gente.CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lucia Maria Bastos P. das (orgs.). Repensando o Brasil dos Oitocentos; cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

Sendo assim e a mesma, a Almanack sente a necessidade de se renovar nestes tempos tão desafiadores para todas e todos nós.

Andréa Slemian

Cláudia Maria das Graças Chaves

Bibliografia

  • CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lucia Maria Bastos P. das (orgs.). Repensando o Brasil dos Oitocentos; cidadania, política e liberdade Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
  • JANCSO, István (org.).Independência: história e historiografia São Paulo: Editora Hucitec/Fapesp, 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019
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