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NA CONTRAMÃO DO IMPÉRIO: O CLUBE DA LAVOURA E DO COMÉRCIO DE 1871

IN OPPOSITION TO THE EMPIRE: THE 1871 CLUBE DA LAVOURA E DO COMÉRCIO

Resumo

O presente trabalho analisa o movimento de gestação e a atuação do Clube da Lavoura e do Comércio. Ao longo do ano de 1871, essa associação, que contava com parte dos mais importantes fazendeiros e comerciantes do Império do Brasil, lutou contra a promulgação da Lei do Ventre Livre, manifestando seu antagonismo com o lançamento de um Protesto e envio uma petição ao Parlamento brasileiro.

Palavras-chave:
Escravidão; Lei do Ventre Livre; Clube da Lavoura e do Comércio

Abstract

This work analyzed the development and the performance of the Clube da Lavoura e do Comércio, which consisted of some of the most important farmers and merchants of the Brazilian Empire. Throughout the year of 1871, this association fought against the promulgation of the Law of the Free Womb, manifesting its antagonism with a Protest and a petition sent to the Brazilian Parliament.

Keywords:
Slavery; Law of the Free Womb; Clube da Lavoura e do Comércio

A abolição da escravidão no Império do Brasil, desde muito, recebe a atenção de diversos pesquisadores, nacionais e estrangeiros, com distintas vertentes teórico-metodológicas. Resulta disso a vasta gama de interpretações que o investigador pode encontrar atualmente sobre o tema. Essa ampla literatura, em linhas gerais, se orientou em torno das contradições estruturais entre o capitalismo e a escravidão, a agência do imperador e de uma elite política, a ação dos abolicionistas, o quadro internacional desfavorável ao cativeiro e a ação dos próprios escravos3 3 Cf. COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Editora Unesp, 2010; BEIGUELMAN, Paula. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. São Paulo: Edusp, 2005; CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. Teatro de Sombras. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007; CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978; TOPLIN, Robert Brent. The abolition of slavery in Brazil. New York: Atheneum, 1972; CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011; NEEDELL, Jeffrey. The Party of Order: the conservatives, the state, and slavery in the Brazilian monarchy, 1831-1871. Redwood City: Stanford University Press, 2006; ALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-1888). São Paulo: Companhia das Letras, 2015. . Nessas análises, pouquíssimo espaço foi dedicado ao papel desempenhado pelo grupo derrotado: os senhores de escravos.

Dentro desse grupo, particularmente entre os fazendeiros da região do Vale do Paraíba, surgiu, em 1871, uma extensa oposição ao projeto de lei que consagrava a liberdade dos nascituros no império brasileiro, a famosa Lei do Ventre Livre. Nessa abrangente oposição, salta aos olhos do pesquisador a criação do Clube da Lavoura e do Comércio, uma associação que contou com os mais importantes membros das esferas da produção e da circulação da agricultura escravista brasileira. Apesar de sua curta duração, a análise da atuação do clube ajuda a iluminar a ideologia escravista brasileira e como os próprios senhores de escravos compreendiam o cativeiro oitocentista num momento em que a escravidão deixava de ser uma alternativa no cenário internacional e passava a ser timidamente contestada no próprio Estado nacional brasileiro.

No dia 12 maio de 1871, o gabinete chefiado pelo visconde do Rio Branco apresentou ao Parlamento Brasileiro um projeto que previa a libertação dos escravos nascituros. Meses depois a peça legislativa foi aprovada e ficou conhecida como a Lei do Ventre Livre. No entanto, entre sua apresentação e promulgação, travou-se um dos maiores debates registrados nos anais parlamentares do Império do Brasil e levantou-se uma empedernida oposição de uma parcela da sociedade oitocentista: os fazendeiros estabelecidos na região do Vale do Paraíba, senhores de vastas terras, de inúmeros escravos e da produção da quase totalidade do café comercializado nos circuitos mundiais4 4 Sobre produção de café no Vale do Paraíba e seu predomínio no mercado mundial: MARQUESE, Rafael; TOMICH, Dale. O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no século XIX. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil Imperial: vol. II: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 339-383; PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1781-1846. 2015. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015, p.323-327. Sobre a atuação do senhoriato do Vale do Paraíba contra a Lei do Ventre Livre: MIRANDA, Bruno da Fonseca. O Vale do Paraíba contra a Lei do Ventre Livre, 1865-1871. 2018. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. . A materialização dessa oposição fez-se pela via peticionária, ou seja, dentro do quadro institucional do Império. Dentre as mais diversas manifestações produzidas contra a liberdade do ventre escravo, chama a atenção a construção de uma agremiação que contou com fazendeiros e comerciantes das províncias de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro que abandonaram as tradicionais dissenções partidárias em prol do combate unitário à política emancipacionista do gabinete Rio Branco.

Seguindo de perto os produtores rurais que já haviam manifestado seu antagonismo em relação a libertação das futuras gerações de escravos, no dia 19 de junho de 1871, muitos comissários de café reuniram-se justamente com o fito de elaborar e endereçar uma representação ao legislativo brasileiro contra o projeto do ventre livre. Chegando à esfera da produção, a oposição alcançava então os responsáveis pela circulação do principal produto agrícola brasileiro5 5 Cf. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, p. 3, 21 jun. 1871. .

Autoproclamando-se “comissão do comércio”, a reunião foi presidida por Caetano Furquim de Almeida, advogado ligado aos Teixeira Leite por meio de seu casamento com a filha do barão de Vassouras. Além de fazendeiro, era sócio da casa comissária de café Furquim, Jopper & Cia e, posteriormente, logrou aprovação, junto com mais três, num contrato para exploração e estudos de uma linha férrea ligando Porto Alegre à Uruguaiana. Segundo Furquim de Almeida, já havia um projeto de representação, e este foi lido aos presentes por Joaquim da Costa Ramalho Ortigão, comerciante português e sócio da firma Souza Breves & Cia., que posteriormente abriu a sua própria casa comissária de café, a Ortigão & Cia. O projeto de representação foi aprovado sem desacordo e o texto foi assinado pelos ali presentes em nome dos “negociantes estabelecidos nesta praça do Rio de Janeiro”. No entanto, antes de ser entregue ao Legislativo, a representação ficou em estado de espera, de modo a dar tempo hábil para que mais assinaturas fossem agregadas6 6 Ibidem. As informações sobre Furquim de Almeida foram retiradas de: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brasileiro. Rio Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1970. v. 2, p. 7. Cf.: JARNAGIN, Laura. A confluence of transatlantic networks: elites, capitalism, and confederate migration to Brazil. Tuscaloosa: University of Alabama Press, 2008, p.215. Sobre o projeto ligando Porto Alegre à Uruguaiana cf. MEMORIA justificativa dos planos apresentados ao governo imperial para a construcção da estrada de ferro de Porto Alegre à Uruguayana pelos concessionarios Conselheiro Christiano Benedicto Ottoni, Bacharel Caetano Furquim d’Almeida, [e] Engenheiro Herculano Velloso Ferreira Penna. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1875. As informações sobre Ramalho Ortigão estão em: ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DA CORTE E PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro: [s. n.], 1868-1885. . De fato, apenas na primeira quinzena de julho, Ramalho Ortigão encaminhou a representação, que contava com os nomes das mais importantes casas comerciais da Praça do Rio de Janeiro, ao deputado Andrade Figueira, e este em pouco tempo encaminhou o texto à Câmara7 7 O ofício da “comissão do comércio” com o qual a representação foi entregue à Andrade Figueira data de 12 de julho está em: JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro: [s. n.], p. 3, 16 jul 1871. Na Câmara a representação chegou no dia 14 de julho. Cf. ANNAES DO PARLAMENTO BRAZILEIRO (ACD). CAMARA DOS SRS. DEPUTADOS. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve & C., t. 3, p. 14214 jul. 1871. . No Senado, o processo foi ainda mais lento, pois o visconde de Itaboraí apresentou a petição dos comerciantes só em agosto8 8 Cf. ANNAES DO SENADO DO IMPÉRIO DO BRASIL (AS). Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, v. 4, p. 91, 11 ago. 1871. .

Os signatários da representação do corpo comercial do Rio de Janeiro, ligados aos lavradores “pela mais íntima comunhão de interesses”, começaram asseverando que a escravidão era um “fato condenado” e que sua resolução deveria ocorrer. Contudo, não era “dado a ninguém construir e reconstruir a sociedade, a capricho, suprimindo lhe e mutilando elementos fundamentais”, isto é, não cabia sequer ao governo imperial pôr termo na escravidão, pois ela estava assentada na sociedade e representava uma clara importância. Argumentaram ainda que a escravidão se desenvolveu “à sombra da lei e da proteção do Estado” e representava “capitais longamente acumulados e honestamente adquiridos”. Além disso, era a base da organização social brasileira, pois mantinha a lavoura, que era “talvez a única fonte de riqueza do Império”9 9 Cf. REPRESENTAÇÃO do Corpo Comercial do Rio de Janeiro. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 2, 29 jun. 1871. .

Sobre a implementação do projeto do governo, não hesitaram em ponderar que seria um “passo prenhe de perigos”. Um dos mais danosos perigos era, sem dúvida, o convívio que a lei, caso aprovada, iria impor entre o ingênuo e o escravo não contemplado pelo principal artigo do texto legislativo. Segundo os comerciantes, esta convivência entre dois tipos de cativos revelaria

à consciência do escravo a iniquidade da escravidão que a lei vigente e os costumes conservam em estado de perfeita obscuridade, e o confronto de sua sorte, presa à fatalidade do cativeiro perpétuo com a sorte dos filhos, há de irritá-lo, requeimar-lhe a alma e assanhar no seu espírito todos os instintos selvagens. É fácil prever as consequências funestíssimas dessa irritação em ânimos grosseiros, privados das luzes da moral e da religião.10 10 Ibidem.

Assim, de modo límpido, os comerciantes de café do Rio de Janeiro escancararam a ideologia da dominação escravista no Brasil imperial. Apesar de ser essencialmente injusta, a escravidão era conservada, pois a “lei vigente” (Constituição de 1824) permitia o acesso dos manumitidos a direitos civis e os “costumes” (paternalismo senhorial) garantiam, além de um suposto bom tratamento aos escravos, a concessão de alforrias. A síntese desses dois fatores, segundo os comissários de café, impedia o escravo de tomar consciência da iniquidade do cativeiro, reforçando, portanto, a estabilidade da instituição.

Além disso, questionaram se o Estado teria meios para frear a explosão dos escravos “junto de cada propriedade rural perdida nas solidões do interior”. O projeto, ademais, ao consagrar a alforria forçada, isto é, a autorização legal a terceiros para a compra de qualquer escravo a partir do seu valor de mercado, quebrava a moral dos senhores, algo inaceitável, uma vez em que, pelo projeto, a escravidão subsistiria. Logo, convinha “não quebrar a autoridade, o prestígio, a força moral do senhor sobre o escravo. Sem estes elementos morais de ordem e subordinação, a propriedade escrava é apenas uma inutilidade cheia de perigos e a posição do senhor é insustentável”11 11 Ibidem. .

Por fim, reiteraram que a escravidão deveria ser abolida, mas “sem precipitar o Império na desgraça e na miséria”, como invariavelmente ocorreria se o projeto do gabinete Rio Branco fosse aprovado. Nesse cenário, como agir? Primeiro, o “nobilíssimo movimento” de “manumissões espontâneas”, por parte dos próprios proprietários de escravos, deveria ser respeitado12 12 A prática da alforria foi uma realidade ao longo de toda a história escravista do Brasil, no entanto, a espontaneidade senhorial em concedê-las, sobretudo ao longo do período imperial, apesar de discursivamente bem construída, não era uma realidade. Cf. MARQUESE, Rafael de Bivar. A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. Novos estudos CEBRAP, São Paulo, n. 74, p. 107-123, 2006. Cf. também: SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo: Vassouras, século XIX, senhores e escravos no coração do império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 289-296; SOARES, Luiz Carlos. O “povo de Cam” na capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007, p. 277-278; SILVA JÚNIOR, Waldomiro Lourenço da. Entre a escrita e a prática: direito e escravidão no Brasil e em Cuba, c.1760-1871. 2015. Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015, p. 176-177. . Em segundo lugar, e em complemento ao respeito do suposto generoso movimento senhorial, recomendavam ao Estado a promoção de esforços que levassem tanto à construção de linhas férreas pelo interior do Brasil quanto a incentivos tendentes ao desembarque de colonos “nas regiões fecundas do país”13 13 Cf. REPRESENTAÇÃO… Op. Cit. . Portanto, a convergência das manumissões com o ingresso de colonos no país concorreria, inevitavelmente, à substituição dos escravos manumitidos pelos trabalhadores livres de outros países, algo que só tenderia ao aumento caso a malha ferroviária se expandisse. De outro modo, é possível igualmente apreender o descaso com a população negra brasileira: o negro apenas servia ao trabalho agrícola enquanto escravo, fora dessa condição era preferível incentivar a vinda de imigrantes para o Império do Brasil.

Ao que tudo indica, logo após a resolução acerca da petição, os representantes do comércio fluminense foram muito mais longe em sua ação. De comum acordo, decidiram que seria criado um “clube comercial”, que não se restringiria a congregar os homens de negócio, mas teria por objetivo colocar comerciantes e lavradores em íntimo contato, “no sentido de seus recíprocos interesses e direitos”14 14 Cf. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 1, 20 jun. 1871. . Estava, assim, formado o embrião que, no mês seguinte, originaria o Clube da Lavoura e do Comércio, associação que congregaria parte dos mais importantes agentes econômicos do século XIX no Brasil.

O primeiro sinal de efetiva junção entre a agricultura e comércio foi um protesto, assinado por uma “comissão da lavoura e do comércio”, contra o favorável parecer ao ventre livre lavrado pela comissão especial de 15 de maio de 187115 15 O parecer completo encontra-se em: ACD. Sessão de 30 de junho de 1871, t. 2, p. 220-234; A ABOLIÇÃO no Parlamento: 65 anos de luta (1823-1888). Brasília, DF: Senado Federal, 2012. v. 1, p. 466-513. . Além de Furquim de Almeida e Ramalho Ortigão, a comissão contava com: José de Souza Breves, importante fazendeiro e negociante em Piraí; Augusto Soares de Miranda Jordão, que, além de fazendeiro na Paraíba do Sul e em Vassouras, fez fortuna com a concessão de pequenos empréstimos até chegar a fundar a Casa Bancaria Miranda Jordão & Cia.; Domingos Theodoro de Azevedo Júnior, fazendeiro, juiz de paz, subdelegado e, por fim, presidente da câmara municipal de Valença; Francisco Caetano do Valle Júnior, negociante; e Joaquim de Almeida Ramos, futuro barão de Almeida Ramos, vereador de Valença, casado com a filha do barão de Ipiabas e importante comissário de café com a firma “Pedro Ramos & Irmãos”, que lhe rendeu capital para comprar a fazenda São Lourenço16 16 As informações foram retiradas de: VASCONCELOS, Barão de; VASCONCELOS, Barão Smith de (org.). Archivo Nobiliarchico Brasileiro. Lausanne: Imprimerie La Concorde, 1917, p. 39-40; Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1853, 1858, 1865, 1866, 1867, 1869, 1870, 1871, 1881. Cf. também: JARNAGIN, Laura. Op. Cit., p. 215. .

Tratava-se, sem exagero, do topo da elite agrário-mercantil-escravista da província do Rio de Janeiro, que se encontrava em desacordo quanto ao encaminhamento da questão do elemento servil, tal qual proposto pelo gabinete Rio Branco, e se mobilizava em uma ação de classe que se tornaria comum ao final do Império17 17 Cf. PANG, Laura Janargin. The state and agricultural clubs of imperial Brazil, 1860-1889. 1981. Tese (Doutorado em História) - Vanderbilt University, Nashville, 1981, p. 290-373 e; ALONSO, Angela. Op. Cit., p. 66-67, 252-253, 292-293. . Isso era algo “estrondoso […] virgem nos anais de nossa história”, como proclamou o deputado por Minas Gerais José Xavier da Silva Capanema, quando a proposta do ventre livre estava em discussão na Câmara dos Deputados18 18 Cf. ACD. Sessão de 17 de julho de 1871, t. 3, p. 171. .

No protesto, os comissionados, apesar de não contestarem “a necessidade da emancipação” e de declararem que estavam “seriamente resolvidos a auxiliá-la”, não podiam deixar de bradar contra o questionamento da plenitude da propriedade escrava e os princípios religiosos pró-abolição constantes no parecer da comissão especial19 19 O documento foi assinado no dia 7 de julho e publicano no Jornal do Commercio, edição de 9 de julho de 1871, p. 3. .

O parecer favorável ao projeto de liberdade de ventre e sua submissão à Câmara parece mesmo ter colocado um senso de urgência nesses indivíduos e despertado sua capacidade organizacional contra uma medida que ameaçava seus interesses, pois, com grande brevidade ao protesto, chegaram ao acordo da conveniência de “instituir uma associação” com o objetivo de proteger “seus legítimos interesses”. Assim, a “comissão da lavoura e do comércio” convidou reiteradas vezes os fazendeiros e negociantes do Rio de Janeiro a participarem de uma reunião que ocorreria no Corte no dia 16 de julho daquele ano20 20 O convite repetiu-se no Jornal do Commercio, edições de 11 de julho (p. 3), 12 de julho (p. 2), 13 de julho (p. 4), 14 de julho (p. 2), 15 de julho (p. 5) e 16 de julho (p. 3) e no Diário do Rio de Janeiro, edições de 8 de julho (p. 1), 10 de julho (p. 1), 11 de julho (p. 3), 12 de julho (p .2), 13 de julho (p. 2), 14 de julho (p. 2), 15 de julho (p. 3) e 16 de julho (p. 2). .

No dia marcado, às onze e meia da manhã, cerca de 600 pessoas, entre as quais podiam ser contadas não apenas fluminenses, mas igualmente paulistas e mineiros, atendendo ao convite, compareceram ao Club Fluminense e participaram da reunião, que durou quase três horas e culminou na criação do Clube da Lavoura e do Comércio, como foi sintomaticamente batizado21 21 Ao que tudo indica, os responsáveis pelas comissões do comércio e da lavoura que ocorreram no Rio de Janeiro estavam presentes. Entre os paulistas, é possível destacar as figuras de Manoel de Aguiar Vallim e seu genro, Pedro Luiz Pereira de Souza, já entre os mineiros sobressai o nome do visconde de Prados. . A mesa da reunião inaugural foi composta pelos sete indivíduos que assinaram o protesto e a presidência coube a José de Souza Breves que convidou Furquim de Almeida a expor a razão do encontro.22 22 Cf. ATA da reunião inaugural do Clube da Lavoura e do Comércio. Diário do Rio de Janeiro, p. 1, 17 jul. 1871.

Tudo parecia estar muito organizado e o genro do barão de Vassouras foi bem claro. Segundo ele, os fazendeiros e comerciantes “sentiram-se assustados por verem-se ameaçados em seus direitos, em sua propriedade, em tudo quanto tinham de mais caro” e, depois que a lavoura e o comércio, individualmente se manifestaram, as duas classes resolveram reunir seus esforços e trabalhar em conjunto pela causa que tomavam “a peito defender”. Foi então que as “diretorias” da lavoura e do comércio, de comum acordo, convocaram a reunião para que se formasse uma “associação” com o fito de “defender os interesses ameaçados da lavoura e todos os que com eles se acham ligados”.

O clube possuía um estatuto. Vale a menção sucinta de alguns de seus 17 artigos, organizados em cinco títulos, pois demonstram o espírito da agremiação. A finalidade do clube era a defesa e sustentação dos “direitos dos lavradores, com relação à reforma do elemento servil”. O que não significava oposição à emancipação, mas sim a busca pelo seu encaminhamento “de maneira a resguardar os direitos dos proprietários de escravos e em ordem a evitar a ruína da riqueza pública e particular”23 23 Ibidem. . A diretoria (composta de presidente, vice-presidente, secretários, tesoureiro e conselheiros) seria anualmente eleita e a ela caberia “endereçar aos poderes públicos, em nome do Clube, representações e petições a bem do pensamento sustentado pelo Clube”, bem como “prestar todo o auxílio e socorro aos sócios do Clube, em que disser respeito às suas relações com os escravos, solicitando para esse fim a ação da autoridade pública”. Criavam-se também “comissões locais”, compostas dos três mais importantes fazendeiros de cada freguesia, que teriam como missão agenciar sócios, ouvir a opinião dos lavradores locais “e os conselhos de sua experiência para transmiti-los à diretoria”. Com o planejamento de três reuniões mensais, havia no horizonte a possibilidade da criação de um jornal que sustentasse as ideias do Clube. Enquanto isso não era resolvido, a diretoria designaria “um de seus membros para representá-la em suas relações com a imprensa”. Por fim, para tornar-se membro, a quantia de 100 mil réis deveria ser paga24 24 Ibidem. .

Em suma, objetivava-se a criação de uma associação que congregasse membros da agricultura e do comércio, com a finalidade de protegerem seus interesses mútuos ante a política emancipacionista do gabinete Rio Branco. Essa ação contrastava com a inação das duas classes mais importantes do Império no ano anterior, quando o assunto da emancipação adentrou a Câmara. Em 1870, em virtude do questionamento levantado pelo deputado Teixeira Júnior, a discussão do tópico da emancipação servil encontrou vivo eco na Câmara dos Deputados: debateu-se qual o pensamento do governo sobre a reforma na escravidão, levantou-se a necessidade de fazer algo em relação à emancipação dos escravos, colocando um ponto final na questão, e chegou-se inclusive ao ponto da elaboração de um extenso projeto de liberdade do ventre, fruto do trabalho de uma comissão especial eleita para estudar o assunto25 25 Cf. ACD. Sessões de 9, 11, 14, 23 e 24 de maio de 1870. .

Mesmo com tudo isso, os fazendeiros não se manifestaram publicamente, pois, nas palavras do barão da Paraíba, que estava presente na reunião do Clube da Lavoura e do Comércio, o que “havia [no ano anterior] era uma confiança ilimitada nos poderes do Estado”26 26 Ibidem. Em 1870, o tópico da emancipação foi discutido na Câmara em virtude da ação do deputado Jerônimo José Teixeira Júnior, que logrou inclusive a aprovação da eleição de uma comissão especial que deu parecer favorável à emancipação escrava via liberdade do ventre. Cf. ACD. Sessões de 9 e 11 de maio de 1870, p. 11-12; Sessão de 14 de maio de 1870, p. 21; Sessões de 23 e 24 de maio de 1871; Sessão de 30 de maio de 1871, p. 90; Sessão de 16 de agosto de 1871, p. 178-179. . Com efeito, o projeto elaborado naquele momento nem sequer chegou a ser discutido. O que não se pode perder de vista é o fato de que o argumento do barão da Paraíba atesta o prisma pelo qual a agricultura e o comércio encaravam os fatos. A confiança ilimitada no governo recaía no gabinete do visconde de Itaboraí, saquarema histórico que silenciou as manifestações governamentais pró-reforma escravista, expressas nas falas do trono de 1868 e 1869, tão logo assumiu a presidência do conselho de ministros em 1870.

Os fazendeiros repousavam na tranquilidade, pois sabiam que o velho cacique conservador não colocaria na ordem dos trabalhos legislativos um projeto de emancipação escrava, por mais que a proposta tivesse sido elaborada, como de fato o foi, pela Câmara. Ao governo do visconde do Rio Branco, contudo, guardavam desconfiança justamente pela inserção de tão melindroso tema entre as discussões do parlamento imperial. Ademais, no que diz respeito à organização do clube, a eleição anual para a presidência e a ideia futura de criação de um jornal sugere que, na mente daqueles que o fundavam, o Clube da Lavoura e do Comércio perduraria. Nada mais sintomático: uma vez perdida a confiança no Estado, aqueles agentes históricos viram-se obrigados a uma defesa contínua de seus interesses.

Na reunião, mais três discursos foram feitos. Destes, dois merecem destaque: o primeiro, por criticar a reforma e lançar o protesto do Clube, e o segundo, por responsabilizar o próprio imperador pelo ventre livre. Com uma fala que sintetizava seu livro, que estava no prelo, e guardava grandes semelhanças com as preocupações senhoriais contidas nas representações endereçadas ao parlamento naquele ano, o mineiro Cristiano Benedito Ottoni, engenheiro e político ligado ao Partido Liberal, declarou que, apesar de não ser fazendeiro ou comerciante, apenas se encontrava na reunião por conta do compromisso do clube, constante no artigo segundo dos estatutos, de procurar encaminhar a emancipação excluindo-se, assim, “a ideia de resistência cega” ao encaminhamento da questão servil27 27 O livro que estava no prelo era A emancipação dos escravos: parecer de C. B. Ottoni (Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1871). No seu início contém uma advertência que data do dia anterior ao da reunião do Clube da Lavoura e do Comércio. Em suas últimas páginas, Ottoni deu um jeito de inserir o discurso que proferiu na reunião do Clube. . Se os proprietários resistissem à reforma, os estragos seriam inevitáveis. Contudo, se participassem dela e ajudassem a dirigir os rumos, os danos seriam minimizados e, certamente, evitados. Esse era o cerne da ideia de Ottoni para a resolução da questão da escravidão no Brasil.

Sobre a coexistência entre o liberto pela nova lei e o escravo, argumentava que, enquanto existisse a escravidão, nenhuma alteração deveria ser feita nas relações entre senhores e escravos, pois isso alteraria

profundamente as condições de existência e as disposições do espírito daqueles que ainda se conservam na escravidão […]. A primeira condição da existência dessa instituição, é a disciplina nos estabelecimentos onde se aglomera um grande número de escravos; e como há de haver essa disciplina, quando o senhor houver de dar tratamento diferente a dois filhos da mesma mãe […]?

Reverberando o coro escravista, contido nas petições senhoriais contra o ventre livre, alegava que a quebra da disciplina, consequência imediata da promulgação do projeto, levaria a agricultura brasileira à bancarrota.

Após essas declarações, Ottoni leu um documento que deveria circular na imprensa de modo a divulgar as ideias do Clube. Era o Protesto do Clube da Lavoura e do Comércio. Combinando os estatutos com as apreensões que o projeto do ventre livre incutia nos comerciantes e agricultores, o protesto demonstrava que os membros do clube não pretendiam “criar dificuldades nem contrariar o princípio da libertação da escravatura”, mas sim encaminhar a emancipação, resguardando os direitos dos proprietários. A execução do projeto, tal qual apresentado à Câmara, produziria “as mais desastrosas consequências”. Ao colocar os libertos para conviver com os escravos até os 21 anos, a lei, de um lado, geraria indisciplina e desorganização do trabalho, inviabilizando a prática agrícola; de outro lado, negaria a “liberdade proclamada e prepararia nos indivíduos libertados terrível elemento de subversão da sociedade em futuro bem próximo”, pois eles estariam repletos de vícios do cativeiro28 28 Esse protesto foi anexado à representação que o Clube, dias depois, enviou ao Parlamento Brasileiro. .

As últimas palavras de Ottoni, antes de descer da tribuna, ainda merecem atenção. Segundo ele, era comum que um fazendeiro tivesse um filho com uma de suas escravas e, por livre iniciativa paternal, o senhor poderia libertar seu filho e criá-lo como homem livre, educando-o e instruindo-o com todo o zelo possível. Esse indivíduo, continuava o engenheiro, poderia ser muitas coisas, mas teria o “pecado original”: era liberto e jamais teria a oportunidade de ser eleito para cargo político nenhum. No entanto, outra era a situação do indivíduo que o projeto de lei tinha o potencial de criar.

Este é ingênuo: mas é analfabeto, embrutecido; os que tem índole pacífica não passam de instrumentos brutos de trabalho; os de más entranhas, são animais ferozes, que a grande reforma solta das jaulas sobre o povo pacífico: mas estes são ingênuos podem ser ministros de Estado! Eis a beleza do sistema. (Hilaridade prolongada, aplausos).29 29 O discurso de Ottoni encontra-se na ata da reunião inaugural do Clube, que foi publicada em: Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 1, 17 jul. 1871, grifo do autor.

A hilaridade causada entre os presentes ocorreu, pois Ottoni referia-se em tom de deboche ao parecer da comissão especial da Câmara dos Deputados, que declarava que “a beleza do sistema” do ventre livre era que ninguém mais nasceria escravo no Brasil.

Pedro Luiz Pereira de Souza, político liberal, poeta, genro de Manoel de Aguiar Vallim, quando ocupou os presentes com seu discurso, causou tumulto na reunião30 30 Cf. BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. Cit., v. 7, p. 49. . Referindo-se à viagem que o monarca então fazia pela Europa, começou dizendo que se Pedro II “previsse a onda da resistência que se está levantando […] a este projeto, certamente não nos deixava”. Mas logo depois, ao elencar o que ele compreendia como as fases da evolução da questão servil, abandou esta ideia de confiança ao imperador e declarou de pronto:

O Sr. Pedro Luiz: - […] a terceira [fase] foi o nefando projeto; de maneira que sucedeu repentinamente a política da conspiração, a política da imposição, do capricho, a política…

O Sr. Galdino das Neves: - Pode dizer, a política pessoal.

O Sr. Pedro Luiz: -… a política da Coroa, como já disse o gabinete de 7 de Março.

O Sr. C. Ottoni: - Imparcial (Riso).31 31 ATA… Op. Cit., grifo do autor.

Já sem dissimulação discursiva, arrematou seu pensamento:

quanto a mim declaro que não tenho veleidades revolucionárias, mas, se as tivesse, contentava-me com pouco: revolucionava nosso mundo político, porém na forma, deixando o fundo como está.

Quisera que continuasse o mesmo sistema de governo, mas com o seu verdadeiro nome: governo absoluto; e que não cansassem o povo com eleições, com assembleias, que nos deixássemos de ficções e fórmulas banais. Isto era mais cômodo para todos.32 32 Ibidem.

Diversos apartes foram trocados entre o orador e Galdino das Neves. O Clube da Lavoura e do Comércio parecia ter discordâncias internas. Percebendo-as, Miranda Jordão, de modo conciliatório, interrompeu a discussão, observando que seria interessante e proveitoso a todos “acabar com as duas políticas”, isto é, a dissidência interna, e “haver uma voz uníssona”, pois a associação deveria se espalhar pelo Império e os indivíduos a ela pertencentes não seriam escolhidos pela crença política, mas pelo “valor pessoal, com tanto que não pertençam à comuna”33 33 Apesar dos ataques ao regime monárquico, Pedro Luiz fora deputado e tornou a ser em 1878. Em 1880, sob o gabinete de José Antonio Saraiva, ocupou as pastas das relações exteriores e da agricultura além de ser nomeado presidente da província da Bahia. BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. Cit., v. 7, p. 49; Barão de Javary. Organizações e programmas ministeriaes, p. 185-186. .

Após a conciliação, o meio encontrado para materializar a defesa dos interesses agrícolas foi a elaboração de uma representação em nome do clube. A data precisa da reunião que deu origem a petição, contudo, é incerta. Provavelmente deu-se no dia 23 de julho, com a convocação dos membros feita pelo presidente do Clube, o conde do Bomfim34 34 Depois da reunião do dia 16, o único anúncio de reunião para o Clube ocorreu no dia 23 de julho, quando se publicou tanto no Diário do Rio de Janeiro quanto no Jornal do Commercio, uma convocação, assinada por Bomfim, aos membros do Clube “para se tratar de negócio urgente” ainda no dia 23. No dia seguinte, as duas folhas já circulavam com a representação. . Ao todo, 22 assinaram o texto em nome do Clube. Todos homens pertencentes às mais influentes famílias do eixo Rio-Minas-São Paulo, isto é, ligados ou eles próprios os maiores produtores rurais escravistas e os mais importantes comerciantes do Império35 35 Para uma análise social de cada signatário da representação do Clube da Lavoura e do Comércio, cf. PANG, Laura Janargin. Op. Cit., p. 172-182. Na comparação entre a representação original e a publicada pela imprensa, é possível constatar, nesta última, a supressão do nome de Manoel de Aguiar Vallim. Cf. REPRESENTAÇÃO do Clube da Lavoura e do Comércio a respeito da proposta do governo sobre o elemento servil. ASF, Caixa 73, Maço 3, Pasta 25. Cf. também as publicações da representação na imprensa: Diário do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio, ambos na primeira página edição de 24 de julho de 1871. . Nenhuma petição contra o ventre livre, isoladamente, conseguiu agrupar tamanho cabedal representativo dos interesses agrário-escravistas.

A representação era curta, pois seguia em anexo o Protesto da associação. Em primeiro lugar, na petição há um claro exagero do número dos que participaram da reunião de inauguração do Clube e assinaram seu Protesto: os quase 600 indivíduos foram amplificados para 2 mil. Por que incorrer em tamanha hipérbole numérica? Por um motivo muito simples: para aumentar a representatividade do Clube e causar maior impacto dentro do legislativo brasileiro. Estratégia desleal36 36 Cf. REPRESENTAÇÃO do Clube da Lavoura e do Comércio a respeito da proposta do governo sobre o elemento servil. ASF, Caixa 73, Maço 3, Pasta 25. Cf. também as publicações da representação na imprensa: Diário do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio, ambos na primeira página edição de 24 de julho de 1871. .

Em segundo lugar, o mote de que não desejavam a perpetuidade da escravidão, mas sem abalo social, foi repetido. O receituário para sair do impasse foi ligeiramente diferente daquele apresentado pelos negociantes da Praça do Rio de Janeiro, mas muito próximo das petições dos fazendeiros. A extinção da escravidão sem abalo não era o ventre livre, pois ele apenas cuidava das gerações futuras, mas sim a “libertação gradual com indenização, estabelecendo-se regras de preferência, e mantido estritamente para os ainda não manumitidos o status quo das relações entre o senhor e o escravo”.

Sem esclarecer quem determinaria as “regras de preferência”, fica difícil asseverar qualquer coisa, contudo, dado o contexto imediato no qual viviam e a experiência compartilhada entre os coevos, certamente essa atribuição não caberia ao governo, mas sim aos próprios proprietários de escravos. A indenização era para eles um direito constitucional que seria garantido por um fundo de emancipação aos moldes do projeto de 12 de maio. Já a manutenção das relações entre os senhores e escravos, que poderia ser perturbada pela legalização do pecúlio e pela libertação forçada, era fundamental para o bom andamento da produção agrícola e, por conseguinte, do próprio Império. Logo, deveria, a todo custo, ser preservada37 37 REPRESENTAÇÃO… Op. Cit. .

Declarando que não se alongavam na representação para “escapar à nota de imprudência, que […] recai sobre o parecer da […] comissão especial”, os membros do Clube da Lavoura e do Comércio, como vimos, foram sucintos no seu texto, mas não no alcance de suas assertivas. Segundo eles, era necessário que não se perturbassem “as relações existentes entre o senhor e o escravo”, a fim de não exaltar as “esperanças” e “naturais impaciências” já despertadas nos cativos pelo “próprio fato das discussões e deliberações públicas acerca do princípio de escravidão” terem se iniciado. O pecúlio, “medida que está nos nossos estilos e que sendo devida à benevolência dos senhores produz os seus benéficos resultados sem perturbação e sem os perigos”, não deveria ser normatizado.

Com efeito, a intervenção do poder público alimentava “uma ideia falsa em prejuízo dos senhores de escravos, irroga-lhes injúria, e perturba o espírito de obediência necessário à conservação da instituição, enquanto não é possível extingui-la”. Sobre o dispositivo da alforria forçada, presente no projeto, os lavradores e comerciantes foram categóricos: destruía “fundamentalmente toda a subordinação”. Era indispensável que a designação dos manumitidos fosse feita pela anuência exclusiva do senhor. Em essência, o que argumentavam era que a regulamentação do pecúlio e o estabelecimento da alforria forçada findavam o monopólio senhorial de concessão de benefícios. Sem a possibilidade de exercer um papel paternal (e controlador), e com sua figura plenamente desmoralizada “o espírito de obediência” que mantinha a escravidão em pé fatalmente ruiria38 38 Ibidem. Cf. as publicações da representação na imprensa: Diário do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio, ambos na primeira página edição de 24 de julho de 1871. .

Tanto o protesto quanto a representação encampavam o argumento de que o Estado, nas letras do projeto, ignorava por completo os fazendeiros e intervinha em demasia no governo dos escravos, destruindo o princípio da soberania doméstica. Por esse princípio, que norteava as relações de domínio, os senhores tinham total autonomia para comandarem seus escravos com força e autoridade moral, determinando a quantidade de trabalho e de castigo, mas igualmente possibilitando a concessão de benefícios como a alforria, a formação de pecúlio ou uma parcela de terra para o cultivo agrícola39 39 Cf. DEBBASCH, Yvan. Au coeur du “gouvernement des esclaves” la domestique aux Antilles fraçaises (XVIIe-XVIIIe siècles). Revue Française d’Historie d’Outre-mer, Paris, v. 72, n. 266, p. 31-53, 1985. Cf. também MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 121-123, 154-155. . O protesto foi mais longe na condenação ao Estado:

A lavoura e comércio esperariam silenciosos a decisão do corpo legislativo sobre esta magna questão social, se se tratasse de medidas preparatórias, de transformação gradual, de providências que, observadas cautelosamente na execução, pudessem ser reguladas, modificadas, desenvolvidas pela prudência dos estadistas a quem a nação delegasse sucessivamente os poderes constitucionais.

Teme, porém os efeitos de uma medida perpétua, que altera a jurisprudência, que pela natureza das coisas se tornará irrevogável, e segundo a qual o Estado, que cria o novo direito, lança exclusivamente sobre uma classe da sociedade os ônus e os perigos que lhe são inerentes.40 40 Cf. PROTESTO do clube da lavoura e do comércio anexo à representação do clube. ASF, Caixa 73, Maço 3, Pasta 25. Cf. também: Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 1, 24 jul.1871; Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, p. 1, 24 jul. 1871.

A partir do cruzamento do protesto com a representação, é possível compreender que, no entender do Clube da Lavoura e do Comércio, o governo imperial criava um “novo direito”, pois colocava os senhores como algozes dos escravos e concedia a esses direitos que alteravam a ordem na qual era fundada a escravidão. A autoridade irrestrita do senhor, como fundamento para o trabalho e a disciplina escrava, ficaria irreversivelmente abalada. Se não se tratasse de algo tão radical, haveria certamente pouca ou nenhuma manifestação da lavoura ou do comércio, como de fato não houve desde a década de 1830. A peça legislativa de 1871, no entanto, ao configurar-se como a primeira tentativa direta de intervenção do Estado brasileiro no governo dos escravos, parecia pôr termo num tempo de cumplicidade e resguardo quase incondicional ao cativeiro.

Louvando a iniciativa dos comerciantes e fazendeiros e ressaltando o sistema indireto pelo qual eles propunham a emancipação, Ferreira Vianna apresentou a representação do Clube da Lavoura e do Comércio à Câmara dos Deputados. Na mesma sessão, outras três representações foram apresentadas. Contudo não contra a proposta do ventre livre, mas a favor. Eram elas assinadas pela Sociedade Libertadora Sete de Setembro, pela Sociedade Libertadora Treze de Março e pela Câmara Municipal de Campos dos Goitacazes. As duas primeiras, da Bahia, foram levadas à mesa por Junqueira, já a terceira, pelo filho homônimo do visconde do Rio Branco, deputado pelo Mato Grosso. O expediente peticionário pró-emancipação parecia responder tanto ao movimento contra o ventre livre quanto às críticas escravistas de que não havia nenhuma mobilização da opinião pública a favor daquilo que o ministério propunha41 41 Cf. ACD, Sessão de 26 de julho de 1871. t. 3, p. 272-273. Sobre a crítica de uma ausência de opinião pública favorável à emancipação, cf. DISCURSO de Paulino Soares. ACD. Sessão de 29 de maio de 1871. t. 1, p. 103-105. A representação de Campos foi escrita em 17 de julho e seus signatários escreveram que a Câmara “aplaude a resolução tomada pelo governo imperial”. Cf. REPRESENTAÇÃO da Câmara de Campos dos Goitacazes a respeito da proposta do governo sobre o elemento servil. ASF, Caixa 76, Maço 3, Pasta 32. Foi também publicada em: Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, p. 5, 27 jul. 1871. E chegou ao Senado no dia 7 de agosto do mesmo ano. A Sociedade 7 de setembro foi fundada por Abílio Borges. Para um balanço acerca dessas associações abolicionistas cf. ALONSO, Angela. Op. Cit., p. 67-70, p. 435-446. Segundo a autora, entre 1869 e inícios de 1871, 25 associações desse tipo surgiram no Império. .

No mês de agosto, a representação do clube, juntamente com a composta pelos comerciantes fluminenses, chegou ao Senado por intermédio do visconde de Itaboraí. Ao citar que os nomes do visconde de Prados, Pedro Luiz Pereira de Souza, e de Christiano Benedito Ottoni estavam na petição do clube, o velho saquarema reforçava, assim, a pluralidade de ideias congregadas no texto e pontuava que o presidente do conselho de ministros não poderia dizer que o texto era assinado por “títeres, que se movem à vontade da minoria da câmara dos deputados”42 42 Cf. AS. Sessão de 11 de agosto de 1871, v. 4, p. 91. Pedro Luiz, genro de Manoel de Aguar Vallim, era membro do Partido Liberal. Ottoni tinha pendores republicanos, mas seu irmão, Teófilo, era ligado aos liberais, tendo chegado a participar da Revolução Liberal de 1842 ao lado do também mineiro Camilo Maria Ferreira Armond, barão (1861), visconde (1871) e conde (1881) de Prados. Sobre o conde de Prados, cf. COHN, Marjorie. A Fazenda Santa Sofia: cafeicultura e escravidão no vale do Paraíba, 1850-1882. 2013. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. . Efetivamente, o convívio entre as diferentes vertentes políticas não foi uma exclusividade do Clube da Lavoura e do Comércio. Na conjuntura de 1871, esse feito ecoava o fenômeno suprapartidário que o movimento mais amplo dos fazendeiros registrou contra a liberdade do ventre43 43 MIRANDA, Bruno da Fonseca. Op. Cit., p. 74-76 .

CONCLUSÃO

Não obstante os esforços escravistas, a proposta de liberdade do ventre foi aprovada pelo Legislativo brasileiro em 28 de setembro de 1871. Nem todo o movimento peticionário realizado pelos fazendeiros vale-paraibanos naquele ano nem a ação conjunta em uma associação de classe de grande porte como o Clube da Lavoura e do Comércio foram capazes de demover a emancipação. Todavia, o malogro em 1871 não representou uma derrota imediata do grupo e muito menos o fim iminente da escravidão. Tão logo a Lei do Ventre Livre foi aprovada, os fazendeiros passaram a defendê-la como o ponto final da legislação escravista brasileira44 44 CONRAD, Robert. Op. Cit., p. 145-146. . Já na década de 1880, quando se desenhou o projeto Dantas e o movimento abolicionista avançou, a experiência associativista do Clube da Lavoura e do Comércio de 1871 parece ter contribuído para a organização senhorial, que então se expressou na criação de diversos clubes agrícolas ao longo do último decênio de vigência do cativeiro no Império do Brasil45 45 PANG, Laura Janargin. Op. Cit., p. 336-369; ALONSO, Angela. Op. Cit., p. 405 .

Segundo Theodoro Machado Freire Pereira da Silva, então ministro da Agricultura por ocasião do gabinete chefiado pelo visconde do Rio Branco, as manifestações capitaneadas pelos representantes da lavoura brasileira, entre as quais se incluía a do Clube da Lavoura e do Comércio, não poderiam ser consideradas como “a última expressão da opinião pública do Império”46 46 Cf. ACD. Sessão de 13 de julho de 1871, t. 3, p. 130-131. . Isso porque, ainda de acordo com o ministro, o país assistia mesmo a uma crescente convicção de que a escravidão deveria conhecer seu fim, como demonstrava, por exemplo, a aprovação de leis provinciais que criaram fundos para a manumissão de escravos, fenômeno que se observava em praticamente todo o Império desde 186847 47 A referência aos fundos de emancipação também foi feita pelo ministro: ACD. Sessão de 13 de julho de 1871, t. 3, p. 126-129. Sobre o tema, cf. também: CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian political citizenship. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2016, pp.34-52. .

Além disso, completava o quadro desfavorável aos senhores o fato de que desde o final da década de 1860, particularmente depois da radical reversão ministerial de 1868, quando os conservadores voltaram ao poder liderados por Itaboraí, passou a florescer pelo Império uma tímida, porém crescente convicção de que a escravidão deveria conhecer seu fim. A materialização disso pode ser constatada tanto em ações emancipacionistas que tomaram as ruas do Recife, quanto nas 25 associações abolicionistas que surgiram por todo o país entre 1868 e 187148 48 Cf. ALONSO, Angela. Op. Cit., p. 39, p. 93-98, p. 429. Cf. também: CASTILHO, Celso Thomas. Op. Cit., p. 22-52. . Assim, os fazendeiros e comerciantes da macrorregião do Vale do Paraíba, intimamente ligados e dependentes da agricultura escravista, pareciam caminhar na contramão do Império que ajudaram a construir. Os tempos haviam mudado e a defesa irrestrita da escravidão deixava de ser uma prática política vitoriosa tal qual o fora na década de 183049 49 Sobre a ação dos escravistas na década de 1830, cf.: PARRON, Tâmis Parron. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 84-90 e capítulos 2 e 3. .

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  • REPRESENTACAO REPRESENTACAO da Camara de Campos dos Goitacazes a respeito da proposta do governo sobre o elemento servil. Arquivo do Senado Federal: Brasilia, DF Caixa 76, Maco 3, Pasta 32
  • REPRESENTACAO REPRESENTACAO do Club da Lavoura e do Comercio a respeito da proposta do governo sobre o elemento servil. Arquivo do Senado Federal: Brasilia, DF, Caixa 73, Maco 3, Pasta 25, 1871
  • 3
    Cf. COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Editora Unesp, 2010; BEIGUELMAN, Paula. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. São Paulo: Edusp, 2005; CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. Teatro de Sombras. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007; CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978; TOPLIN, Robert Brent. The abolition of slavery in Brazil. New York: Atheneum, 1972; CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011; NEEDELL, Jeffrey. The Party of Order: the conservatives, the state, and slavery in the Brazilian monarchy, 1831-1871. Redwood City: Stanford University Press, 2006; ALONSO, AngelaALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-1888). Sao Paulo: Companhia das Letras, 2015.. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-1888). São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
  • 4
    Sobre produção de café no Vale do Paraíba e seu predomínio no mercado mundial: MARQUESE, Rafael; TOMICH, Dale. O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no século XIX. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil Imperial: vol. II: 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 339-383; PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1781-1846. 2015. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015, p.323-327. Sobre a atuação do senhoriato do Vale do Paraíba contra a Lei do Ventre Livre: MIRANDA, Bruno da Fonseca. O Vale do Paraíba contra a Lei do Ventre Livre, 1865-1871. 2018. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
  • 5
    Cf. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, p. 3, 21 jun. 1871.
  • 6
    Ibidem. As informações sobre Furquim de Almeida foram retiradas de: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brasileiro. Rio Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1970. v. 2, p. 7. Cf.: JARNAGIN, Laura. A confluence of transatlantic networks: elites, capitalism, and confederate migration to Brazil. Tuscaloosa: University of Alabama Press, 2008, p.215. Sobre o projeto ligando Porto Alegre à Uruguaiana cf. MEMORIA justificativa dos planos apresentados ao governo imperial para a construcção da estrada de ferro de Porto Alegre à Uruguayana pelos concessionarios Conselheiro Christiano Benedicto Ottoni, Bacharel Caetano Furquim d’Almeida, [e] Engenheiro Herculano Velloso Ferreira Penna. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1875. As informações sobre Ramalho Ortigão estão em: ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DA CORTE E PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro: [s. n.], 1868-1885.
  • 7
    O ofício da “comissão do comércio” com o qual a representação foi entregue à Andrade Figueira data de 12 de julho está em: JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro: [s. n.], p. 3, 16 jul 1871. Na Câmara a representação chegou no dia 14 de julho. Cf. ANNAES DO PARLAMENTO BRAZILEIRO (ACD). CAMARA DOS SRS. DEPUTADOS. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve & C., t. 3, p. 14214 jul. 1871.
  • 8
    Cf. ANNAES DO SENADO DO IMPÉRIO DO BRASIL (AS). Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, v. 4, p. 91, 11 ago. 1871.
  • 9
    Cf. REPRESENTAÇÃO do Corpo Comercial do Rio de Janeiro. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 2, 29 jun. 1871.
  • 10
    Ibidem.
  • 11
    Ibidem.
  • 12
    A prática da alforria foi uma realidade ao longo de toda a história escravista do Brasil, no entanto, a espontaneidade senhorial em concedê-las, sobretudo ao longo do período imperial, apesar de discursivamente bem construída, não era uma realidade. Cf. MARQUESE, Rafael de Bivar. A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. Novos estudos CEBRAP, São Paulo, n. 74, p. 107-123, 2006. Cf. também: SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo: Vassouras, século XIX, senhores e escravos no coração do império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 289-296; SOARES, Luiz Carlos. O “povo de Cam” na capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007, p. 277-278; SILVA JÚNIOR, Waldomiro Lourenço da. Entre a escrita e a prática: direito e escravidão no Brasil e em Cuba, c.1760-1871. 2015. Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015, p. 176-177.
  • 13
    Cf. REPRESENTAÇÃO… Op. Cit.
  • 14
    Cf. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 1, 20 jun. 1871.
  • 15
    O parecer completo encontra-se em: ACD. Sessão de 30 de junho de 1871, t. 2, p. 220-234; A ABOLIÇÃO no Parlamento: 65 anos de luta (1823-1888). Brasília, DF: Senado Federal, 2012. v. 1, p. 466-513.
  • 16
    As informações foram retiradas de: VASCONCELOS, Barão de; VASCONCELOS, Barão Smith de (org.). Archivo Nobiliarchico Brasileiro. Lausanne: Imprimerie La Concorde, 1917, p. 39-40; Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1853, 1858, 1865, 1866, 1867, 1869, 1870, 1871, 1881. Cf. também: JARNAGIN, Laura. Op. Cit., p. 215.
  • 17
    Cf. PANG, Laura Janargin. The state and agricultural clubs of imperial Brazil, 1860-1889. 1981. Tese (Doutorado em História) - Vanderbilt University, Nashville, 1981, p. 290-373 e; ALONSO, Angela. Op. Cit., p. 66-67, 252-253, 292-293.
  • 18
    Cf. ACD. Sessão de 17 de julho de 1871, t. 3, p. 171.
  • 19
    O documento foi assinado no dia 7 de julho e publicano no Jornal do Commercio, edição de 9 de julho de 1871, p. 3.
  • 20
    O convite repetiu-se no Jornal do Commercio, edições de 11 de julho (p. 3), 12 de julho (p. 2), 13 de julho (p. 4), 14 de julho (p. 2), 15 de julho (p. 5) e 16 de julho (p. 3) e no Diário do Rio de Janeiro, edições de 8 de julho (p. 1), 10 de julho (p. 1), 11 de julho (p. 3), 12 de julho (p .2), 13 de julho (p. 2), 14 de julho (p. 2), 15 de julho (p. 3) e 16 de julho (p. 2).
  • 21
    Ao que tudo indica, os responsáveis pelas comissões do comércio e da lavoura que ocorreram no Rio de Janeiro estavam presentes. Entre os paulistas, é possível destacar as figuras de Manoel de Aguiar Vallim e seu genro, Pedro Luiz Pereira de Souza, já entre os mineiros sobressai o nome do visconde de Prados.
  • 22
    Cf. ATA da reunião inaugural do Clube da Lavoura e do Comércio. Diário do Rio de Janeiro, p. 1, 17 jul. 1871.
  • 23
    Ibidem.
  • 24
    Ibidem.
  • 25
    Cf. ACD. Sessões de 9, 11, 14, 23 e 24 de maio de 1870.
  • 26
    Ibidem. Em 1870, o tópico da emancipação foi discutido na Câmara em virtude da ação do deputado Jerônimo José Teixeira Júnior, que logrou inclusive a aprovação da eleição de uma comissão especial que deu parecer favorável à emancipação escrava via liberdade do ventre. Cf. ACD. Sessões de 9 e 11 de maio de 1870, p. 11-12; Sessão de 14 de maio de 1870, p. 21; Sessões de 23 e 24 de maio de 1871; Sessão de 30 de maio de 1871, p. 90; Sessão de 16 de agosto de 1871, p. 178-179.
  • 27
    O livro que estava no prelo era A emancipação dos escravos: parecer de C. B. Ottoni (Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1871). No seu início contém uma advertência que data do dia anterior ao da reunião do Clube da Lavoura e do Comércio. Em suas últimas páginas, Ottoni deu um jeito de inserir o discurso que proferiu na reunião do Clube.
  • 28
    Esse protesto foi anexado à representação que o Clube, dias depois, enviou ao Parlamento Brasileiro.
  • 29
    O discurso de Ottoni encontra-se na ata da reunião inaugural do Clube, que foi publicada em: Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 1, 17 jul. 1871, grifo do autor.
  • 30
    Cf. BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. Cit., v. 7, p. 49.
  • 31
    ATA… Op. Cit., grifo do autor.
  • 32
    Ibidem.
  • 33
    Apesar dos ataques ao regime monárquico, Pedro Luiz fora deputado e tornou a ser em 1878. Em 1880, sob o gabinete de José Antonio Saraiva, ocupou as pastas das relações exteriores e da agricultura além de ser nomeado presidente da província da Bahia. BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. Cit., v. 7, p. 49; Barão de Javary. Organizações e programmas ministeriaes, p. 185-186.
  • 34
    Depois da reunião do dia 16, o único anúncio de reunião para o Clube ocorreu no dia 23 de julho, quando se publicou tanto no Diário do Rio de Janeiro quanto no Jornal do Commercio, uma convocação, assinada por Bomfim, aos membros do Clube “para se tratar de negócio urgente” ainda no dia 23. No dia seguinte, as duas folhas já circulavam com a representação.
  • 35
    Para uma análise social de cada signatário da representação do Clube da Lavoura e do Comércio, cf. PANG, Laura Janargin. Op. Cit., p. 172-182. Na comparação entre a representação original e a publicada pela imprensa, é possível constatar, nesta última, a supressão do nome de Manoel de Aguiar Vallim. Cf. REPRESENTAÇÃO do Clube da Lavoura e do Comércio a respeito da proposta do governo sobre o elemento servil. ASF, Caixa 73, Maço 3, Pasta 25. Cf. também as publicações da representação na imprensa: Diário do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio, ambos na primeira página edição de 24 de julho de 1871.
  • 36
    Cf. REPRESENTAÇÃO do Clube da Lavoura e do Comércio a respeito da proposta do governo sobre o elemento servil. ASF, Caixa 73, Maço 3, Pasta 25. Cf. também as publicações da representação na imprensa: Diário do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio, ambos na primeira página edição de 24 de julho de 1871.
  • 37
    REPRESENTAÇÃO… Op. Cit.
  • 38
    Ibidem. Cf. as publicações da representação na imprensa: Diário do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio, ambos na primeira página edição de 24 de julho de 1871.
  • 39
    Cf. DEBBASCH, Yvan. Au coeur du “gouvernement des esclaves” la domestique aux Antilles fraçaises (XVIIe-XVIIIe siècles). Revue Française d’Historie d’Outre-mer, Paris, v. 72, n. 266, p. 31-53, 1985. Cf. também MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 121-123, 154-155.
  • 40
    Cf. PROTESTO do clube da lavoura e do comércio anexo à representação do clube. ASF, Caixa 73, Maço 3, Pasta 25. Cf. também: Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 1, 24 jul.1871; Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, p. 1, 24 jul. 1871.
  • 41
    Cf. ACD, Sessão de 26 de julho de 1871. t. 3, p. 272-273. Sobre a crítica de uma ausência de opinião pública favorável à emancipação, cf. DISCURSO de Paulino Soares. ACD. Sessão de 29 de maio de 1871. t. 1, p. 103-105. A representação de Campos foi escrita em 17 de julho e seus signatários escreveram que a Câmara “aplaude a resolução tomada pelo governo imperial”. Cf. REPRESENTAÇÃO da Câmara de Campos dos Goitacazes a respeito da proposta do governo sobre o elemento servil. ASF, Caixa 76, Maço 3, Pasta 32. Foi também publicada em: Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, p. 5, 27 jul. 1871. E chegou ao Senado no dia 7 de agosto do mesmo ano. A Sociedade 7 de setembro foi fundada por Abílio Borges. Para um balanço acerca dessas associações abolicionistas cf. ALONSO, Angela. Op. Cit., p. 67-70, p. 435-446. Segundo a autora, entre 1869 e inícios de 1871, 25 associações desse tipo surgiram no Império.
  • 42
    Cf. AS. Sessão de 11 de agosto de 1871, v. 4, p. 91. Pedro Luiz, genro de Manoel de Aguar Vallim, era membro do Partido Liberal. Ottoni tinha pendores republicanos, mas seu irmão, Teófilo, era ligado aos liberais, tendo chegado a participar da Revolução Liberal de 1842 ao lado do também mineiro Camilo Maria Ferreira Armond, barão (1861), visconde (1871) e conde (1881) de Prados. Sobre o conde de Prados, cf. COHN, Marjorie. A Fazenda Santa Sofia: cafeicultura e escravidão no vale do Paraíba, 1850-1882. 2013. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
  • 43
    MIRANDA, Bruno da Fonseca. Op. Cit., p. 74-76
  • 44
    CONRAD, Robert. Op. Cit., p. 145-146.
  • 45
    PANG, Laura Janargin. Op. Cit., p. 336-369; ALONSO, Angela. Op. Cit., p. 405
  • 46
    Cf. ACD. Sessão de 13 de julho de 1871, t. 3, p. 130-131.
  • 47
    A referência aos fundos de emancipação também foi feita pelo ministro: ACD. Sessão de 13 de julho de 1871, t. 3, p. 126-129. Sobre o tema, cf. também: CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian political citizenship. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2016, pp.34-52.
  • 48
    Cf. ALONSO, Angela. Op. Cit., p. 39, p. 93-98, p. 429. Cf. também: CASTILHO, Celso Thomas. Op. Cit., p. 22-52.
  • 49
    Sobre a ação dos escravistas na década de 1830, cf.: PARRON, Tâmis Parron. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 84-90 e capítulos 2 e 3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2019
  • Aceito
    07 Jan 2021
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