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ALMANACK E A CIÊNCIA ABERTA: UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE OS DESAFIOS DA PRODUÇÃO E DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

A revista Almanack completou dez anos em 2021 e vem, ao longo de sua trajetória, dedicando-se a abrir espaço para o debate acadêmico. Os Fóruns de pesquisa e investigação científica promovidos pela revista sempre foram o seu ponto de partida e inspiração. Nesses 11 anos, a revista se abriu para novas perspectivas, abordagens e conectividades com seu público e com o universo das revistas acadêmicas. Compreendemos rapidamente a necessidade de produzir reflexões sobre o papel e ação do periodismo acadêmico no Brasil, entre as dificuldades e desafios editoriais como financiamentos, tecnologias, indexações e tantos outros. Desde 2014, a revista promoveu, em parceria com a Sociedade Brasileira de Estudos do Oitocentos (SEO), por meio de seus seminários bianuais, um fórum de revistas de ciências humanas dedicadas ao estudo do século XIX. Atualmente, integramos, de forma participativa, o Fórum de Editores de Revistas de História promovido pela Associação Nacional de História (ANPUH Brasil) e presidido pela Revista Brasileira de História. Esses eventos foram fundamentais para aguçar nossa percepção sobre a necessidade da atuação coletiva dos periódicos e para acompanharmos os movimentos e mudanças no âmbito das publicações acadêmicas no Brasil e no mundo, como é o caso das Ciências Abertas.

Desde pelo menos 2019, iniciamos nosso debate interno sobre as mudanças em curso e sobre os meios e formas de adoção dos princípios então em debate. Tratava-se de uma nova incursão acadêmica com políticas de abertura e transparência em todo o processo de produção da ciência e de sua divulgação. Nesse percurso, o papel dos periódicos se tornou fundamental e tem exigido ações e posicionamentos assertivos sobre o tema. Muitos desafios se colocaram à nossa frente, sobretudo, nas áreas das ciências humanas e, mais especificamente, na História.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar um ponto que não está diretamente ligado às Ciências Abertas, mas que, indiretamente, nos remete aos desafios impostos pelas mudanças de posicionamento. Ele diz respeito à avaliação e, consequentemente, indexações e financiamentos. A área sempre foi muito mais afeita à cultura livresca. Das obras seminais e autorais que sempre pautaram os grandes debates, clivagens no campo e amadurecimento teórico e metodológico, mantém-se a preponderância de livros em citações. Isso se explica em parte pelo tempo da produção historiográfica com ritmos mais lentos para a maturação das investigações e pesquisas arquivísticas. Isso, por sua vez, nunca impediu a expansão dos periódicos e sua qualificação, mas de certa forma, ajudou a manter uma postura mais hermética em relação à publicização dos dados de pesquisa. Consequentemente, isso influencia os índices bibliométricos mais baixos que os das demais áreas na avaliação de periódicos. Por essa razão, a área tem defendido o chamado H10 para medir seus fatores de impacto5 5 Veja-se, por exemplo, o parecer produzido em 2019 pela Associação Nacional de História (ANPUH) por meio do Fórum de Editores sobre índices bibliométricos na área de História e as revistas mais qualificadas medidas pelo H10. Cf.: https://anpuh.org.br/index.php/forum-de-editores-2/item/6569-documentos-produzidos e buscando uma periodicidade mais longa na aferição de seus índices de citações. Como sabemos, das avaliações dependem os processos de indexações, a atração de artigos de qualidade e, por fim, a possibilidade de financiamentos públicos por meio de editais. Ainda que a aplicação das APC (Article Processing Charge) sejam possíveis dentro da lógica das Ciências Abertas, as quais pressupõem o acesso aberto e irrestrito aos conteúdos veiculados, é fundamental o apoio público para tais empreendimentos6 6 SLEMIAN, Andréa; SOUSA, Marcos E. Criar e manter um periódico científico: discutindo a sustentabilidade das revistas acadêmicas no campo da História. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 41, n. 88, p. 7-12, 2021. . A revista Almanack não está isenta desses percalços e, como as demais revistas da área que não cobram taxas para publicação, ela depende de auxílios institucionais para sua manutenção, pagamento de revisões e processamentos editoriais. Nesse sentido a revista tem sido tributária, sobretudo, dos apoios institucionais dos programas de Pós-Graduação aos quais se mantém vinculada.

Outro grande problema enfrentado pelo campo tem sido a preconização das Ciências Abertas ao sistema de pareceres públicos Open Peer Review (OPR). Recentemente, em editorial da Revista Brasileira de História7 7 SLEMIAN, Andréa; COUTO, Katia; VIEIRA, Martha. O processo de avaliações por pares e a Ciência Aberta: um nó górdio para os periódicos na área de História? Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 42, n. 90, p. 7-15, 2022. , o tema foi debatido com bastante assertividade. As autoras analisaram o papel fundamental da avaliação feita por pares como sendo uma das funções vitais dos periódicos. Função cada vez mais difícil pelo baixo impacto da atividade na avaliação acadêmica e pela dependência dos periódicos da dedicação voluntária por parte de um corpo altamente especializado e não remunerado para o exercício da tarefa. Todos nós sabemos o quanto o papel decisório dos pareceres impacta no fluxo, valorização e dinâmica das editorias que sempre zelaram pelo sistema double blinde, o duplo cego. Esse sistema comumente utilizado nas áreas de humanas, o qual garante o anonimato tanto de pareceristas quanto de autores, sempre foi compreendido como forma de diminuir fatores subjetivos no processo de avaliação. Esse mecanismo amplamente aceito pela comunidade nunca foi isento de conflitos, os quais são sempre mediados pelo corpo editorial, garantindo o contraditório e buscando novas avaliações. Por essas razões, a aceitabilidade do OPR tem enfrentado resistência no meio acadêmico. O que poderia ser uma oportunidade para debates abertos sobre os procedimentos da pesquisa e de seus resultados, cede lugar a uma inquietação sobre os limites imposto pela dificuldade de captação de pareceristas e da manutenção da impessoalidade e da diversidade nas abordagens científicas. Quando dizemos isso, estamos atentas às suscetibilidades inerentes ao processo. A exposição e a crítica aberta podem afetar ou mesmo inibir a produção? Acreditamos que em alguma medida a resposta seria afirmativa. Compreendemos também que o percurso ainda é longo e que existem diversos caminhos e formas de abertura que podem ser incorporados. A revista Almanack, ciente da importância desse debate, tem adotado alguns deles. Em primeiro lugar, passamos a publicar, desde o ano passado, a relação de nomes de nossos pareceristas ad hoc, anualmente. Essa é uma forma de demonstrar nosso reconhecimento pelo trabalho efetuado e como apresentação da diversidade e qualificação do corpo de colaboradores da revista. Em segundo lugar, acreditamos que as revistas não devem impor de forma unilateral essa abertura. Ainda que pese a cultura e mesmo a defesa do sistema double blind, entendemos que essa deve ser uma decisão de todos os atores envolvidos no processo, como autores e pareceristas. Nossa revista se compromete, a partir do próximo ano, a abrir esta possibilidade para o público tanto no processo de submissão de artigos quanto na solicitação de pareceres. Ainda nesse campo, entendemos que nossa adesão à publicação de preprints já é um caminho nessa direção.

Desde o ano passado, a Almanack aderiu aos preprints como mais uma opção de submissão de artigos acadêmicos em suas bases. Eles possibilitam que um artigo seja disponibilizado em uma plataforma de acesso aberto antes ou durante o processo de avaliação entre pares. Isso quer dizer que o manuscrito fica totalmente aberto e suscetível a avaliações e revisões, podendo, ou não, ser definitivamente publicado. O artigo já recebe de início um DOI (Digital Object Identifier System) e fica disponível em um servidor preprint. A possibilidade de publicar em um periódico depende do interesse de ambas as partes e da submissão aos pareceristas indicados. Muito incipiente em nossa área, em função das mesmas razões apresentadas acima, as publicações “antecipadas” são mecanismos que implodem com o anonimato dos manuscritos. O preprint, como se sabe, tem revolucionado e agilizado as publicações em periódicos e ganhou força durante a pandemia nas áreas das ciências médicas, embora já tenha sido empregado em algumas áreas tecnológicas, desde o final do século XX8 8 Cf.: Recomendações sobre o uso de preprints no campo da História - Fórum de Editores - ANPUH-Brasil. https://zenodo.org/record/6962132#.Y20iYezP23I Acesso em 10 nov. 2022. . Adotando uma posição semelhante ao que já abordamos no caso do OPR, entendemos que essa será uma opção, caso autores tenham interesse. A Almanack apenas indica a sua aceitação como um método legítimo de captação de manuscritos. Importante enfatizar que a discussão interna da revista sobre o assunto foi impulsionada a partir de 2019 pela Rede SciELO e se tornou critério para admissão e permanência dos periódicos indexados em suas bases no Brasil. Os preprints são considerados como uma das dimensões da Ciências Abertas e definitivamente veio para ficar, mas sua introdução nas áreas de ciências humanas será lenta, ao que parece.

Para além destas dimensões de abertura e acesso, a Almanack também vem desenvolvendo, nos últimos anos, ações que possibilitem a maior interação com o público acadêmico e com o público em geral. Nesse sentido, desenvolvemos nossos canais de comunicação e de redes sociais para ampliar nossa divulgação e acessibilidade. Temos promovido debates, lives e entrevistas para diversos públicos e divulgado em nossos canais e redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram). Desde o ano passado iniciamos uma série especial para debater os 200 anos da Independência do Brasil, tema caro e afeito às temáticas centrais da revista. Lançamos o selo Almanack no Bicentenário - 200 anos - e produzimos um amplo acervo de divulgação sobre o assunto que se encontra divulgado em nosso canal do YouTube. Dentro dessa mesma proposta, demos início a uma pareceria com a ANPUH e a Sociedade Brasileira de Estudos do Oitocentos (SEO) para a produção do Blog das Independências que tem publicado todas as semanas textos escritos por especialistas em linguagem acessível para todos os públicos. Essa parceria exitosa tem rendido excelentes frutos entre professores e alunos do ensino médio, os quais tem relato suas experiências com os textos em pequenos vídeos. Esse resultado pode ser visto no Portal do Bicentenário e é fruto da parceria com esse projeto de grande repercussão nas mídias sociais. Ainda dentro das comemorações e reflexões acerca do Bicentenário, destacamos a Semana Almanack no Blog SciELOSCIELO. Critérios, política e procedimentos para a admissão e a permanência de periódicos na Coleção SciELO Brasil. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.org/pt/sobre-o-scielo/metodologias-e-tecnologias/criterios-scielo-brasil-criterios-politicas-e-procedimentos-para-a-admissao-e-a-permanencia-de-periodicos-cientificos-na-colecao-scielo-brasil/criterios-scielo-brasil/ Acesso em:11 nov. 2022.
https://www.scielo.org/pt/sobre-o-scielo...
publicada no mês de setembro de 2022. Foram textos, vídeos e entrevistas dedicadas ao tema e produzidos por nossa editoria e equipe de comunicação.

Todas essas ações fazem parte do projeto de maior abertura da revista Almanack e queremos nos aprimorar ampliando as formas e os meios de tornar mais acessíveis os manuscritos publicados em nossos números. Compreendemos que esse também é um passo importante no caminho das Ciências Abertas com transparência, qualidade e ampla divulgação. Dessa forma, nosso objetivo não é apenas dar acesso aberto aos nossos conteúdos, mas fazer com que ele chegue aos mais diversos públicos e possa ultrapassar a linguagem hermética do universo acadêmico e científico no campo da comunicação, de forma didática e inclusiva. Oxalá tenhamos êxito neste caminho!

Bibliografia

  • 5
    Veja-se, por exemplo, o parecer produzido em 2019 pela Associação Nacional de História (ANPUH) por meio do Fórum de Editores sobre índices bibliométricos na área de História e as revistas mais qualificadas medidas pelo H10. Cf.: https://anpuh.org.br/index.php/forum-de-editores-2/item/6569-documentos-produzidos
  • 6
    SLEMIAN, Andréa; SOUSA, Marcos E. Criar e manter um periódico científico: discutindo a sustentabilidade das revistas acadêmicas no campo da História. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 41, n. 88, p. 7-12, 2021.
  • 7
    SLEMIAN, Andréa; COUTO, Katia; VIEIRA, Martha. O processo de avaliações por pares e a Ciência Aberta: um nó górdio para os periódicos na área de História? Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 42, n. 90, p. 7-15, 2022.
  • 8
    Cf.: Recomendações sobre o uso de preprints no campo da História - Fórum de Editores - ANPUH-Brasil. https://zenodo.org/record/6962132#.Y20iYezP23I Acesso em 10 nov. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2022
  • Aceito
    01 Dez 2022
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