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A DINÂMICA ABOLICIONISTA NAS LOJAS MAÇÔNICAS DE SÃO PAULO (1850-1888)

THE ABOLITIONIST DYNAMICS IN THE FREEMASONRY LODGES OF SÃO PAULO (1850-1888)

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de discutir a participação da maçonaria paulistana no processo abolicionista em São Paulo. O protagonismo maçônico sobre a agenda emancipacionista não se concretizou na cidade, ainda que a organização tenha reunido os principais nomes do abolicionismo local. A análise dos livros de atas das lojas maçônicas América e Piratininga e outros documentos evidencia as disputas internas e a fragmentação do discurso antiescravista neste espaço de sociabilidade, entre 1850 e 1888.

Palavras-chave:
Maçonaria; século XIX; abolicionismo; cidade de São Paulo

Abstract

This article aims to discuss the role of the Freemasonry in the abolitionist process in São Paulo. The masonic protagonism on the emancipationist agenda did not materialize in the city, even though the organization gathered the main names of the local abolitionism. The analysis of the minute books of the America and Piratininga Masonic lodges and other primery sources shows the internal disputes and the fragmentation of the anti-slavery discourse in this sociability space between 1850 the 1888.

Keyword:
Freemasonry; 19th century; abolitionism; São Paulo city

1. Introdução

Notícias de alforrias de escravizados, realizadas por lojas maçônicas, repercutiam nas páginas dos jornais paulistas na segunda metade do século XIX, num contexto de expansão da Maçonaria e de disputas entre obediências3 3 Obediência é o organismo que reúne as lojas maçônicas, oferecendo a elas orientações de princípios e funcionamento. , tornando-se a imprensa o principal veículo de sua legitimação. Parte dessa legitimidade teve como pano de fundo o tema da emancipação escrava. A maçonaria voltaria suas ações para grandes temas sociais, como a crise do sistema escravista. Moralmente condenada, a escravidão era um dos principais assuntos que dominavam a cena social e política do país, levando a maçonaria a tomá-la como mote nesse cenário. Neste artigo investiga-se a maneira como o tema da emancipação repercutiu nas Lojas maçônicas América e Piratininga de São Paulo na segunda metade do século XIX.

2. As Lojas maçônicas e a imprensa na questão da emancipação

O uso da imprensa como veículo de divulgação das atividades maçônicas tornou-se uma prática recorrente no país, sobretudo, na segunda metade do século XIX. A maçonaria, tanto quanto outras formas de associações, constituiu-se com força no Brasil oitocentista, como expressão da expansão do espaço público4 4 MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e socialidades na cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005. .

Novas formas de sociabilidades foram sendo forjadas e os atores sociais estiveram atentos a essas transformações. Conforme Marco Morel, após a Revolução Francesa, as associações do tipo maçônico5 5 A maçonaria se constituiu em princípio como espaço de sociabilidade, iniciática e secreta. Aspectos que a afastava de outras formas de organizações civis. A possibilidade de constituir uma força independente e secreta incomodava instituições como a Igreja católica, que ao longo do século XVIII e XIX estabeleceu espécie de cruzada contra a Maçonaria. “começaram, cada vez mais, a pleitear espaço”. Seu segredo, nesse contexto de mudança e de expansão da “esfera pública”, seria compreendido como paradoxo do progresso, da modernidade, da civilização. Morel ainda afirma que “o segredo maçônico marcava a fronteira entre a esfera pública e a privada”6 6 BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência. (Brasil, 1790-1822). Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Filosofia e Ciência Humanas. (Unicamp) São Paulo, p.246, 2002. . Desse modo, como princípio, ele progressivamente perderia força.

A organização maçônica não apenas abandonaria o segredo, como tentaria dominar a opinião pública que, por sua vez, passaria a funcionar como um “recurso para a legitimação de práticas políticas, como operação simbólica de transformar opiniões individuais ou setoriais em opinião geral”7 7 MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos., Op.Cit., p.200. . Na maçonaria brasileira, a relação com o espaço público ganharia relevo na década de 1830, quando os maçons começaram a realizar as primeiras publicações e, ao mesmo tempo, controlar as redações dos jornais convencionais com o objetivo de legitimarem-se num contexto de ampla censura à organização. Entre 1848 e 1889, “a maçonaria passaria a inserir-se na ordem imperial, por meio da filantropia e do ingresso de figuras importantes da sociedade oitocentista”8 8 BARATA, Alexandre. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência. (Brasil, 1790-1822)., Op. Cit., p. 221. . A imprensa se tornaria parte integrante da experiência maçônica na segunda metade do século XIX.

A publicação das atividades maçônicas, a partir de então, se tornou uma prática comum a muitas lojas. Algumas criaram seus próprios jornais, enquanto outras utilizavam os espaços dos periódicos tradicionais, onde conseguiam exercer forte influência, ocupando cargos importantes na alta cúpula da redação. Vale ressaltar, contudo, que nem todas as lojas se associaram à imprensa. Segundo Marco Morel, as lojas maçônicas seguiam tendências distintas e podiam ser classificadas da seguinte maneira: a primeira delas definida como apolítica e secreta, que optava por não se expor na esfera pública; a segunda que preservava o segredo, mas era intervencionista; e uma terceira, na qual as lojas maçônicas abandonavam o segredo e radicalizavam a exposição pública9 9 MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e socialidades na cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005, p. 255. .

A Loja América pertenceu a essa última tendência e, ao longo de toda a década de 1870, utilizou a imprensa como principal instrumento para a divulgação de sua agenda, mobilizando a opinião pública paulista. Os jornais Correio Paulistano, Radical Paulistano e A Província de São Paulo, embora não fossem maçônicos, estiveram sob a influência de maçons da Loja América.

Desde a fundação da Loja América, a imprensa teve papel fundamental na divulgação dos trabalhos realizados por ela. O jornal diário Correio Paulistano, criado em 1854, pelo tipógrafo maçom Joaquim Roberto de Azevedo Marques, recorrentemente trazia em suas páginas notícias sobre a rotina da Loja América. Os articulistas desse periódico tinham uma íntima relação com ela. O maçom Américo de Campos, dessa mesma loja, foi redator do Correio Paulistano, entre os anos de 1865 e 1874.

De volta à capital paulista, fundou o semanário humorístico e satírico Cabrião, editado por Ângelo Agostini e Antônio Manoel dos Reis, folha que circulou entre os anos de 1866 e 186710 10 AGOSTINI, Ângela; CAMPOS, Américo de; REIS, Antônio Manoel dos. (ed.). Cabrião: semanário humorístico: 1866-1867. 2ª ed. São Paulo: Editora Unesp, Imprensa Oficial do Estado, 2000. O Cabrião foi impresso na Tipografia Imparcial de Joaquim Roberto de Azevedo Marques. . Participou “ativamente da articulação e da fundação do jornal O Radical Paulistano, órgão representante do Clube Radical, criado em 1868 pela ala radical do Partido Liberal, após a queda do Gabinete de Zacarias de Góes”11 11 SANTOS, José Maria dos. Os republicanos paulistas e a abolição. São Paulo: Livraria Martins, 1942. p. 13. . Além de Américo de Campos a folha reuniu outros nomes da loja maçônica, como Luiz Gama, Joaquim Nabuco, José Ferreira de Menezes, Bernardino de Campos e Américo Brasiliense. O periódico era um dos principais que a Loja América recorria para divulgar suas atividades.

O poder que a Loja América alcançaria na esfera pública, desde a sua fundação até a década de 1880, se deveu a sua estratégia de recrutamento, que permitia a reunião de figuras importantes da sociedade paulistana, assim como a relação que construiu a partir da ocupação estratégica nos principais jornais que circularam na cidade de São Paulo, além dos vínculos estabelecidos com outras lojas maçônicas da cidade, como a Amizade e a Sete de Setembro, que lhe afiançaram ampla visibilidade na esfera pública. Todas elas estiveram vinculadas ao Grande Oriente do Brasil, do vale dos Beneditinos, com exceção da Loja Piratininga, a segunda mais antiga da cidade de São Paulo e a única a representar o Grande Oriente do Brasil, do vale do Lavradio no local. Sob orientação da obediência, a Loja Piratininga seguiu a tendência maçônica não intervencionista e secreta, mantendo-se, por isso, distante da imprensa. Por essa razão, não se encontram registros dela nos jornais.

Em São Paulo, a Loja América certamente foi a que mais investiu em propaganda. Ao longo de toda a década de 1870, a loja divulgou sua agenda de atividades, destacando a emancipação dos escravos e a instrução pública como temas principais.

A questão da emancipação escrava foi apoiada firmemente por uma parcela dos maçons, como Rui Barbosa e Luiz Gama. Em 4 de abril de 1870, Rui Barbosa havia proposto e encaminhado um Projeto de Lei à obediência dos Beneditinos, estabelecendo o comprometimento da loja com a questão da substituição do elemento servil e com a educação popular.

A proposta de Rui Barbosa, embora tenha contado com o apoio de uma parcela significativa de maçons da Loja América, não foi transformada em lei. As iniciativas emancipacionistas da loja ficariam a cargo do grupo que apoiou o jurista, como Luiz Gama e Américo de Campos, que juntos compunham a comissão de manumissão. A intenção parecia ser mais de propagar ideias do que apresentar projetos concretos. Como se observa no trecho:

A Loja América, installada em novembro de 1868, além de rigorosa observância das obrigações maçônicas, conforme aos Est:. G:. da Ord:. e Rit:. Esc:. Ant:. e Aceit:. resolveu trabalhar no intuito de promover a propagação da instituição primaria e emancipação dos escravos pelos limites legaes. [...] No mesmo anno tomou a loj:. as seguintes resoluções - 1º que todos os sócios eram obrigados a declararem livres os filhos de seus escravos; compromisso este que devia ter execução desde a organisação da sociedade quanto a seus fundadores, e quanto a outros desde a iniciação. 2º sustentar e auxiliar causas de manumissão perante os tribunaes e auctoridades em favor das pessoas illegalmente detidas na escravidão. 3º realis-ar e favorecer as alforrias dando preferência às escravas de menor idade. [..] Para fiel cumprimento da segunda não se limitou a off:. a fornecer recurso pecuniários exigidos pelo andamento dos processos; o patrocínio destes corre sob os cuidados de advogados, sócios d’ella, ou estranhos por Ella incumbidos. [...]. O número dos libertandos por via de acções no foro desta capital, e em outros por determinação da loj:. sobe a mais de trezentos [...]12 12 Correio Paulistano 10 de novembro de 1871.

A comissão de manumissão da Loja América embora fosse atuante, divulgando as ações da loja nos jornais, internamente, há poucos registros; as atas pouco trataram desses assuntos nas sessões. Além disso, vale ressaltar que o trabalho realizado nos tribunais por Luiz Gama já era praticado pelo abolicionista antes da criação da Loja América.

Desde 1865, o abolicionista já oferecia gratuitamente seus serviços de advogado provisionado aos africanos ilegalmente escravizados, servindo, ao mesmo tempo, de intermediário nas transações nos processos de alforriamento, agenciando os menores preços a fim de beneficiar os cativos no encaminhamento da liberdade. Nos jornais Correio Paulistano e Radical Paulistano, já como maçom da Loja América, divulgava seu trabalho em favor da liberdade dos escravizados. “Luiz G. P. da Gama, continua a tratar causas de liberdade. Outro sim, responde consultas para fora da capital, tudo sem retribuição alguma”13 13 Correio Paulistano, 14 de agosto de 1869. . Notas como essas atraíam escravizados de todas as partes da província paulista.

Luiz Gama possuía uma coluna denominada “Foro da Capital” no Radical Paulistano, onde abordava litígios de outras localidades da província14 14 AZEVEDO, Elciene. Direito dos Escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de São Paulo. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 2010. p. 101. . Em outubro de 1869, a fama de “advogado dos escravos” havia se alastrado para além da cidade de São Paulo, o que teria levado, por exemplo, o africano Jacinto a deslocar-se de Jundiaí até a cidade de São Paulo à procura dos serviços do abolicionista, na esperança de comprovar a ilegalidade de sua condição de escravizado15 15 A ação em defesa de Jacinto culminou na demissão de Luiz Gama do cargo de amanuense da delegação de São Paulo. Os detalhes dessa ação movida no tribunal por Luiz Gama em defesa do escravo Jacinto encontram-se pormenorizado nos livros de Elciene Azevedo e de Ligia Fonseca Ferreira. Cf. AZEVEDO, Elciene. Direito dos Escravos., Op.Cit., p. 98--108; Ligia Fonseca Ferreira transcreveu os artigos referentes a demissão de Luiz Gama e os analisou. Cf. FERREIRA, Ligia Fonseca. Com a palavra, Luiz Gama., Op.Cit. . Assim como Jacinto, outros africanos “buscavam na justiça a legitimação de seus direitos, encontravam por isso nos tribunais o respaldo de homens letrados dispostos a utilizar criativamente seu saber em favor do princípio de liberdade”16 16 AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos., OC. .

Nas ações de arbitramento judicial realizadas com o fito de definir o valor a ser pago na carta de alforria, o juiz determinava que cada uma das partes indicasse um perito para a realização da avaliação do escravizado. Caso as avaliações fossem muito diferentes, cabia ao juiz convocar um terceiro perito e escolher por uma delas. O papel do juiz era justamente impedir que o valor do escravizado fosse muito elevado ou muito baixo17 17 CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. 6º edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 163. . Em contrapartida, curadores e advogados, estrategicamente, tentavam rebaixar o máximo possível o valor do escravizado, convocando um médico abolicionista disposto a forjar um laudo favorável aos interesses do cativo, inventando doenças crônicas debilitantes, física e mental. Quanto maior fosse a deficiência do escravizado menor seria o seu valor e maiores as suas chances de alcançar a liberdade18 18 AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos., Op.Cit., p. 93. .

Se, por um lado, a presença do abolicionista na organização direcionou ou ampliou as ações da loja, por outro, Gama passaria a contar com uma extensa rede de apoio, constituída em torno da Loja América a partir de 1870, e sua imagem estaria cada vez mais vinculada à organização, salientada com o apoio oferecido por outros maçons abolicionistas que o acompanharam nas ações de manumissão, como Américo de Campos, Albino Bairão, José Ferreira de Menezes, Jaime Serva, Antonio Arcanjo, Ignácio Emílio Achiles Betholdi, entre outros.

No período em que atuou na cidade, o maçom Olímpio da Paixão, da Loja América, adquiriu larga experiência em ações de liberdade realizadas, individualmente e ao lado de Luiz Gama19 19 Olímpio da Paixão cursou direito na cidade de São Paulo entre os anos de 1864 e 1868. Paulistano, filho de Luiz Maria da Paixão, proprietário de uma farmácia localizada na rua São Bento. Era membro fundador da Loja América, republicano e abolicionista. Cf: NOGUEIRA, Almeida. Tradições e Reminiscências., Op.Cit., p. 248. . Na capital Paulista, como destacou Elciene Azevedo (2010AZEVEDO, Elciene. Direito dos Escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de São Paulo. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.), essa rede de proteção entre os abolicionistas foi bastante eficiente20 20 AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos. Op.Cit., p. 194. , ou seja, a presença da Loja América serviu de base de sustentação às ações abolicionistas.

A dedicação da Loja América e de seus integrantes nas ações de liberdade em São Paulo, com a criação de uma comissão específica dedicada a esse fim, e que era constituída por uma ampla rede de apoio, não foi, contudo, uma ação que se reproduziu da mesma forma em outras lojas maçônicas. A Loja Amizade se aproximou da América ao criar uma sociedade emancipacionista, a Fraternização, em 187021 21 Correio Paulistano, 10 de abril de 1870. , mas suas ações se encerraram aí. A Sete de Setembro criou uma loja de adoção22 22 As primeiras Lojas de adoção surgiram na França em 1772 e permitiam o ingresso de mulheres. Cf: CAMINO, Rizzardo da. Dicionário maçônico. São Paulo: Madras, 2010, p. 252. , em 1877, composta por mulheres, em sua maioria, esposas, filhas e Irmãs de maçons, com o objetivo de alforriar cativos, no entanto,23 23 A Loja de Adoção Sete de Setembro funcionou no mesmo endereço da Sete de Setembro, na rua Riachuelo. Não encontramos muitos registros sobre as integrantes da Loja de adoção, sabemos apenas que ela foi a primeira e a única a funcionar na cidade de São Paulo no período. Em 1885, o nome das mulheres que compunham a diretoria da Loja foi publicado no Almanaque da Província de São Paulo de 1885. Grã-mestre: D. Francisca Carolina de Carvalho; Inspetora: D. Carlota da Rocha Lima; Depositora: Maria do Carmo de Andrade; Oradora: D. Constantina de Oliveira Campos; Thesoureira D. Henriqueta de Cerqueira Lima. não teve a mesma repercussão que a Loja América24 24 Embora a Loja América tenha dado grande contribuição com suas atividades filantrópicas pela cidade, beneficiando inclusive cativos de outras cidades e municípios, não chegou a criar uma loja de adoção, mas foi responsável pela fundação da sociedade emancipacionista Redemptora, em 1869, frequentada por mulheres que também se dedicavam ao alforriamento de crianças cativas. Há notícias de que essa sociedade no seu primeiro ano tenha alcançado o número de 113 matriculadas , o que pareceu ser uma iniciativa muito celebrada: “a primeira reunião foi um verdadeiro acontecimento social, com direito a discursos, banda de música e salas devidamente adornadas”. .

Outros projetos importantes foram desenvolvidos por essa Loja, como o financiamento de escolas públicas e a criação de uma biblioteca. O estímulo à instrução gratuita foi tão importante para a Loja América quanto o tema da emancipação escrava. Na verdade, os projetos eram complementares, pois havia o interesse de que os libertos frequentassem a escola. Conforme os integrantes da Loja, “os libertados pela oficina são protegidos por ela [...] e são convidados a matricularem-se nas escolas e frequentá-las”25 25 Correio Paulistano, 10 de novembro de 1871. .

A Loja América parecia ter dado maior relevo e visibilidade às ações filantrópicas que as demais, haja vista que tornou pública suas iniciativas emancipacionistas. Práticas, devidamente alinhadas às ideias defendidas pela obediência de Saldanha Marinho. De acordo com Marco Morel, “a filantropia maçônica instaurou um sentido próprio de caridade que se distanciava da prática caritativa católica, indo muito além da ação de ofertar donativos aos necessitados”26 26 MOREL, Marco. Sociabilidades entre luzes e sombras: apontamentos para o estudo histórico das maçonarias da 1ª metade do século XIX. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 28, p. 6, 2001. .

Uma associação, segundo Mrel, poderia “cumprir simultaneamente várias funções”27 27 Idem., p. 5. , atuando como organização “filantrópica, econômica, pedagógica, corporativa, política e cultural”28 28 Ibidem., p. 6. .

A filantropia maçônica era parte integrante da tradição desse grupo. Todas as lojas possuíam um fundo de solidariedade, denominado tronco beneficente29 29 O objetivo do fundo era reunir recursos e oferecê-los aos irmãos, familiares, amigos e em algumas circunstâncias escravizados. Cf CAMINO, Rizzardo da. Dicionário maçônico. Op.Cit, p. 396. . O auxílio não se estendia apenas aos membros da loja. Nas atas da América, por exemplo, há registros de pedidos de ajuda, solicitado por membros de lojas de outras cidades e províncias. Nesta pesquisa, notou-se que cerca de 25 delas enviaram pranchas30 30 Na terminologia maçônica o termo Prancha é o nome utilizado para designar as correspondências que eram trocadas entre as lojas coirmãs, bem como, com o Grande Oriente. Cf CAMINO, da Rizzardo. Dicionário maçônico. Op.Cit., p. 38. à Loja América, solicitando algum tipo de auxílio, que iam desde assistência às viúvas e filhos de maçons, até Irmãos doentes, em situação de fragilidade financeira, a pedido de proteção, bem como indicação a cargos públicos31 31 Amizade (SP); Sete de Setembro (SP); Humildade (SP); Firmeza e Humanidade (PA); Amparo e Virtude (MG); Triunfo do Barão (RS), Humanidade (SP), Mossoró (RN), Cruzeiro do Sul de Uruguayana; Atalaia do Norte (MG), Caridade III; União Constante (RS); União e Segredo (BA); Amor e Virtude (SP); Amor e Caridade de Ribeirão Preto (SP); Santa Victoria do Palmar (RS); União e Progresso (ES); Estrela do Sul; União da Verdade (MG); Fraternidade e Progresso (PE); Esperança (SP); Caridade e União (SP); Bragança (SP); Philotimia (PE). . Como se vê, a Loja América exerceu forte influência sobre as demais, demonstrando possuir amplos recursos. O mesmo não se reproduziu na Loja Piratininga que, segundo os registros de atas recebeu muito menos solicitações de ajuda vindas de outras32 32 Fidelidade (MG); Humildade (SP); Fraternidade (SP). Com o desaparecimento do Oriente do Brasil, do vale dos Beneditinos, em 1883, as Lojas maçônicas América, Amizade e Sete de Setembro voltariam a se comunicarem com a Loja Piratininga. .

Em 23 de outubro de 1874, a Loja Caridade III pedia que a América “pelos meios de seu alcance favorecesse João Manoel de Carneiro Bastos para o cargo de delegado de polícia daquela cidade”33 33 Ata da Loja América. 23 de outubro de 1874. . A Caridade III pedia ainda apoio para que o Irmão Antonio Joaquim de Azevedo do Amaral conseguisse ser nomeado definitivamente para o cargo de escrivão de Órfãos da Villa de Paranapanema. Na ocasião, esse Irmão exercia a função de escrivão interino34 34 Ata da Loja América. 23 de outubro de 1874. . Em 20 de outubro de 1878, a Loja Perseverança III solicitava por prancha que a América oferecesse um auxílio de 25 mil réis ao Irmão Pedro Felislino Roiz; como o tronco beneficente estivesse esgotado, a loja doou o valor de 20 mil réis35 35 Ata da Loja América. 20 de outubro de 1878. .

Até mesmo indivíduos não ligados à maçonaria podiam ser contemplados pelo tronco beneficente. A Loja Piratininga também ofereceu donativos do seu; em 1855: doou 10 mil réis à senhora Joaquina Maria, moradora da Rua da Palha; 5 mil réis à senhora Theresa Maria Domiciliana, que residia na rua da Cadeia; e 10 mil réis à viúva de Constantino José Pereira36 36 Ata da Loja Piratininga. 8 de agosto de 1855. .

As pranchas com pedidos de auxílio circulavam não apenas entre as lojas maçônicas. Elas também eram enviadas ao Grande Oriente aos quais as lojas estavam ligadas. Joaquim Saldanha Marinho autorizou, em 1876, que a tesouraria do Grande Oriente do Brasil, do vale dos Beneditinos, saísse em socorro de um Irmão, da Loja América, cuja identidade não foi revelada, concedendo-lhe o valor de 50 mil réis37 37 Boletim do Oriente Unido Supremo Conselho. Nº 6. Ano 3. Fevereiro. p. 24. .

O tronco beneficente era abastecido costumeiramente com donativos ofertados pelos próprios membros após o encerramento de todas as sessões. O valor dos donativos depositados não tinha destino certo. Ora dispunha-se à viúva de um maçom e seus herdeiros, ora era oferecido a um mendigo, ou, ainda, destinado aos escravizados.

3. O tema da emancipação nos bastidores da maçonaria

Embora as lojas maçônicas concedessem cartas de alforrias e doassem recursos pecuniários aos escravizados, internamente o que se observou nesta pesquisa foi um movimento de resistência que buscava a manutenção da escravidão. O comprometimento maçônico com a causa abolicionista não encontrou unanimidade no interior das lojas, principalmente, porque uma parcela dos maçons era composta por senhores de escravos e por membros que possuíam algum vínculo com setores agrários e que resistiam a qualquer tomada de decisão resultante na extinção da escravidão.

A Loja Piratininga, no ano de sua fundação, em 1850, determinou a proibição da iniciação de indivíduos que comercializassem escravizados, mas só às vésperas da escravidão, em 1887, debateu a posse de cativos entre os Irmãos. Na Loja América o decreto contra o ingresso de indivíduos que comercializavam escravizados só foi efetivado em 1875, e, nenhuma discussão sobre a posse de escravos entre Irmãos foi registrada em ata.

Na Loja América, o grupo formado por maçons abolicionistas entraria em conflito com a ala maçônica ligada ao universo agrário e, portanto, com maior interesse na manutenção do sistema escravista, especialmente nos anos em que a América se envolveu com a articulação da criação do Partido Republicano Paulista (PRP).

Embora não se tenha encontrado nenhuma menção na documentação da Loja América sobre uma agenda de atividades efetivamente republicana, parte significativa dos maçons era declaradamente republicana: Luiz Gama, Américo de Campos, José Ferreira de Menezes, Américo Brasiliense, Olímpio da Paixão, entre outros. Muitos deles participaram ativamente da criação do PRP. Conforme Alexandre Barata, o círculo dos Beneditinos “defendia uma atuação mais vigorosa e política da maçonaria” enquanto “o círculo do Lavradio assumiu uma posição regalista e monarquista”38 38 BARATA, Alexandre Mansur. Os maçons e o movimento republicano (1870-1970). Locus. Revista de História, 1995. vol. 1. nº1, p. 125-141. .

A obediência comandada por Joaquim Saldanha Marinho havia cumprido o papel de difundir as ideias republicanas. Em meio a esses debates formaram-se dois grupos antagônicos: de um lado, os maçons republicanos abolicionistas e, do outro, os republicanos escravistas. De acordo com José Maria dos Santos, o primeiro grupo, formado por Luiz Gama, Bernardino de Campos e Américo de Campos, pretendia incluir na agenda do novo partido a pauta abolicionista. Já o segundo, encabeçado pelo maçom Américo Brasiliense, era contrário ao tema da abolição dentro da agenda republicana, haja vista que alguns maçons eram fazendeiros do Oeste Paulista e representavam o número mais expressivo de integrantes do partido.

A inclusão da abolição como pauta política poderia afugentar os republicanos escravocratas que possuíam alta representatividade no PRP39 39 Conforme Santos, o Partido Republicano estava divido entre republicanos abolicionistas e republicanos escravocratas. Cf SANTOS, José Maria dos. Os republicanos paulistas e a abolição. São Paulo, Livraria Martins, 1942. . Conforme destacou Barata, a “adesão de fazendeiros paulistas à causa republicana transformou o movimento em uma força política expressiva”40 40 BARATA, Alexandre Mansur. Os maçons e o movimento republicano (1870-1970). Op.Cit, p. 136. .

Marcadamente, a propaganda republicana ganhou adesão, sobretudo entre as províncias do Centro-Sul (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), ligadas especialmente, ao setor cafeeiro em expansão, grupo insatisfeito com o governo monarquista e que tinha ligação direta e indireta com a escravidão. Por essa razão, o tema da abolição foi excluído da pauta do novo partido.

Os clubes e as lojas maçônicas foram mais que difusores das ideias republicanas, esses espaços reuniram os principais nomes do Partido Republicano Paulista que estiveram presentes na Convenção de Itu. As Lojas maçônicas Perseverança 3º, de Sorocaba, e as Lojas Amizade e América, de São Paulo, enviaram seus representantes41 41 RIBEIRO, Luaê Carregari Carneiro. Uma América em São Paulo: a maçonaria e o partido republicano. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011. .

A Convenção de Itu limitou-se a criar uma representatividade para o próximo evento republicano previsto para acontecer na capital paulista. Em 1872, um ano antes da realização do encontro, o grupo formado pelos republicanos abolicionistas protestou contra a decisão de excluir o tema da abolição da agenda. Luiz Gama esteve entre os republicanos maçons que boicotaram a Convenção de Itu, em 187342 42 AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha: a trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999, p. 153. . A formação do PRP evidenciaria as discordâncias de pensamento entre os membros da Loja América. A articulação do partido republicano com a ampla participação de maçons da América teria, de algum modo, causado mal-estar entre os Irmãos dos dois grupos no que dizia respeito ao tema da abolição.

As diferenças ideológicas entre os maçons eram comuns a todas as lojas. Na Piratininga, por exemplo, as divergências de opinião sobre o encaminhamento da abolição parecia ser o principal ponto de discórdia. Às vésperas da abolição, em 31 de agosto de 1887, correu em sessão da loja um parecer proibindo a iniciação de novos membros possuidores de escravizados. O documento previa ainda que os maçons proprietários de escravos usufruíssem por mais algum tempo dos serviços de seus cativos, estabelecendo a sua libertação a 6 de janeiro de 1889, data que, não por acaso, correspondia ao aniversário do então venerável Joaquim Ignácio Ramalho43 43 Ata da Loja Piratininga. 6 de Janeiro de 1887. . O ano de 1889 também havia sido escolhido como ano limite para a extinção da escravidão por diversos parlamentares “por coincidir com o centenário da Declaração dos Direitos do Homem44 44 AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Etíope resgatado: abolicionismo e suas conexões internacionais. São Paulo: Annablume, 2016, p. 272. .

Na Câmara, o intervalo de tempo que separava a Lei do Ventre Livre, aprovada em 1871, e a Lei do Sexagenário, sancionada em 1885, reforçava o desejo dos escravocratas de estender ao máximo possível a vigência da instituição escravista. Em junho de 1884, o Imperador decidiu conceber um ministério reformista a fim de retomar o debate sobre a sanção de uma nova lei emancipacionista que resultaria na Lei do Sexagenário. Para chefiar o novo ministério, o imperador convocou o Senador Manoel Dantas. A iniciativa do imperador acontecia num contexto em que a escravidão estava moralmente desacreditada e socialmente condenada por amplos setores sociais envolvidos direta ou indiretamente nos movimentos abolicionistas que começavam a se intensificar45 45 MACHADO, Maria Helena. O plano e o pânico: os movimentos sociais na década da abolição. 2.º edição . São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010. .

A retomada do debate emancipacionista no Parlamento ocorreu sob pressão austera de organizações escravocratas e com a assembleia dividida. Muitos agricultores do Centro-Sul reagiram negativamente ao Projeto Dantas, uma vez que nesse contexto o preço dos cativos caíra e o valor das fazendas também. Os agricultores reagiram à desvalorização de suas propriedades e muitos atribuíram suas perdas à ação dos abolicionistas que haviam obtido importante conquista ao assegurarem o fim da escravidão no Ceará. Os fazendeiros das províncias do café, antes mesmo da subida de Dantas à chefia do ministério, exigiram que a Assembleia Geral adotasse medidas repressivas contra os excessos abolicionistas e ainda defendiam a inclusão de uma legislação que obrigasse os antigos cativos a trabalharem. Diversas denúncias contra as ações mais radicais de abolicionistas foram feitas na Assembleia46 46 CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil (1850-1888). 2.º edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. .

Segundo Robert Conrad, a reação dos agricultores do Centro-Sul ao movimento da abolição refletia a forte pressão das ações que não podiam mais ser facilmente controladas47 47 . Idem., p. 256. . Assim, a contrapartida ao avanço abolicionista foi a rejeição do Projeto, uma proposta de emancipação que havia sido bem recebida entre os parlamentares abolicionistas. Conforme avaliou Joseli Nunes Mendonça, a rejeição ao projeto Dantas proposto em 1884, tinha o objetivo de impedir que mais um passo fosse dado em direção ao encaminhamento final da escravidão, haja vista que para muitos parlamentares, sobretudo para os representantes da província de São Paulo “a questão servil estava devidamente encaminhada pela Lei de 1871”48 48 MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis: a lei dos sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil. 2º edição. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 2008. p. 119. .

A Lei Saraiva Cotegipe, sancionada no lugar do projeto do Senador Manoel Dantas, em 28 de setembro de 1885, conforme Conrad, era uma distorção da primeira proposta49 49 CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil, 1850-1888. Op.Cit., p. 256. , considerada pelos parlamentares pró-abolição uma lei conservadora, que ainda favoreceria os interesses dos escravocratas.

A contrapartida das discussões encaminhadas no Parlamento era observada nas ruas das cidades e no campo, onde as fugas em massa de escravos já não podiam mais ser controladas pelos fazendeiros. O caos já havia se instalado com larga campanha abolicionista na imprensa, com o envolvimento de setores sociais distintos e os próprios escravizados que continuavam a fugir das fazendas da província de São Paulo em direção à capital paulista. Essas ações deslegitimavam pouco a pouco a instituição escravista50 50 Idem, p. 256. .

A iniciativa maçônica mais representativa aconteceu quando o Grande Oriente do Brasil, já unificado, associou-se à Confederação Abolicionista em 1883. A convite de José do Patrocínio, a maçonaria se posicionava publicamente contra a instituição escravista. Em 5 de maio de 1883, Patrocínio reuniu as principais lideranças da época em torno da Confederação Abolicionista.

O Grande Oriente do Brasil aliou-se à Confederação Abolicionista, assim como muitas outras organizações, que, entre outros eventos, promoveu conferências públicas, quermesses, concertos e concessão de cartas de alforrias51 51 Sobre a importância dos eventos culturais no contexto abolicionista Cf. CASTILHO, Celso Thomas. Propõem-se a qualquer consignação, menos de escravos: o problema da emancipação em Recife, 1870. MACHADO, Maria Helena; CASTILHO, Celso Thomas. (org). Tornando-se livre: agentes históricos e lutas sociais no processo de abolição. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2015. . Contudo, vale ressaltar que o posicionamento do Grande Oriente do Brasil não foi convertido em sua totalidade em ações emancipacionistas nas lojas maçônicas.

Na Loja Piratininga, por exemplo, os Irmãos possuidores de escravos lutaram como puderam para impedir a implementação de medidas emancipacionistas que comprometessem a sua propriedade escrava. Em 31 de agosto de 1887, às vésperas da abolição, o debate em torno da emancipação escrava foi discutido. Na ocasião aventou-se a possibilidade de os Irmãos alforriarem seus cativos.

Na Loja Piratininga, as iniciativas contrárias às medidas emancipacionistas acabaram sendo abafadas pela ala mais conservadora da organização. Em 1887, Antonio Bento suplicou em sessão para que os recursos reunidos na loja fossem destinados à emancipação de cativos, mas sua proposta foi vetada.

Todas as lojas maçônicas, independentemente da obediência a que estavam vinculadas, se comprometeram com a emancipação legal, lenta e gradual da escravidão, ainda que elas contassem com a participação de personagens, cujas ideias eram consideradas menos comedidas, como as de Luiz Gama e Antonio Bento.

4. Antonio Bento e a Loja Piratininga

A imagem de Antonio Bento como herói radical da abolição tem sido revista em estudos mais recentes. Elciene Azevedo, em Direito dos Escravos contestou o seu protagonismo durante o funeral de Luiz Gama. Conforme a autora, o discurso supostamente proferido por ele, jurando sobre o caixão de Gama de que o sucederia na luta contra a escravidão, teria sido de autoria do médico Clímaco Barbosa, maçom abolicionista, que prestou assistência ao finado em diversas ações de liberdade52 52 AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos. Op.Cit., p. 45. . Seguindo na mesma direção, Alexandre Otsuka, em seu estudo Antonio Bento: discurso e prática abolicionista em São Paulo da década de 1880, questionou a imagem de herói radical construída em torno da liderança de Antonio Bento sobre o grupo dos caifazes. Essa imagem de herói, segundo o autor, teria sido edificada com base nos testemunhos de supostos caifazes e memorialistas simpáticos às práticas exercidas pelo maçom contra a instituição da escravidão. Esses personagens teriam superdimensionado a ação do grupo e a própria liderança de Antonio Bento. De acordo com Otsuka, a liderança de Bento à frente dos caifazes se mantém nebulosa, uma vez que as fontes principais sobre o assunto se resumem a relatos de testemunhas e memorialistas que não revelaram maiores detalhes das ações do grupo, nem tampouco revelaram a identidade de seus agentes53 53 Sobre o modo como a imagem de Antonio Bento foi cristalizada. CF. AMARAL, Tancredo do. História de São Paulo Ensinada pela Biografia dos seus vultos mais notáveis. 2º edição. Rio de Janeiro; São Paulo, Alves & Cia; Editores, 1895; ANDRADA, Antonio Manuel Bueno de. Publicações páginas esquecidas; Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, LXXVII, 1941; SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos. São Paulo, Empresa Gráfica Revista dos Tribunais, 1937. vol.2; SCHMIDT, Afonso. A Marcha; Romance da Abolição. Editora Anchieta Limitada, 1941. .

Esses registros, em alguma medida, refletiram sobre a imagem de Antonio Bento e de sua experiência como maçom. Alice Aguiar de Barros Fontes, em seu estudo A prática abolicionista em São Paulo, afirma que Antonio Bento tinha ampla circularidade na maçonaria paulista e que havia contado com o apoio financeiro de diversas lojas para a realização de suas atividades junto ao grupo dos caifazes54 54 FONTES, Alice Aguiar de Barros. A prática abolicionista em São Paulo: os caifazes (1882-1888). Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 60. 1976. . Essa percepção sobre a experiência maçônica de Bento, atrelada à ação dos caifazes, não se confirmou na prática. As informações colhidas nas atas da Loja Piratininga para este estudo não oferecem nenhum registro ou pista que confirme a sugestão de Alice Aguiar Fontes de que a loja maçônica tenha feito doações a esses grupos.

Fontes sugere ainda que Antonio Bento e outros maçons, os quais haviam integrado a organização dos caifazes, teriam adotado os sinais maçônicos. Segundo ela, “entre os caifazes da capital vigorava um sistema de sinais e convenções que lhes permitia uma ação rápida e eficiente. Supõe-se que este sistema, bem como o hábito de codificar mensagens, fosse de origem maçônica”55 55 Idem., p. 60. .

Na documentação consultada não se confirma a suposição feita por Fontes. A Loja Piratininga, embora contasse com a presença de Antonio Bento em seu quadro, incorporou, na prática de sua organização, o núcleo mais conservador da sociedade paulistana. Além disso, as aparições de Antonio Bento na referida loja foram raras por um largo período de tempo. Nas atas, seu nome quase não aparece. O abolicionista não foi um membro assíduo. Filiado à Loja Piratininga em 1868, manteve-se afastado da organização entre os anos de 1868 e 1877.

Antonio Bento de Souza Castro, vale lembrar, nasceu na capital da província de São Paulo em 17 de fevereiro de 1843. Ingressou no curso de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito em 1864 e tornou-se bacharel em 1868. Em seguida, assumiu o posto de promotor público na comarca de Botucatu, sendo, na sequência, transferido para Limeira, onde permaneceu até 1871, sendo na sequência nomeado juiz municipal de Atibaia.

A passagem de Antonio Bento por Atibaia foi marcada por conflitos e desavenças contra os abusos e desmandos de autoridades locais. As decisões tomadas no exercício de sua função contra figuras locais poderosas quase lhe custaram a vida. Como destaca Elciene Azevedo, ao exercer também a função de delegado de polícia, Antonio Bento ficou ainda mais exposto à fúria dos proprietários locais56 56 AZEVEDO, Elciene. Antonio Bento, homem rude do sertão: um abolicionista nos meandros da justiça e da política. Locus: Revista de História. Juiz de Fora. vol. 13. p. 123-143, 2007. . A dificuldade do abolicionista em construir redes de proteção em Atibaia tornou a sua permanência no local insustentável.

Havia grande resistência da elite local em aceitar as determinações vindas de um juiz forasteiro que não conhecia a dinâmica política ali estabelecida. “Antonio Bento não era nem um pouco bem-quisto por grande parcela dos homens de alguma influência em Atibaia [...] Por sua personalidade, por suas posturas profissionais, e suas ideias políticas, batia de frente com muitos interesses de gente importante da cidade”57 57 Idem., p. 130. .

Por diversas vezes, ficou na mira de seus desafetos em Atibaia, mas, em 1871, sua vida efetivamente esteve em risco quando Carlos Álvares da Cruz, proprietário local, após ser condenado pelo abolicionista, em uma ação, anunciou em praça pública que o mataria. Dias depois, Antonio Bento sofreria um atentado em sua casa. A justiça, no entanto, nunca comprovou a suspeita de que o proprietário tivesse efetivamente encomendado o atentado contra o abolicionista58 58 Ibidem., p. 131. .

Se, para muitos historiadores o retorno de Antonio Bento à cidade de São Paulo, em 1877, marcava o início da militância do maçom à causa abolicionista, na maçonaria significaria uma tentativa de ocupar espaço na alta cúpula da Loja Piratininga. Um ano após retornar a São Paulo, Antonio Bento foi eleito segundo vigilante, o terceiro cargo mais importante na loja. A tentativa de demarcar território na Piratininga parece ter sido em vão, pois ele não conseguiu destacar-se e sustentar-se nos cargos mais importantes nas eleições seguintes.

Entre 1868 e 1877, período em que esteve fora da cidade, Antonio Bento compareceu à Loja Piratininga em 6 de setembro de 1873 para justificar suas ausências nas sessões: “o Ir:. Dr. Souza e Castro servindo de 2º vigilante obtendo a palavra, congratula-se com esta offic:.[...] a ella pertencendo (ilegível) saudava como seu operário que ausente se tem achado e, de cujo quadro não deixará, de fazer parte e por isso presente se achava”59 59 Ata da Loja Piratininga. 6 de setembro de 1873. .

O medo da eliminação do quadro maçônico fez com que Antonio Bento retornasse à cidade para apresentar as suas justificativas. Ao que tudo indica, o abolicionista havia estabelecido uma forte ligação com a Loja Piratininga e não pretendia solicitar filiação à outra. Conforme Barata, era comum que os espaços de sociabilidade se tornassem lugares de referência geográfica e afetiva para muitos membros que, “ao estabelecer (em) relações de adesão e/ou rejeição, acaba (vam) por criar uma certa “sensibilidade ideológica”60 60 BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade ilustrada e independência do Brasil. Op.Cit., p. 16. .Provavelmente, Antonio Bento foi tomado por tal sentimento, mas não deixou escapar uma outra importante dimensão do significado de pertencimento maçônico: a possibilidade de construir uma rede de proteção e ajuda mútua capaz de resguardá-lo de uma eventual situação de perigo61 61 Idem, p. 111. . Esta era uma preocupação comum entre os membros da organização que mudavam para outras cidades e que buscavam criar novos vínculos orientados pelas próprias lojas maçônicas às quais já estavam ligados.

A Loja América, por exemplo, recebeu uma prancha62 62 A palavra “Prancha” no vocábulo maçônico significa correspondência, recebida ou enviada, ao Poder Central ou às co-irmãs, contendo informações relativas à rotina das Lojas: iniciações, filiações, criação de novas Lojas, pedidos de socorro aos irmãos de ordem financeira ou na condução de uma vaga de emprego. Cf. CAMINO, RIZZARDO da. Dicionário maçônico. Op.Cit., p. 318. da Amor e Virtude, da cidade de Franca, solicitando apoio e proteção ao Irmão Alferes José Teixeira Álvares, que ocuparia a vaga de Tabelião de notas no termo de Ribeirão Preto63 63 Ata da Loja Piratininga. 4 de outubro de 1878. . Temendo o isolamento e a hostilidade, muitos maçons preferiam filiar-se à loja maçônica do local da nova residência.

A proteção maçônica e a ajuda mútua eram os princípios mais antigos compartilhados pelos membros da organização, de modo que todo maçom esperava que sua loja o socorresse em situação de perigo ou necessidade. Segundo Alexandre Barata, a motivação principal para o ingresso ao círculo maçônico era justamente a ideia de que “o pertencimento à maçonaria facultasse ao iniciado uma ampla rede de auxílios mútuos”64 64 BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade ilustrada e independência do Brasil. Op.Cit., p. 111. , sobretudo num tempo em que os meios de comunicação eram precários65 65 Idem, p. 102. . Antonio Bento frustrou-se nesse sentido ante as negativas do venerável Joaquim Ramalho, da Loja Piratininga, em atender suas solicitações de socorro, o que serviu para alimentar, a partir de então, a animosidade entre eles.

Os conflitos entre os dois se estenderam por longos anos e alcançaram seu ápice em 1890, na ocasião do processo de escolha do novo venerável da loja. Embora toda a confusão tenha ocorrido depois da abolição, é válida a sua abordagem aqui em razão do desdobramento desse tumulto que, permite compreender a dinâmica interna da loja e, ao mesmo tempo, entender em que termos situava a relação entre Joaquim Ramalho e Antonio Bento, entre as décadas de 1870 e 1880.

Os embates entre essas duas figuras se tornariam ainda mais latentes na eleição para venerável em 1890. Nesse ano, o abolicionista havia se candidatado para o cargo de venerável, cadeira quase vitalícia de Ramalho. A vacância do cargo se tornou real porque Joaquim Ramalho havia assumido o cargo de grão-mestre e, segundo o regulamento, não poderia ocupar dois cargos ao mesmo tempo. Todavia, mesmo sendo a sua candidatura impugnada, ele concorreu à eleição, disputando com Antonio Bento, João Pedro de Oliveira e Alberto de Andrade. Para sua surpresa, o ex-abolicionista, seu desafeto, vencera com 12 votos contra os oito que recebera, seguido por João Pedro de Oliveira e Alberto de Andrade, com um voto cada66 66 CASTELLANI, José. Piratininga: história da loja maçônica, tradição de São Paulo. Edição comemorativa do ano do Sesquicentenário. São Paulo: OESP, 2000 p. 163. .

Após o encerramento da eleição, Antonio Bento foi eleito venerável e teve sua primeira sessão presidida em 11 de junho de 1890. No entanto, o grupo encabeçado por Joaquim Ignácio Ramalho rapidamente reagiria a sua vitória. O maçom Benedicto Martins de Siqueira, pertencente ao grupo deste, tentou impugnar a posse de Antonio Bento ao cargo com a justificativa de que se tratava de eleição ilegítima. Em defesa do eleito, João Cândido Martins leu os regulamentos gerais que legitimavam a venerância do maçom. Contrariado, Benedicto Martins de Siqueira tratou de desferir novo golpe, convidando os Irmãos para que o seguissem em uma das salas do prédio para uma sessão paralela. Curiosamente, muitos desses Irmãos convocados para a sessão encontravam-se então adormecidos67 67 Estar Adormecido no vocabulário maçônico significa que o maçom se encontra afastado da Loja. O mesmo termo pode ser aplicado a uma Loja caso suspenda por tempo determinado suas atividades. Cf. CARMINO, Rizzardo da. Dicionário maçônico. Op.Cit., p. 23. .

A estratégia de Martins Siqueira era inviabilizar a venerância de Antonio Bento. No entanto, mesmo diante da ampla oposição, Bento conseguiu realizar sua primeira e única sessão como venerável da loja. Em seu apoio, o primeiro vigilante João Maria Ventura, depois do “incidente”, achou por bem tomar providências para que o Irmão Martins de Siqueira fosse punido pela Grande Loja, então representada por Joaquim Ignácio Ramalho, que permaneceu ao lado dos “rebeldes”. Desse modo, viabilizou-se a anulação da eleição que havia levado legitimamente Antonio Bento à presidência da loja68 68 CASTELLANI, José. Piratininga. Op.cit., p. 163-165. .

O conflito colocava em relevo o distanciamento que havia entre Antonio Bento e Joaquim Ignácio Ramalho. O maçom tinha sido impedido de assumir o cargo pelo grupo que apoiava Ramalho. Em sessão, Antonio Bento relatou,

[...] que em tempos procurou (Joaquim Ignácio Ramalho) como maç:. para por elle ser favorecido em certas questões que se deram em sua vida quando estudante, Juiz de Direito de Atibaia e quando trabalhou em favor da abolição dos escravos e que nunca encontrou n’elle apoio e sim oposição, que nunca teve o mínimo auxílio da loj:. Piratininga, que o teve da loj:. América que era menos obrigada a prestar-lhe-o [...]69 69 Ata da Loja Piratininga. Livro n.º 7. 04 de junho de 1890.

No depoimento acima, Antonio Bento acusava Ramalho de ser a principal barreira à criação de uma agenda antiescravista na Loja Piratininga. A animosidade entre eles se estendeu por décadas. Mas, mesmo diante de diversos conflitos o abolicionista não deixou de frequentar a Loja Piratininga.

Como se vê, Antonio Bento não conseguiu transportar suas ideias para o círculo maçônico, por causa do posicionamento emancipacionista da Loja Piratininga que divergia de seus ideais de abolição da escravatura. Em 17 de agosto de 1887, às vésperas da abolição, este mais uma vez, manifestou-se sobre o tema da emancipação, pedindo a palavra em sessão, solicitou que os Irmãos destinassem os recursos da loja para a libertação de escravos:

Entra em discussão a proposta de que se tinha tratado na sess:. [...] uma commissão por escrutínio secreto que se encarregou a appresentar o plano respectivo das obras a fazer-se no prédio da Loj:. pedindo a palavra o Dr. Antonio Bento fez algumas observações opinando por não acceitar nenhuma proposta relativa a obras porquanto entende que o dispêndio que se possa fazer com a mesma melhor empregado seria destinando-o a libertação dos escravos do município da capital. Pedindo a palavra o Ir:. Colim José Fernandes opinou pela aceitação da proposta em discussão e que quanto as obras deveriam ser executadas por quanto é o que se tem deliberado nas últimas sess:. O resp:. Ir:. Ven:. a proposta a votação que é aprovada mascarando-se a sess:.70 70 Ata da Loja Piratininga. 17 de agosto de 1887.

O trecho acima revela que Antonio Bento não tinha muitos Irmãos que o apoiassem na Loja Piratininga. Portanto, toda a articulação antiescravista encampada por ele aconteceu fora do templo. Os abolicionistas que o seguiam ficaram conhecidos como caifazes71 71 Robert Conrad sugere que o termo adotado por Antonio Bento, provavelmente tivesse inspiração religiosa. O termo “caifaz” encontrado na bíblia fazia menção a uma profecia que dizia que Jesus deveria morrer, se sacrificar pela salvação do povo e “os seus seguidores viam-se como instrumentos da redenção” Cf. CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravidão no Brasil (1850-1888). Op.Cit., p. 294. , mas suas identidades permaneceram desconhecidas, é pouco provável que algum membro da Loja Piratininga tenha se tornado caifaz, pois como o próprio Antonio Bento revelou ele não encabeçou nenhum grupo dentro da loja.

Bento não alcançou na maçonaria a liderança que desejava, assim como transcorreu à frente da Irmandade Nossa Senhora dos Remédios. A Igreja dos Remédios, que abrigava a Irmandade, localizava-se no antigo Largo de São Gonçalo, atual Praça João Mendes. Em 1882, a Confraria Nossa Senhora dos Remédios se transformaria na sede oficial dos caifazes de Antonio Bento72 72 A ação de acolher escravizados, bem como auxiliá-los em suas fugas não foi uma prática inventada por Antonio Bento, o abolicionista se inspirou em outras experiências surgidas no Rio de Janeiro por meio da Confederação Abolicionista, que acolhia cativos fugidos, mesma prática reproduzida em Recife e realizada pelo Club do Cupim. Cf. FONTES, Alice Aguiar de Barros. A prática abolicionista em São Paulo. Op.Cit., p. 53. .

No porão da Igreja, o maçom fundou o jornal A Redempção em 1887, que embora fosse visto como defensor pleno dos direitos dos escravizados, conforme Azevedo, “só se decidiu pela abolição sem condições, isto é, sem a obrigação da prestação de serviços em outubro de 1887”73 73 AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Etíope Resgatado: abolicionismo e suas conexões internacionais. Op.Cit., p. 274. , ou seja, às vésperas da abolição.

Segundo Alexandre Otsuka, o real alcance da atuação dos caifazes na cidade de São Paulo e no interior da província permanece sem resposta e provavelmente assim permanecerá, haja vista a ausência de fontes para investigá-la.

5. Luiz Gama e a Loja América

Não se sabe ao certo em que loja maçônica Luiz Gama teria sido iniciado. Há apenas informações de que antes de compor o quadro da Loja América, o abolicionista tenha passado pela Loja Sete de Setembro, como revelaram os registros da Loja Piratininga. Em 1867, Luiz Gama participou de uma sessão na Piratininga e seu nome é mencionado no documento como membro representante da Sete de Setembro74 74 Loja Piratininga 15 de abril de 1867. . Na ocasião, o abolicionista já possuía o grau 18, sugerindo que seu ingresso na maçonaria teria ocorrido muito antes de 1867.

Luiz Gama soube articular como ninguém seus interesses abolicionistas e republicanos com seus compromissos maçônicos na Loja América, na qual figurava desde 1870. No mesmo ano em que foi filiado à loja, integrou a comissão para manumissão de africanos ilegalmente escravizados. Desde então, Luiz Gama ocupou os cargos mais importantes da loja.

A sua trajetória pessoal diferia em diversos aspectos dos demais maçons porque, como relatou ao amigo Lúcio de Mendonça, em julho de 188075 75 A carta de Luiz Gama a Lúcio de Mendonça foi transcrito na integra no livro de SUD, Menucci, O precursor do abolicionismo no Brasil. Luiz Gama, São Paulo: Nacional, 1938, p. 91-96. , viveu na pele a experiência da escravidão. Gama se dizia filho de uma africana livre com um fidalgo português, de quem se recusava a dizer o nome. Nascido na Bahia, em Salvador, havia sido vendido pelo próprio pai como escravizado para obter com isso dinheiro suficiente para saldar dívidas de jogo em 184076 76 Não é possível constatar a veracidade da narrativa contada por Luiz Gama dada a ausência de fontes suficientes para tal confirmação. Os historiadores que se dedicaram ao estudo de sua biografia, Sud Mennucci e, Elciene Azevedo trazem em seus respectivos estudos a carta na íntegra. SUD, Menucci, O precursor do abolicionismo no Brasil. Op.Cit., p. 91-96. AZEVEDO, Elciene. Orfeu de carapinha., Op.Cit., p. 35-39. Ligia Fonseca Ferreira publicou um artigo para discutir isoladamente a carta de Luiz Gama a seu amigo Lúcio de Mendonça. O artigo publicado na Revista de Literatura Brasileira. São Paulo. p. 300-321, 2008. Baseia-se em um dos capítulos de sua tese de doutorado da pesquisa Ligia Ferreira, defendida na Sorbonne intitulada: Luiz Gama (1830-1882) étude sur la vie et l’ oeuvre d’um noir citoyen, poete et militant de La cause antiesclavagiste au Brésil. Paris: Université Paris III - Sorbonne, 2001. . Depois da transação, Luiz Gama acabou sendo vendido por um traficante de escravos para um negociante em São Paulo. Antes de chegar a seu destino final, ainda atravessou caminhando a cidade de Santos até chegar a Campinas, onde acabou sendo comprado por uma família. Nessa casa contou com o apoio de um estudante que o alfabetizou. Após o letramento, Gama buscou caminhos que o levassem a liberdade, embora não tivesse deixado registro sobre como teria conseguido provar que nascera livre.

Em 1854, tornou-se cabo do exército, mas logo foi expulso por indisciplina. Nesse período, o abolicionista começou a construir sua rede de apoio e, então, conheceu o delegado de polícia Furtado de Mendonça, que o protegeu. Dessa relação, que durou cerca de 20 anos, Luiz Gama teve acesso aos primeiros livros da biblioteca da Faculdade de Direito. Furtado de Mendonça foi quem lhe assegurou acesso ao material jurídico. Em 1856, Luiz Gama, com o auxílio de Mendonça, alcançava o posto de amanuense na delegacia da cidade de São Paulo.

Quando se pensa em inserção social de “homens de cor” livres e libertos no tempo do Império é comum que se relacione isso a arranjos de apadrinhamento ou a casamentos de conveniências. Não é preciso um estudo muito apurado para que se encontrem alguns exemplos desse modelo de sobrevivência social. Gama, a saber, nunca negou em sua trajetória ter sido favorecido por Furtado de Mendonça ao cargo de amanuense da polícia de São Paulo77 77 Correio Paulistano, 27 de novembro de 1869. .

O abolicionista, entretanto, não se acomodou nessas relações. À medida que o tempo passava, ele ampliava sua rede de relacionamento que envolveu abolicionistas e emancipacionistas das altas rodas da sociedade paulista. A rede construída em torno de sua figura lhe afiançou a possibilidade de defender seus ideais sem que isso representasse o cerceamento de sua vida social. Sua estratégia era ocupar os mais diversos espaços possíveis.

Depois de alcançar um emprego estável, Luiz Gama passou a se dedicar, concomitantemente, às letras. Em 1859, publicou seu livro de poemas Primeiras Trovas Burlescas, dedicando-se também à imprensa, colaborando com diversos jornais importantes que circularam na cidade de São Paulo: Correio Paulistano, Gazeta da Tarde e O Ypiranga. Em 2 de outubro 1864, em sociedade com o ilustrador Ângelo Agostini, criou o semanário O Diabo Coxo, primeiro jornal ilustrado de caricaturas de São Paulo. De acordo com Antonio Luiz Cagnin, foi “mais um passo importante em direção à modernidade”78 78 GAMA, Luiz. (org) Diabo Coxo. Edição fac-similar. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005. p. 13. . Sua inserção na imprensa lhe permitiu conhecer figuras importantes como Américo de Campos, Ângelo Agostini, Lúcio de Mendonça, Olímpio da Paixão, José Ferreira de Meneses. Vale destacar, contudo, que na mesma proporção em que conquistava amigos e aliados ganhava, também, inimigos e perseguidores.

Não demoraria muito até que fosse convidado a ingressar na maçonaria, haja vista que a maioria de seus amigos era formada por maçons. A atuação de Luiz Gama na Loja América era conhecida dentro e fora do círculo maçônico. Ele nunca escondeu sua filiação à maçonaria, “sou agente da Loja América em questão de manumissão, e, com o eficaz apoio dela, tenho promovido muitas ações perante os tribunais”79 79 Correio Paulistano, 10 de novembro de 1871. .

Ao revelar sua identidade maçônica, Gama também demonstrava a sua preocupação em se proteger da ação de seus inimigos. Afinal, o abolicionista conquistou muitos inimigos, principalmente, entre o círculo dos escravocratas, que se incomodavam com as ações de manumissão que o advogado realizava em benefício dos escravizados. Como irmandade protetiva, revelar sua identidade maçônica poderia ser uma maneira de demonstrar que não estava sozinho e contava como uma rede de proteção importante.

As relações clientelares construídas por ele serviram de esteio às suas bandeiras políticas e sociais e, ao mesmo tempo, asseguraram a esse maçom negro a possibilidade de exercer a sua cidadania. Luiz Gama ocupou os cargos mais importantes na loja, vários anos consecutivos desempenhou a função de venerável e de vigilante. Contudo, diagnosticado com diabetes em 1878, Gama, pouco a pouco, foi vencido pela doença. Em decorrência das complicações ocasionadas pela enfermidade, o abolicionista, gradualmente, foi abandonando as atividades na maçonaria. Nos últimos anos de venerância, sua presença se tornou cada vez mais rara na loja. Jesuíno Antonio de Castro, eleito primeiro vigilante, entre os anos de 1879 e 1880, foi quem o substituiu nas sessões em que se ausentou80 80 O maçom Jesuíno Antonio de Castro aparece com frequência nos registros da Loja substituindo o abolicionista. Loja América 18 de maio de 1879; 12 de março de 1880. .

Luiz Gama afastou-se da venerância da Loja América em 1880 mas, no ano seguinte, surgiu presidindo a Caixa Emancipadora Luiz Gama, sociedade fundada pelo estudante de Direito Brasil Silvado. Provavelmente, a presidência de Luiz Gama não foi efetiva, mas sim simbólica, haja vista que sua saúde já estava comprometida. É possível que o estudante, amigo de Luiz Gama, tenha utilizado o nome do abolicionista com o objetivo de homenageá-lo e, ao mesmo tempo, atrair a atenção da sociedade paulistana para a nova organização que surgia, uma vez que a esse tempo Gama já havia se consolidado como personagem importante do movimento abolicionista.

A associação Caixa Emancipadora Luiz Gama era mantida pelos sócios, entre os quais se encontravam escravos e libertos, que contribuíam com uma mensalidade, além dos recursos arrecadados em festivais, concertos e espetáculos que eram oferecidos por associações, como o Círculo Italiano ou o Clube dos Girondinos. Três anos depois de sua fundação, seus cofres armazenavam o montante de 4 mil contos, 556 mil e 600 réis, sendo que 3 contos desse total provinham de joias e mensalidades dos sócios escravos81 81 AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha. Op.Cit., p. 260. .

O afastamento de Luiz Gama da Loja América provocou um progressivo distanciamento do tema da emancipação escravizada da loja. Como destacado anteriormente, o período em que o abolicionista ocupou o cargo de venerável da Loja América foi quando as contribuições aos escravizados foram mais significativas. Outro fator teria colaborado para que o tema da emancipação se enfraquecesse no interior da loja América. Tratava-se do processo de extinção do Grande Oriente Unido, do vale dos Beneditinos, em 188282 82 Joaquim Saldanha Marinho havia renunciado e, com isso, provocado à extinção da obediência dos Beneditinos. Logo em seguida, iniciou-se o processo de fusão das duas obediências rivais e uma série de mudanças foi realizada. O Grande Oriente do Brasil, do vale do Lavradio, que deu início ao processo de unificação impôs seus regulamentos. Após a unificação, os libertos não poderiam mais ser iniciados e as ações mais ativas contra a escravidão esmoreceram. .

Os maçons abolicionistas mais próximos de Luiz Gama, após a sua morte, passaram a se dedicar à Caixa Emancipadora Luiz Gama, que naquele momento havia se tornado um braço da Loja América e reduto dos maçons abolicionistas envolvidos com as ações emancipacionistas na cidade. No Quadro 1, é possível notar a presença significativa de Irmãos da Loja América à frente da administração da instituição.

Quadro Diretoria
da Sociedade Caixa Emancipadora Luiz Gama e da Loja América

No ano de 1884, nota-se que a diretoria das duas organizações praticamente se repetiu. A alta cúpula da Loja América, como identificado no Quadro 1, encontraria outro espaço para movimentar as ações emancipacionistas. Além desta iniciativa, notou-se outro movimento os Irmãos da América passaram a apoiar simultaneamente as ações perpetradas por Antonio Bento. Depois da morte de Luiz Gama, Antonio Bento ganhou espaço no movimento abolicionista. Tais iniciativas, dos Irmãos da Loja América: de assumirem a administração da Caixa Emancipacionista Luiz Gama sinalizavam um processo de desintegração das ações de manumissão, bem como dos debates emancipacionistas realizados até então no templo da América. O esvaziamento das ações teria levado os antigos maçons aliados de Luiz Gama a seguirem o novo líder, Antonio Bento.

O maçom abolicionista Antonio Francisco Barbosa ocupou exatamente o mesmo cargo nas duas organizações (Quadro 1). Caso semelhante é o do português Albino Soares Bairão, que apareceu exercendo duas funções importantes nas duas sociedades: na Loja América, surgiu ocupando o cargo de 1º Vigilante, e na Caixa Emancipadora Luiz Gama destacou-se como primeiro secretário.

Bairão atuou ao lado de Luiz Gama em ações de liberdade e, depois da morte do abolicionista, em 1882, aproximou-se de Antonio Bento, assim como outros membros da Loja América, como Antonio Arcanjo Dias Batista, Justo Nogueira Azambuja, João Fernandes da Silva Júnior, que, no ano de 1884, exerceu, ao mesmo tempo, a função de venerável da Loja América e o cargo de presidente da Caixa Emancipadora Luiz Gama. A presença de maçons nos dois espaços simultaneamente revelava a perda de fôlego da Loja América e o afastamento de Luiz Gama da organização.

6. Considerações finais

As lojas maçônicas América e Piratininga, embora tivessem construído espaços importantes de sociabilidade social e política na cidade, ficaram aquém de seus recursos e influência quando a pauta foi o tema da escravidão, ainda que ambas tivessem reunido os principais nomes do abolicionismo de São Paulo: Luiz Gama e Antonio Bento. A presença desses personagens não foi convertida em ações antiescravistas sistemáticas, mas sim esporádicas, como indicaram as atas das lojas maçônicas.

Bibliografia

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  • SANTOS, José Maria dos. Os republicanos paulistas e a abolição São Paulo: Livraria Martins, 1942.

Fontes - Arquivo Particular da Loja Piratininga

  • Livro de Correspondências, vol. 1, 2 e 3. (1850-1888)

Documentos avulsos

  • Livros de atas nº 1 a 17 (1860-1888)
  • Arquivo Particular da Loja América
  • Livro de atas nº3, 4 e 40 (1868-1888)
  • Arquivo do Estado de São Paulo
  • Correio Paulistano (1869, 1870, 1871)
  • AGOSTINI, Ângela; CAMPOS, Américo de; Antônio Manoel dos. (ed). Cabrião: semanário humorístico: 1866-1867. 2ºedição. São Paulo: Editora Unesp - Imprensa Oficial do Estado, 2000.
  • GAMA, Luiz. Diabo Coxo Edição fac-similar. Introdução de Antonio Luiz Cagnin. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p.13.
  • Rui Barbosa - Projeto apresentado pela Loja Américo ao Grande Oriente Unido, do vale dos Beneditinos. Casa de Rui Barbosa - PI 3 (1).
  • SECKLER, Jorge. (ed.) - Almanaque da Província de São Paulo, São Paulo: Jorge Seckler & Comp., 1884, p. 259.
  • 3
    Obediência é o organismo que reúne as lojas maçônicas, oferecendo a elas orientações de princípios e funcionamento.
  • 4
    MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e socialidades na cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.
  • 5
    A maçonaria se constituiu em princípio como espaço de sociabilidade, iniciática e secreta. Aspectos que a afastava de outras formas de organizações civis. A possibilidade de constituir uma força independente e secreta incomodava instituições como a Igreja católica, que ao longo do século XVIII e XIX estabeleceu espécie de cruzada contra a Maçonaria.
  • 6
    BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência. (Brasil, 1790-1822). Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Filosofia e Ciência Humanas. (Unicamp) São Paulo, p.246, 2002.
  • 7
    MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos., Op.Cit., p.200.
  • 8
    BARATA, Alexandre. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência. (Brasil, 1790-1822)., Op. Cit., p. 221.
  • 9
    MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e socialidades na cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005, p. 255.
  • 10
    AGOSTINI, Ângela; CAMPOS, Américo de; REIS, Antônio Manoel dos. (ed.). Cabrião: semanário humorístico: 1866-1867. 2ª ed. São Paulo: Editora Unesp, Imprensa Oficial do Estado, 2000. O Cabrião foi impresso na Tipografia Imparcial de Joaquim Roberto de Azevedo Marques.
  • 11
    SANTOS, José Maria dos. Os republicanos paulistas e a abolição. São Paulo: Livraria Martins, 1942. p. 13.
  • 12
    Correio Paulistano 10 de novembro de 1871.
  • 13
    Correio Paulistano, 14 de agosto de 1869.
  • 14
    AZEVEDO, Elciene. Direito dos Escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de São Paulo. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 2010. p. 101.
  • 15
    A ação em defesa de Jacinto culminou na demissão de Luiz Gama do cargo de amanuense da delegação de São Paulo. Os detalhes dessa ação movida no tribunal por Luiz Gama em defesa do escravo Jacinto encontram-se pormenorizado nos livros de Elciene Azevedo e de Ligia Fonseca Ferreira. Cf. AZEVEDO, Elciene. Direito dos Escravos., Op.Cit., p. 98--108; Ligia Fonseca Ferreira transcreveu os artigos referentes a demissão de Luiz Gama e os analisou. Cf. FERREIRA, Ligia Fonseca. Com a palavra, Luiz Gama., Op.Cit.
  • 16
    AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos., OC.
  • 17
    CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. 6º edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 163.
  • 18
    AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos., Op.Cit., p. 93.
  • 19
    Olímpio da Paixão cursou direito na cidade de São Paulo entre os anos de 1864 e 1868. Paulistano, filho de Luiz Maria da Paixão, proprietário de uma farmácia localizada na rua São Bento. Era membro fundador da Loja América, republicano e abolicionista. Cf: NOGUEIRA, Almeida. Tradições e Reminiscências., Op.Cit., p. 248.
  • 20
    AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos. Op.Cit., p. 194.
  • 21
    Correio Paulistano, 10 de abril de 1870.
  • 22
    As primeiras Lojas de adoção surgiram na França em 1772 e permitiam o ingresso de mulheres. Cf: CAMINO, Rizzardo da. Dicionário maçônico. São Paulo: Madras, 2010, p. 252.
  • 23
    A Loja de Adoção Sete de Setembro funcionou no mesmo endereço da Sete de Setembro, na rua Riachuelo. Não encontramos muitos registros sobre as integrantes da Loja de adoção, sabemos apenas que ela foi a primeira e a única a funcionar na cidade de São Paulo no período. Em 1885, o nome das mulheres que compunham a diretoria da Loja foi publicado no Almanaque da Província de São Paulo de 1885. Grã-mestre: D. Francisca Carolina de Carvalho; Inspetora: D. Carlota da Rocha Lima; Depositora: Maria do Carmo de Andrade; Oradora: D. Constantina de Oliveira Campos; Thesoureira D. Henriqueta de Cerqueira Lima.
  • 24
    Embora a Loja América tenha dado grande contribuição com suas atividades filantrópicas pela cidade, beneficiando inclusive cativos de outras cidades e municípios, não chegou a criar uma loja de adoção, mas foi responsável pela fundação da sociedade emancipacionista Redemptora, em 1869, frequentada por mulheres que também se dedicavam ao alforriamento de crianças cativas. Há notícias de que essa sociedade no seu primeiro ano tenha alcançado o número de 113 matriculadas , o que pareceu ser uma iniciativa muito celebrada: “a primeira reunião foi um verdadeiro acontecimento social, com direito a discursos, banda de música e salas devidamente adornadas”.
  • 25
    Correio Paulistano, 10 de novembro de 1871.
  • 26
    MOREL, Marco. Sociabilidades entre luzes e sombras: apontamentos para o estudo histórico das maçonarias da 1ª metade do século XIX. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 28, p. 6, 2001.
  • 27
    Idem., p. 5.
  • 28
    Ibidem., p. 6.
  • 29
    O objetivo do fundo era reunir recursos e oferecê-los aos irmãos, familiares, amigos e em algumas circunstâncias escravizados. Cf CAMINO, Rizzardo da. Dicionário maçônico. Op.Cit, p. 396.
  • 30
    Na terminologia maçônica o termo Prancha é o nome utilizado para designar as correspondências que eram trocadas entre as lojas coirmãs, bem como, com o Grande Oriente. Cf CAMINO, da Rizzardo. Dicionário maçônico. Op.Cit., p. 38.
  • 31
    Amizade (SP); Sete de Setembro (SP); Humildade (SP); Firmeza e Humanidade (PA); Amparo e Virtude (MG); Triunfo do Barão (RS), Humanidade (SP), Mossoró (RN), Cruzeiro do Sul de Uruguayana; Atalaia do Norte (MG), Caridade III; União Constante (RS); União e Segredo (BA); Amor e Virtude (SP); Amor e Caridade de Ribeirão Preto (SP); Santa Victoria do Palmar (RS); União e Progresso (ES); Estrela do Sul; União da Verdade (MG); Fraternidade e Progresso (PE); Esperança (SP); Caridade e União (SP); Bragança (SP); Philotimia (PE).
  • 32
    Fidelidade (MG); Humildade (SP); Fraternidade (SP). Com o desaparecimento do Oriente do Brasil, do vale dos Beneditinos, em 1883, as Lojas maçônicas América, Amizade e Sete de Setembro voltariam a se comunicarem com a Loja Piratininga.
  • 33
    Ata da Loja América. 23 de outubro de 1874.
  • 34
    Ata da Loja América. 23 de outubro de 1874.
  • 35
    Ata da Loja América. 20 de outubro de 1878.
  • 36
    Ata da Loja Piratininga. 8 de agosto de 1855.
  • 37
    Boletim do Oriente Unido Supremo Conselho. Nº 6. Ano 3. Fevereiro. p. 24.
  • 38
    BARATA, Alexandre Mansur. Os maçons e o movimento republicano (1870-1970). Locus. Revista de História, 1995. vol. 1. nº1, p. 125-141.
  • 39
    Conforme Santos, o Partido Republicano estava divido entre republicanos abolicionistas e republicanos escravocratas. Cf SANTOS, José Maria dos. Os republicanos paulistas e a abolição. São Paulo, Livraria Martins, 1942.
  • 40
    BARATA, Alexandre Mansur. Os maçons e o movimento republicano (1870-1970). Op.Cit, p. 136.
  • 41
    RIBEIRO, Luaê Carregari Carneiro. Uma América em São Paulo: a maçonaria e o partido republicano. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011.
  • 42
    AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha: a trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999, p. 153.
  • 43
    Ata da Loja Piratininga. 6 de Janeiro de 1887.
  • 44
    AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Etíope resgatado: abolicionismo e suas conexões internacionais. São Paulo: Annablume, 2016, p. 272.
  • 45
    MACHADO, Maria Helena. O plano e o pânico: os movimentos sociais na década da abolição. 2.º edição . São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.
  • 46
    CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil (1850-1888). 2.º edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
  • 47
    . Idem., p. 256.
  • 48
    MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis: a lei dos sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil. 2º edição. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 2008. p. 119.
  • 49
    CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil, 1850-1888. Op.Cit., p. 256.
  • 50
    Idem, p. 256.
  • 51
    Sobre a importância dos eventos culturais no contexto abolicionista Cf. CASTILHO, Celso Thomas. Propõem-se a qualquer consignação, menos de escravos: o problema da emancipação em Recife, 1870. MACHADO, Maria Helena; CASTILHO, Celso Thomas. (org). Tornando-se livre: agentes históricos e lutas sociais no processo de abolição. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2015.
  • 52
    AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos. Op.Cit., p. 45.
  • 53
    Sobre o modo como a imagem de Antonio Bento foi cristalizada. CF. AMARAL, Tancredo do. História de São Paulo Ensinada pela Biografia dos seus vultos mais notáveis. 2º edição. Rio de Janeiro; São Paulo, Alves & Cia; Editores, 1895; ANDRADA, Antonio Manuel Bueno de. Publicações páginas esquecidas; Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, LXXVII, 1941; SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos. São Paulo, Empresa Gráfica Revista dos Tribunais, 1937. vol.2; SCHMIDT, Afonso. A Marcha; Romance da Abolição. Editora Anchieta Limitada, 1941.
  • 54
    FONTES, Alice Aguiar de Barros. A prática abolicionista em São Paulo: os caifazes (1882-1888). Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 60. 1976.
  • 55
    Idem., p. 60.
  • 56
    AZEVEDO, Elciene. Antonio Bento, homem rude do sertão: um abolicionista nos meandros da justiça e da política. Locus: Revista de História. Juiz de Fora. vol. 13. p. 123-143, 2007.
  • 57
    Idem., p. 130.
  • 58
    Ibidem., p. 131.
  • 59
    Ata da Loja Piratininga. 6 de setembro de 1873.
  • 60
    BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade ilustrada e independência do Brasil. Op.Cit., p. 16.
  • 61
    Idem, p. 111.
  • 62
    A palavra “Prancha” no vocábulo maçônico significa correspondência, recebida ou enviada, ao Poder Central ou às co-irmãs, contendo informações relativas à rotina das Lojas: iniciações, filiações, criação de novas Lojas, pedidos de socorro aos irmãos de ordem financeira ou na condução de uma vaga de emprego. Cf. CAMINO, RIZZARDO da. Dicionário maçônico. Op.Cit., p. 318.
  • 63
    Ata da Loja Piratininga. 4 de outubro de 1878.
  • 64
    BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade ilustrada e independência do Brasil. Op.Cit., p. 111.
  • 65
    Idem, p. 102.
  • 66
    CASTELLANI, José. Piratininga: história da loja maçônica, tradição de São Paulo. Edição comemorativa do ano do Sesquicentenário. São Paulo: OESP, 2000 p. 163.
  • 67
    Estar Adormecido no vocabulário maçônico significa que o maçom se encontra afastado da Loja. O mesmo termo pode ser aplicado a uma Loja caso suspenda por tempo determinado suas atividades. Cf. CARMINO, Rizzardo da. Dicionário maçônico. Op.Cit., p. 23.
  • 68
    CASTELLANI, José. Piratininga. Op.cit., p. 163-165.
  • 69
    Ata da Loja Piratininga. Livro n.º 7. 04 de junho de 1890.
  • 70
    Ata da Loja Piratininga. 17 de agosto de 1887.
  • 71
    Robert Conrad sugere que o termo adotado por Antonio Bento, provavelmente tivesse inspiração religiosa. O termo “caifaz” encontrado na bíblia fazia menção a uma profecia que dizia que Jesus deveria morrer, se sacrificar pela salvação do povo e “os seus seguidores viam-se como instrumentos da redenção” Cf. CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravidão no Brasil (1850-1888). Op.Cit., p. 294.
  • 72
    A ação de acolher escravizados, bem como auxiliá-los em suas fugas não foi uma prática inventada por Antonio Bento, o abolicionista se inspirou em outras experiências surgidas no Rio de Janeiro por meio da Confederação Abolicionista, que acolhia cativos fugidos, mesma prática reproduzida em Recife e realizada pelo Club do Cupim. Cf. FONTES, Alice Aguiar de Barros. A prática abolicionista em São Paulo. Op.Cit., p. 53.
  • 73
    AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Etíope Resgatado: abolicionismo e suas conexões internacionais. Op.Cit., p. 274.
  • 74
    Loja Piratininga 15 de abril de 1867.
  • 75
    A carta de Luiz Gama a Lúcio de Mendonça foi transcrito na integra no livro de SUD, Menucci, O precursor do abolicionismo no Brasil. Luiz Gama, São Paulo: Nacional, 1938, p. 91-96.
  • 76
    Não é possível constatar a veracidade da narrativa contada por Luiz Gama dada a ausência de fontes suficientes para tal confirmação. Os historiadores que se dedicaram ao estudo de sua biografia, Sud Mennucci e, Elciene Azevedo trazem em seus respectivos estudos a carta na íntegra. SUD, Menucci, O precursor do abolicionismo no Brasil. Op.Cit., p. 91-96. AZEVEDO, Elciene. Orfeu de carapinha., Op.Cit., p. 35-39. Ligia Fonseca Ferreira publicou um artigo para discutir isoladamente a carta de Luiz Gama a seu amigo Lúcio de Mendonça. O artigo publicado na Revista de Literatura Brasileira. São Paulo. p. 300-321, 2008. Baseia-se em um dos capítulos de sua tese de doutorado da pesquisa Ligia Ferreira, defendida na Sorbonne intitulada: Luiz Gama (1830-1882) étude sur la vie et l’ oeuvre d’um noir citoyen, poete et militant de La cause antiesclavagiste au Brésil. Paris: Université Paris III - Sorbonne, 2001.
  • 77
    Correio Paulistano, 27 de novembro de 1869.
  • 78
    GAMA, Luiz. (org) Diabo Coxo. Edição fac-similar. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005. p. 13.
  • 79
    Correio Paulistano, 10 de novembro de 1871.
  • 80
    O maçom Jesuíno Antonio de Castro aparece com frequência nos registros da Loja substituindo o abolicionista. Loja América 18 de maio de 1879; 12 de março de 1880.
  • 81
    AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha. Op.Cit., p. 260.
  • 82
    Joaquim Saldanha Marinho havia renunciado e, com isso, provocado à extinção da obediência dos Beneditinos. Logo em seguida, iniciou-se o processo de fusão das duas obediências rivais e uma série de mudanças foi realizada. O Grande Oriente do Brasil, do vale do Lavradio, que deu início ao processo de unificação impôs seus regulamentos. Após a unificação, os libertos não poderiam mais ser iniciados e as ações mais ativas contra a escravidão esmoreceram.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2021
  • Aceito
    06 Abr 2022
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