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O REGIMENTO DE CONSERVAÇÃO DAS MATAS DO BRASIL DE 1799

THE BRAZILIAN FOREST CONSERVATION REGIMENT OF 1799

RESUMO

O regimento de conservação das matas que foi instituído no Brasil em 1799 tinha como objetivo sistematizar os cortes das madeiras de construção. As regras estabelecidas foram efetivamente aplicadas nas capitanias da Bahia, de Pernambuco e da Paraíba. O trabalho que se apresenta é uma argumentação historiográfica que versa sobre as especificidades da aplicação do regimento de 1799 no Brasil, em que se abordam os conflitos locais ocasionados pelas limitações comerciais impostas e se analisa a atuação dos Juízes Conservadores das Matas nessa conjuntura política e econômica. A problemática apresentada resultou de uma pesquisa aos fundos e coleções do Arquivo Histórico Ultramarino, nomeadamente do fundo documental Conselho Ultramarino-Brasil, seguida dos habituais métodos historiográficos de leituras, transcrições, análises e contextualização dos documentos.

PALAVRAS-CHAVE :
Iluminismo; conservação das matas; juiz conservador; regimento; Brasil

ABSTRACT:

The regiment for the conservation of forests that was instituted in Brazil in 1799 had the purpose of systematizing the construction wood cuts. The established rules were effectively applied in the captaincies of Bahia, Pernambuco and Paraíba. The work presented is an historiographical argumentation that deals with the specific issues concerning the application of the 1799 regiment in Brazil, in which local conflicts caused by the commercial limitations imposed are discussed and the role of the Conservative Judges of the Forests in this political and economic situation is analyzed. The issue presented resulted from an investigation of the funds and collections of the Arquivo Histórico Ultramarino, namely the Conselho Ultramarino-Brasil documentary fund, followed by the usual historiographical methods of reading, transcriptions, analysis and contextualization of the documents.

KEYWORDS :
Iluminism; forest conservation; conservative judge; regiment; Brazil

Sempre me pareceu uma barbaridade o derrubar, e incendiar matas virgens, ainda quando mesmo me achava naquelas capitanias, onde há grande abundância deles. É na verdade coisa lamentável, muito repreensível, contrária ao bom senso, e prejudicialíssima ao bem público, que por causa de um lucro precário, que produz uma ou duas plantações vantajosas, que se podem fazer em um bosque assolado a ferro e a fogo, se venha a perder e sepultar para sempre com irreparável dano um tão útil e precioso tesouro, que a Natureza levou séculos para formar3 3 Arquivo Histórico Ultramarino, Ofício do [presidente da Mesa da Inspeção, intendente-geral do Ouro], Diogo de Toledo Lara Ordonhes, ao [Secretário de Estado da Marinha e Ultramar], D. Rodrigo de Sousa Coutinho, remetendo cópias dos ofícios em que explica o atraso da sua viagem para São Paulo, a fim de visitar as matas para cortes de madeiras com o Intendente da Marinha, por ordem do Vice-Rei do Estado do Brasil, [Conde de Resende, D. José de Castro]; e solicitando instrução ou regimento acerca do cargo de Juiz Conservador das Matas visto também ser este lugar de sua incumbência. Anexo: ofícios (cópias). 1800, Agosto, 21, Rio de Janeiro. AHU-Rio de Janeiro, AHU_CU_017, Cx. 184, D. 13381. . Diogo de Toledo Lara Ordonhes

Introdução: o projeto político-administrativo de conservação das matas do Brasil

A década de 1790 tem sido objeto de muitos estudos historiográficos em Portugal e no Brasil por ser um período que evidencia a corporificação política e administrativa da mudança de mentalidades que ocorreu na Europa, entre os séculos XVII e XVIII, assente na noção iluminista. Conforme assinalou Slemian (2011SLEMIAN, Andréa. A administração da justiça nas primeiras décadas do Império do Brasil: instituições, conflitos de jurisdições e ordem pública (C.1823-1850). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 452, p- 225 - 272, 2011.), desde meados do século XVIII se difundiu no mundo ocidental um programa ilustrado racionalizador das instituições e dos próprios indivíduos, aliado a uma política generalizada de reforma nas ações dos governos, como consequência de uma profunda transformação nas estruturas culturais e mentais4 4 SLEMIAN, Andréa. A administração da justiça nas primeiras décadas do Império do Brasil: instituições, conflitos de jurisdições e ordem pública (C.1823-1850) Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 452, p. 225-272, 2011, p. 225. . Em Portugal, as reformas pombalinas significaram o apogeu do iluminismo, sendo importante destacar, a título de exemplo, as mudanças ocorridas nos Estatutos da Universidade de Coimbra em 1772, com o estabelecimento de estudos no campo da Filosofia Natural e com o advento das viagens naturalistas protagonizadas pelos estudantes coimbrãos. No Brasil, um coletivo de funcionários ligados à administração colonial, formados nas principais universidades europeias, sobretudo pela Universidade de Coimbra, promoviam mudanças administrativas legitimadas por uma visão de progresso, bem comum e de valorização dos recursos naturais de acordo com a perspectiva iluminista na qual foram formados5 5 Cf: DIAS, Maria Odila. Aspectos da Ilustração no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.278, p.105-170, 1968. . Estes homens de ciência forjaram os debates das ideias e a cultura política e social, ao mesmo tempo que iam construindo o paradigma socio-político do Brasil moderno. Os documentos produzidos pelos funcionários luso-brasileiros, imbuídos de novas ideias, no espaço do Brasil colonial permitem analisar o impacto dessas propostas no sistema político e administrativo vigente, bem como notar os antecedentes das mentalidades que principiaram a modernização do Brasil e que perspectivaram a independência da nação. As posições favoráveis ou contrárias à independência do Brasil tiveram como porta-vozes políticos na estrutura estatal, sobretudo, estes homens de ciência formados nas universidades europeias, que construíram, através dos seus cargos públicos, uma ampla rede de informação científica e política, ao mesmo tempo que estruturavam campos de negociação intermediando muitas vezes interesses privados e estatais6 6 RAMINELLI, Ronald. Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e governo a distância. São Paulo: Alameda, 2008. . Os ilustrados luso-brasileiros conheceram “luzes europeias” e aplicaram-nas à realidade do Brasil desenvolvendo “luzes brasileiras”, não havendo descompassos qualitativos da elite ilustrada luso-brasileira em relação aos congêneres europeus. Muitos destes homens de ciência estavam a par das mais modernas teorias filosóficas e científicas do Iluminismo. Não obstante, a sua produção científica possuía especificidades relacionadas com questões próprias da realidade brasileira, tais como a exploração dos recursos naturais e minerais, a educação e o tratamento dado a negros e indígenas, assim como a própria relação da colônia brasileira com a civilização europeia7 7 KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780-1810). História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 11, p. 109 - 120, 2004. . E, neste sentido, partindo de suas necessidades, vontades, valores e inquietações, os homens de ciência luso-brasileiros desenvolveram suas sínteses intelectuais e políticas através de uma intensa circulação de informações entre a metrópole e a colônia, fosse através da imprensa, fosse por meio de obras literárias como as memórias científicas, escritas com o rigor teórico da História Natural vigorante na época, geralmente publicadas pela Academia Real das Ciências de Lisboa.

Convém referir que a fundação da Academia Real das Ciências de Lisboa esteve no centro de uma disputa política que teve lugar após a morte de D. José I em 1777, na sequência da ascensão ao trono de sua filha, D. Maria I, adversária das políticas pombalinas e que forçou a queda do Marquês de Pombal8 8 Cf: NOVAIS, Fernando Antonio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777 - 1808) - São Paulo - HUCITEC, 1989. . A fundação desta instituição visava a descentralização da produção de conhecimento, até então concentrada na Universidade de Coimbra e, à época, muito conotada com a figura do Marquês de Pombal. Os homens de ciência luso-brasileiros, sobretudo aqueles mais ligados à História Natural e à Medicina, mantiveram sempre uma forte ligação à Academia Real das Ciências de Lisboa, apresentando memórias sobre os mais variados temas, tendo algumas sido publicadas, enquanto outras permanecem ainda inéditas.

A política da coroa portuguesa, delineada pelo Ministro da Marinha e Ultramar D. Rodrigo de Sousa Coutinho, encontrou um lugar de plena realização na referida Academia Real das Ciências de Lisboa, de onde partiam esforços para catalogar as riquezas de Portugal e de seu império colonial. No final do século XVIII D. Rodrigo de Sousa Coutinho liderou com grande perspicácia reformas políticas e administrativas pautadas pelo ideal iluminista e realizadas pelos homens de ciência luso-brasileiros que fizeram da ilustração uma vivência do cotidiano administrativo no Brasil, a “perspicácia da geração de 1790 emprestou racionalidade à análise dos problemas coloniais e, com fé otimista, projetou um grandioso conceito de império luso-brasileiro”9 9 MAXWELL, Kenneth. A geração de 1790 e a ideia do império luso-brasileiro. In: MAXWELL, Kenneth. Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São Paulo: Paz & Terra, 1999, p. 191. . Alguns historiadores referem-se a uma nova mentalidade régia, “a viradeira”, que de viragem do ideal político e administrativo de Pombal efetivamente pouco se percebe. As propostas científicas do século XVIII culminaram em políticas públicas que visavam a valorização e a exploração econômica dos recursos naturais, tendo sempre em conta uma noção de finitude desses mesmos recursos.

O problema da destruição do meio ambiente natural foi identificado em mais de 150 textos, produzidos por mais de 50 autores que atuaram no Brasil entre 1786 e 1888, e discutiram, num período de 102 anos, “as consequências sociais da destruição das florestas, da erosão dos solos, do esgotamento das minas, dos desequilíbrios climáticos”10 10 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. . Este tema fez parte dos debates em todos os níveis da administração colonial, incentivando uma intensa curiosidade técnica e científica junto dos funcionários da coroa, que assim alternavam as ocupações rotineiras dos respectivos cargos com outras tendentes ao maior aproveitamento das riquezas naturais11 11 DA SILVA, Maria Beatriz Nizza. A cultura luso-brasileira: da reforma da universidade à independência do Brasil. Lisboa: Estampa, 1999. .

Vale ressaltar que na metrópole aplicou-se igualmente uma orientação científica de levantamento de informações, organização da exploração das florestas e ações que visavam sua preservação. José Bonifácio de Andrada e Silva, ilustrado luso-brasileiro da geração de 1790, é considerado o introdutor da abordagem científica e metodológica na florestação portuguesa12 12 PEREDA, Ignacio García. Experts florestais: os primeiros silvicultores em Portugal. 2018. Tese (Doutorado em História e Filosofia da Ciência). Instituto de Investigação e Formação, Universidade de Évora, Évora, 2018, p. 92. . D. Rodrigo de Sousa Coutinho organizou a Intendência Geral das Minas e Metais do Reino, e convidou Bonifácio para assumir o cargo de Intendente. Tal fato se concretizou com a Carta Régia de 18 de maio de 1801 que criou o estabelecimento. Por sua vez, o Alvará de 30 de janeiro de 1802 definiu a competência do Intendente e a sua respectiva área de atuação, dando-lhe amplos poderes administrativos13 13 VARELA, Alex Gonçalves. “Sem matas Nação Alguma é Independente, Se Precisa de Sustento Estrangeiro”: A Conservação das Espécies Vegetais nas Memórias Científicas do Ilustrado José Bonifácio de Andrada e Silva (1780-1819). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA: CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIÁLOGO SOCIAL. ANPUH, 2013. . Um regimento para as minas foi aprovado em janeiro de 1802, inspirado no modelo da Saxónia (“O Direito Público Mettalico da Allemanha”), que articulava horizontalmente a administração das minas, as instalações metalúrgicas e a gestão das matas responsáveis pelo fornecimento de madeira para combustível, para além de criar um quadro de funcionários permanentes de forma que no Alvará do Regimento de 1802 privilegiou-se o tema de Águas e Bosques como uma das partes mais importantes da nova legislação mineira14 14 PEREDA, Ignacio García. Loc. Cit. . Nas florestas se encontrava o motor do desenvolvimento técnico e tecnológico daquela época, a energia das máquinas e a matéria das construções, ou seja, a madeira. Uma variedade15 15 Cf: ADAN, Caio Figueredo. Colonial comarca dos Ilhéus: soberania e territorialidade na América Portuguesa (1763 - 1808). 2009. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009; FONSECA, Halysson Gomes da. Devastação e conservação das florestas na Terra de Tinharé (1780-1801). 2010. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010; LEMOS, Daniel. O cacau, a mata e os cientistas: estudos sobre a cacauicultura no litoral sul da Bahia do século XVIII ao XX. 2013. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) - Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, 2013; PEREIRA, Rodrigo Osório. A ciência na colonial Comarca de Ilhéus: uma análise dos estudos botânicos dos funcionários naturalistas da região (1772-1808). Dissertação de Mestrado. 2009 - Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2009; SANTOS, Madson. Memória sobre os cortes de madeira na Comarca de Ilhéus no século XVIII. 2014. Dissertação (Mestrado em Memória: Linguagem e Sociedade) - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2014. de investigações historiográficas sobre a conservação das matas do Brasil identificou a existência de um regimento de conservação das matas datado de 1799, mas o seu contexto ficou sempre circunscrito numa abordagem regional e local. O presente artigo desenvolve um olhar para os consensos e controvérsias relativas à elaboração, implementação e processo de desmantelamento das ordens do Regimento de 1799 em todo o território do Brasil.

O regimento de 1799

No seguimento desta dinâmica de conservação das matas brasileiras, foi elaborada a Carta Régia de 13 de Março de 1797, enviada aos governadores das capitanias e que antecipou o que viria posteriormente, citando:

Eu a Rainha vos envio muito saudar. Sendo as Madeiras e Paus de construção, que se exportam do Brasil um objeto do maior interesse para a Marinha Real, e de que a Minha Real Fazenda pode tirar um grande rendimento estabelecendo cortes regulares das mesmas madeiras para vender as Nações Estrangeiras: E sendo necessário tomar todas as precauções para a conservação das matas no Estado do Brasil, e evitar que elas se arruínem, e destruam: Sou servida encarrega-vos das seguintes ordens, que executareis com a maior pontualidade, ficando responsável por qualquer falta que houver na exacta observância do que ao diante Determino, e na inteligência de que não podereis pretender nem vós, nem vossos sucessores nesse governo Despacho dos vossos serviços, sem que primeiro mostreis ter- lhes dado a mais fiel execução.

Em primeiro lugar, Determino ser da propriedade exclusiva da Minha Real Coroa todas as matas e arvoredos à borda da costa, ou dos Rios, que desemboquem imediatamente no Mar, e por onde em jangadas se possam conduzir as madeiras cortadas até as praias: não só proíbo que para o futuro se possam dar sesmarias em tais sítios, mas vos ordeno, que informeis dos meios porque se poderão restituir à minha Real Coroa as sesmarias já dadas; indenizando os Proprietários com terras equivalentes no interior do País, impondo desde logo aos ditos proprietários a obrigação de conservarem as Madeiras e Paus Reais; e estabelecendo igualmente as mais severas penas contra os incendiários, e destruidores das matas.

Em segundo lugar vos ordeno, que façais demarcar, sem menor perda de tempo, em toda a extensão de sua Capitania os lugares da costa, ou dos rios, que desembocam no mar, onde se acham estas matas; e que mandeis levantar mapas dos mesmos sítios, e deis as mais circunstanciadas informações sobre tudo o que disser respeito a este importante objeto, remetendo amostras as diferentes madeiras, ordenando os seus nomes, propriedades, e uso; quais são aquelas matas que pela sua extensão e fertilidade necessitam de Ministros para conservadores, e mostrando a forma de administração mais conveniente para se conseguirem estes fins; a saber primeiro o da conservação das matas, e arvoredos; segundo o da maior economia nos cortes, e conduções; terceiro o da maior facilidade nas remessas; quarto o do estabelecimento de uma perfeita compatibilidade, que mostre o preço porque sai cada peça das que só terão dos mesmos arvoredos, e matas.

Em último lugar vos encarrego de evitar todo o procedimento arbitrário na execução destas ordens, cuidando em que não sejam violadas as propriedades já estabelecidas, ou à borda do Mar, ou sobre rios, que admitam navegação, ou jangadas, dando-me conta de tudo o que praticardes a este respeito, com aquela individuação, e clareza que requer um Negócio de tanta importância. Escrita no Palácio de Queluz em treze de Março de mil setecentos noventa e sete 16 16 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Carta Régia da Rainha D. Maria I, ao [Governador da Paraíba], Brigadeiro Jerónimo José de Melo e Castro, ordenando a maneira que deverão se proceder para proteger as matas evitando a sua destruição. 1797, março, 13, Queluz. AHU_Paraíba, AHU_ACL_CU_014, Cx. 33/ doc. 2380 (1). .

As ordens da Carta Régia de 13 de março de 1797 foram tidas em conta pelos governadores das capitanias do Maranhão, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Paraíba. Os governadores destas capitanias trataram de responder às determinações da Carta Régia instruindo para isso os ouvidores na execução de medidas possíveis para a reserva de territórios para o monopólio dos cortes das madeiras de construção. A justificação régia para esta medida político-administrativa para a conservação das matas no Brasil, que determinou ser da propriedade exclusiva da coroa todas as matas e arvoredos à borda da costa, ou dos rios que desembocassem imediatamente no mar e por onde em jangadas se podiam conduzir as madeiras cortadas até às praias, se pautou em sugestões científicas de conservação dos recursos naturais como forma de garantir o equilíbrio econômico. A madeira brasileira era considerada mais forte e resistente do que qualquer outra disponível na Europa e era largamente utilizada nos estaleiros reais de Lisboa, assim como também era usada para a lenha dos fogões dos palácios reais e para a fabricação de mobílias17 17 DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 150. . Para se realizar o corte e o comércio destas madeiras era necessário que as zonas de corte estivessem próximas a vias marítimas e fluviais que permitissem o transporte, uma vez que as madeiras de construção eram pesadas. A exploração intensa das madeiras provocou alterações visíveis na paisagem natural, o que levou ao planejamento de ações para a conservação dos recursos naturais, de forma que o suprimento de madeira para os navios devesse ser baseado num cauteloso manejo das florestas existentes18 18 Ibidem. p. 153. . Como tal, a determinação régia de conservação das madeiras de construção, efetivamente tornava na prática a coroa detentora do monopólio do comércio dessas madeiras, o que naturalmente causou incômodo aos comerciantes particulares desta matéria-prima. Ainda neste sentido, e contrariando o ensejo da Carta Régia de 13 de março de 1797, tornou-se comum os governadores indicarem não haver forma de indenizarem os proprietários com terras equivalentes no interior, tornando, assim, impossível dar conta das recomendações indicadas.

A dinâmica econômica referente aos cortes das madeiras no Brasil tinha uma importante atenção por parte de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que, contando com a participação científica de Baltasar da Silva Lisboa, integrante da geração de 1790, idealizou um projeto que visava sistematizar a atividade dos cortes das madeiras de construção e de programar instruções para a realização de levantamentos sobre as condições das matas e suas potencialidades19 19 Cf: LIMA, Ana Paula dos Santos. O delineamento da política de conservação das matas na Comarca de Ilhéus (1797 - 1808). Temporalidades, Belo Horizonte, MG, v. 6, n. 2, p. 75 - 88, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3VRiliM. Acesso em: 15 jun. 2021. . D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ainda na fase inicial do seu mandato ministerial, priorizou ações para a resolução da complicada situação financeira em que se encontrava a coroa portuguesa. Para tal, promoveu uma série de melhoramentos que visavam o acréscimo de produção e ganhos de produtividade baseados nos preceitos iluministas de utilização prática de conhecimentos científicos e saberes técnicos. E como parte desta estratégia “cuidou dos problemas da administração das matas, incluindo as que deveriam ser recuperadas para a propriedade da coroa, recomendando medidas de boa economia no corte e transporte das madeiras e providenciando práticas contabilísticas que permitissem a determinação rigorosa do preço de custo”20 20 CARDOSO, José Luís. Nas malhas do império: a economia política e a política colonial de D. Rodrigo de Souza Coutinho. In: CARDOSO, José Luís (coord.) A economia política e os dilemas do império luso-brasileiro (1790 - 1822). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001, p. 77 - 87, 88. . Premiado21 21 Bento da Silva Lisboa informa que Baltasar Lisboa foi um dos melhores alunos de Vandelli: “(...) Tal foi sua applicação e approveitamento nestas sciencias que a congregação dos Lentes no 4º anno o gratificou com dous premios um de 28$800 e outro de 48$000 rs”. LISBOA, Bento da Silva. Biografia do conselheiro Baltasar da Silva Lisboa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, n.2, 1840. pelo naturalista Domingos Vandelli pelo seu destaque nos estudos em História Natural, e com uma formação de excelência nesta vertente científica, Baltasar da Silva Lisboa terá sido aproveitado para liderar esta ação de economia dos cortes das madeiras do Brasil, precisamente devido ao seu histórico acadêmico. O texto do regimento terá sido elaborado na Bahia, sob a responsabilidade política do governador desta capitania, D. Fernando José de Portugal, e com o acompanhamento científico do, então Ouvidor da Comarca de Ilhéus, Baltasar da Silva Lisboa. Inclusive, ocorreu uma situação polêmica durante a elaboração deste regimento, pois D. Fernando José de Portugal reclamou do fato de Baltasar da Silva Lisboa se ter antecipado a enviar o texto do regimento para D. Rodrigo de Sousa Coutinho, antes de um aval oficial por parte do governador, que classificou essa atitude como sendo indiscreta e sem consideração para com os supostos participantes da sua elaboração22 22 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Oficio do Governador D. Fernando José de Portugal, em que se refere ao Regimento dos cortes das madeiras e a vários incidentes que se deram na sua elaboração. Bahia, 1799, AHU_ACL_CU_005, Cx. 96\Doc. 18732 (1). .

O Regimento do Corte das Madeiras das Matas das Capitanias de Pernambuco e da Bahia, modelo para todas as demais capitanias, possuía cinco títulos:

  1. Do Juiz Conservador, com vinte e cinco artigos;

  2. Do Administrador, com quatro artigos;

  3. Do Mestre e Contramestre, com dois artigos;

  4. Do Escrivão, com quatro artigos;

  5. Do Almoxarife, com três artigos.

A instituição deste regimento pode ser entendida, sobretudo, como um mecanismo disciplinador e regulamentador com a expressão de normas, procedimentos e orientações através da via administrativa da Conservatória das Matas, dentro de um processo de racionalização e melhor funcionamento das instituições régias. Tinha igualmente por objetivo sistematizar a atividade econômica dos cortes e comércio das madeiras de construção por meio de orientações sobre os melhores procedimentos para o corte das madeiras, os critérios para a reserva das áreas para o monopólio da coroa, e qual a melhor estruturação burocrática da conservatória, nomeadamente no que dizia respeito a penalidades e vencimentos dos funcionários. Com vista a estes objetivos, definiu-se igualmente a criação do cargo de Juiz Conservador das Matas, que ficaria com a responsabilidade pela inspeção dos cortes das madeiras. Esta responsabilidade de inspeção era dos ouvidores das capitanias ou comarcas. Dessa forma, e fazendo jus ao projeto idealizado, Baltasar da Silva Lisboa foi nomeado, em novembro de 1797, Ouvidor da Comarca de Ilhéus, estando também delineada a sua futura nomeação para o cargo de Juiz Conservador das Matas, que seria posteriormente criado. Após terem sido produzidos os relatórios e documentos legais necessários para a criação do cargo, nomeadamente o Regimento do Corte das Madeiras das Matas das Capitanias de Pernambuco e da Bahia23 23 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Regimento do córte das madeiras das matas das Capitanias de Pernambuco e da Bahia. Tem a seguinte nota: Posto em execução por Carta Régia de 12 de julho de 1799, registada no livro da Bahia, fl.72 v., AHU_ACL_CU_005. Doc. 19.079. , regimento-modelo para as restantes capitanias, Baltasar da Silva Lisboa foi oficialmente nomeado para atuar no cargo de Juiz Conservador das Matas, na Comarca de Ilhéus, a partir de janeiro de 1799, enquanto José de Mendonça de Mattos Moreira foi desempenhar a mesma função em Alagoas.

No contexto dos conflitos militares na Europa, que se seguiram à Revolução Francesa, Portugal, assim como as demais nações europeias, passou a dar mais atenção ao suprimento da madeira de construção naval, despertando assim um maior interesse pelas matas brasileiras e aumentando a preocupação da coroa portuguesa com o controle da exploração das madeiras de construção24 24 KIRSCHNER, Tereza. Entre o rei e a lei: natureza, legislação ilustrada e conflitos no final do período colonial. Textos de História, Brasília, DF, v.11, n. 1/ 2, 2003, p - 47. Disponível em: https://bit.ly/3GkHKNj. Acesso em: 20 jun. 2021. , ganhando assim a madeira brasileira uma significativa importância neste período. A abundância das matas concorria com a necessidade, cada vez maior, da ampliação da frota naval portuguesa. Com a expansão da indústria naval, entre os séculos XVI e XVIII, as árvores passaram a ser consideradas como patrimônio nacional e passaram também a ser usadas como instrumento de manobra de política externa. Desta forma, as potências europeias criaram políticas intervencionistas baseadas na economia mercantilista e buscaram garantir o suprimento de madeira necessário à construção e manutenção de frotas mercantes e de guerra25 25 CABRAL, Diogo de Carvalho. Floresta, política e trabalho: a exploração das madeiras-de-lei no Recôncavo da Guanabara (1760-1820). Revista Brasileira de História, São Paulo, v -28, n. 55, p. 217-241, 2008, p - 218. .

Apesar da abundância destas madeiras nas florestas brasileiras, por vezes havia escassez desta matéria-prima nos estaleiros de Lisboa, que se viam assim obrigados a emendar pranchas, comprometendo a resistência dos navios, o que obrigava a constantes reparos. Porém, ao mesmo tempo, era sabido que ocorria um intenso contrabando de madeira brasileira por parte de holandeses e ingleses26 26 DEAN, Warren. A ferro e fogo... Op. Cit., p - 150. . Assim, o monopólio das madeiras de construção, corporificado no regimento, procurava também travar o contrabando das madeiras através do comércio feito por particulares, estabelecendo taxativamente que deviam ser vendidas exclusivamente para os estaleiros reais a preços fixados pelos governadores.

Os cortes de madeiras incentivaram o aumento de investimentos para a contratação de funcionários, e a indústria de transformação foi beneficiada pela instalação de serrarias e estaleiros aptos a transformar as madeiras em peças ou embarcações. A madeira de jequitibá, por exemplo, foi bastante utilizada para a fabricação de mastros, por causa do seu formato retilíneo e pelo fato de ser relativamente leve. No caso dos assoalhos e forros dos navios, utilizou-se, preferencialmente, do vinhático e do potumuju, madeiras essas de grande durabilidade e reconhecidas também pela maciês, o que facilitava o trabalho de fabricação das embarcações nos estaleiros. A maçaranduba e a sucupira eram conhecidas pela alta densidade e durabilidade, sendo utilizadas na confecção dos cascos dos navios27 27 SANTOS, Madson. Op.Cit., p - 58. . Essa transformação das madeiras para a utilização na construção naval promoveu a indústria naval para a construção de diversas embarcações, tanto no âmbito comercial quanto no de guerra. A criação de cargos administrativos nos cortes de madeiras também promoveu uma rede de funcionários pagos pela coroa portuguesa, que participava da circulação econômica colonial e era parte integrante de uma modesta elite local.

Reações locais ao regimento

A preocupação com a conservação das matas do Brasil é muito anterior à política de conservação implementada pelo regimento. Ordens da coroa no sentido de conservar as madeiras de construção começaram a ser editadas desde 1698, quando foram proibidas sesmarias em áreas de reserva dessa matéria-prima. Porém, sua efetividade esteve sempre comprometida pelo ludibrio dos funcionários da coroa que eram constantemente subornados por madeireiros, serradores e tropeiros que, realmente, decidiam onde e quando a madeira seria cortada28 28 DEAN, Warren. A ferro e fogo...Op. Cit, p - 151. . Desta forma, a implementação das regras delineadas pelo regimento esteve sempre condicionada pelo tom das dinâmicas locais das capitanias, o que ocasionava grandes dificuldades na sua aplicabilidade.

Apesar de ser destinada a todo o território brasileiro, a instituição do regimento foi particularmente relevante no Nordeste. A justificação para este facto é que era nesta região que se concentrava uma organizada indústria de extração de madeiras que eram utilizadas, sobretudo, na construção de navios. Em meados do século XVIII, começou a ser organizada a indústria de construção naval na cidade de Salvador na Bahia. Navios de guerra e mercantes construídos nesta região constituíam, no final de setecentos, a maior parte da frota naval sob bandeira portuguesa. A mão de obra utilizada nos cortes e nos arrastos das madeiras até aos portos de embarque era variada, incluindo soldados, índios aldeados e escravos alugados29 29 DIAS, Marcelo Henrique. Farinha, madeiras e cabotagem: a capitania de Ilhéus no antigo sistema colonial. Ilhéus: Editus, 2011, p -219. . Os serviços habituais eram de corte, transporte (por terra e por água), aluguel de escravos e animais. Na Capitania de Ilhéus, por exemplo, existiam estaleiros responsáveis por transformar as toras em peças menores para facilitar o transporte, como também ocorria a construção de inúmeras embarcações que eram utilizadas nos próprios circuitos comerciais30 30 SANTOS, Madson. Op. Cit. p - 13. . Essa dinâmica comercial, relacionada com a exploração florestal, foi responsável pelo surgimento de várias localidades no entorno urbano de Ilhéus.

Os governadores e ouvidores das capitanias ficaram incumbidos de adequar as determinações do regimento-modelo à realidade administrativa, econômica e natural de cada território onde ocorriam os cortes das madeiras de construção. Realizaram-se levantamentos sobre reservas e meios de transporte da madeira. Traçaram-se mapas e foram elaboradas tabelas de preços a serem pagos aos contratados e aos proprietários particulares. As sesmarias em áreas de reserva naval deveriam ser canceladas e convertidas em indenizações através de concessões de terras em outros lugares. Posseiros poderiam ser autorizados a ficar em áreas reservadas com a condição de limitarem as suas atividades à pesca e de colaborarem na guarda das florestas. As práticas incendiárias seriam punidas com pena de prisão31 31 DEAN, Warren. A ferro e fogo...Op. Cit. . A demarcação, desapropriação e reserva de terras para o monopólio da coroa, no âmbito da dinâmica econômica da atividade de extração das madeiras de construção, foi de difícil aplicação, pois divergiam veementemente com interesses locais,

Atendendo porem que algumas já se acham dadas, e que as matas à borda d’agua estão quase todas destruídas por se terem situado os habitantes junto às Costas e Rios, sendo muitas pela sua qualidade e grandeza dignas da Minha Real Atenção, por não haverem outras de semelhante natureza pra as Reais construções, e a não ocorrer Eu com eficaz providencia, se consumiram de todo aqueles que existem já apartadas dos Rios e Costas pelo interior do País quatro, cinco, seis, e sete léguas, como manifestam as matas das Alagoas, Pernambuco, e Paraíba, e ainda uma grande parte das da Comarca dos Ilhéus. Ordeno que o Juiz Conservador mande notificar cada um dos proprietários, para que hajam de conservar os paus Reais debaixo das penas que abaixo se declaram, enquanto os Governadores e Capitães Generais daquelas Capitanias não me informarem dos meios porque se poderão restituir a Minha Real Coroa as sesmarias já dadas com terras equivalentes, ou como mais conveniente se julgar, segurado o foi declarado na Carta Régia de 13 de Março de 1797 que lhes dirigi 32 32 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Regimento do córte das madeiras das matas das Capitanias de Pernambuco e da Bahia. Op. Cit. .

Essa determinação de reservar terras para os interesses da coroa ocasionou imensa insatisfação local, uma vez que os madeireiros viram o seu modo de produção completamente alterado. Para além disso, a demarcação de áreas reservadas tocou nos interesses dos grandes proprietários, assim como afetou os pequenos agricultores itinerantes que plantavam mandioca e arroz para alimentar a crescente população urbana e das fazendas de açúcar e algodão nordestinas, uma vez que foi proibida essa atividade em zonas de matas reservadas33 33 DEAN, Warren. A ferro e fogo...Op. Cit. p - 153. . As negociações da coroa com os proprietários privados demostravam-se conflituosas, visto que, para além da exigência dos proprietários privados para solicitarem permissão para derrubar madeiras de construção da sua propriedade, os governadores ainda aplicavam taxas sobre a remoção da madeira, decidiam arbitrariamente os preços de compra e atrasavam o pagamento34 34 Ibidem . A Câmara da Vila de Fortaleza na Capitania do Ceará enviou uma carta para o príncipe Regente D. João, datada de 1803, onde expressou descontentamento com as regras estabelecidas para os cortes das madeiras de construção na vila, explicando que muito raramente se identificavam na vila madeiras de construção, e se existissem estavam distantes dos portos de embarque, ocasionando assim imensa dificuldade para serem transportadas, “porquanto só se pode fazer a sua condução em carro por não haverem rios navegáveis, sendo necessário primeiramente abrirem-se grandes picadas, e muitas destas serão por montes, e por vales”35 35 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Carta da Câmara da Vila de Fortaleza ao [príncipe regente , D. João], sobre as dificuldades atravessadas pela capitania, devido à seca de 1791-93, o que acabou por prejudicar a agricultura e as rendas reais, e sobre as medidas tomadas pelo governador Bernardo Manuel de Vasconcelos acerca da derrubada das matas. Anexo: 2ª via. 1803, maio, 28, Fortaleza. AHU-CEARÁ, AHU_CU_006, Cx. 17, D. 992. . Ademais, nesta carta consta uma queixa que denuncia o fato de os proprietários que possuíam em suas terras madeiras de construção verem-se na situação de não conseguirem consertar nem construir casas em suas terras usando, para isso, a madeira, pois desta forma seriam condenados a pagar indenizações à Real Fazenda. Evidentemente esta queixa deve-se à inadequação dos interesses econômicos da dinâmica local com as regras estabelecidas pelo regimento, até porque as determinações oficiais garantiam o acesso às matas para utilizar as madeiras necessárias para o essencial doméstico. Por outro lado, é sabido que, de maneira geral, a instituição do regimento atingiu, sobretudo, os pequenos proprietários e não conseguiu alcançar, efetivamente, os particulares envolvidos no comércio em larga escala das madeiras de construção. Se a conservação das matas terá sido uma espécie de cortina de fumo para a coroa ganhar terras, já que esta política aumentou o controle da administração colonial sobre as terras no Brasil, deve-se considerar também que a perspectiva científica de finitude dos recursos naturais se tornou cada vez mais alargada na Europa desde o final do século XVIII, sendo também natural a apropriação política deste pressuposto científico na administração colonial36 36 Cf: SLEMIAN, Andréa. A primeira das virtudes: justiça e reformismo ilustrado na América portuguesa face à española. Revista Complutense de Historia de América, Madrid, v. 40, p. 69-92, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3WKiXYf. Acesso em: 20 jun. 2021. . Outra importante observação nesse sentido se assenta na análise de Cabral37 37 CABRAL, Diogo de Carvalho. Produtores rurais e indústria madeireira no Rio de Janeiro do final do século XVIII: evidências empíricas para a região do vale do Macau. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 125-145, 2004. Disponível em: https://bit.ly/3k4nI0P. Acesso em: 1 jul. 2021. sobre o caso dos pequenos produtores rurais, e da sua relação com a indústria madeireira, da região do Vale do Macau no Rio de Janeiro, pois o referido autor constatou que esses pequenos produtores investiam numa indústria madeireira comercial, e não mais de subsistência, na medida em que o comércio em larga escala das madeiras, uma vez valorizado, lhes possibilitava trocas mais vantajosas. Assim, estes produtores de subsistência viam-se atraídos para a crescente prática de uma agricultura mercantil com a qual obtinham, via troca, produtos essenciais para a sua sobrevivência, nomeadamente gêneros alimentícios que não tinham condições de plantação nas suas terras. Valendo ressaltar que quanto maior o valor de troca dos seus produtos, mais numerosos seriam os itens que poderiam adquirir nas negociações com os comerciantes. Portanto, dessa forma, a exploração da madeira aparecia, em tempos de alta valorização desta mercadoria, como uma atividade secundária para estes pequenos produtores, ou seja, as madeiras de construção tornavam-se simultaneamente num produto de exploração de pequenos e grandes comerciantes.

Numa lógica de adequação do regimento-modelo às especificidades das capitanias, foram igualmente elaborados regimentos para as comarcas de Ilhéus e de Alagoas, e para a Capitania da Paraíba, que tiveram em conta as particularidades destas regiões.

O regimento específico da Paraíba possuía 27 artigos sem títulos. O texto no seu início descarta a política de desocupação de terras para o monopólio das madeiras de construção indicada pela coroa, levando as diretrizes para um acordo entre os interesses públicos e privados,

Como todas as matas e arvoredos a borda da costa ou de Rios, que desemboquem no mar já se acham todas dadas em sesmaria e nem podem ser indenizados os proprietários com terras equivalentes no interior do país por não haver em todo ele terras algumas devolutas não podendo, portanto executar-se nesta parte (...) o que é determinado (...): Verão obrigados os proprietários das ditas matas a conservar as madeiras e paus reais como em consequência da mesma Carta Régia já ter ordenado pelo governador da Capitania e debaixo das penas que abaixo se declara38 38 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Regimento para os cortes das madeiras da Paraíba, segundo as circunstâncias da mesma capitania, em consequência do que foi estabelecido para as matas do Cairú, AHU_ACL_CU_014, Cx. 35. Doc. 2537. .

O regimento paraibano reservou também matas para o monopólio da coroa e estabeleceu disposições que iam desde o funcionamento administrativo, organização das finanças até às penas impostas aos delitos cometidos. Como seria de esperar, as disposições legais estavam em harmonia com o regimento-modelo, inclusive algumas partes da redação são exatamente iguais, porém desenvolvem-se com mais detalhes as determinações neste regimento que têm um caráter mais específico, referindo temas como o pagamento aos empregados, a divisão e organização das tarefas, até a fiscalização e estruturação das finanças específicas da Capitania da Paraíba.

Para as comarcas de Ilhéus e de Alagoas foi também elaborado um regimento de conservação das matas e do corte das madeiras considerando as dinâmicas específicas destas localidades, com onze títulos,

  1. Sobre o Direito das Propriedades, e restrição imposta na data das sesmarias; da conservação dos paus reais, com nove artigos;

  2. Do juiz conservador, com dezesseis artigos;

  3. Do método da arrecadação dos Direitos consignados para as despesas dos cortes das madeiras, com sete artigos;

  4. Em que matas se farão os cortes por conta da Real Fazenda, com três artigos;

  5. Das penas impostas aos que cortam, queimam, e extraviam paus das matas, com três artigos;

  6. Da exportação das madeiras, e das guias, que devem passar os juízes ordinários dos Distritos, e mais pessoas para isso autorizadas, com três artigos;

  7. Dos lugares onde se deve estabelecer a residência dos fiscais cobradores e do que devem praticar, com cinco artigos;

  8. Do administrador dos cortes, com três artigos;

  9. Do mestre e contramestre, com dois artigos;

  10. Do escrivão, com três artigos;

  11. Do Almoxarife, com quatro artigos.

A redação do regimento específico das comarcas de Ilhéus e de Alagoas enfoca nos seus artigos iniciais uma forte política de restrição aos privados relativamente ao acesso e posse de terras onde se encontrassem matas virgens cujas árvores fossem propícias para o fornecimento de madeiras para a construção. No título 2.º, denominado Do juiz conservador, nota-se uma linguagem voltada para a História Natural no estabelecimento dos períodos e condições dos cortes das madeiras, considerando as condições climáticas específicas das comarcas de Ilhéus e de Alagoas,

Haverá na Comarca dos Ilhéus e das Alagoas, e nos mais lugares, que Eu for servido Mandar abrir cortes um Juiz Conservador das matas, sendo escolhido para tão importante emprego, pessoas, que tenham conhecimentos da Geometria e da Phisica das arvores, vencendo ordenado de Um conto de reis. §2º E como é sumamente necessário, que os cortes de madeiras se façam nos tempos da madureza das árvores, e sanidade delas, e na Minha Real Presença tem constado por experiências feitas nos Bosques da Comarca dos Ilhéus pelo atual Juiz Conservador dela for o tempo próprio aquele dos meses de Abril até Outubro, nas quebranças das luas, pois que neles constantemente as árvores mostram menos abundância de seva, e se consideram em sua perfeita lesão; o que muito concorre para a compatibilidade, que devem ter as madeiras de construção, resultando do contrário, o grave dano que se experimenta pela pouca duração das Naus e Navios. Mando, que o Juiz Conservador não consinta abrir cortes senão nos referidos meses de abril até outubro, e para isso mandará publicar um edital para que senão façam os ditos cortes nos meses defesos, incorrendo os franqueadores nas penas dos que extraviam madeiras, e contam das Minhas Reais Matas 39 39 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Regimento de conservação das matas e do corte das madeiras. Projecto elaborado pelo Juiz Conservador Baltasar da Silva Lisboa, AHU_CU_005_01, Cx 107. Doc. 20.846. .

Em Ilhéus, ocorreram muitas dificuldades para a implementação das regras do regimento, algo que foi comum a outras partes do Brasil, ocasionando revolta por parte da população local relativamente aos responsáveis da fiscalização e guarda das matas, apesar do esforço desenvolvido por Baltasar da Silva Lisboa em aproximar as ações político-administrativas com as conclusões científicas da História Natural40 40 Cf: LIMA, Ana Paula dos Santos. A comarca de Ilhéus na ótica do juiz conservador Baltasar da Silva Lisboa (1797 - 1823). Dimensões, Vitória, ES, v. 40, p. 151 - 172, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3VX3FyC. Acesso em: 20 jun. 2021. , sempre com o objetivo de dar racionalidade e legitimidade científica às regras estabelecidas pelo regimento de forma a enfraquecer os argumentos dos interesses locais, mas que pouco resultou. Segundo Slemian (2011SLEMIAN, Andréa. A administração da justiça nas primeiras décadas do Império do Brasil: instituições, conflitos de jurisdições e ordem pública (C.1823-1850). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 452, p- 225 - 272, 2011.), vivia-se um conflito de mentalidades nesta época, em que “o sentido de ruptura então vivido, a capacidade de projeção de algo novo e o ideal de normalização das instituições e seus indivíduos não se desdobrariam automaticamente para outros níveis da realidade”41 41 SLEMIAN, A primeira das virtudes: justiça e reformismo ilustrado na América portuguesa face à española. Revista Complutense de Historia de América, Madrid, v. 40, p. 69-92, 2014. , ocorrendo assim certo descompasso entre norma e práxis, de forma que a mensagem iluminista da legalidade nem sempre se adequava às realidades locais.

Administração e catalogação

O regimento previu a criação do cargo de Juiz Conservador das Matas para colocar em prática as regras das ações de conservação das matas brasileiras. Contudo, na maior parte das vezes, os ouvidores, os próprios governadores ou outros funcionários da coroa acumulavam as funções previstas especificamente para o Juiz Conservador das Matas, não ocorrendo nomeações exclusivas para este cargo. Por exemplo, Diogo de Toledo Lara Ordonhes42 42 Cf: CAVALCANTI, Irenilda Reinalda Barreto de Rangel Moreira. “É peroba do campo, é o nó da madeira”: o juiz conservador das matas e a preservação utilitária. Revista Mosaico, Vassouras - v. 8, n.2, p. 16 - 22. 2017. , que era formado em Direito pela Universidade de Coimbra, Intendente do Ouro do Rio de Janeiro e que se dedicou no seu percurso profissional à História Natural, foi também incumbido de realizar atividades relativas ao cargo de Juiz Conservador das Matas no Rio de Janeiro. Na Paraíba, Bento Bandeira de Melo, que provinha de uma família com títulos de nobreza, tendo sido escrivão da Provedoria, foi igualmente encarregado do exame e dos cortes das madeiras das matas da Paraíba, onde realizou relatórios sobre as potencialidades econômicas das matas paraibanas e dos respectivos portos e barras para o embarque das madeiras. Mas na Comarca de Ilhéus, da Capitania da Bahia, deu-se a nomeação em regime de exclusividade de Baltasar da Silva Lisboa, e na Comarca de Alagoas, da Capitania de Pernambuco, foi nomeado igualmente em situação de exclusividade José de Mendonça de Mattos Moreira para o cargo de Juiz Conservador das Matas. Estes juízes conservadores das matas, nomeados em regime de exclusividade, possuíam perfis profissionais bem distintos. A nomeação de José de Mendonça de Mattos Moreira43 43 Cf: ANDRADE, Juliana Alves de. A mata em movimento: coroa portuguesa, senhores de engenho, homens livres e a produção do espaço na mata Norte de Alagoas. 2008. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2008. representou um interesse político-administrativo na região, tendo sido, inclusive, indicado para o cargo pela Câmara das Alagoas e pelo governador da Capitania de Pernambuco à Rainha D. Maria I. Era um português com título de nobreza que construiu em Alagoas um notório domínio político e econômico ao desempenhar o papel de Ouvidor, tendo sido igualmente senhor de terras e engenhos ao norte da referida comarca. Por sua vez, a nomeação de Baltasar da Silva Lisboa foi feita pelo próprio Ministro da Marinha e Ultramar, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, dentro de uma lógica de potencializar a eficácia da administração régia através da inserção de homens de ciência na dinâmica local do Brasil. Era um importante ilustrado luso-brasileiro que representava a vanguarda iluminista científica do seu tempo, tendo neste cargo desenvolvido uma visão essencialista da natureza afastando-se da perspectiva utilitária predominante em sua época. Baltasar da Silva Lisboa acabou por acumular vários inimigos locais e políticos, tendo encerrado a sua carreira na Bahia com uma fuga para o Rio de Janeiro para escapar da prisão aquando da Independência do Brasil devido à acusação de não ter apoiado o movimento independentista44 44 Cf: LIMA, Ana Paula dos Santos. Memórias de Baltasar da Silva Lisboa: a singular floresta e os povos de Ilhéus. 2013. Tese (Doutorado em Ensino, Filosofia e História das Ciências). Universidade Federal da Bahia/Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2013. P - 77. Disponível em: https://bit.ly/3WMKZ5. Acesso em 1 jul. 2021. .

A política de conservação das matas do Brasil sofreu algumas alterações a partir de 1807, no contexto do bloqueio continental de Napoleão na Europa, quando a família real portuguesa partiu para o Brasil. Junto com a corte estava D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que se tornaria um importante conselheiro do rei quando a abertura dos portos do Brasil em 1808 consolidou um movimento de transição de um sistema de comércio internacional protegido pelo regime de pacto colonial para um sistema de comércio livre. Em causa estava, sobretudo, a construção de novas bases econômicas e políticas onde o Império luso-brasileiro, com a sua capital deslocada para o outro lado do Atlântico, se deveria sustentar45 45 OLIVEIRA, Luís Valente de; RICUPERO, Rubens (org.). A abertura dos portos. São Paulo: Senac, 2007, p - 182. . A presença da corte no Brasil significou um acréscimo significativo das atividades econômicas que só seria possível num contexto de abertura do comércio, “a ironia da situação estava, precisamente, no fato de que essa abertura acarretou maior autonomia e força política ao território brasileiro, pondo em causa de forma definitiva o cada vez mais precário equilíbrio com a metrópole”46 46 Ibidem. , pois o Brasil seguia a passos largos para uma crescente autonomia econômica e política.

No seguimento das recomendações para administração e catalogação dos cortes das madeiras foram realizadas várias listagens de espécies de árvores e suas utilidades. Esta determinação ocasionou índices exaustivos de tipos de madeiras, suas dimensões, preços, utilidades e outras informações que variavam por região. A título de exemplo, o Governador da Paraíba, Fernando Delgado Freire de Castilho, enviou a D. Rodrigo de Sousa Coutinho uma relação dos diferentes tipos de madeiras encontradas nas matas da região, constando o respectivo peso, propriedades e serventias47 47 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Ofício do [Governador da Paraíba], Fernando Delgado Freire de Castilho, ao [Secretário de Estado da Marinha e Ultramar], Rodrigo de Sousa Coutinho, remetendo relação dos diferentes tipos de madeiras encontradas nas matas da região, constando peso, propriedades, uso e o estado das matas, 1799, julho, 31, Paraíba, AHU_CU_014, cx. 35, D. 2508. . Baltasar da Silva Lisboa também fez um profundo levantamento das madeiras de construção identificadas na Comarca de Ilhéus, listando a espécie, altura, grossura e época do ano em que florescem48 48 LISBOA, Baltasar. Ensaio da física dos bosques dos Ilheus. [S. l.: s. n.]: [1801- 1803]. Biblioteca Nacional de Portugal. Manuscrito. COD. 4561. . Inclusive, na apresentação desta listagem, criticou o comércio do pau-brasil reclamando que a exploração desta madeira não estava levando em conta as condições reais da natureza. Ainda no seguimento da referida política de administração e catalogação das madeiras do Brasil referiu que, apesar de estar ciente do artigo 8º do Tratado de Comércio de 1810 com a Inglaterra, que tornou essa madeira um dos “Estancos Reaes”, não poderia deixar de informar o sistema opressivo e destruidor aplicado na exploração do pau-brasil, denunciando assim a sua exploração indevida. Com plena consciência de estar a referir um assunto sensível naquele momento, “estando ciente de não ter para isso autorização”49 49 Ibidem. , expressou que fazia tais críticas por sua própria conta. Portanto, enquanto o grupo independentista se preparava para assumir o poder, Baltasar da Silva Lisboa dava sinal de que as direções políticas e administrativas à moda inglesa não seriam a melhor opção para a nova nação50 50 Cf: LIMA, Ana Paula dos Santos. Memórias de Baltasar...Op. Cit. .

Conforme referido, um dos primeiros atos de D. João ao chegar ao Brasil consistiu em abrir os seus portos às nações amigas e a autorizar que fosse levado a efeito comércio internacional com toda a espécie de mercadorias, exceto umas poucas que constituíam monopólio da coroa. Confirmado e precisado pelo tratado de 1810, este ato marcou o verdadeiro fim do estatuto colonial. O artigo 6º deste tratado dispunha que a Inglaterra podia mandar cortar madeira para a construção de navios de guerra nas matas do Brasil, com exceção das matas reais, reservadas para a marinha portuguesa, privilégio considerado à época excessivo e vago, uma vez que não se estabelecia a quantidade de madeira autorizada para ser cortada. O tratado falava em reciprocidade, e um dos campos em que essa reciprocidade e igualdade de tratamento se aplicariam seria aos navios dos dois países que frequentavam os portos um do outro. Mas, nas condições reais da época, a reciprocidade era apenas uma fachada, uma vez que navios portugueses eram considerados somente aqueles construídos em Portugal. Um navio construído na Índia, por exemplo, não se considerava navio português, enquanto navio inglês era todo aquele que fosse construído em quaisquer domínios ingleses, inclusive os navios apresados, como por exemplo os navios capturados aos franceses. A Inglaterra tinha à sua mercê não só a Metrópole, mas todo o Império51 51 SCHEDEL, Madalena Serrão Franco. Guerra na Europa e interesses de Portugal: as Colônias e o comércio ultramarino: A ação política e diplomática de D. João de Melo e Castro, V. Conde das Galveias (1792 -1814). 2010. Dissertação (Mestrado em História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa). Departamento de História, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2010. p - 161. , uma vez que os Tratados de 1810 lhe trouxeram imensos benefícios, ao mesmo tempo que infligiam um golpe profundo no comércio português e, conforme denunciou Baltasar da Silva Lisboa, traziam um mal irreparável para as florestas do Brasil.

A permanência da família real no Brasil ocasionou mudanças no cotidiano socioeconômico e cultural e os brasileiros acostumaram-se a ter o rei por perto. No entanto, a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves, decretada em 16 de dezembro de 1815, tornou a condição colonial cada vez mais insustentável. Com o seguimento da Revolução Liberal de 1820 e a postura implacável da metrópole de exigência ao retorno do pacto colonial, os ânimos favoráveis à independência do Brasil se exaltaram numa época em que o republicanismo e o federalismo já haviam ocupado a América espanhola. No seguimento de vários eventos, o Brasil atingiu a sua independência a 7 de setembro de 1822. Relativamente à política de administração dos cortes das madeiras, começa-se a verificar algumas alterações no sentido de abandono dessas políticas. Sabe-se, por exemplo, que em 1822 a Conservatória das Matas de Pernambuco estava extinta. Um antigo escrivão desta conservatória, Francisco Lopes de Araújo, solicitou ajuda pelo fato de ter perdido o seu posto de trabalho devido ao fim da conservatória e por isso estar em condição de indigência,

Francisco Lopes de Araújo da Vila das Alagoas pela sua infeliz situação se vê precisado representar ao Soberano congresso que o Governo Provisional daquela Província extinguira a Conservatória das matas com todos os seus empregos.

Desde trinta e um de janeiro de mil oitocentos e seis servia [...] de escrivão da mesma conservatória com inteligência e zelo; servindo antes de Escrivão ajudante, na mesma conservatória, na contadoria da junta da Fazenda aonde o serviço foi gratuito [...] e escrivão do almoxarife do presidio de Fernando Noronha.52 52 ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Parecer da Comissão da Fazenda do Ultramar das Cortes Constituintes sobre o requerimento de Francisco Lopes de Araújo em que pede a conservação do pagamento do ordenado que vencia como escrivão da Conservatória das Matas de Alagoas ou ofício com ordenado equivalente, tendo em atenção que a Junta Provisional do Governo da província extinguiu a dita Conservatória e todos os seus empregos. Anexo: requerimento e docs. comprovativos. 1822, Setembro, 28, Lisboa. AHU-ALAGOAS, AHU_CU_004, Cx. 7, D. 523.

Os eventos que levaram à Independência do Brasil modificaram consideravelmente a relação dos brasileiros com o patrimônio natural que herdaram e a euforia com o fim da tutela colonial fez com que a exploração das matas fosse feita com vigor redobrado, sem a anterior preocupação de racionalização, investigação e conservação. Em 1825, para garantir o reconhecimento da independência brasileira, proclamada três anos antes, a Inglaterra exigiu, no processo de negociação, a manutenção do sistema de tratados preferenciais. O governo imperial brasileiro, centralizado na figura do imperador D. Pedro I, acatou sem grandes alternativas as novas pressões externas que sacrificavam a própria soberania da nova nação53 53 FOGOLARI, José Antonio. A política externa brasileira no rompimento colonial: a busca por autonomia na ruptura dos tratados preferenciais de comércio com a Inglaterra pós-independência. 2019. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais). Centro Econômico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019, p - 36. . Em 1827, a responsabilidade pelo inventário das reservas florestais e a vigilância contra o corte não autorizado de árvores passou do Conselho Fazendário do Rio de Janeiro e dos juízes conservadores para os juizados de paz, autoridades eleitas e subservientes aos proprietários locais. Uma lei de 1829 reiterou a proibição de derrubada em terras públicas, mas permitiu que os conselhos municipais concedessem licenças. Em 1831, os hortos florestais foram extintos, encerrando assim a supervisão imperial da floresta litorânea sobrevivente. As proibições do corte não autorizado, em propriedade privada, de um número reduzido de espécies de madeiras de lei, continuaram em vigor, ainda que não aplicadas, até 187654 54 DEAN, Warren. A ferro e fogo...Op. Cit. p - 176. . A legislação florestal do Império, ao invés de desenvolver mais cláusulas de proteção, promoveu alterações que comprometeram ainda mais o patrimônio natural, como, por exemplo, a lei de 15 de novembro de 1831, que aboliu as Conservatórias dos Cortes de Madeiras que haviam sido instituídas durante o período colonial55 55 SANTOS, Margaret. Manifestações pela conservação da Natureza no Brasil (1784 - 1889). Revista UNIARA, Araraquara, n. 16, p - 34, 2005. . As madeiras de construção eram um valioso produto extrativo da Mata Atlântica, e por isso ocorreu o desenvolvimento de equipamentos voltados para esta extração. Equipamentos de serraria tornaram-se comuns em 1820, e em 1838, já existiam 53 serrarias em São Paulo. A história da independência vem se constituindo nos últimos duzentos anos entre passados e presentes que envolvem muitos agentes sociais em uma dinâmica em que inovações são permanentemente desafiadas por heranças e persistências”56 56 OLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Memória, historiografia e política: a independência do Brasil, 200 anos depois. Estudos Avançados, São Paulo, v. 36, n. 105, p - 25, 2022. , equivalendo ainda anotar que, após a Independência do Brasil, assistiu-se a um retrocesso no desenvolvimento de políticas públicas para a conservação das matas.

Considerações finais: ciência e saber, uma questão transepocal

O Regimento do Corte das Madeiras das Matas das Capitanias de Pernambuco e da Bahia de 1799 fez parte de um projeto político-administrativo baseado na noção de ciência iluminista, no qual as legítimas conclusões científicas beneficiariam a economia do Estado e trariam o bem-estar para os povos, constituindo-se como um documento jurídico que corporificou ideias da ciência das luzes para a conservação das matas do Brasil. Este regimento pode ser considerado um bom exemplo do progresso do diálogo entre cientistas e políticos no contexto colonial luso-brasileiro, deixando para trás, de forma permanente, as prescrições religiosas para as tomadas de decisão na administração. Mas, por outro lado, sinalizou desde aí a distância entre o discurso da ciência e o discurso das realidades locais, uma vez que o regimento não foi aceito nem por pobres, nem por ricos, sendo fortemente combatido pelas populações no Brasil.

Baltasar da Silva Lisboa foi um dos principais mentores do regimento e defendia uma noção de necessidades vitais das matas. Isto quer dizer que, além da preocupação com o desenvolvimento econômico do Império, demonstrava também uma inquietação pelo cuidado com a natureza, considerando uma longa escala temporal para o benefício da própria natureza e dos povos. Este homem de ciência assinalou a necessidade de se aproximar as conclusões científicas com a dinâmica cotidiana da população, considerando as particularidades econômicas e culturais de cada comunidade onde as florestas estavam inseridas, e nesse sentido, expressou que as teorias “de fora” não deveriam entrar no Brasil sem uma crítica preliminar. Sendo assim, era preciso unir a teoria e a prática, tendo expressado que “cumpre seguir os preceitos que os sábios da Europa nos deram em tudo que for de conformidade com o clima e local brasileira”, pois é “a experiência a melhor mestra dos conhecimentos humanos”, sendo assim importante perceber as características específicas da agricultura local, as peculiaridades de cada espécie a ser explorada de forma a promover a replantação de árvores e a adoção de políticas públicas para a conservação das matas57 57 Cf: LIMA, Ana Paula dos Santos. Memórias de Baltasar... Op. Cit. .

Da “Rússia ao Brasil, da Irlanda à Suíça, do Tâmisa às margens do Mediterrâneo, o desenvolvimento rápido do circuito acadêmico no decurso do século XVIII prefigurava nitidamente aquilo a que chamamos hoje uma moderna comunidade científica internacional”58 58 FERRONE, Vicenzo. O homem de ciência. In: VOVELLE, Michel. O Homem do Iluminismo. Lisboa: Presença, 1997. cap. 5, p- 165. fundamentada numa crença de universalidade do saber, desenvolvendo-se conforme as condições específicas de cada contexto histórico. Permanecendo, assim, o desafio historiográfico de delimitar ou de explicar o evento chamado de Revolução Científica, uma vez que não existiu um evento singular chamado de “ciência” na época de Setecentos, mas diversas formas e práticas culturais para compreender e explicar o mundo natural, cada uma com diferentes características e cada experiência com diferentes modos de atuação59 59 SHAPIN, Steven. The scientific revolution. Chicago: University of Chicago Press, 1996. . Assim, podemos dizer que o regimento é uma demonstração da aplicação da inteligência do homem no desenvolvimento de técnicas, instrumentos e ideias em investigações sobre a natureza no final do século XVIII e início do XIX, onde o conhecimento das ciências naturais representava a chave para se compreender o próprio Homem e o agir na sociedade.

É importante salientar que esta ação de elaboração e implementação do regimento foi resultado de uma força-tarefa interdisciplinar que unia o conhecimento jurídico, a história natural, a filosofia e o próprio saber popular. Aquando da implementação do regimento estava-se perante um Estado imperial que colocava em sua agenda ações de conservação para o bem público, porém buscava também um fortalecimento da administração régia. Atualmente, nos Estados democráticos a preservação dos recursos naturais é um desafio constante e ainda se assinalam as dificuldades para convencer os privados a mudarem práticas comerciais visando o bem comum. Os riscos e as ameaças de crise global exigem uma ampla reflexão sobre os direitos humanos, tanto numa escala doméstica e constitucional, como no âmbito do direito internacional público. Vivemos uma época em que o peso das coisas tem um preço de mercado e giram em torno da esfera das transações, de forma que a lógica da vantagem econômica parece substituir o valor ético e moral. Torna-se assim imperiosa a necessidade de um profundo respeito pela sustentabilidade ecológica, ambiental e climática do planeta de modo a garantir os direitos das gerações futuras60 60 Cf: SOROMENHO, MARQUES Viriato. Prefácio In: LEAL, Ernesto Castro (coord.). Guerra, Paz, Liberdade. Lisboa: Centro de História da Universidade de Lisboa, 2019. . As relações políticas e econômicas, privadas e públicas, com os recursos naturais do Brasil mantêm-se como assunto de investigação há muito tempo, dados os interesses nacionais e internacionais que se fundam na situação “eco-estratégica” brasileira. Fazendo um salto da abordagem sobre o enfoque dos recursos naturais do Brasil na holística moderna para a pós-moderna, pode-se dizer que no primeiro caso a problemática se assenta na elaboração de regras com a certeza de que a ciência daria boas respostas para a felicidade social e, no segundo caso, na elaboração de regras tendo em conta as dúvidas sobre o facto de a ciência conseguir garantir realmente o bem social. Entre a certeza moderna e a dúvida pós-moderna mantém-se a crucial questão do futuro do planeta Terra e da espécie humana. O estudo sobre as florestas do Brasil problematiza a questão entre economia e ecologia e impõe a responsabilidade plural por um maior entendimento interdisciplinar sobre a evolução, exploração e preservação das florestas, considerando as noções de poder, de cultura e de ciência.

Bibliografia

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  • 3
    Arquivo Histórico Ultramarino, Ofício do [presidente da Mesa da Inspeção, intendente-geral do Ouro], Diogo de Toledo Lara Ordonhes, ao [Secretário de Estado da Marinha e Ultramar], D. Rodrigo de Sousa Coutinho, remetendo cópias dos ofícios em que explica o atraso da sua viagem para São Paulo, a fim de visitar as matas para cortes de madeiras com o Intendente da Marinha, por ordem do Vice-Rei do Estado do Brasil, [Conde de Resende, D. José de Castro]; e solicitando instrução ou regimento acerca do cargo de Juiz Conservador das Matas visto também ser este lugar de sua incumbência. Anexo: ofícios (cópias). 1800, Agosto, 21, Rio de Janeiro. AHU-Rio de Janeiro, AHU_CU_017, Cx. 184, D. 13381.
  • 4
    SLEMIAN, Andréa. A administração da justiça nas primeiras décadas do Império do Brasil: instituições, conflitos de jurisdições e ordem pública (C.1823-1850) Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 452, p. 225-272, 2011, p. 225.
  • 5
    Cf: DIAS, Maria Odila. Aspectos da Ilustração no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, v.278, p.105-170, 1968.
  • 6
    RAMINELLI, Ronald. Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e governo a distância. São Paulo: Alameda, 2008.
  • 7
    KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780-1810). História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 11, p. 109 - 120, 2004.
  • 8
    Cf: NOVAIS, Fernando Antonio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777 - 1808) - São Paulo - HUCITEC, 1989.
  • 9
    MAXWELL, Kenneth. A geração de 1790 e a ideia do império luso-brasileiro. In: MAXWELL, Kenneth. Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São Paulo: Paz & Terra, 1999, p. 191.
  • 10
    PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
  • 11
    DA SILVA, Maria Beatriz Nizza. A cultura luso-brasileira: da reforma da universidade à independência do Brasil. Lisboa: Estampa, 1999.
  • 12
    PEREDA, Ignacio García. Experts florestais: os primeiros silvicultores em Portugal. 2018. Tese (Doutorado em História e Filosofia da Ciência). Instituto de Investigação e Formação, Universidade de Évora, Évora, 2018, p. 92.
  • 13
    VARELA, Alex Gonçalves. “Sem matas Nação Alguma é Independente, Se Precisa de Sustento Estrangeiro”: A Conservação das Espécies Vegetais nas Memórias Científicas do Ilustrado José Bonifácio de Andrada e Silva (1780-1819). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA: CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIÁLOGO SOCIAL. ANPUH, 2013.
  • 14
    PEREDA, Ignacio García. Loc. Cit.
  • 15
    Cf: ADAN, Caio Figueredo. Colonial comarca dos Ilhéus: soberania e territorialidade na América Portuguesa (1763 - 1808). 2009. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009; FONSECA, Halysson Gomes da. Devastação e conservação das florestas na Terra de Tinharé (1780-1801). 2010. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010; LEMOS, Daniel. O cacau, a mata e os cientistas: estudos sobre a cacauicultura no litoral sul da Bahia do século XVIII ao XX. 2013. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) - Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, 2013; PEREIRA, Rodrigo Osório. A ciência na colonial Comarca de Ilhéus: uma análise dos estudos botânicos dos funcionários naturalistas da região (1772-1808). Dissertação de Mestrado. 2009 - Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2009; SANTOS, Madson. Memória sobre os cortes de madeira na Comarca de Ilhéus no século XVIII. 2014. Dissertação (Mestrado em Memória: Linguagem e Sociedade) - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2014.
  • 16
    ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Carta Régia da Rainha D. Maria I, ao [Governador da Paraíba], Brigadeiro Jerónimo José de Melo e Castro, ordenando a maneira que deverão se proceder para proteger as matas evitando a sua destruição. 1797, março, 13, Queluz. AHU_Paraíba, AHU_ACL_CU_014, Cx. 33/ doc. 2380 (1).
  • 17
    DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 150.
  • 18
    Ibidem. p. 153.
  • 19
    Cf: LIMA, Ana Paula dos Santos. O delineamento da política de conservação das matas na Comarca de Ilhéus (1797 - 1808). Temporalidades, Belo Horizonte, MG, v. 6, n. 2, p. 75 - 88, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3VRiliM. Acesso em: 15 jun. 2021.
  • 20
    CARDOSO, José Luís. Nas malhas do império: a economia política e a política colonial de D. Rodrigo de Souza Coutinho. In: CARDOSO, José Luís (coord.) A economia política e os dilemas do império luso-brasileiro (1790 - 1822). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001, p. 77 - 87, 88.
  • 21
    Bento da Silva Lisboa informa que Baltasar Lisboa foi um dos melhores alunos de Vandelli: “(...) Tal foi sua applicação e approveitamento nestas sciencias que a congregação dos Lentes no 4º anno o gratificou com dous premios um de 28$800 e outro de 48$000 rs”. LISBOA, Bento da Silva. Biografia do conselheiro Baltasar da Silva Lisboa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, n.2, 1840.
  • 22
    ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Oficio do Governador D. Fernando José de Portugal, em que se refere ao Regimento dos cortes das madeiras e a vários incidentes que se deram na sua elaboração. Bahia, 1799, AHU_ACL_CU_005, Cx. 96\Doc. 18732 (1).
  • 23
    ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Regimento do córte das madeiras das matas das Capitanias de Pernambuco e da Bahia. Tem a seguinte nota: Posto em execução por Carta Régia de 12 de julho de 1799, registada no livro da Bahia, fl.72 v., AHU_ACL_CU_005. Doc. 19.079.
  • 24
    KIRSCHNER, Tereza. Entre o rei e a lei: natureza, legislação ilustrada e conflitos no final do período colonial. Textos de História, Brasília, DF, v.11, n. 1/ 2, 2003, p - 47. Disponível em: https://bit.ly/3GkHKNj. Acesso em: 20 jun. 2021.
  • 25
    CABRAL, Diogo de Carvalho. Floresta, política e trabalho: a exploração das madeiras-de-lei no Recôncavo da Guanabara (1760-1820). Revista Brasileira de História, São Paulo, v -28, n. 55, p. 217-241, 2008, p - 218.
  • 26
    DEAN, Warren. A ferro e fogo... Op. Cit., p - 150.
  • 27
    SANTOS, Madson. Op.Cit., p - 58.
  • 28
    DEAN, Warren. A ferro e fogo...Op. Cit, p - 151.
  • 29
    DIAS, Marcelo Henrique. Farinha, madeiras e cabotagem: a capitania de Ilhéus no antigo sistema colonial. Ilhéus: Editus, 2011, p -219.
  • 30
    SANTOS, Madson. Op. Cit. p - 13.
  • 31
    DEAN, Warren. A ferro e fogo...Op. Cit.
  • 32
    ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Regimento do córte das madeiras das matas das Capitanias de Pernambuco e da Bahia. Op. Cit.
  • 33
    DEAN, Warren. A ferro e fogo...Op. Cit. p - 153.
  • 34
    Ibidem
  • 35
    ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Carta da Câmara da Vila de Fortaleza ao [príncipe regente , D. João], sobre as dificuldades atravessadas pela capitania, devido à seca de 1791-93, o que acabou por prejudicar a agricultura e as rendas reais, e sobre as medidas tomadas pelo governador Bernardo Manuel de Vasconcelos acerca da derrubada das matas. Anexo: 2ª via. 1803, maio, 28, Fortaleza. AHU-CEARÁ, AHU_CU_006, Cx. 17, D. 992.
  • 36
    Cf: SLEMIAN, Andréa. A primeira das virtudes: justiça e reformismo ilustrado na América portuguesa face à española. Revista Complutense de Historia de América, Madrid, v. 40, p. 69-92, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3WKiXYf. Acesso em: 20 jun. 2021.
  • 37
    CABRAL, Diogo de Carvalho. Produtores rurais e indústria madeireira no Rio de Janeiro do final do século XVIII: evidências empíricas para a região do vale do Macau. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 125-145, 2004. Disponível em: https://bit.ly/3k4nI0P. Acesso em: 1 jul. 2021.
  • 38
    ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Regimento para os cortes das madeiras da Paraíba, segundo as circunstâncias da mesma capitania, em consequência do que foi estabelecido para as matas do Cairú, AHU_ACL_CU_014, Cx. 35. Doc. 2537.
  • 39
    ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Regimento de conservação das matas e do corte das madeiras. Projecto elaborado pelo Juiz Conservador Baltasar da Silva Lisboa, AHU_CU_005_01, Cx 107. Doc. 20.846.
  • 40
    Cf: LIMA, Ana Paula dos Santos. A comarca de Ilhéus na ótica do juiz conservador Baltasar da Silva Lisboa (1797 - 1823). Dimensões, Vitória, ES, v. 40, p. 151 - 172, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3VX3FyC. Acesso em: 20 jun. 2021.
  • 41
    SLEMIAN, A primeira das virtudes: justiça e reformismo ilustrado na América portuguesa face à española. Revista Complutense de Historia de América, Madrid, v. 40, p. 69-92, 2014.
  • 42
    Cf: CAVALCANTI, Irenilda Reinalda Barreto de Rangel Moreira. “É peroba do campo, é o nó da madeira”: o juiz conservador das matas e a preservação utilitária. Revista Mosaico, Vassouras - v. 8, n.2, p. 16 - 22. 2017.
  • 43
    Cf: ANDRADE, Juliana Alves de. A mata em movimento: coroa portuguesa, senhores de engenho, homens livres e a produção do espaço na mata Norte de Alagoas. 2008. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2008.
  • 44
    Cf: LIMA, Ana Paula dos Santos. Memórias de Baltasar da Silva Lisboa: a singular floresta e os povos de Ilhéus. 2013. Tese (Doutorado em Ensino, Filosofia e História das Ciências). Universidade Federal da Bahia/Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2013. P - 77. Disponível em: https://bit.ly/3WMKZ5. Acesso em 1 jul. 2021.
  • 45
    OLIVEIRA, Luís Valente de; RICUPERO, Rubens (org.). A abertura dos portos. São Paulo: Senac, 2007, p - 182.
  • 46
    Ibidem.
  • 47
    ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Ofício do [Governador da Paraíba], Fernando Delgado Freire de Castilho, ao [Secretário de Estado da Marinha e Ultramar], Rodrigo de Sousa Coutinho, remetendo relação dos diferentes tipos de madeiras encontradas nas matas da região, constando peso, propriedades, uso e o estado das matas, 1799, julho, 31, Paraíba, AHU_CU_014, cx. 35, D. 2508.
  • 48
    LISBOA, Baltasar. Ensaio da física dos bosques dos Ilheus. [S. l.: s. n.]: [1801- 1803]. Biblioteca Nacional de Portugal. Manuscrito. COD. 4561.
  • 49
    Ibidem.
  • 50
    Cf: LIMA, Ana Paula dos Santos. Memórias de Baltasar...Op. Cit.
  • 51
    SCHEDEL, Madalena Serrão Franco. Guerra na Europa e interesses de Portugal: as Colônias e o comércio ultramarino: A ação política e diplomática de D. João de Melo e Castro, V. Conde das Galveias (1792 -1814). 2010. Dissertação (Mestrado em História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa). Departamento de História, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2010. p - 161.
  • 52
    ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Parecer da Comissão da Fazenda do Ultramar das Cortes Constituintes sobre o requerimento de Francisco Lopes de Araújo em que pede a conservação do pagamento do ordenado que vencia como escrivão da Conservatória das Matas de Alagoas ou ofício com ordenado equivalente, tendo em atenção que a Junta Provisional do Governo da província extinguiu a dita Conservatória e todos os seus empregos. Anexo: requerimento e docs. comprovativos. 1822, Setembro, 28, Lisboa. AHU-ALAGOAS, AHU_CU_004, Cx. 7, D. 523.
  • 53
    FOGOLARI, José Antonio. A política externa brasileira no rompimento colonial: a busca por autonomia na ruptura dos tratados preferenciais de comércio com a Inglaterra pós-independência. 2019. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais). Centro Econômico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019, p - 36.
  • 54
    DEAN, Warren. A ferro e fogo...Op. Cit. p - 176.
  • 55
    SANTOS, Margaret. Manifestações pela conservação da Natureza no Brasil (1784 - 1889). Revista UNIARA, Araraquara, n. 16, p - 34, 2005.
  • 56
    OLIVEIRA, Cecilia Helena de Salles. Memória, historiografia e política: a independência do Brasil, 200 anos depois. Estudos Avançados, São Paulo, v. 36, n. 105, p - 25, 2022.
  • 57
    Cf: LIMA, Ana Paula dos Santos. Memórias de Baltasar... Op. Cit.
  • 58
    FERRONE, Vicenzo. O homem de ciência. In: VOVELLE, Michel. O Homem do Iluminismo. Lisboa: Presença, 1997. cap. 5, p- 165.
  • 59
    SHAPIN, Steven. The scientific revolution. Chicago: University of Chicago Press, 1996.
  • 60
    Cf: SOROMENHO, MARQUES Viriato. Prefácio In: LEAL, Ernesto Castro (coord.). Guerra, Paz, Liberdade. Lisboa: Centro de História da Universidade de Lisboa, 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2021
  • Aceito
    29 Set 2022
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