Acessibilidade / Reportar erro

“NA REAL PRESENÇA DE VOSSA MAJESTADE”: AS PETIÇÕES ULTRAMARINAS E A GOVERNAÇÃO COLONIAL (SÉCULO XVIII) 1 1 Parte das reflexões aqui discutidas tiveram origem em um curso de curta duração de pós-graduação ministrado na Unifesp, ao lado da Profa. Dra. Andréa Slemian, no âmbito do pós-doutorado desenvolvido na instituição com financiamento FAPESP (2019/00456-0) bem como das discussões estabelecidas no bojo do grupo de pesquisa “Circuitos oceânicos: petições e comunicação política da América portuguesa ao Império do Brasil” e no desenvolvimento do projeto “Petições Coloniais: comunicação política e representação social no Império Português”, coordenado por Andréa Slemian e financiado pela FAPESP (processo 2021/09104-0). Agradeço, ainda, ao Prof. Dr. Luiz César de Sá Jr. pelas indicações intelectuais e pela leitura atenta do manuscrito. A responsabilidade pelas considerações e opiniões aqui expostas são, como de maneira usual, da autora.

“IN YOUR MAJESTY’S ROYAL PRESENCE”: OVERSEAS PETITIONS AND THE COLONIAL GOVERNANCE (18TH CENTURY)

Resumo

O objetivo deste artigo é examinar o mecanismo peticionário como modalidade particular de comunicação política entre os vassalos do ultramar português, em especial da América Portuguesa, e o monarca, a partir de seu Conselho Ultramarino. Pretende-se perscrutar os vários usos das petições e seus enquadramentos nas lógicas governativas da colonização enquanto canal institucional amplo, multifacetado e dinâmico de relacionamento entre as pessoas e o poder régio sediado em Lisboa. Considerando as potencialidades analíticas da reconstituição ordenada do circuito petição - forma de tramitação - resposta, parte-se do corpus documental tutelado pelo Arquivo Histórico Ultramarino, cotejando tanto a documentação peticionária propriamente dita, na forma dos Avulsos, como os circuitos decisórios plasmados nos livros de registro da instituição (Códices). Em um primeiro momento, é feita uma análise discursivo-formal das petições. Em seguida, as dinâmicas jurídico-institucionais de tratamento e a resposta das petições das partes são discutidas, a partir dos Livros de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino. A principal hipótese defendida é a de que as petições e suas vias de tramitação e resposta sinalizam práticas de governança, modelos de submissão e formas de controle nem sempre explicitados pela historiografia ou consideradas como meramente protocolares. Elas são, não obstante, reveladoras das práticas institucionais do complexo organizacional régio português em suas relações com as sociedades coloniais.

Palavras-chave:
Petições; Conselho Ultramarino; Império português; Provisões

Abstract

This article intends to examine the petitionary mechanism as a particular modality of political communication between the Portuguese overseas vassals, particularly in the Portuguese America, and the monarch, from his Overseas Council. The goal is to scrutinize the various uses of petitions and their framing in the governmental logic of colonization as a broad, multifaceted, and dynamic institutional channel of relationship between subjects and the royal power based in Lisbon. Considering the analytical potential of the ordered reconstitution of the petition - form of processing - response circuit, starting from the corpus housed in the Overseas Historical Archive, comparing both the petitionary documents themselves, in the form of the single documents (Avulsos), and the decision-making circuits embodied in the registry books of the institution (Codices). At first, I make a discursive-formal analysis of the petitions. Then, I discuss the legal-institutional dynamics of treatment and the response to the parties’ petitions, based on the Overseas Council’s Provisions Record Books. The main hypothesis defended is that the petitions and their procedures and responses point to governance practices, submission models, and forms of control not always made explicit by historiography or seen as merely protocol. They are, however, very important sources of the institutional practices of the organizational complex of the Portuguese monarch in its relations with colonial societies.

Keywords:
Petitions; Overseas Council; Portuguese Empire; Provisions

1. Introdução

Em finais da década de 1740, Jerônimo Soares Alves, morador no sertão de Gurutuba, continente do Rio Pardo e termo das Minas Novas, “repartição da Bahia”, peticionou ao rei D. João V em razão de uma sentença proferida contra ele pelo Tribunal da Relação da Bahia, em uma causa de apelação com Manuel de Saldanha sobre a propriedade de um sítio chamado “do Mosquito”. E porque da dita sentença não apelaram no termo da lei “[...] seus procuradores movidos do respp.to que o supp.do tem naquela cid.e [...]” e atendendo a ser seu “[...] contedor peçoa poderosa [...]”, do que lhe seguia “grave prejuízo”, buscava uma provisão no Conselho Ultramarino para poder apelar para a Relação da Corte4 4 Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU), Avulsos da Bahia (AHU-BA), Cx. 88, Doc. 7222. .

Cerca de duas décadas antes, Antônio Alves de Castro, natural da cidade de Lisboa, também peticionou ao rei D. João V. Em sua petição, relatava ser morador, há 12 anos, do distrito de Ouro Preto das Minas Gerais, onde se casara com Joana Batista de Negreiro, com quem tivera dois filhos, ocupando-se, até então, da abertura de lavras de ouro. Buscava, com o requerimento, uma provisão do Conselho Ultramarino de licença para poder se transportar ao Reino com sua família, onde tinha uma mãe viúva e quatro irmãs, todas dependentes de seu “amparo e companhia”5 5 AHU, Avulsos de Minas Gerais (AHU-MG), Cx. 10, Doc. 57. .

Razões bem diferentes levaram Ilário de Freitas Antunes, homem preto natural de Pernambuco, a peticionar, por mais de uma vez, à rainha D. Maria I6 6 Antes, recorrera pedindo intervenção régia para que se averiguasse seu caso e, achando verdade no relato, o mandasse soltar e punir o suplicado. AHU, Avulsos do Maranhão (AHU-MA), Cx. 87, Doc. 7247. . Prático de navios, relatava que, em 1786, havia sido remetido do Maranhão para Lisboa por ordem de seu senhor, Feliciano dos Santos, obtendo, “por benefício” da Lei de 19 de setembro de 1761, carta de liberdade. Declarado “[...] forro e livre de todo, e qualquer cativeiro [...]”, regressara à América, onde, todavia, foi preso, recolhido e entregue ao seu antigo senhor como escravo fugitivo. Colocado em prisão de ferros, foi conservado em cárcere privado por dois anos, até que, por uma diligência ordenada pela Junta das Liberdades7 7 Com uma atuação bem conhecida pela historiografia nas causas de liberdade dos indígenas, a Junta das Liberdades foi criada no contexto das reformas pombalinas, substituindo definitivamente a Junta das Missões após 1757. MELLO, Márcia Eliana Alves de Souza. As apelações de liberdade dos índios na América portuguesa (1735-1757). In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XXIII., 2005, Londrina. Anais[…]. Londrina: Anpuh, 2005, p. 8. , foi tornado livre, decisão que também resultou na absolvição de seu antigo dono. Por isso, recorria a “[...] Alta clemencia, e Innata Piedade [...]” régia pedindo uma graça especial: que Feliciano dos Santos fosse remetido uma segunda vez à cadeia para ser novamente sentenciado “pelo merecimento da culpa” e que fosse efetivamente julgado “[...] ao sup.e perdas, danos, e dias de pessoa”, conforme sua ocupação8 8 AHU, Avulsos Brasil Geral (AHU-BG), Cx. 29, Doc. 2371; AHU, Livro de Registro de provisões do Conselho Ultramarino, Códice 109 (1795 - 1802), p. 25-26. Cumpre destacar que o antigo senhor de Ilário de Freitas Antunes, Feliciano dos Santos, também peticionou ao rei sobre a mesma causa. O caso já foi analisado por: SILVA, Luiz Geraldo; SOUZA, Priscila de Lima. Escravos marinheiros, senhores e locadores: Leis Pombalinas, faina marítima e economia mundial (1761-1810). Afro-Ásia, Salvador, n. 60, 2020. .

Ao longo do processo de colonização da América pelos portugueses, milhares de papéis como estes foram colocados na “real presença” dos soberanos lusos pelos vassalos do ultramar. Uma infinidade de pedidos, queixas e mesmo reivindicações atravessaram o Atlântico, desaguando (também) no principal Tribunal Superior, encarregado de assessorar os monarcas na governação das conquistas, o Conselho Ultramarino9 9 CAETANO, Marcello. O Conselho Ultramarino: esboço da sua história. Rio de Janeiro: Sá Cavalcante editores, 1969; BICALHO, Maria Fernanda. Entre a teoria e a prática: dinâmicas político-administrativas em Portugal e na América Portuguesa (séculos XVII e XVIII). Revista de História, São Paulo, n. 167, p. 75-98, 2012; CRUZ, Miguel Dantas da. Um Império de conflitos: o Conselho Ultramarino e a defesa do Brasil. Lisboa: ICS: Imprensa de Ciências Sociais, 2015; LOUREIRO, Marcello José Gomes. “Como poderemos restaurar depois de perdido, senão fazendo Justiça?” O Conselho Ultramarino e o diálogo com as conquistas em tempos de incerteza (1640-1656). Lócus: revista de história, Juiz de Fora, v. 24, p. 121-146, 2018. , instância em que eram recebidos, analisados e despachados.

Declamar ou escrever petições às autoridades constituídas foi uma prática comum em diversas tradições jurídicas e ordenamentos desde a Antiguidade, depurada e institucionalizada de diferentes formas, a partir de novos e complexos reenquadramentos sincrônica e diacronicamente. Na Época Moderna, pari passu a progressiva reconfiguração dos chamados “poderes do centro” e consolidação da forma escrita como suporte comunicacional10 10 HESPANHA, António Manuel. As Vésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político. Portugal. Século XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994. p. 291. , o peticionamento também se consagrou como prática constitutiva das culturas jurídicas, no âmbito de diferentes monarquias europeias - e em suas extensões ultramarinas. No caso do mundo ibérico em geral, e luso-brasileiro em particular, é amplamente consabida a centralidade e ubiquidade do peticionamento, tanto do ponto de vista de sua recorrência por parte de diferentes grupos e setores sociais, inclusive os vassalos da América, quanto das práticas governativas11 11 Cf.: FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nuno (orgs.). Um reino e suas repúblicas no Atlântico: comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. .

Não surpreende o interesse dos historiadores pelas petições, bem como sua crescente valorização como corpus documental privilegiado de análise. De um lado, muito já se discutiu sobre o amplo escopo social do peticionamento no Império português - e alhures. Diversos trabalhos evidenciaram como até mesmo sujeitos e grupos sociais tradicionalmente categorizados como “sem voz” - indígenas, escravizados, mulheres, etc. -, se valiam do mecanismo, inclusive apresentando diretamente seus recursos ao monarca ou a órgãos superiores de governo12 12 Entre outros: RUSSELL-WOOD, A. J. R. “Acts of Grace”: Portuguese Monarchs and their subjects of African Descent in Eighteenth-Century Brazil. Journal of Latin American Studies, v. 32, p. 307-332, 2000; SILVA, Luiz Geraldo. “Esperança de liberdade”: Interpretações populares da abolição ilustrada (1773-1774). Revista de História, Universidade de São Paulo, v. 144, p. 107-149, 2001; SILVEIRA, Marco Antônio. Acumulando forças. Luta pela alforria e demandas políticas na capitania de Minas Gerais (1750-1808). Revista De História, São Paulo, v. 158, p. 131-156, 2008; DOMINGUES, Ângela; RESENDE, Maria Leônia Chaves de; CARDIM, Pedro (orgs.). Os Indígenas e as Justiças no Mundo Ibero-Americano (Sécs. XVI-XIX). Lisboa: CHAM, 2019. . De outro, na esteira do amplo movimento de renovação analítica sobre a organização e exercício do poder político na Época Moderna, muitos historiadores destacaram a relevância de recursos, como o mecanismo peticionário, para a apreciação das práticas institucionais do complexo organizacional régio em suas relações com as sociedades no Antigo Regime, particularmente no caso luso-brasileiro, no tocante aos temas associados ao tópico da corrupção do oficialato e a “economia das mercês” ou sistema de remuneração de serviços13 13 Entre outros: BICALHO, Maria Fernanda. “Possuidores despóticos”: Historiografia, denúncia e fontes sobre a corrupção na América portuguesa. Revista Complutense de História de América, v. 43, p. 127-152, 2017; ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil. Uma história, séculos XVII a XVIII. Belo Horizonte: Autêntica, 2017; STUMPF, Roberta Giannubilo.Os cavaleiros do ouro e outras trajetórias nobilitantes nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Fino traço, 2014; RAMINELLI, Ronald. Nobreza e principais da terra - América Portuguesa, séculos XVII e XVIII. Topoi, Rio de Janeiro, v. 19, n. 38, p. 217-240, 2018. . Mas há muito mais.

Seguindo os caminhos trilhados pela historiografia especializada na análise das práticas peticionárias14 14 A bibliografia, nesse sentido, é amplíssima. CARDIM, Pedro. Cortes e Cultura política no Portugal do Antigo Regime. Lisboa: Cosmos, 1998; NUBOLA, Cecilia. Supplications between Politics and Justice: The Northern and Central Italian States in the Early Modern Age. International Review of Social History, v. 46, p. 35-56, 2001.; GARRIGA, Carlos. Gobierno y Justicia: el gobierno de la justicia. Cuadernos de Derecho Judicial, v. 7, p. 45-113, 2008; CERUTTI, Simona; VALLERANI, Massimo. Suppliques. Lois et cas dans la normativité de l’époque moderne. L’Atelier du CRH, v. 13, 2015.; MASTERS, Adrian. A Thousand Invisible Architects: Vassals, the petition and response system and the creation of Spanish Imperial. Hispanic American Historical Review, v. 98, p. 377-406, 3.2018.; CERUTTI, Simona. Archaeology of rights: petitions and mercy in early modern societies. Columbia University, The Italian Academy, 2018; ZARET, David. Petition-and-Response and Liminal Petitioning in Comparative/Historical Perspective. Social Science History, v. 43, p. 409-429, 2019. , a proposta deste artigo é examinar o mecanismo peticionário como modalidade particular de comunicação política entre os vassalos do ultramar português e o monarca, a partir de seu Conselho Ultramarino. A proposta é perscrutar os vários usos das petições e seus enquadramentos nas lógicas governativas da colonização enquanto canal institucional amplo, multifacetado e dinâmico de relacionamento entre as pessoas e o poder régio sediado em Lisboa. Foram explorados os componentes jurídico-normativos por meio da investigação das principais modalidades peticionárias e das dinâmicas institucionais e processos decisórios de deliberação do Conselho Ultramarino no século XVIII, contexto marcado por uma intensificação da comunicação política entre o reino e o ultramar na esteira da complexificação das dinâmicas sociais, econômicas e político-jurídicas dos domínios ultramarinos e da governação colonial15 15 FRAGOSO; MONTEIRO. Op. Cit. p. 23. .

Considerando as potencialidades analíticas da reconstituição ordenada do circuito petição - forma de tramitação - resposta, parte-se do corpus documental tutelado pelo Arquivo Histórico Ultramarino, cotejando tanto a documentação peticionária propriamente dita, na forma dos Avulsos, quanto os circuitos decisórios plasmados nos livros de registro da instituição (Códices), privilegiando, portanto, nessa análise, as petições deferidas16 16 Sobre a organização arquivística e suas potencialidades analíticas ver: MARTINS, Ana Canas Delgado. A documentação do Conselho Ultramarino como património arquivístico comum: subsídios à sua história. Revista Brasileira de História, v. 38, n. 78, p. 39-54, 2018.; BOSCHI, Caio. Projeto Resgate: História e arquivística (1982-2014).Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 38, n. 78, p. 187-208, 2018. . Em um primeiro momento, com o objetivo de elucidar concepções de autoridade, justiça e direito corporificadas no ato de peticionar, é feita uma análise discursivo-formal das petições, argumentando, entre outras coisas, que a diferença entre as modalidades súplica e requerimento expressavam parâmetros ontológicos de relacionamento entre vassalos e monarca, bem como pedidos de intervenção régia de natureza distinta - diferenças que se materializam também na estrutura e no léxico peticionário. Em seguida, serão analisadas as dinâmicas jurídico-institucionais de tratamento e resposta das petições das partes, a partir de um recorte específico: os Livros de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, apresentando, a partir deles, as formas de despacho e algumas das principais tipologias de provisões que tramitavam e foram deferidas pela instituição. A principal hipótese defendida é a de que as petições e suas vias de tramitação e resposta sinalizam para práticas de governança, modelos de submissão e formas de controle nem sempre explicitados pela historiografia, ou consideradas como meramente protocolares. Elas são, não obstante, reveladoras das práticas institucionais do complexo organizacional régio português em suas relações com as sociedades coloniais.

2. A estrutura e o léxico peticionário: entre súplicas e requerimentos

Como se disse acima, o peticionamento foi uma modalidade central de comunicação política ao longo do Antigo Regime português. Como prática de “tempos imemoriais”17 17 CARDIM, Cortes... Op. Cit., p. 134. , era amplamente difundida e conhecida nos dois lados do atlântico e, de fato, na América portuguesa também se podia peticionar a uma miríade muito ampla de agentes e instituições: câmaras municipais, ouvidores, governadores, Bispos e prelados, Tribunais da Relação, etc. Isso não significava, contudo, um esvaziamento da prática de se dirigir ao rei e aos seus Conselhos e Tribunais de Corte, o que se coaduna perfeitamente com as lógicas de governança então vigentes. O princípio básico e comum por trás dessa configuração era o da possibilidade, premente na tradição jurídica católica de matriz ibérica e ibero-americana, de todos os vassalos, inclusive os do ultramar, de representar omisso medio ao princeps. O soberano, na qualidade de pai, juiz, legislador, fonte de arbitragem e ponto de referência para a justiça e equidade, incorporava uma figura para a qual os súditos poderiam se voltar e, como cabeça da res publica, ocupava a posição de juiz supremo, frente ao qual todo o aparato instituído para o governo e a justiça subsumia-se ao direito18 18 GARRIGA, Gobierno... Op. Cit.; p. 83.; NUBOLA, Cecilia. La “via supplicationis” negli stati italiani della prima età moderna (secoli XV-XVIII). In: WÜRGLER, Andreas; NUBOLA, Cecilia. Suppliche e “gravamina”. Politica, amministrazione, giustizia in Europa (secoli XIV-XVIII). Bologna: Il Mulino, 2002. .

Longe de se esgotarem, as imagens dos monarcas como pais de seus vassalos, protetores das violências e vexações, assim como referenciais supremos da justiça e equidade foram incidentemente reforçadas no bojo do pensamento reformista ilustrado do século XVIII19 19 NUBOLA, Supplications... Op. Cit. p. 27. Para o caso de Portugal, ver o levantamento de leis de: GOUVÊA PINTO, António Joaquim de. Manual de appellações e agravos [...]. 2. ed. Lisboa: Na Impressão Régia, 1820, p. 286-287. . Um famoso tratado jurídico espanhol de finais do século XVIII definia da seguinte forma as funções dos príncipes:

Si fixamos la vista en las Santas Escrituras, hallamos generalmente establecidos por Dios los Imperios para aliviar los Príncipes á sus Súbditos injustamente vexados, y protegerles contra qualesquiera mano, que les oprima […] Nosostros juzgamos no hay cosa mas manifesta, que la obligacion de los Reyes por derecho natural á extender su proteccion á todos los vassalos, sin excepcion de personas […]”.20 20 ELIZONDO, Francisco Antonio de. Practica universal forense de los tribunales de España y de las indias. Madrid: J. Ibarra, 1785, p. 3-4. v. 5.

As analogias modernas entre o peticionamento e a oração, entre o despacho dos Tribunais - como valia dos homens - e o despacho de Deus - como intercessão dos Santos e verdadeira Salvação -, amplamente presentes na tratadística teológica e jurídica ibérica21 21 No universo luso-brasileiro, em crônicas, sermões e obras sobre as vidas de santos, não é inusual a utilização do vocábulo petição para referenciar pedidos feitos via oração. Há de se destacar, ainda, a presença da imagética de Nossa Senhora do Bom Despacho. Cf.: BRITO, Bernardo de. Primeyra parte da Chronica de Cister: onde se contam as cousas principais desta religiam com muytas antiguidades, assi do Reyno de Portugal como de outros muytos da christandade. Lisboa: Pedro Crasbeek, 1602. - e que encontram um exemplo evidente no sermão da consolação dos injustamente maldespachados do padre Antônio Vieira22 22 VIEIRA, Antônio. Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma: na Capela Real, ano 1669. In: PÉCORA, Alcir (org.). Antônio Vieira: Sermões. São Paulo: Hedra, 2019, p. 108. t. 1. - não eram fortuitas e fornecem pistas importantes sobre o enquadramento das petições no seio dessa cultura jurídica23 23 Também por isso há uma larguíssima tradição de estudos peticionários, que estabelecem uma genealogia direta entre a prática peticionária da Época Moderna e os protótipos de pedidos endereçados aos Papas, bispos e prelados. Cf.: NUBOLA, Supplications... Op. Cit.; CERUTTI, Op. Cit. . Contudo, as práticas peticionárias concretas não se explicam unicamente pela analogia entre petição e oração, como veremos.

As petições endereçadas aos monarcas portugueses pelos vassalos do ultramar que tramitaram pelo Conselho Ultramarino, assim como ocorria em inúmeros outros espaços coevos, dispunham de um estatuto discursivo particular, ancorado no conjunto de procedimentos retóricos que integravam as práticas socioculturais de longa data24 24 Há décadas a crítica especializada tem chamado a atenção para tais particularidades: CARDIM, Pedro, Op. Cit.; DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2001; HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: UNICAMP, 2004. . A forma petição evocava, então, uma relação comunicacional marcada i) pelas convenções ou regras do gênero epistolar e ii) por aquilo que definia a natureza própria de uma petição, ou seja, seu caráter petitório. A ritualização do ato evidencia-se no próprio endereçamento desta correspondência dirigida especificamente ao monarca, ainda que seus autores soubessem que as demandas seriam filtradas e que não necessariamente chegariam às mãos do princeps - embora essa sempre fosse uma possibilidade.

A partir das petições, os peticionários (ou seus mediadores), em atos comunicacionais performativos e deferentes formatados nos quadros da “instituição retórica”25 25 HANSEN, João Adolfo. Instituição retórica, técnica retórica, discurso. Matraga, Rio de Janeiro, v. 20, n. 33, p. 11-46, 2013. , buscavam persuadir o monarca (ou quem suas vezes fizesse) em favor daquilo que suplicavam ou requeriam. Disso, decorre o ritualismo e o formalismo característicos dessa documentação. A definição de petição do Esboço de um Diccionário jurídico, tehorético e prático evidencia bem essa articulação entre as ideias de persuasão, hierarquia e deferência: “[...] apresentão-se Petições ao Rei, aos Ministros, ao General, e a todas as pessoas constituídas em dignidade, ou revestidas de alguma porção do poder público, quando delles se quer obter algum favor [...] [grifos meus]”26 26 SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira. Esboço de hum diccionario juridico, theoretico, e practico : remissivo às leis compiladas, e extravagantes. Lisboa : Na Typographia Rollandiana, 1825. v.2. . Se o ato de pedir e vontade de obter caracterizavam o peticionário, o interlocutor se definia pela dignidade e poder de conceder.

O conjunto de procedimentos retóricos e as formas adequadas de se dirigir às autoridades eram socialmente compartilhados por meio de práticas escritas e oralizadas presentes em sermões, cartas, falas comemorativas e poesias. Profissionais da escrita que ganhavam a vida escrevendo missivas, inclusive petições, em troca de remuneração27 27 Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. A correspondência: regras epistolares e práticas de escrita. In: SOBRAL NETO, Margarida (coord.). As comunicações na Idade Moderna. Lisboa: Fundação Portuguesa das Comunicações, 2005, p. 123. , bem como eventualmente os próprios peticionários ou outros possíveis intermediários, como parentes, vizinhos ou conhecidos letrados (ou mesmo semiletrados), remunerados para tanto ou não, conheciam, certamente, as regras das artes dictandi aprendidas nas ambiências formais de ensino28 28 Para além, evidentemente, dos estudos superiores na Universidade de Coimbra, também eram ensinados nos chamados “estudos menores”. Sobre a instituição retórica e seus usos no universo português ultramarino. Cf.: HANSEN, A sátira... Op. Cit. . A escrita de petições, aliás, era representada em diversas obras literárias e teatrais portuguesas do século XVIII, sinalizando para sua incidência como atividade quotidiana dos letrados, especialmente dos “doutores”29 29 Veja-se, o satírico exemplo de: BRITO, Bernardo de. Governo Do Mundo Em Seco [...]. Lisboa: Na Off. De Francisco Luiz Ameno, 1748. . Suas fórmulas não se restringiam, contudo, ao circuito letrado, pois usos seculares as tornaram acessíveis a outras esferas da sociedade. Eram diversos os tratados de epistolografia que circulavam nos dois lados do Atlântico, significativamente vulgarizadas em Portugal na Época Moderna, especialmente a partir dos chamados Secretários, como destacou Ana Cristina Araújo30 30 ARAÚJO, Op. Cit. O mais conhecido secretário é, certamente: FREIRE, Francisco José. O secretário português [...]. Lisboa: Offcina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1745. .

Tratando-se especificamente dos modos de organização do discurso adaptado às peculiaridades do gênero epistolar31 31 TIN, Emerson (org.). A arte de escrever cartas: Anônimo de Bolonha, Erasmo de Rotterdam, Justo Lípsio. Campinas: ed. Unicamp, 2005, p.32. , reconhecia-se naquele contexto, em geral, cinco partes fundamentais das missivas, conforme especificado em uma das mais expressivas obras da ars dictamis medieval, as Rationes dictandi (1135), de Anônimo de Bolonha, quais sejam: salutatio, captatio benevolentiae, narrativo, petitio e conclusio32 32 ANÔNIMO DE BOLONHA. Regras para escrever cartas. In: TIN, Op. Cit. . Nada mais familiar para aqueles que estudam o discurso peticionário, já que se trata de composição facilmente lastreada nas petições que tramitavam pelo Conselho Ultramarino.

A salutatio era definida como expressão de cortesia “compatível com a ordem social das pessoas envolvidas”33 33 ANÔNIMO DE BOLONHA, Op. Cit., p. 84 . Na tradição lusa, existiam, inclusive, alvarás que prescreviam os estilos e tratamentos nos modos “de falar e escrever”, de acordo com as hierarquias e condições sociais dos destinatários. Não é oneroso lembrar que, em uma sociedade profundamente hierarquizada como essa, as expressões de afeto eram as exigidas “pela ordem das coisas”34 34 HESPANHA, António Manuel. Como os juristas viam o mundo. 1550-1750: Direitos, estados, coisas, contratos, ações e crimes. Lisboa, 2015, p. 18. . O Alvará de 16 de setembro de 1597, além de estabelecer regras que abarcavam até mesmo a ordem a ser seguida nas cartas, privadas ou não35 35 Destaca-se, ainda, o Alvará de 3 de novembro de 1597 e o Alvará de 3 de janeiro de 1611. , fixou como fórmula inicial para se dirigir ao soberano - propriamente a saudação - o pronome “Senhor, sem outra coisa”. No século XVIII, os ecos do estilo filipino ainda se faziam sentir intensamente nas petições ultramarinas, quer a partir da invariabilidade da fórmula inicial “Senhor” naquelas endereçadas aos monarcas, quer nos pronomes de tratamento, embora, evidentemente, a diuturnidade dos tempos36 36 Expressão utilizada no Alvará de 29 de janeiro de 1739, que abolia e derrogava disposições do Alvará de 16 de setembro de 1597, excetuando-se, não obstante, no que tocava “[...] as cartas e papeis que se escrevem as rainhas, príncipes herdeiros, princesas infantes e infantas [...]”. Já o Alvará de 15 de janeiro de 1759 ampliou a Lei dos Tratamentos, com o intuito de evitar-se “conflito de precedências”. também tenha deixado marcas.

Uma lógica semelhante pode ser destacada para a conclusio - também chamada de peroração ou epílogo. No encerramento das petições, para além da tradicional abreviatura “E.R.M”37 37 “E receberá mercê”. FLEXOR, Maria Helena Ochi. Abreviaturas: manuscritos dos séculos XVI ao XIX. 3. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008, p. 481. , predominavam duas formas de conclusão: a enumeração, ou seja, uma repetição “breve, e sumária” do que foi dito e a “comoção dos afetos”. A conclusio enumerativa encontrava-se geralmente disposta no texto de forma recuada da margem, principiando pela fórmula “Para Vossa Magestade”, seguida da síntese do pedido. Quanto à comoção dos afetos, o mesmo alvará filipino definia como fórmula final o arremate “Deus guarde a Catholica pessôa de Vossa Magestade” (no caso de reis e rainhas) e “Deus guarde a Vossa Alteza” (para príncipes herdeiros e sucessores)38 38 Alvará de 16 de setembro de 1597, em que se determinam os tratamentos dados por palavra e por escrito nestes Reinos e Senhorios. . Mas aqui verifica-se uma variabilidade bem maior de fórmulas. Era usual recorrer a variações como “Deus guarde Vossa Magestade por muitos anos” e “Deoz prospere e aumente muitos anos de vida V. M.”39 39 Por exemplo, AHU-MG, Cx. 66, Doc. 11 . E, em determinadas tipologias de pedido, verifica-se também uma mescla: a petição de Vitória Teresa de Almeida era arrematada com “P.a Vossa Magestade, pelo amor de Deos, e pela immaculada Cõceição da Virgem Santíssima, seja servida concer-lhes a dita licença [...]40 40 AHU, Avulsos do Pará (AHU-PA), Cx. 104, Doc. 8263. , seguida da síntese de sua solicitação: uma licença para se transportar ao reino com seus três filhos e uma criada.

A captatio benevolentiae, por sua vez, era definida como disposição para “influir com eficácia na mente do destinatário”41 41 ANÔNIMO DE BOLONHA, Op. Cit., p. 97. - do que, depreende-se, assume particular relevância para compreensão da forma petição, pois demarcava, e muito, diferentes características das modalidades peticionárias. Mesmo que fossem muitos os modos de captação da benevolência, eram duas as suas formas mais frequentes nas petições ultramarinas do século XVIII aqui consultadas. Elas se articulavam, ainda, às formas de narrativo particulares - ou seja, a “enumeração ordenada dos fatos”42 42 ANÔNIMO DE BOLONHA, Op. Cit., p. 99. , e que poderiam ser simples ou complexas, a depender do caso - bem como propriamente aquilo que se designava petitio, o pedido em si. Eram elas centradas i) na pessoa que pede e/ou na pessoa que recebe e ii) na matéria em questão - cada qual acompanhada das tópicas e lugares-comuns aptos a serem mobilizados.

Quanto às pessoas, uma das principais tópicas era a humilitas, patente na mobilização de figuras retórico-jurídicas muito disseminadas, como a da miserabiles personae. Tratava-se, como se sabe, de condições sociojurídicas que evocavam, naquele ordenamento, uma “proteção jurídica”, “solicitude paternalista” e mesmo uma especial atenção e tutela do príncipe43 43 HESPANHA, António Manuel. Imbecillitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010. p. 31; CARDIM, Pedro. Os povos indígenas, a dominação colonial e as instâncias de justiça na América portuguesa e espanhola. In: DOMINGUES; RESENDE; CARDIM, Op. Cit., p. 35. . Era o caso de petições apresentadas por aqueles que evocavam condições de proteção sob a jurisdição régia - pobres, cativos, presos, rústicos, mulheres, viúvas, órfãos44 44 Sobre tais categorias: FRANCO, Manoel Antonio Monteiro. Tractado practico juridico civel e criminal [...]. Imprenta: Lisboa, 1765, p. 16-17. e indígenas, para citar alguns exemplos -, o que também significava, evidentemente, uma maior ocorrência da tópica em determinadas tipologias de pedidos típicos desses grupos ou como recurso de valoração da solicitação. Foi nesses termos que Maria da Conceição, “mulher parda, donzela e recolhida” se colocava “[...] aos Reaez péz de V. Mag.de [...]” em busca de uma graça especial: suplicava para que fosse retirado do poder de Inácio Mendes de Vasconcelos, testamenteiro de seu pai Lourenço Mendes Coelho, duas partes do cabedal que estavam julgadas à suplicante, pois como não encontrava “[...] remedio na justissa, o busca humilde em V. Mag.de p.a q com[tendo] do o seu dezamparo, e das inclemencias, a que a sup.e está sugeita, [pe]la pessoa, pelo sexo, e notoria pobreza [...] [grifo meu]”. Em que pese o cabedal, a escolha de palavras não era fortuita. Todas as categorias que mobilizava na súplica - “mulher”, “órfã”, “recolhida”, “donzela”, “pobre”, “honesta” - enfatizavam seu estatuto jurídico digno de especial atenção régia, condição que, ao que tudo indica, pelo menos na petição em tela, também era paradigmaticamente destacada pelo marcador social da cor - “parda”45 45 AHU-MG, Cx. 68, Doc. 100; AHU, Livro de Registro de Consultas de Partes, Códice 65 (1754-1756), p. 90; AHU, Livro de Registro de provisões do Conselho Ultramarino, Códice 103 (1754-1763), p. 57-58 .

Outra tópica recorrente de captação da benevolência centrada na pessoa era a do “leal vassalo”, a partir da enumeração dos “serviços”, da “obediência”, da “servitude”, da “lealdade”, da “subornação” - entre outras características similares - do peticionário. Enquanto tal, se articulava a diversas outras, mesmo a da miserabiliae personae. Veja-se a interessantíssima petição de Miguel Duarte, “índio do cabelo corredio”, que recorreu ao rei por si e como procurador dos “índios aldeados” da capitania do Rio de Janeiro e anexas, se queixando das condições de trabalho e solicitando um aumento de soldo. A requisição principiava pela afirmação da lealdade:

“[...] como leaes Vassalos de V. Mag.de sempre prontos para o seo real serviço tanto nas obras q se fazem na dita Cidade, quanto pellas mais Capitanias da nova Colônia Rio Grande, e Ilha de Sânta Catherina, e minas do ouro para onde vão os Índios conduzir materiaes, e outras couzas pertencentes ao real servisso de V. Mag.de que os supp.es fazem com muitã humildade, e obediência [...] [grifos meus].46 46 AHU, Avulsos do Rio de Janeiro (AHU-RJ), Cx. 38, Doc. 69.

A “humildade” e “obediência” - ou seja, a dignidade da forma como integravam na ordem como leais vassalos - autorizavam que recorresse simultaneamente àquela outra tópica.47 47 Sobre a relação entre humildade e dignidade: HESPANHA, António Manuel. A Ordem do mundo e o saber dos juristas: Imaginários do antigo direito europeu. Lisboa: Editora Amazon, 2017. p. 44 Assim, após a narração dos muitos sacrifícios a que eles e suas mulheres se submetiam pelo real serviço, clamavam “[...] para que V. Mag.de se condoa dos supp.tes como rústicos e pessoas mizeraveis q não tem outro amparo mais do q a grandeza de V. Mag.de [...]” [grifos meus]48 48 AHU-RJ, cx. 38, d. 69. A petição, após informação do governador, gerou uma consulta no Conselho Ultramarino, decidindo-se favoravelmente ao pedido. AHU, Livro de Registro de Consultas de Partes, Códice 59 (1739 - 1743), p. 191-192. . Temos aqui um exemplo daquilo que se denominava especificamente, em termos retórico-jurídicos, de “misericórdia em satisfação dos merecimentos”, uma tópica característica do gênero judicial49 49 VALLADARES, Manoel Pacheco de Sampayo. Arte de Rhetorica, que ensina falar, escrever, e orar [...]. Lisboa: Offic. De Francisco Luiz Ameno, 1750, p. 29. - e muito usual, inclusive, em petições de perdão.

Evidentemente, essa não era a única combinação possível. Veja-se como o “leal vassalo” poderia, inversamente, se confundir com outra estratégia discursiva recorrente nas petições endereçadas aos monarcas, de Portugal e além: a dos “súditos nobres”50 50 Sobre essa relação cf.: BABER, R. Jovita. Law, Land, and Legal Rhetoric in Colonial New Spain: a look at the changing rhetoric of indigenous americans in the Sixteenth Century. In: BELMESSOUS, Saliha (dir.). Native Claims: Indigenous Law Against Empire, 1500-1920, Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 41-62. . Bernardo da Silveira de Meneses, por exemplo, morador do termo da vila de Santo Amaro da Purificação, representou que o capitão-mor da vila, Sebastião Borges de Barros, o obrigava a fazer os exercícios, mostras, alardos e demais funções das ordenanças, querendo, assim, “[...] com a jurisdição do seu posto vingar as razões de inimizidade [...]” entre eles, sem com isso atender que ele, suplicante, era cavaleiro professo na Ordem de Cristo e “[...] uma das pessoas mais distintas do continente daquela v.a, s.or do engenho [...], e o mais prompto vassalo p.a o Real Serviço como justificou na próxima occazião de preparo p.a a Guerra mandando armar a cento, e sincoenta escravos [...]”51 51 AHU-BA, Cx. 151, Doc. 11597; AHU, Livro de registro de Provisões, Códice 104 (1763-1771), p. 23 .

Essa petição permite introduzir, ainda, a outra forma usual de captação da benevolência: a matéria em questão. Era assim que Bernardo da Silveira, além da mobilização da tópica de “leal vassalo” e do “súdito nobre” - captação da benevolência pela pessoa - também afirmava ser isento das ordenanças na forma do Regimento, porque em:

casos idênticos p.a a pacificação de seus povos, e conservação da nobreza deles tem V. Mag.e declarado por isentos dos ditos exercícios [...] aquellas pessoas, q pela sua nobreza o devem ser; um dos quais foi no anno de mil setecentos, e vinte e sete João de Souza da Camera m.or na Cidade da mesma Cappitania da Bahia, como consta da certidão inclusa.52 52 Ibidem.

Para além da amplificatio - ou seja, o fortalecimento da solicitação a partir de hipérboles, elevando-se “causas mais ou menos particulares até um estatuto coletivo, mostrando que o ‘bem comum’ do reino estava em risco”53 53 CARDIM, Cortes... Op. Cit. -, a argumentação voltava-se para a invenção sem artifício54 54 VALLADARES, Op. Cit. p. 17. . No léxico peticionário, suas formas mais incidentes eram, concretamente, os dispositivos característicos do gênero judicial: Ordenações, Regimentos, escrituras, testemunhas, circunstâncias, autores e exemplos.

Não é de surpreender. Diversos estudos sobre os mundos coloniais da Época Moderna já colocaram em relevo os mecanismos de circulação das “comunicações legais”55 55 ROSS, Richard J. Legal Communications and Imperial Governance: British North America and Spanish America Compared. In: TOMLINS, Christopher L.; GROSSBERG, Michael (eds). Cambridge History of Law in America. Illinois: Cambridge University Press, 2008. v. 1. nas sociedades coloniais - as quais não escapavam mesmo dos sujeitos e grupos sociais subalternizados. Para o caso da América Portuguesa, Luiz Geraldo Silva discutiu, há décadas, como uma rede de negros livres e alfabetizados da Paraíba fizeram “cópias” do Alvará de 16 de janeiro de 1773, que versava sobre a liberdade dos cativos em Portugal e Algarve56 56 SILVA, “Esperança de liberdade”... Op. Cit. .

Com efeito, o recurso às leis e às teses jurídicas, embora sempre presentes, parece ter ganhado ainda mais força nas petições de grupos e setores sociais subalternizados com o avançar do século XVIII - talvez uma expressão daquilo que Marco Antônio da Silveira denominou “acumulação de forças”. Chama a atenção como, ao longo da centúria, se tornam mais incidentes casos de petições de grupos sociojurídicos subalternizados - e que tradicionalmente recorriam à captação da benevolência pela pessoa por serem dignos da especial “comiseração” régia - fundamentadas na persuasão pela matéria via argumentos jurídicos. A título de exemplo, veja-se a petição da “índia Madalena”, de Penhalonga, no Pará, em que pedia uma provisão para ser conservada na casa de D. Ana Narcisa da Costa ou “[...] onde milhor conveniência lhe fizer [...]” diante das intenções do Diretor “que dirige os índios” de a aplicar a “[...] outro serviço a que ella não foi criada [...]” contra a sua vontade. O interessante é que se trata de argumentação unicamente fundamentada na Lei de 6 de junho de 1755, “[...] q os Indios servissem a q.m milhor lhe conviesse e fosse sua vontade [...]57 57 AHU-PA, Cx. 83, Doc. 6853. - estratégia que se mostrou exitosa diante do despacho favorável à petição58 58 AHU, Livro de Registro de Ordens de Partes, Códice 196 (1776 - 1782), p. 132 . Essa dinâmica pode ser tomada como reflexo das mudanças nos próprios “modos de governar” da monarquia, no rescaldo das políticas reformistas pombalinas59 59 Em particular, a partir da Lei da Boa Razão. Para um panorama: SUBTIL, José. A Lei da “Boa Razão” como inevitabilidade pombalina (1756-1768) e a consagração do protoliberalismo (1769-1807). In: MARQUES, Claudia Lima; CERQUEIRA, Gustavo (coord.). A função modernizadora do direito comparado: 250 anos da Lei da Boa razão. São Paulo: YK, 2020. , denotando a capacidade desses setores de adequarem a retórica peticionária às mudanças políticas imperiais.

Contudo, essa forma retórica não se restringiu ao contexto em análise, pois era incidente em determinadas tipologias de pedido, cujo modelo discursivo não era propriamente o da oração, mas sim o dos Tribunais, emulados dos tratados e manuais jurídicos específicos sobre a forma de composição de petições judiciais, invariavelmente acompanhados de modelos e exemplos a serem imitados. Assim, algumas petições endereçadas ao monarca eram tão semelhantes àquelas que seguiam pelos caminhos ordinários que poderiam ser compostas por apenas um parágrafo sintético. Era, nomeadamente, o caso de diversos pedidos de “remédios”, tão arraigados nas práticas jurídicas que dispensavam quaisquer esforços elaborados de captação da benevolência ou narração e mesmo menções diretas à alguma norma ou precedente. Nesse caso, a principal característica era a disposição formulaica, protocolar e sintética da solicitação60 60 Diversas dessas modalidades peticionárias constam no famoso: CAMINHA, Gregório Martins. Tratado Da Forma Dos Libelos. Coimbra: na Officina dos Irmäos e Sobrinho Ginioux, 1764. .

E, com isso, pode-se evidenciar o núcleo do que Gwilym Dodd considerou ser o status ambíguo do léxico peticionário. É preciso situar esses documentos em meio a estruturas narrativas, lugares-comuns, termos e palavras, práticas e valores dinamicamente operacionalizados em cada situação contingente. De um lado, as petições eram formatadas a partir de uma “qualidade formal, controlada e previsível”. De outro, eram moldadas pelas escolhas individuais daqueles que escreveram o que acharam correto e apropriado, de acordo com o caso e com o contexto61 61 Tradução própria e adaptada: DODD, Gwilym. Kingship, Parliament and the Court: the Emergence of ‘High Style’ in Petitions to the English Crown. The English Historical Review, v. 129, n. 538, p. 515-548, 2014. . Não seria diferente, como sintetizava Erasmo de Rotterdam, em sua Brevíssima e muito resumida fórmula de elaboração epistolar (1521), “[...] nem sempre é necessário usá-las [as partes das missivas] todas juntamente, nem com frequência inteiramente e, como nos discursos, muitos mudam, conforme o caso, os tempos, a necessidade, a ocasião” [grifos meus]62 62 ROTTERDAM, Erasmo. Brevíssima e muito resumida fórmula de elaboração epistolar. In: TIN, Op. Cit., p. 119. . E essa é uma constatação que não é de menor monta.

A partir disso, nos é permitido destacar as diferenças que marcavam, em linhas gerais, duas das principais modalidades peticionárias que tramitavam no Serviço das Partes do Conselho Ultramarino e foram consultadas para essa pesquisa: as súplicas e os requerimentos63 63 Para a análise qualitativa dos casos que amparam a investigação da dimensão discurso-formal das petições, foi consultado um corpus de petições selecionadas, a partir do entrecruzamento entre os Livros de Provisões do Conselho Ultramarino e os Avulsos. Além disso, segundo o teor e enquadramento dos pedidos segundo as categorias especificadas no Quadro 1, foram selecionados casos exemplares de acordo com as tipologias mais incidentes no escopo das provisões, além de seleção de casos com base nas descrições dos teores das solicitações disponibilizados nos catálogos do Arquivo Histórico Ultramarino. . As súplicas, como forma ou tipologia, eram as petições mais próximas dos modelos extraídos da oração, mais usual nos pedidos e concessões de “atos de graça”, no sentido mais estrito de obtenção de algo que não era devido por justiça, ainda que se ligasse a um ideal superior do que era justo - com tudo que isso implicava e que já foi muito discutido pela historiografia: troca, gratidão, serviço, piedade, liberalidade, magnificência, misericórdia e caridade, sendo também muito presentes, embora com variações temporais, em petições apresentadas por grupos sociojurídicos sob imediata jurisdição régia64 64 HESPANHA, Imbecillitas... Op. Cit. . Já os requerimentos, cuja estrutura e forma eram predominantemente extraídos da prática formulaica ordinária, não operavam unicamente nessa chave. Seguiam mais de perto os protocolos do gênero judiciário e, o mais relevante, tendiam a ser a modalidade empregada para corporificar reinvindicações embasadas “em atos legais ou em jurisprudência”65 65 BELLOTO, Heloísa Liberalli. Como fazer análise diplomática e análise tipológica de documento de arquivo. São Paulo: Arquivo do Estado e Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 86. . Essas eram formas, portanto, indicativas de parâmetros ontológicos de relacionamento entre vassalos e monarca, que sinalizam a natureza distinta dos direitos evocados em cada solicitação. Nestes termos, a estrutura da petição, os gêneros discursivos empregados e as tópicas e lugares comuns mobilizados eram variáveis de acordo com o estatuto do peticionário, com a matéria em questão e com os objetivos específicos dos atos comunicacionais66 66 Do que decorrem alguns paralelos importantes com as próprias formas de tramitação desses papéis no Conselho Ultramarino, como veremos. . Suas formas - e mesmo alterações ao longo do tempo - podem, assim, ser tomadas como expressões dos valores socialmente compartilhados e institucionalmente corporificados do que se entendia como graça, justiça e mesmo governo.

Fato é, todavia, que uma característica parece ter permanecido. Embora seja possível indicar utilizações do mecanismo como forma de mobilização social, especialmente na segunda metade do século XVIII, sinalizando para emergência de petições com teor político e reivindicatório67 67 Em especial: SILVEIRA, Op. Cit.; SILVA; SOUZA, Op. Cit. e, até mesmo, exemplos episódicos de papéis que poderiam soar como desafios à ordem e autoridade régia68 68 E que se enquadrariam no âmbito daquilo que David Zaret denominou de “petições liminares” para se referir ao modelo que emerge na Inglaterra do século XVIII, caracterizado pela mescla entre deferência e desafio à autoridade política. Em ZARET, Op. Cit. p. 431 parece haver o caso da excepcional representação do procurador do Povo da comarca do Serro Frio que, na petição em que solicitava a revogação do Alvará de 2 de agosto de 1771, expressava um tom predominante deferente, mas declarava em certa altura: “e visto que não acham remédio aos seus males murmuram em tumulto, e feias consequências resultariam se V.A.R. não da pressa a socorrê-los [...]”. AHU-MG, Cx. 159, Doc. 12; AHU-MG, Cx. 159, Doc. 12. , prevalecem em definitivo, no corpus consultado, petições tradicionais tanto em termos do que se pedia quanto do léxico peticionário deferente. As petições, portanto, sobretudo quando exitosas, corporificavam a ritualização de práticas de governança e de modelos de submissão prevalecentes nessa cultura jurídica no âmbito da qual o “decoro”, a “lisura” e a “decência”, “com que deve sempre a verdade ser presente ao Soberano”69 69 AHU, Códice 244 (1726-1807), p. 227. , pareciam ser enquadramentos incontornáveis70 70 Isso não significa, contudo, negar o potencial insurgente de mobilização da prática peticionária. Diversos estudos sobre rebeliões coloniais, inclusive, se valem das petições como fontes importantes para a análise dos episódios de protesto. Cf.: FIGUEIREDO, Luciano. Narrativas das rebeliões. Linguagem política e idéias radicais na América Portuguesa moderna. Revista USP, n. 57, p. 6-27. Sobre os questionamentos ao enquadramento das petições como “válvula de segurança” cf.: ALMBJAR, Martin. The problem with early modern petitions: safety valve or powder keg? European Review of History: Revue européenne d’histoire, v. 26, n. 6, p. 1013-1039, 2019. A principal questão, nesse sentido, se refere ao potencial de negociação mimetizado por essas formas. .

3. Tramitação e resposta: as provisões das partes

Vejamos agora como petições como estas eram recebidas e respondidas pelo Conselho Ultramarino. Afinal, tão relevante quanto as indagações sobre os modelos de submissão, autoridade e direito suscitados pelo léxico peticionário é entender o lugar da prática nos quadros das formas de exercício do poder, bem como da própria arte de governar perscrutadas nas dinâmicas institucionais e processos decisórios de deliberação - ao menos se entendermos o peticionamento efetivamente como modalidade de comunicação política entre governantes e governados.

Diante do grande volume documental e da multiplicidade de vias e circuitos internos do próprio Conselho Ultramarino - para além das petições escusadas, não contempladas na presente análise71 71 No estágio atual da pesquisa não é possível apresentar um mapeamento quantitativo sistemático das petições escusadas. Serão necessários futuros estudos que se debrucem sistematicamente sobre a análise das marginalias preservadas nos Avulsos do Arquivo Histórico Ultramarino (documentação caracterizada justamente por sua fragmentação), bem como se ocupem do entrecruzamento dessa documentação com os diversos livros de despacho e com os livros de porta. Há de se destacar, ainda, as dificuldades interpostas para a apresentação de dados quantitativos específicos sobre as petições das partes que considerem suas cronologias, já que essas dificilmente eram acompanhadas de uma fórmula final que incorporasse indicações sobre suas efetivas datas de feitura - uma diferença significativa em relação às representações dos corpos políticos e oficiais régios. Assim, quando tratamos das petições das partes, as aproximações sobre suas datas de apresentação envolvem, acima, de tudo, os vestígios deixados pelas dinâmicas de tratamento das petições pela instituição. -, esta pesquisa se concentra em um conjunto documental bem circunscrito: os Livros de Provisões do Conselho Ultramarino. A escolha não é fortuita. Na cultura jurídica de matriz ibérica, as provisões consistiam, nos termos de Pedro Cardim e Miguel Baltazar, em um dos principais tipos de norma produzida pela Coroa. De vocação casuísta ou conjuntural, dispunham de determinações sobre assuntos específicos e encontravam, concretamente, uma larguíssima tradição como forma de despacho usual dos Tribunais ou Conselhos régios72 72 Sigo de perto as definições de: CARDIM, Pedro; BALTAZAR, Miguel. A difusão da legislação régia. In: FRAGOSO; MONTEIRO, Op. Cit. p. 163, 195.Cf.: MARTINHEIRA, José Sintra. Os documentos d’El Rei. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 42, n. 2, p. 141, 2006. . De natureza diversificada, as provisões, assim como os alvarás (também registrados nestes Livros)73 73 Os alvarás eram categorizados pela validade de um ano na forma das Ordenações Livro II, Título 40. Eventualmente também eram registrados alvarás com força de lei, quando tinham implicações nas dinâmicas do “Serviço das Partes”. , tinham como motivo, via de regra, petições de partes - o que faz de sua análise um caminho frutífero de aproximação do amplo universo peticionário e de reflexão sobre as formas de vinculação entre as gentes do ultramar e a persona régia, via seu Conselho Ultramarino, bem como das modalidades de governação por elas mimetizadas. Até mesmo porque as provisões eram sempre endereçadas a um oficial ou agrupo de oficiais a que tocassem para que “cumprissem e guardassem” e fizessem “cumprir e guardar inteiramente como nela se contém”74 74 Segundo as fórmulas que acompanham todos esses papeis. .

Comecemos com alguns esclarecimentos sobre a forma de tramitação dos papéis das partes no Conselho Ultramarino do século XVIII. Sem dúvida, a normativa régia mais significativa para compreensão das dinâmicas do Serviço das Partes é o Alvará de 24 de julho de 1713, que estabelecia uma forma mais célere de expedição tanto dos “negócios graves como os de menor suposição”, estabelecendo as “formalidades” para o despacho nas Secretarias e Tribunais régios superiores, incluindo-se, entre eles, o órgão encarregado dos negócios das conquistas75 75 PORTUGAL. Alvará de 24 de julho de 1713. In: PORTUGAL. Collecção Chronologica de Leis Extravagantes, posteriores a nova compilação das ordenações do reino, publicadas em 1603. Parte II: Da Legislação Moderna. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1819, p. 381. .

Isso porque o dito Alvará, entre outras determinações, ampliava a hierarquização e escopo das duas principais formas de tramitação dos assuntos: o expediente e as consultas. Nomeadamente, determinava-se pertencerem ao expediente dos Tribunais “negócios ordinários, e de menor entidade” - enumerados, então, em quase 30 artigos, com matérias que tramitavam fartamente pelo Serviço das Partes do Conselho Ultramarino (Cf. Quadro 1) - com a declaração, contudo, de que nunca deveriam ser despachados por menos de três ministros e que ficava “livre a cada um deles (não se conformando) pedir Consulta”76 76 Idem. . Há de se destacar que, no Conselho Ultramarino, a exemplo do que ocorria em outros organismos semelhantes, característicos dos sistemas polissinodais de governo do período77 77 POLO MARTÍN, Regina Maria. Consejos y Consultas: La consulta como instrumento de gobierno en la Monarquía hispánica del Antiguo Régimen. Un estudio jurídico-institucional, con especial referencia al Consejo de Castilla. Bilbao: Fundación BBVA, 2018. , as consultas eram uma etapa passível ou não de ocorrer na tomada de decisão. Diversas tipologias diplomáticas de resposta, incluindo-se muitas provisões, eram emitidas por expediente, fossem destinadas à obtenção das informações para posterior consulta ou, propriamente resoluções que prescindiam, segundo legislação régia ou o costume, da intervenção pessoal do monarca (assuntos de maior gravidade e graças especiais ou especialíssimas), sendo processadas de maneira autônoma pelos conselheiros. Em realidade, pode-se afirmar que, no caso do Serviço das Partes e, particularmente, no despacho das provisões, uma modalidade ordinária de decisão, as consultas conformavam apenas uma parcela diminuta dos trâmites - e que parece efetivamente ter perdido ainda mais força com o avançar do século XVIII78 78 Assim, em 1735, aproximadamente 17,8% das provisões emitidas pelo Conselho Ultramarino registravam, em seu trâmite, resolução régias via consulta ao passo que, em 1755, a porcentagem caiu para 12,7%. Já em 1775, apenas 2% das provisões informavam a realização de consultas, embora haja uma recuperação neste número em 1795, com 4,6%. A suplantação dos tradicionais órgãos concelhios característicos do governo polissinodal por formas mais expeditivas de governação já foi amplamente debatida pela historiografia. Cf.: BICALHO, Maria Fernanda; COSTA, André. O Conselho Ultramarino e a emergência do secretário de Estado na comunicação política entre o reino e as conquistas. In: FRAGOSO; MONTEIRO, Op. Cit., p. 141. - sendo reservada para os casos expressamente determinados pela legislação ou para resolução de súplicas cuja conferência da graça pedida demandava intervenção pessoal do monarca79 79 FERNANDES, Renata Silva. O Conselho Ultramarino e as queixas e agravos do ultramar português (Minas Gerais, 1750-1808). Revista História, São Paulo, v. 181, p. 1-34, 2022. .

Adicionalmente, o mesmo Alvará determinava que o despacho das petições das partes não deveria subir à real assinatura - fossem eles relativos aos negócios do expediente dos Tribunais ou resolvidos por consulta. A partir de então, os Tribunais lavrariam provisões assinadas por dois ministros do Tribunal a que tocassem, passando pela chancelaria e pagando os mesmos direitos que os Alvarás. No caso das provisões do Conselho Ultramarino - embora os interessados também pagassem novos direitos e custas com feitio - elas não passavam, todavia, pela chancelaria, sendo acompanhadas em geral da cláusula “e valerá como carta e não passará pela chancelaria, sem embargo da ordenação do Livro 2º, Título 40 em contrário [...]”80 80 Que definia: “as cousas, cujo effeito há de durar mais de hum anno, passem per Cartas, e não per Alvarás”. - um típico “privilégio real” do órgão81 81 HESPANHA, António Manuel. História das instituições: épocas medieval e moderna. Lisboa: Almedina, 1982, p. 258. . Tratava-se, em conjunto, daquilo que José Subtil, ao analisar a atuação do Desembargo do Paço, chamou de “utilização mais vantajosa de provisões”, ou seja, a tomada de decisões ordinárias que dispensavam mesmo a submissão à fiscalização da Chancelaria Real82 82 SUBTIL, José. Le Tribunal du Desembargo do Paço (Portugal, 1750-1833). IUS COMMUNE, Max-Planck-Institut, v. XIX, p. 169-188, 1992. p. 172. .

De fato, essa simplificação de trâmites e despacho também refletia uma multiplicidade numérica de “papéis, que por vias se remetem às Conquistas, e assim os que por mim foram resolutos, como os que eram do expediente do Tribunal” 83 83 PORTUGAL, Op. Cit., p. 381. , bem como a expressiva diversidade de tipologias de provisões pedidas nas petições e concedidas pelo órgão (Cf. Tabela 1; Quadro 1).

Antes de continuarmos, alguns esclarecimentos metodológicos são, contudo, necessários. Para esta pesquisa, foram consultadas 2499 provisões nos livros de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, a partir da seguinte amostragem:

Tabela 1
Amostragem quantitativa dos registros dos Livros de Provisão84 84 Tal seleção se fundamentou em razões historiográficas, históricas e arquivísticas. Quanto as primeiras, na esteira dos importantes levantamentos gerais que já dispomos - destaca-se, mormente na documentação avulsa do Arquivo Histórico Ultramarino - houve busca por apresentar uma série que contemplasse fenômenos como a criação das Secretarias de Estado (1736) e o Terremoto de Lisboa (1755), tidos pela historiografia especializada como emblemáticos do ponto de vista das viragens nas dinâmicas da governação imperial. FRAGOSO; MONTEIRO, Op. Cit., p. 23. Já quanto as razões arquivísticas, a seleção também se fundamentou na disponibilidade de registros mais ou menos sistemáticos relativos aos períodos selecionados.

Após a catalogação das provisões, elas foram cruzadas com o auxílio de um banco de dados relacional (FileMaker) e dois outros conjuntos documentais: os Livros de Registro de Consultas de Partes e os Avulsos. Interessa registrar, desse entrecruzamento, um dado de relevo. A maior parcela das petições consultadas nesta pesquisa e despachadas na forma de provisão solicitavam efetivamente aquilo que receberam: eram, portanto, petições exitosas, que denotavam tanto estratégias bem-sucedidas por parte dos peticionários quanto o amplo espectro de prerrogativas que o Conselho Ultramarino exercia - por uma série de razões, como veremos -, sinalizando para uma atuação também relativamente exitosa do órgão no “mercado das petições”85 85 CERUTTI, Op. Cit. . Os números nos permitem, ademais, qualificar em termos de uma não linearidade irreversível em direção a um “ostracismo” ou “esvaziamento” do papel do Conselho Ultramarino na tramitação da comunicação política, ao menos no que se refere ao Serviço das Partes86 86 Não se trata de negar a crescente centralidade das Secretarias de Estado, que assumiram competências e um lugar privilegiado no circuito da comunicação política entre o ultramar e o reino ao longo do século XVIII, como já amplamente destacado pela historiografia. Os dados extraídos das emissões de provisões do Conselho Ultramarino nos ajudam, contudo, a contextualizar o redimensionamento em outros âmbitos, para além dos temas da grande política e das matérias tipicamente de governo - ou seja, arbítrios e temas relativos à administração dos territórios, conflitos de jurisdição e outras questões variadas alçadas à condição de pertinentes ao interesse geral, bem comum da república e “serviço real”. BICALHO, Fernanda. Sobre este modo de resolver e despachar os negócios. Espacio, tiempo y forma. Historia Moderna, Madrid, n. 34, p. 47-68, 2021. p. 60 . Tal assertiva ganha relevo especialmente quando consideramos a recuperação e tendência de crescimento dos números de provisões, a partir do reinado de D. Maria I, mas, sobretudo, diante do fato de que muitas das provisões despachadas pelo tradicional Conselho lisboeta (Ver Quadro 1) poderiam ser solicitadas em outras instâncias, algumas na própria América87 87 Em especial nos Tribunais da Relação. Sobre esses Tribunais, cf.: WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Direito e justiça no Brasil colonial: o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2004; SLEMIAN, Andréa. Petitions to the Courts of Appeal in Portuguese America and the Protection of Rights (c. 1750-1808). In: CRUZ, Miguel (ed.). Petitioning in the Atlantic World, c. 1500−1840. Empires, Revolutions and Social Movements. London: Palgrave, 2022. .

Evidentemente, como um Tribunal de Corte típico, tramitavam pelo Conselho súplicas em busca de graças especiais ou especialíssimas e/ou “remédios” que careciam de intervenção especial do monarca como “senhor da graça” - no linguajar da época, como “Rei e Senhor”, ou seja, não por via de jurisdição88 88 CASTRO, Gabriel Pereira de. Tractatus de manu regia. Lisboa: Ex Typis Joannis Baptistae Lerz, 1742. cap. 4. - e que eram concedidas muitas vezes apenas via consulta, caso das petições para se tirar segundas devassas e ou de revistas. Importa destacar ainda, que, eventualmente, as petições poderiam gerar não apenas precedentes, mas até mesmo provocar a formulação de normativas de régias gerais as quais, portanto, ultrapassavam a dimensão particular de diplomas como as provisões. Foi o que aconteceu por ocasião da petição de Inácia Carneira, Marcelina Carneira e Maria Carneira, moradoras da cidade do Maranhão, que peticionaram ao rei D. José em busca de uma especial graça para poderem recorrer da sentença, já em grau de apelação, proferida contra a liberdade das suplicantes na Junta das Missões. A súplica - repleta de apelos à “comiseração” e “piedade” régia pela condição das pessoas das suplicantes e do grupo sociojurídico de que faziam parte, mas também expressivamente fundamentada em argumentos jurídicos, inclusive lastreados em extensas citações em latim89 89 AHU-MA, Cx. 34, Doc. 3420. - gerou uma consulta do Conselho Ultramarino na qual, a despeito da posição divergente do Procurador da Coroa, decidiu-se não apenas deferir a graça pedida pelas suplicantes, mas também determinar em geral que “[...] a favor da liber.de dos índios se possa apelar da sn.a proferida na Junta das Missões contra a mesma liber.de p.a o juízes dos feitos da Coroa das Relações respectivas”90 90 AHU, Códice 65, p. 73. Com fundamento nessa determinação geral, por exemplo, se concedeu provisão a “Ana índia Mamahura”, natural da Vila de Alcântara. AHU, Códice 103, p. 134. .

Os exemplos das súplicas, é verdade, podem reforçar o protótipo religioso e a natureza extraordinária da intervenção régia. Eram casos, nos termos de Russel-Wood, de “atos de graça” fundamentados nas virtudes universais dos soberanos, e que, no contexto da governança colonial, certamente atuavam no sentido de reforçar a autoridade moral dos monarcas91 91 RUSSELL-WOOD, Op. Cit. . Contudo, essa modalidade suplicatória, como visto, não era a única. Em realidade, no caso das provisões, prevaleciam requerimentos despachados significativamente, de forma autônoma, pelos conselheiros e determinadas tipologias de súplica expressivamente institucionalizadas (e, portanto, definidas assim mais pela condição sociojurídica dos que pediam ou pela necessidade de consulta do que sua condição de intervenção extraordinária).

Quadro 1
Amostragem de tipologias de provisões constantes nos registros dispostas em ordem alfabética

Para fins analíticos, é possível, esquematicamente, distinguir ao menos três grandes domínios que sinalizam tanto para a variedade das formas de solicitações peticionárias quanto para a variabilidade tipológica das provisões e, com elas, de possíveis modalidades de intervenção do Conselho Ultramarino na governança colonial e na vida cotidiana dos súditos do ultramar - ou daqueles que para lá se dirigiam.

Um primeiro grupo é composto por provisões que, em realidade, eram concedidas e expedidas por outros órgãos e agentes sediados em Lisboa (ou mesmo outras vias do próprio Conselho Ultramarino), mas que demandavam - virtualmente - para seu cumprimento de provisão específica da instituição. De saída, era o caso de uma tipologia significativamente incidente, em termos numéricos, ao longo de boa parte do século XVIII: as provisões de mantimento. Embora a competência quanto aos provimentos e apresentações das autoridades eclesiásticas do ultramar fosse da Mesa da Consciência e Ordens, os providos e apresentados solicitavam provisão de mantimentos no Conselho Ultramarino e apenas com ela podiam cobrar seus ordenados - usualmente pagos, em virtude do padroado régio, pelas Provedorias da Fazenda das capitanias.

Essas provisões não se restringiam, evidentemente, àquelas passadas pela Mesa da Consciência e Ordens. Veja-se, por exemplo, o caso de Marcos Felipe, “homem marinheiro, casado com m.er e filhos” e “pobre”, condenado em penas de açoites e degredo para Ilha de São Tomé pela Relação da Bahia em razão de um ferimento desferido contra Domingos Rodrigues Aires. Como informava, na Semana Santa obtivera uma graça régia especial: uma provisão de perdão despachada pelo Tribunal da Mesa do Paço. Após essa obtenção, peticionou ao Conselho Ultramarino pedindo uma provisão para “[...] effeito do Ouv.or geral do Crime da Bahia, ou outro qualq.r Ministro daquella Rellação aque pertencer, passe pello conforme a vista da culpa, e graça especial que alcansou de V. Mag.e que só com provisão deste Tribunal se costuma cumprir [...]” [grifo meu]92 92 A petição gerou uma consulta em virtude daquilo que os conselheiros ultramarinos consideraram uma equivocação do Desembargo, que não declarou no alvará se o perdão incluía as penas de açoite ou apenas a de degredo. Ao fim, decidiu-se passar uma carta de perdão via expediente. AHU, Códice 63, p. 224; AHU, Códice 102, p. 140. Cf.: AHU-BA, Cx. 114, Doc. 8960. . São inúmeros os casos de petições apresentadas e de provisões despachadas pelo Conselho Ultramarino que se enquadram nessa lógica, uma espécie de “chancela” da instituição para que a provisão obtida em outro Tribunal ou Conselho lisboeta fosse cumprida no ultramar.

Uma situação equiparável, embora com algumas particularidades, era a dos sujeitos providos em Lisboa para ocupação de ofícios no ultramar - incluindo-se, nesse escopo, ofícios remunerados e nobilitantes, como governadores, ouvidores, intendentes e desembargadores -, usualmente solicitadas antes mesmo da partida do interessado para a América e mais conquistas. Após o provimento/nomeação (que podia inclusive ser a partir de consulta do próprio Conselho), era necessário solicitar provisão específica (ou melhor, provisões) para definição e pagamento das remunerações pecuniárias esperadas por parte das respectivas provedorias da Fazenda: mantimentos, fixação de ordenados, ajudas de custo, aposentadorias, entre outras. Mas aqui há de se destacar uma particularidade, tais requisições expressavam a própria lógica da organização do oficialato régio português. Isso porque esses oficiais, atuando em nome dos interesses da monarquia e do bem-comum, podiam “gozar das ‘honras, privilégios, liberdades, isenções e franquezas…’ inerentes aos cargos que ocupavam”93 93 STUMPF, Roberta. Os provimentos de ofícios: a questão da propriedade no Antigo Regime português. Topoi, Rio de Janeiro, v. 15, n. 19, 2014. p. 613-614. . Mas, como destacou Roberta Stumpf, estes não eram definidos unicamente pela relevância estratégica da função do ofício, mas também pelos estilos, costumes e, até mesmo, a qualidade daqueles que anteriormente ocuparam a posição94 94 Ibidem. . Isso se traduzia, concretamente, em pedidos fortemente institucionalizados para declaração de que, não “desmerecendo” a graça, se praticasse com o peticionário “na mesma forma que a seus antecessores”95 95 AHU, Códice 102, p. 115. , como “o foram seus antecessores”96 96 AHU, Códice 105, p. 151-2. ou outras fórmulas similares.

Passemos agora ao segundo grande domínio: as solicitações que, conforme a legislação régia ou costume (institucional e/ou peticionário), eram prerrogativa específica do Conselho Ultramarino e que, por isso, variaram muito ao longo do tempo. Em sua maioria, elas versavam sobre aspectos próprios das dinâmicas sociais, econômicas e políticas da governação colonial e da circulação pelos mares, embora, no Serviço das Partes, também tocassem evidentemente em causas e interesses peculiares dos peticionários. O caso mais emblemático, até mesmo por sua incidência, é certamente o das licenças para transporte. Elas, em realidade, eram diversas, tantas quanto as proibições de circulação de pessoas pelos domínios do Império. Sua forma mais incidente, contudo, eram as para se transportar ao reino (e suas renovações). São particularmente abundantes as petições feitas por sujeitos que ocupavam postos militares com soldo, bem como as que envolviam o transporte de mulheres. Vejamos com mais detalhe o caso dessas últimas.

O alvará de 10 de março de 1732, que pretendia “remediar” os motivos que causavam “grave prejuízo” ao “aumento, e povoação” do Estado do Brasil, proibia a ida de mulheres do Brasil para o Reino. Essa proibição geral, contudo, era acompanhada de uma exceção: se elas tivessem causa para se transportar ao Reino, poderiam pedir uma licença régia. Tais licenças seriam concedidas pelo Conselho Ultramarino, a quem deveriam peticionar, munidas das informações dos Vice-Reis e/ou governadores e, quando pretendessem se tornar religiosas, dos Arcebispos e Bispos. Da mesma forma, o alvará estabelecia que tais licenças seriam objeto de consulta do Conselho Ultramarino, com vistas do Procurador da Coroa97 97 SOUSA, Jozé Roberto Monteiro de Campos Coelho. Systema, ou Collecçaõ dos regimentos reaes [...]. Lisboa: Officina de Francisco Borges de Souza, 1775. Tomo IV. p. 482-483. . Como se nota, trata-se de um caso em que existe uma normativa régia que definia a forma de se apresentar a solicitação, inclusive com especificação dos que deveriam informar, o interlocutor apto a recebê-la (o Conselho Ultramarino) e o trâmite de resolução (consulta)98 98 Destaca-se, contudo, que no caso das licenças para se transportar ao Reino dadas aos ocupantes de postos militares, não se procedia à consulta. .

Como o alvará de 10 de março de 1732, diversas proibições gerais estabelecidas pela Coroa sobre os territórios ultramarinos poderiam ser dispensadas mediante licenças régias, muitas delas expedidas pelo Conselho Ultramarino. A título de exemplo, pode-se mencionar, ainda: as licenças para se erigir fábricas e engenhos99 99 Caso da Provisão Régia de 3 de setembro de 1695, que proibia uso de aguardente no Brasil; da Carta Régia de 18 de setembro de 1706, que proibia os molinetes de cana; da Carta Régia de 18 de novembro de 1715, que proibia o levantamento de engenhos de açúcar em Minas Gerais. , as licenças para “resgatar escravos” na costa da África e os levar para os portos do Brasil100 100 Como a Carta régia de 17 de setembro de 1703, que proibia embarcações das capitanias do Sul e do Rio de Janeiro de irem para a Costa da Mina e Angola para resgatar escravos. LARA, Silvia Hunold. Legislação sobre escravos africanos na América portuguesa. In: ANDRÉS-GALLEGO, Jose (Coord.). Nuevas Aportaciones a la Historia Jurídica de Iberoamérica. Madrid: Fundación Histórica Tavera, 2000. e as licenças para tomar carga. Mas estas, diferentemente das petições para transporte de mulheres, que eram muitas vezes acompanhadas de narrativas mais detalhadas sobre as razões da solicitação, eram predominantemente caracterizadas por uma natureza formulaica. Muitas eram compostas por apenas um ou dois parágrafos - caso de muitas das solicitações de licenças para “resgatar escravos”. Outras, sem perder essa característica, apresentavam enunciações padrões de atendimento das condições necessárias para obter-se a provisão. Assim, por exemplo, as petições que tinham como objetivo alcançar licenças para erigir engenhos se fundamentavam na informação de propriedade dos bens necessários (escravos, gados e cobres são os mais usuais) e em afirmações sobre a conveniência da licença “não só [à] utilidade pública”, mas também ao “aumento” da real fazenda no “acréscimo dos dízimos” - como sintetizava o petição do padre Marcos Gomes Ribeiro, morador na capitania do Rio de Janeiro101 101 AHU, Livros de Registro de provisões do Conselho Ultramarino, Códice 99, p. 114. . Eram também, geralmente, despachadas por expediente do Conselho Ultramarino.

Passemos, por fim, ao terceiro grande grupo de provisões, que abarcava tipologias variadas de petições cuja competência recaía, no Reino, sobre outros Conselho Tribunais da Corte (entre outros, Mesa da Consciência e Ordens, Conselho de Guerra e Desembargo do Paço), que poderiam ser despachadas por outros órgãos e agentes sediados no próprio ultramar ou, ainda, que tinham um enquadramento mais difuso sobre a competência jurisdicional para despacho. Dentre suas muitas formas, a grande maioria eram “matérias de graça em assunto que toque à justiça” - usualmente associadas pela historiografia às competências do Desembargo do Paço102 102 SUBTIL, Le Tribunal... Op. Cit; HESPANHA, História das...Op. Cit. e Tribunais da Relação103 103 SLEMIAM, Op. Cit. , mas que também tramitavam fartamente pelo Conselho Ultramarino, como se evidencia no Quadro 1. Como esclarece António Manuel Hespanha, as petições de graça em matéria de justiça eram aquelas que visavam à alteração de situações jurídicas ou que diziam respeito à situação dos funcionários de justiça104 104 HESPANHA, História das...Op. Cit, p. 337. . Do ponto de vista das competências jurisdicionais, poderiam ser categorizadas como situações de “dispensa das leis gerais do reino” e casos de exercício do “poder discricionário do rei”, uso da “jurisdição voluntária”105 105 Ibidem. . No primeiro caso, se enquadravam as chamadas “cartas de privilégio”: alvarás de fiança, licenças para apelar e agravar, cartas de emancipação e suplementos de idade, declaração e ampliação da jurisdição ordinária dos oficiais, confirmação de doações, provas de direito comum, licença para citar, etc106 106 Ibidem, p. 362. . - engrossando, portanto, o coro das já citadas dispensas das leis. Já no segundo caso, encontravam-se as chamadas “cartas de benefício”: as cartas de finta, autorizações para fazer demarcações e tombos, autorizações para o exercício da advocacia, cartas tuitivas etc107 107 Ibidem, p. 363. . Todas, como se nota do Quadro 1, também despachadas pelo Conselho Ultramarino.

É possível identificar, inclusive, diversos peticionários que recorreram, a um só tempo, ao Conselho Ultramarino e a outros Conselhos e Tribunais, sediados no Reino ou na América. Foi o caso do bacharel Manuel Antunes da Fonseca, que fora ouvidor das Minas de Goiás. Preso no castelo de São Jorge em virtude de uma queixa contra seu procedimento enquanto ouvidor, peticionou tanto via Desembargo do Paço como via Conselho Ultramarino em busca de um alvará de fiança para que solto pudesse mostrar sua defesa já que se achava pronunciado “e falto de quem cuidasse no seu livramento” - obtendo-a naquela última instituição108 108 AHU, Avulsos de Goiás, Cx. 12, Doc. 753; AHU, Códice 65, p. 106; AHU, Códice 103, p. 56. . Também assim o alferes de dragões Valério Sanches Brandão, preso da cadeia de São João del Rey por ordem do governador de Minas Gerais em virtude de sua atuação por ocasião de um levante ocorrido na região de Jacuí, encontrava-se “castigado, e injuriado [...] com extraordinario excesso” por ter caído no desgosto do Conde de Valadares109 109 AHU-MG, Cx. 103, Doc. 57; AHU-MG, Cx. 107, Doc. 2. , peticionou simultaneamente ao Conselho Ultramarino e ao Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, solicitando provisão para ser solto e conservado em seu posto até sentença final, atendendo tanto à sua inocência como ao fato de ter servido à “Vossa Majestade” “muitos annos sem nota”, destacado por “toda a capitania com o trabalho que se sabem tem os soldados das Minas [...]”110 110 AHU-MG, cx. 103, doc. 57; AHU-MG, Cx. 107, Doc. 2; AHU-MG, cx. 108, doc. 20; Códice 195, p. 231. . Note-se, casos como esses demonstram não apenas a recorrência de diferentes estratégias empregadas pelo peticionário, mas também a fluidez das causas, que podiam passar da via judicial à extrajudicial ou vice-versa de seu princípio ao fim111 111 GARRIGA. Gobierno... Op. Cit. .

É igualmente importante destacar que muitas dessas provisões eram “remédios” ordinários ou extraordinários de garantia de direitos, que poderiam ser pedidos e obtidos no sentido de amparar, evitar, emendar ou satisfazer agravos112 112 FERNANDES, Op. Cit. , compondo parte daquilo que era concebido como justiça no seio dessa cultura jurídica113 113 SLEMIAM, Op. Cit. . Nesse sentido, muitas dessas provisões eram pedidas para satisfazer agravos cometidos por juízes, governadores, oficiais camarários, entre outros, no desempenho de seus ofícios - ou fruto de suas negligências. Também por isso poderiam ser apresentadas como estratégia pessoal ou coletiva, para denunciar abusos e omissões ou simplesmente contornar as autoridades locais e/ou ordinariamente encarregadas daquilo que se pretendia alcançar. Tramitando como simples queixa, suplicação ou recurso, não seguiam necessariamente uma forma judicial, embora pudessem intervir no percurso processual ordinário de uma causa.114 114 GARRIGA, Carlos. La ley del estilo 135: sobre la construcción de la mayoría de justicia en Castilla. Initium, 15, p. 315-406, 2010; SLEMIAM, Op. Cit. Aproximavam-se, em diferentes sentidos, de instrumentos como o “amparo colonial”, comum no mundo hispano-americano, e a partir delas se requeriam diferentes “remédios” mais específicos. As bases do direito agravado poderiam ser mandatos régios a favor de uma pessoa ou grupo de pessoas ou, mais amplamente, as disposições teológico-jurídicas que previam ou regulavam direitos nessa sociedade115 115 BARRAGÁN BARRAGÁN, José. Algunas consideraciones sobre los cuatro recursos de amparo regulados por las Siete Partidas. 2. ed. Guadalajara: Universidad de Guadalajara, 2000. .

Um caso emblemático é o das provisões para se seguir agravos ou apelações. Embora agravos e apelações fossem duas formas processuais ordinárias distintas116 116 A apelação, que poderia ocorrer em causas cíveis e crimes, era autorizada de acordo com a importância de jurisdição ou alçada e ocorria quando as partes consideravam que se tinha feito injustiça na instância inferior. Já os agravos (ou suplicação), restritos as causas cíveis, ocorriam quando se considerava que a justiça feita era muito gravosa a parte. Ambas tinham prazos específicos para serem interpostas. Cf. CAMARINHAS, Nuno. A Casa da Suplicação nos finais do Antigo Regime (1790-1810).Cadernos do Arquivo Municipal. v. 2, n. 2, p. 223-241, 2014. , deveriam ser apresentadas dentro dos prazos determinados pelas leis do Reino. Após esses prazos, poder-se-ia, contudo, pedir provisão de dispensa de lapso de tempo sem embargo de ter passado o “termo legítimo e regular” das Ordenações117 117 PINTO, António Joaquim de Gouvêa. Manual de appellações e aggravos, [...]. Lisboa: Na Impressão Régia, 1820. . Tal como as cartas de amparo, comuns no mundo hispano-americano, as licenças para agravar e apelar se fundamentavam, sobretudo, na avaliação do requerente de que a decisão judicial causara uma dor e agravo excessivo e injusto contra o direito ou que se tratava de pleito contra poderoso, sendo um caso especial de amparo aqueles resultantes da imperícia ou falta de diligência dos representantes do suplicado no pleito118 118 BARRAGÁN BARRAGÁN, Op. Cit. p. 9. . No caso das petições que tramitaram pelo Conselho Ultramarino com essa modalidade de pedidos, nota-se justamente a incidência desses argumentos: o irreparável prejuízo que resultaria à justiça das partes não se conhecer o agravo ou apelação, ser pleito contra pessoa “poderosa” e a “ignorância”119 119 AHU, Códice 99, p. 118. , “negligência ou malícia” do procurador - eventualmente, também atribuídos aos representantes da outra parte ou mesmo juízes120 120 Embora no direito luso se entendesse que o ofício de procurador finalizava com a conclusão do litígio “pela sentença definida [...]”, “ainda, que o procurador não possa ser obrigado a seguir a appellação, com tudo tem obrigação de appellar da sentença, para que não faça transito em julgado [...]”. Assim, “não appellando o procurador, pode apelar à parte, estando ainda dentro dos dez dias da notícia, em que a sentença foi publicada”. FRANCO, Op. Cit. p. 23-24. . Solicitadas via de regra em requerimentos que seguiam as estruturas, formas e lugares do gênero judicial, também eram despachadas via expediente do Conselho. Além disso, como se inscreviam no trâmite processual ordinário e tocavam em direitos de partes, as provisões para apelar e agravar, a não ser quando concedidas como graça especial121 121 A dispensa de ouvir-se a parte ocorria apenas com expressa declaração. Foi o caso do capitão Francisco do Vale, morador na capitania de Pernambuco, que pediu licença para agravar novamente da sentença proferida na Relação da Bahia a favor do Prior do Convento do Carmo, cidade de Olinda, obtendo-a “sem embargo de não responderem as p.tes e da ley em contr.o [...]”. AHU, Códice 107, p. 147. , eram antecedidas de uma outra tipologia de provisão: as provisões para “responder a parte no termo de 3 dias”, também abundantemente despachadas pelo Conselho Ultramarino.

É justamente esse o circuito da petição do sargento-mor Pedro de Castro Lobo, morador da cidade de Mariana, que recorreu ao rei em razão da contenda com Domingos de Miranda Chaves e outros, sentenciada pelo Ouvidor da Comarca de Vila Rica. Os suplicados apelaram da sentença para a Relação da Bahia, que a reformou, proferindo-a contra o suplicante “[...] p.r suborno concorrendo p.a esta iniquid.e os mesmos seus procuradores [...]”. E mais, segundo argumentava, pela mesma razão “[...] se julgara a d.a appellação p.r deserta, e não seguida [...]”, fazendo-o recorrer a Mesa do Desembargo do Paço da mesma Relação, na qual obteve provisão para subirem os autos por agravo ordinário ao Tribunal da Suplicação, para onde tinha interposto o recurso. Contudo, quando estava tratando da sua expedição “[...] lhe armarão as partes, ou seus procuradores, crimes supostos a ffim de o prender naquela cidade [...] p.a [o] impedir e vexar [...]”, resultando em novo julgamento de “deserta e não seguida”. Assim, “[...] ficando p.r este modo roubado na sua fazenda pois se versa o dito pleito em tudo o q. possue com extorsão notória [...]”, pedia provisão para poder agravar ordinariamente para o Tribunal da Suplicação “[...] onde q.r mostrar a sua Just.a e a supressão delas [...]”. À vista do pedido, obteve no Conselho Ultramarino uma primeira provisão, em junho de 1760, para “responder a parte no termo de três dias”. Já em novembro de 1761, uma nova provisão foi despachada pelo Conselho que, “[...] atendendo ao seu requerim. to ; vendo-se o q nelle responderão os sup. os [...]” [grifo meu], concedeu-se a dispensa do lapso de tempo, para que pudesse seguir o agravo ordinário que interpôs para a Casa de Suplicação122 122 AHU-MG, Cx. 79, Doc. 39; AHU, Códice 103, p. 265, 310. .

Nada mais exemplar da lógica “garantista de direitos” 123 123 Cf. GARRIGA, Gobierno... Op. Cit. - ainda que subjetivos, hierárquicos e desiguais - que prevalecia no seio das práticas sociojurídicas que marcavam esse ordenamento jurisdicional e pluralista124 124 Interessa notar como Arno Wehling e Maria José Wehling, na análise do Tribunal da Relação, enquadram diversas dessas provisões como de “prestação jurisdicional”, caso das emancipações, dos perdões reais e das citações de réus presos. WEHLING, Arno; WEHLING, Op. Cit. p. 122-123. Sobre o enquadramento dessas tipologias na lógica garantista de direitos, Cf.: SLEMIAN, Andréa, Op. Cit. .

4. Considerações finais

Diante do exposto parece ser, com efeito, inquestionável a centralidade das petições na vertebração política da governação colonial lusa. Não é novidade que a “simbiose de poder” entre as colônias e a “mãe-pátria” requereu um “fluxo contínuo de comunicação” no âmbito do qual não se intercambiavam apenas informações, mas também interesses125 125 BRENDECKE, Arntd. Imperio e información: funciones del saber en el dominio colonial español. Madrid: Iberoamericana, 2012. - ao que se poderia bem acrescer afetos, vínculos, hierarquias e, não menos importante, formas de presença e de domínio.

É fundamental perceber o papel nevrálgico do peticionamento no seio de práticas institucionais do complexo organizacional régio português em suas relações com as sociedades coloniais, que não devem ser lidas unicamente na chave das remunerações por serviço ou dos atos extraordinários de graça decorrentes da “misericórdia” e “magnanimidade” régia - em que pese suas incidências no léxico peticionário suplicatório. Muitas das petições apresentadas e das provisões despachadas se aproximavam daquilo que André Holestein chamou de “técnica jurídica de interdição sob reserva de autorização”126 126 HOLESTEIN, A.Gute Policey und lokale Gesellshaft. Regieren und Verwalten im Spannungsfeld von Normen und lokalen Verhälnissen: Bern, 2000 apud CERUTTI; VALLERANI, Op. Cit. . Esta recaía nas lógicas específicas da governatio da Época Moderna, uma forma de governo régio cujo funcionamento assentava-se na isenção da lei (suspensão ou exceção) de acordo com os casos particulares. Suspensões e exceções que faziam parte da “norma”, de forma institucionalizada e que, além de fortalecer os vínculos diretos entre os súditos e as instituições régias127 127 Ibidem. , tornava sua inserção social profundamente capilarizada - talvez (mais) uma das “expressões” da presença da “autoridade” e do “mando” na governação colonial há muito destacadas por Laura de Mello e Souza128 128 SOUZA, Laura de Mello e. Política e administração colonial: problemas e perspectivas. In: SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América Portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 51. .

Pode ser frutífero, nesse sentido, tomar o amplo, dinâmico e multifacetado canal institucional de recepção e tratamento das petições no Conselho Ultramarinos nos quadros daquilo que alguns autores têm conceitualizado como “modelo petição e resposta”. Ou seja, uma forma particular de relação comunicacional entre governantes e governados, decisiva em sociedades de Antigo Regime regidas por uma dimensão corporativa, pactista ou contratualista (em termos tradicionais) do exercício do poder. A partir dele, os vassalos, em atos comunicacionais performativos e deferentes, se mostravam capazes de provocar a atuação do poder, gerando “respostas” que percorriam distintos circuitos e se inscreviam em diferentes tipologias jurídico-administrativas, as quais podiam desde assegurar privilégios particulares a um sujeito ou grupo, remediar um agravo cometido injustamente ou até mesmo gerar precedentes e provocar o desenvolvimento de estruturas institucionais. Simultaneamente, conformava-se como um instrumento de dominium, posto que negociado, no sentido de afirmação do direito e dos órgãos e agentes representantes do poder régio, de vinculação direta entre súditos e monarca e de integração funcional de todo aparato instituído para o governo e justiça sob o princeps129 129 Sobre o sistema petição e resposta: MASTERS, Op. Cit.; ZARET, Op. Cit. Sobre o papel das petições e, em especial, das querelas na integração funcional ver: GARRIGA, La ley, Op. Cit. .

Fontes - Arquivo Histórico Ultramarino (AHU)

  • AHU, Avulsos Brasil Geral (AHU-BG), Cx. 29, Doc. 2371.
  • AHU, Avulsos da Bahia (AHU-BA), Cx. 114, Doc. 8960.
  • AHU, Avulsos da Bahia (AHU-BA), Cx. 151, Doc. 11597.
  • AHU, Avulsos da Bahia (AHU-BA), Cx. 88, Doc. 7222.
  • AHU, Avulsos de Goiás (AHU-GO), Cx. 12, Doc. 753.
  • AHU, Avulsos de Minas Gerais (AHU-MG), Cx. 10, Doc. 57.
  • AHU, Avulsos de Minas Gerais (AHU-MG), Cx. 107, Doc. 2.
  • AHU, Avulsos de Minas Gerais (AHU-MG), cx. 108, doc. 20.
  • AHU, Avulsos de Minas Gerais (AHU-MG), Cx. 159, Doc. 12.
  • AHU, Avulsos de Minas Gerais (AHU-MG), Cx. 66, Doc. 11.
  • AHU, Avulsos de Minas Gerais (AHU-MG), Cx. 68, Doc. 100.
  • AHU, Avulsos do Maranhão (AHU-MA), Cx. 34, Doc. 3420.
  • AHU, Avulsos do Maranhão (AHU-MA), Cx. 87, Doc. 7247.
  • AHU, Avulsos do Pará (AHU-PA), Cx. 104, Doc. 8263.
  • AHU, Avulsos do Pará (AHU-PA), Cx. 83, Doc. 6853.
  • AHU, Avulsos do Rio de Janeiro (AHU-RJ), cx. 38, d. 69.
  • AHU, Avulsos do Rio de Janeiro (AHU-RJ), Cx. 38, Doc. 69.
  • AHU, Livro de Registro de Consultas de Minas Gerais, Códice 244 (1726-1807) .
  • AHU, Livro de Registro de Consultas de Partes, Códice 59 (1739 - 1743) .
  • AHU, Livro de Registro de Consultas de Partes, Códice 63 (1751 - 1753) .
  • AHU, Livro de Registro de Consultas de Partes, Códice 65 (1754-1756) .
  • AHU, Livro de Registro de Ordens de Partes do Conselho Ultramarino, Códice 195 (1765-1776) .
  • AHU, Livro de Registro de Ordens de Partes do Conselho Ultramarino, Códice 196 (1776-1782) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 95 (1698-1715) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 96 (1714-1722) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 97 (1722-1729) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 98 (1728-1734) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 99 (1733-1739) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 100 (1739-1747) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 102 (1750-1755) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 103 (1754-1763) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 104 (1763-1771).
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 107 (1782-1788) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 108 (1788-1795) .
  • AHU, Livro de Registro de Provisões do Conselho Ultramarino, Códice 109 (1795-1802) .

Bibliografia

  • ALMBJAR, Martin. The problem with early modern petitions: safety valve or powder keg? European Review of History: Revue européenne d’histoire, Abingdon, v. 26, n. 6, p. 1013-1039, 2019.
  • ANÔNIMO DE BOLONHA. Regras para escrever cartas. In: TIN, Emerson (org.). A arte de escrever cartas: Anônimo de Bolonha, Erasmo de Rotterdam, Justo Lípsio. Campinas: ed. Unicamp, 2005.
  • ARAÚJO, Ana Cristina. A correspondência: regras epistolares e práticas de escrita. In: SOBRAL NETO, Margarida (coord.). As comunicações na Idade Moderna Lisboa: Fundação Portuguesa das Comunicações, 2005.
  • BABER, Jovita. Law, Land, and Legal Rhetoric in Colonial New Spain: a look at the changing rhetoric of indigenous americans in the Sixteenth Century. In: BELMESSOUS, Saliha (ed.). Native Claims: Indigenous Law Against Empire, 1500-1920. Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 41-62.
  • BARRAGÁN BARRAGÁN, José. Algunas consideraciones sobre los cuatro recursos de amparo regulados por las Siete Partidas 2. ed. Guadalajara: Universidad de Guadalajara, 2000.
  • BELLOTO, Heloísa Liberalli. Como fazer análise diplomática e análise tipológica de documento de arquivo São Paulo: Arquivo do Estado e Imprensa Oficial do Estado, 2002.
  • BICALHO, Fernanda. Sobre este modo de resolver e despachar os negócios. Espacio, tiempo y forma. Historia Moderna, Madrid, n. 34, p. 47-68, 2021. doi: 10.5944/etfiv.34.2021.29356.
    » https://doi.org/10.5944/etfiv.34.2021.29356
  • BICALHO, Maria Fernanda. “Possuidores despóticos”: Historiografia, denúncia e fontes sobre a corrupção na América portuguesa. Revista Complutense de História de América, Madrid, v. 43, p. 127-152, 2017, doi: 10.5209/RCHA.56729.
    » https://doi.org/10.5209/RCHA.56729
  • BICALHO, Maria Fernanda. Entre a teoria e a prática: dinâmicas político-administrativas em Portugal e na América Portuguesa (séculos XVII e XVIII). Revista de História, São Paulo, n. 167, p. 75-98, 2012. doi: 10.11606/issn.2316-9141.v0i167p75-98.
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i167p75-98
  • BICALHO, Maria Fernanda; COSTA, André. O Conselho Ultramarino e a emergência do secretário de Estado na comunicação política entre o reino e as conquistas. In: FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nuno (orgs.). Um reino e suas repúblicas no Atlântico: comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. p. 137-158.
  • BOSCHI, Caio. Projeto Resgate: História e arquivística (1982-2014). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 38, n. 78, p. 187-208, 2018. doi: 10.1590/1806-93472018v38n78-09.
    » https://doi.org/10.1590/1806-93472018v38n78-09
  • BRENDECKE, Arntd. Imperio e información: funciones del saber en el dominio colonial español. Madrid: Iberoamericana, 2012.
  • BRITO, Bernardo de. Primeyra parte da Chronica de Cister: onde se contam as cousas principais desta religiam com muytas antiguidades, assi do Reyno de Portugal como de outros muytos da christandade Lisboa: Pedro Crasbeek, 1602.
  • CAETANO, Marcello. O Conselho Ultramarino: esboço da sua história. Rio de Janeiro: Sá Cavalcante editores, 1969.
  • CAMARINHAS, Nuno. A Casa da Suplicação nos finais do Antigo Regime (1790-1810). Cadernos do Arquivo Municipal, Lisboa, v. 2, n. 2, p. 223-241, 2014.
  • CAMINHA, Gregório Martins. Tratado Da Forma Dos Libelos Coimbra: Officina dos Irmäos e Sobrinho Ginioux, 1764.
  • CARDIM, Pedro. Cortes e Cultura política no Portugal do Antigo Regime Lisboa: Cosmos, 1998.
  • CARDIM, Pedro. Os povos indígenas, a dominação colonial e as instâncias de justiça na América portuguesa e espanhola. In: DOMINGUES, Ângela; RESENDE, Maria Leônia Chaves de; CARDIM, Pedro (orgs.). Os Indígenas e as Justiças no Mundo Ibero-Americano (Sécs. XVI-XIX) Lisboa: CHAM, 2019. p. 29-86.
  • CARDIM, Pedro; BALTAZAR, Miguel. A difusão da legislação régia. In: FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nuno (orgs.). Um reino e suas repúblicas no Atlântico: comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2017. p. 161-208.
  • CASTRO, Gabriel Pereira de. Tractatus de manu regia Lisboa: Ex Typis Joannis Baptistae Lerz, 1742.
  • CERUTTI, Simona. Archaeology of rights: petitions and mercy in early modern societies. Columbia University, The Italian Academy, p. 1-23, 2018.
  • CERUTTI, Simona; VALLERANI, Massimo. Suppliques. Lois et cas dans la normativité de l’époque moderne. L’Atelier du CRH, Paris, v. 13, 2015. doi: 10.4000/acrh.6525.
    » https://doi.org/10.4000/acrh.6525
  • CRUZ, Miguel Dantas da. Um Império de conflitos: o Conselho Ultramarino e a defesa do Brasil. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2015.
  • DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
  • DODD, Gwilym. Kingship, Parliament and the Court: the Emergence of ‘High Style’ in Petitions to the English Crown. The English Historical Review, Oxford, v. 129, n. 538, p. 515-548, 2014. doi: 10.1093/ehr/ceu117.
    » https://doi.org/10.1093/ehr/ceu117
  • DOMINGUES, Ângela; RESENDE, Maria Leônia Chaves de; CARDIM, Pedro (orgs.). Os Indígenas e as Justiças no Mundo Ibero-Americano (Sécs. XVI-XIX) Lisboa: CHAM , 2019.
  • ELIZONDO, Francisco Antonio de. Practica universal forense de los tribunales de España y de las indias Madrid: J. Ibarra, 1785. v. 5.
  • FERNANDES, Renata Silva. O Conselho Ultramarino e as queixas e agravos do ultramar português (Minas Gerais, 1750-1808). Revista História, São Paulo, v. 181, p. 1-34, 2022. doi: 10.11606/issn.2316-9141.rh.2020.183693.
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2020.183693
  • FIGUEIREDO, Luciano. Narrativas das rebeliões. Linguagem política e idéias radicais na América Portuguesa moderna. Revista USP, n. 57, p. 6-27. doi: 10.11606/issn.2316-9036.v0i57p6-272021.
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i57p6-27
  • FLEXOR, Maria Helena Ochi. Abreviaturas: manuscritos dos séculos XVI ao XIX. 3. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008.
  • FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nuno (orgs.). Um reino e suas repúblicas no Atlântico: comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2017.
  • FRANCO, Manoel Antonio Monteiro. Tractado practico juridico civel e criminal [...]. Lisboa: Officina de Joam Antonio da Costa, Impressor do Serenissimo Senhor Infante D. Pedro, e da Sagrada Religiaõ de Malta, 1765.
  • FREIRE, Francisco José. O secretário português [...]. Lisboa: Offcina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1745.
  • GARRIGA, Carlos. Gobierno y Justicia: el gobierno de la justicia. Cuadernos de Derecho Judicial, Madrid, n. 7, p. 45-113, 2008.
  • GARRIGA, Carlos. La ley del estilo 135: sobre la construcción de la mayoría de justicia en Castilla. Initium, Barcelona, n. 15, p. 315-406, 2010.
  • GOUVÊA PINTO, António Joaquim de. Manual de appellações e agravos [...]. . 2. ed. Lisboa: Na Impressão Régia, 1820.
  • HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: UNICAMP, 2004.
  • HANSEN, João Adolfo. Instituição retórica, técnica retórica, discurso. Matraga, Rio de Janeiro, v. 20, n. 33, p. 11-46, 2013.
  • HESPANHA, António Manuel. A Ordem do mundo e o saber dos juristas: imaginários do antigo direito europeu. Lisboa: Independently published, 2017.
  • HESPANHA, António Manuel. As Vésperas do Leviathan Instituições e Poder Político - Portugal - Século XVII. Coimbra: Almedina, 1994.
  • HESPANHA, António Manuel. Como os juristas viam o mundo 1550-1750: Direitos, estados, coisas, contratos, ações e crimes. Lisboa: Independently published, 2015.
  • HESPANHA, António Manuel. História das instituições: épocas medieval e moderna. Lisboa: Almedina, 1982.
  • HESPANHA, António Manuel. Imbecillitas As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010.
  • LARA, Silvia Hunold. Legislação sobre escravos africanos na América portuguesa. In: ANDRÉS-GALLEGO, Jose (Coord). Nuevas Aportaciones a la Historia Jurídica de Iberoamérica Madrid: Fundación Histórica Tavera, 2000.
  • LOUREIRO, Marcello José Gomes. “Como poderemos restaurar depois de perdido, senão fazendo Justiça?” O Conselho Ultramarino e o diálogo com as conquistas em tempos de incerteza (1640-1656). Lócus: revista de história, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 121-146, 1.2018. doi: 10.34019/2594-8296.2018.v24.20869
    » https://doi.org/10.34019/2594-8296.2018.v24.20869
  • MARTINHEIRA, José Sintra. Os documentos d’El Rei. Revista do Arquivo Público Mineiro , Belo Horizonte, v. 42, n. 2, p. 131-145, 2006.
  • MARTINS, Ana Canas Delgado. A documentação do Conselho Ultramarino como património arquivístico comum: subsídios à sua história. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 38, nº 78, p. 39-54, 2018. doi: 10.1590/1806-93472018v38n78-02.
    » https://doi.org/10.1590/1806-93472018v38n78-02
  • MASTERS, Adrian. A Thousand Invisible Architectis: Vassals, the petition and response system and the creation of Spanish Imperial. Hispanic American Historical Review, Durham, v. 98, p. 377-406, 2018. doi: 10.1215/00182168-6933534
    » https://doi.org/10.1215/00182168-6933534
  • MELLO, Márcia Eliana Alves de Souza. As apelações de liberdade dos índios na América portuguesa (1735-1757). In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XXIII., 2005., Londrina. Anais[…]. Londrina: Anpuh, 2005. p. 1-8.
  • NUBOLA, Cecilia. La “via supplicationis” negli stati italiani della prima età moderna (secoli XV-XVIII). In: WÜRGLER, Andreas; NUBOLA, Cecilia. (eds.). Suppliche e “gravamina” Politica, amministrazione, giustizia in Europa (secoli XIV-XVIII). Bologna: Il Mulino, 2002. p. 26-63.
  • NUBOLA, Cecilia. Supplications between Politics and Justice: The Northern and Central Italian States in the Early Modern Age. International Review of Social History, v. 46, n. S9, p. 35-56, 2001. doi: 10.1017/S0020859001000323
    » https://doi.org/10.1017/S0020859001000323
  • PINTO, António Joaquim de Gouvêa. Manual de appellações e aggravos, [...]. Lisboa: Na Impressão Régia , 1820.
  • POLO MARTÍN, Regina Maria. Consejos y Consultas: La consulta como instrumento de gobierno en la Monarquía hispánica del Antiguo Régimen. Un estudio jurídico-institucional, con especial referencia al Consejo de Castilla. Bilbao: Fundación BBVA, 2018.
  • PORTUGAL. Alvará de 24 de julho de 1713. In: PORTUGAL. Collecção Chronologica de Leis Extravagantes, posteriores a nova compilação das ordenações do reino, publicadas em 1603 Parte II: Da Legislação Moderna. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1819.
  • RAMINELLI, Ronald. Nobreza e principais da terra - América Portuguesa, séculos XVII e XVIII. Topoi, Rio de Janeiro, v. 19, n. 38, p. 217-240, 2018 doi: 10.1590/2237-101X01903809.
    » https://doi.org/10.1590/2237-101X01903809
  • ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVII a XVIII. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
  • ROSS, Richard J. Legal Communications and Imperial Governance: British North America and Spanish America Compared. In: TOMLINS, Christopher L.; GROSSBERG, Michael (eds.). Cambridge History of Law in America Illinois: Cambridge University Press, 2008. v. 1. p. 104-143.
  • ROTTERDAM, Erasmo. Brevíssima e muito resumida fórmula de elaboração epistolar. In: TIN, Emerson (org.). A arte de escrever cartas: Anônimo de Bolonha, Erasmo de Rotterdam, Justo Lípsio. Campinas: Unicamp, 2005. p. 111-128.
  • RUSSELL-WOOD, A. J. R. “Acts of Grace”: Portuguese Monarchs and their subjects of African Descent in Eighteenth-Century Brazil. Journal of Latin American Studies, Cambridge, v. 32, n. 2, p. 307-332, 2000.
  • SILVA, Luiz Geraldo. “Esperança de liberdade”: Interpretações populares da abolição ilustrada (1773-1774). Revista de História, São Paulo, v. 144, p. 107-149, 2001. doi: 10.11606/issn.2316-9141.v0i144p107-149
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i144p107-149
  • SILVA, Luiz Geraldo; SOUZA, Priscila de Lima. Escravos marinheiros, senhores e locadores: Leis Pombalinas, faina marítima e economia mundial (1761-1810). Afro-Ásia, Salvador, n. 60, 2020. doi: 10.9771/aa.v0i60.34964.
    » https://doi.org/10.9771/aa.v0i60.34964
  • PAIVA, Manuel José de. Governo Do Mundo Em Seco [...]. Lisboa: Na Off. De Francisco Luiz Ameno, 1748.
  • SILVEIRA, Marco Antônio. Acumulando forças. Luta pela alforria e demandas políticas na capitania de Minas Gerais (1750-1808). Revista De História, São Paulo, n. 158, p. 131-156, 2008. doi: 10.11606/issn.2316-9141.v0i158p131-156
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.v0i158p131-156
  • SLEMIAN, Andréa. Petitions to the Courts of Appeal in Portuguese America and the Protection of Rights (c. 1750-1808). In: CRUZ, Miguel (ed.). Petitioning in the Atlantic World, c. 1500−1840. Empires, Revolutions and Social Movements. London: Palgrave, 2022.
  • SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira. Esboço de hum diccionario juridico, theoretico, e practico: remissivo às leis compiladas, e extravagantes. Lisboa: Na Typographia Rollandiana, 1825. v. 2.
  • SOUSA, Jozé Roberto Monteiro de Campos Coelho. Systema, ou Collecçaõ dos regimentos reaes [...].Lisboa: Officina de Francisco Borges de Souza, 1775. Tomo IV.
  • SOUZA, Laura de Mello e. Política e administração colonial: problemas e perspectivas. In: SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América Portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras . p. 63-89.2011
  • STUMPF, Roberta Giannubilo. Os cavaleiros do ouro e outras trajetórias nobilitantes nas Minas setecentistas Belo Horizonte: Fino Traço, 2014.
  • STUMPF, Roberta Giannubilo. Os provimentos de ofícios: a questão da propriedade no Antigo Regime português. Topoi, Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, 2014. doi: 10.1590/2237-101X015029009.
    » https://doi.org/10.1590/2237-101X015029009
  • SUBTIL, José. A Lei da “Boa Razão” como inevitabilidade pombalina (1756-1768) e a consagração do protoliberalismo (1769-1807). In: MARQUES, Claudia Lima; CERQUEIRA, Gustavo (coord.). A função modernizadora do direito comparado: 250 anos da Lei da Boa Razão. São Paulo: YK, 2020. p. 25-40.
  • SUBTIL, José. Le Tribunal du Desembargo do Paço (Portugal, 1750-1833). IUS COMMUNE, Lisboa, v. XIX, p. 169-188, 1992.
  • TIN, Emerson (org.). A arte de escrever cartas: Anônimo de Bolonha, Erasmo de Rotterdam, Justo Lípsio. Campinas: Unicamp , 2005.
  • VALLADARES, Manoel Pacheco de Sampayo. Arte de Rhetorica, que ensina fallar, escrever e orar [...]. Lisboa: Offic. De Francisco Luiz Ameno, 1750.
  • VIEIRA, Antônio. Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma: na Capela Real, ano 1669. In: PÉCORA, Alcir (org.). Antônio Vieira: Sermões. São Paulo: Hedra, 2019. t. 1. pp. 101-118.
  • WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Direito e justiça no Brasil colonial: o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro 1751 e 1808. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
  • ZARET, David. Petition-and-Response and Liminal Petitioning in Comparative/Historical Perspective. Social Science History, v. 43, p. 409-429, 2019. doi: 10.1017/ssh.2019.16.
  • 1
    Parte das reflexões aqui discutidas tiveram origem em um curso de curta duração de pós-graduação ministrado na Unifesp, ao lado da Profa. Dra. Andréa Slemian, no âmbito do pós-doutorado desenvolvido na instituição com financiamento FAPESP (2019/00456-0) bem como das discussões estabelecidas no bojo do grupo de pesquisa “Circuitos oceânicos: petições e comunicação política da América portuguesa ao Império do Brasil” e no desenvolvimento do projeto “Petições Coloniais: comunicação política e representação social no Império Português”, coordenado por Andréa Slemian e financiado pela FAPESP (processo 2021/09104-0). Agradeço, ainda, ao Prof. Dr. Luiz César de Sá Jr. pelas indicações intelectuais e pela leitura atenta do manuscrito. A responsabilidade pelas considerações e opiniões aqui expostas são, como de maneira usual, da autora.
  • 4
    Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU), Avulsos da Bahia (AHU-BA), Cx. 88, Doc. 7222.
  • 5
    AHU, Avulsos de Minas Gerais (AHU-MG), Cx. 10, Doc. 57.
  • 6
    Antes, recorrera pedindo intervenção régia para que se averiguasse seu caso e, achando verdade no relato, o mandasse soltar e punir o suplicado. AHU, Avulsos do Maranhão (AHU-MA), Cx. 87, Doc. 7247.
  • 7
    Com uma atuação bem conhecida pela historiografia nas causas de liberdade dos indígenas, a Junta das Liberdades foi criada no contexto das reformas pombalinas, substituindo definitivamente a Junta das Missões após 1757. MELLO, Márcia Eliana Alves de Souza. As apelações de liberdade dos índios na América portuguesa (1735-1757). In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XXIII., 2005, Londrina. Anais[…]. Londrina: Anpuh, 2005, p. 8.
  • 8
    AHU, Avulsos Brasil Geral (AHU-BG), Cx. 29, Doc. 2371; AHU, Livro de Registro de provisões do Conselho Ultramarino, Códice 109 (1795 - 1802), p. 25-26. Cumpre destacar que o antigo senhor de Ilário de Freitas Antunes, Feliciano dos Santos, também peticionou ao rei sobre a mesma causa. O caso já foi analisado por: SILVA, Luiz Geraldo; SOUZA, Priscila de Lima. Escravos marinheiros, senhores e locadores: Leis Pombalinas, faina marítima e economia mundial (1761-1810). Afro-Ásia, Salvador, n. 60, 2020.
  • 9
    CAETANO, Marcello. O Conselho Ultramarino: esboço da sua história. Rio de Janeiro: Sá Cavalcante editores, 1969; BICALHO, Maria Fernanda. Entre a teoria e a prática: dinâmicas político-administrativas em Portugal e na América Portuguesa (séculos XVII e XVIII). Revista de História, São Paulo, n. 167, p. 75-98, 2012; CRUZ, Miguel Dantas da. Um Império de conflitos: o Conselho Ultramarino e a defesa do Brasil. Lisboa: ICS: Imprensa de Ciências Sociais, 2015; LOUREIRO, Marcello José Gomes. “Como poderemos restaurar depois de perdido, senão fazendo Justiça?” O Conselho Ultramarino e o diálogo com as conquistas em tempos de incerteza (1640-1656). Lócus: revista de história, Juiz de Fora, v. 24, p. 121-146, 2018.
  • 10
    HESPANHA, António Manuel. As Vésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político. Portugal. Século XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994. p. 291.
  • 11
    Cf.: FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nuno (orgs.). Um reino e suas repúblicas no Atlântico: comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
  • 12
    Entre outros: RUSSELL-WOOD, A. J. R. “Acts of Grace”: Portuguese Monarchs and their subjects of African Descent in Eighteenth-Century Brazil. Journal of Latin American Studies, v. 32, p. 307-332, 2000; SILVA, Luiz Geraldo. “Esperança de liberdade”: Interpretações populares da abolição ilustrada (1773-1774). Revista de História, Universidade de São Paulo, v. 144, p. 107-149, 2001; SILVEIRA, Marco Antônio. Acumulando forças. Luta pela alforria e demandas políticas na capitania de Minas Gerais (1750-1808). Revista De História, São Paulo, v. 158, p. 131-156, 2008; DOMINGUES, Ângela; RESENDE, Maria Leônia Chaves de; CARDIM, Pedro (orgs.). Os Indígenas e as Justiças no Mundo Ibero-Americano (Sécs. XVI-XIX). Lisboa: CHAM, 2019.
  • 13
    Entre outros: BICALHO, Maria Fernanda. “Possuidores despóticos”: Historiografia, denúncia e fontes sobre a corrupção na América portuguesa. Revista Complutense de História de América, v. 43, p. 127-152, 2017; ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil. Uma história, séculos XVII a XVIII. Belo Horizonte: Autêntica, 2017; STUMPF, Roberta Giannubilo.Os cavaleiros do ouro e outras trajetórias nobilitantes nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Fino traço, 2014; RAMINELLI, Ronald. Nobreza e principais da terra - América Portuguesa, séculos XVII e XVIII. Topoi, Rio de Janeiro, v. 19, n. 38, p. 217-240, 2018.
  • 14
    A bibliografia, nesse sentido, é amplíssima. CARDIM, Pedro. Cortes e Cultura política no Portugal do Antigo Regime. Lisboa: Cosmos, 1998; NUBOLA, Cecilia. Supplications between Politics and Justice: The Northern and Central Italian States in the Early Modern Age. International Review of Social History, v. 46, p. 35-56, 2001.; GARRIGA, Carlos. Gobierno y Justicia: el gobierno de la justicia. Cuadernos de Derecho Judicial, v. 7, p. 45-113, 2008; CERUTTI, Simona; VALLERANI, Massimo. Suppliques. Lois et cas dans la normativité de l’époque moderne. L’Atelier du CRH, v. 13, 2015.; MASTERS, Adrian. A Thousand Invisible Architects: Vassals, the petition and response system and the creation of Spanish Imperial. Hispanic American Historical Review, v. 98, p. 377-406, 3.2018.; CERUTTI, Simona. Archaeology of rights: petitions and mercy in early modern societies. Columbia University, The Italian Academy, 2018; ZARET, David. Petition-and-Response and Liminal Petitioning in Comparative/Historical Perspective. Social Science History, v. 43, p. 409-429, 2019.
  • 15
    FRAGOSO; MONTEIRO. Op. Cit. p. 23.
  • 16
    Sobre a organização arquivística e suas potencialidades analíticas ver: MARTINS, Ana Canas Delgado. A documentação do Conselho Ultramarino como património arquivístico comum: subsídios à sua história. Revista Brasileira de História, v. 38, n. 78, p. 39-54, 2018.; BOSCHI, Caio. Projeto Resgate: História e arquivística (1982-2014).Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 38, n. 78, p. 187-208, 2018.
  • 17
    CARDIM, Cortes... Op. Cit., p. 134.
  • 18
    GARRIGA, Gobierno... Op. Cit.; p. 83.; NUBOLA, Cecilia. La “via supplicationis” negli stati italiani della prima età moderna (secoli XV-XVIII). In: WÜRGLER, Andreas; NUBOLA, Cecilia. Suppliche e “gravamina”. Politica, amministrazione, giustizia in Europa (secoli XIV-XVIII). Bologna: Il Mulino, 2002.
  • 19
    NUBOLA, Supplications... Op. Cit. p. 27. Para o caso de Portugal, ver o levantamento de leis de: GOUVÊA PINTO, António Joaquim de. Manual de appellações e agravos [...]. 2. ed. Lisboa: Na Impressão Régia, 1820, p. 286-287.
  • 20
    ELIZONDO, Francisco Antonio de. Practica universal forense de los tribunales de España y de las indias. Madrid: J. Ibarra, 1785, p. 3-4. v. 5.
  • 21
    No universo luso-brasileiro, em crônicas, sermões e obras sobre as vidas de santos, não é inusual a utilização do vocábulo petição para referenciar pedidos feitos via oração. Há de se destacar, ainda, a presença da imagética de Nossa Senhora do Bom Despacho. Cf.: BRITO, Bernardo de. Primeyra parte da Chronica de Cister: onde se contam as cousas principais desta religiam com muytas antiguidades, assi do Reyno de Portugal como de outros muytos da christandade. Lisboa: Pedro Crasbeek, 1602.
  • 22
    VIEIRA, Antônio. Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma: na Capela Real, ano 1669. In: PÉCORA, Alcir (org.). Antônio Vieira: Sermões. São Paulo: Hedra, 2019, p. 108. t. 1.
  • 23
    Também por isso há uma larguíssima tradição de estudos peticionários, que estabelecem uma genealogia direta entre a prática peticionária da Época Moderna e os protótipos de pedidos endereçados aos Papas, bispos e prelados. Cf.: NUBOLA, Supplications... Op. Cit.; CERUTTI, Op. Cit.
  • 24
    Há décadas a crítica especializada tem chamado a atenção para tais particularidades: CARDIM, Pedro, Op. Cit.; DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão e seus narradores na França do século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2001; HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: UNICAMP, 2004.
  • 25
    HANSEN, João Adolfo. Instituição retórica, técnica retórica, discurso. Matraga, Rio de Janeiro, v. 20, n. 33, p. 11-46, 2013.
  • 26
    SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira. Esboço de hum diccionario juridico, theoretico, e practico : remissivo às leis compiladas, e extravagantes. Lisboa : Na Typographia Rollandiana, 1825. v.2.
  • 27
    Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. A correspondência: regras epistolares e práticas de escrita. In: SOBRAL NETO, Margarida (coord.). As comunicações na Idade Moderna. Lisboa: Fundação Portuguesa das Comunicações, 2005, p. 123.
  • 28
    Para além, evidentemente, dos estudos superiores na Universidade de Coimbra, também eram ensinados nos chamados “estudos menores”. Sobre a instituição retórica e seus usos no universo português ultramarino. Cf.: HANSEN, A sátira... Op. Cit.
  • 29
    Veja-se, o satírico exemplo de: BRITO, Bernardo de. Governo Do Mundo Em Seco [...]. Lisboa: Na Off. De Francisco Luiz Ameno, 1748.
  • 30
    ARAÚJO, Op. Cit. O mais conhecido secretário é, certamente: FREIRE, Francisco José. O secretário português [...]. Lisboa: Offcina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1745.
  • 31
    TIN, Emerson (org.). A arte de escrever cartas: Anônimo de Bolonha, Erasmo de Rotterdam, Justo Lípsio. Campinas: ed. Unicamp, 2005, p.32.
  • 32
    ANÔNIMO DE BOLONHA. Regras para escrever cartas. In: TIN, Op. Cit.
  • 33
    ANÔNIMO DE BOLONHA, Op. Cit., p. 84
  • 34
    HESPANHA, António Manuel. Como os juristas viam o mundo. 1550-1750: Direitos, estados, coisas, contratos, ações e crimes. Lisboa, 2015, p. 18.
  • 35
    Destaca-se, ainda, o Alvará de 3 de novembro de 1597 e o Alvará de 3 de janeiro de 1611.
  • 36
    Expressão utilizada no Alvará de 29 de janeiro de 1739, que abolia e derrogava disposições do Alvará de 16 de setembro de 1597, excetuando-se, não obstante, no que tocava “[...] as cartas e papeis que se escrevem as rainhas, príncipes herdeiros, princesas infantes e infantas [...]”. Já o Alvará de 15 de janeiro de 1759 ampliou a Lei dos Tratamentos, com o intuito de evitar-se “conflito de precedências”.
  • 37
    “E receberá mercê”. FLEXOR, Maria Helena Ochi. Abreviaturas: manuscritos dos séculos XVI ao XIX. 3. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008, p. 481.
  • 38
    Alvará de 16 de setembro de 1597, em que se determinam os tratamentos dados por palavra e por escrito nestes Reinos e Senhorios.
  • 39
    Por exemplo, AHU-MG, Cx. 66, Doc. 11
  • 40
    AHU, Avulsos do Pará (AHU-PA), Cx. 104, Doc. 8263.
  • 41
    ANÔNIMO DE BOLONHA, Op. Cit., p. 97.
  • 42
    ANÔNIMO DE BOLONHA, Op. Cit., p. 99.
  • 43
    HESPANHA, António Manuel. Imbecillitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010. p. 31; CARDIM, Pedro. Os povos indígenas, a dominação colonial e as instâncias de justiça na América portuguesa e espanhola. In: DOMINGUES; RESENDE; CARDIM, Op. Cit., p. 35.
  • 44
    Sobre tais categorias: FRANCO, Manoel Antonio Monteiro. Tractado practico juridico civel e criminal [...]. Imprenta: Lisboa, 1765, p. 16-17.
  • 45
    AHU-MG, Cx. 68, Doc. 100; AHU, Livro de Registro de Consultas de Partes, Códice 65 (1754-1756), p. 90; AHU, Livro de Registro de provisões do Conselho Ultramarino, Códice 103 (1754-1763), p. 57-58
  • 46
    AHU, Avulsos do Rio de Janeiro (AHU-RJ), Cx. 38, Doc. 69.
  • 47
    Sobre a relação entre humildade e dignidade: HESPANHA, António Manuel. A Ordem do mundo e o saber dos juristas: Imaginários do antigo direito europeu. Lisboa: Editora Amazon, 2017. p. 44
  • 48
    AHU-RJ, cx. 38, d. 69. A petição, após informação do governador, gerou uma consulta no Conselho Ultramarino, decidindo-se favoravelmente ao pedido. AHU, Livro de Registro de Consultas de Partes, Códice 59 (1739 - 1743), p. 191-192.
  • 49
    VALLADARES, Manoel Pacheco de Sampayo. Arte de Rhetorica, que ensina falar, escrever, e orar [...]. Lisboa: Offic. De Francisco Luiz Ameno, 1750, p. 29.
  • 50
    Sobre essa relação cf.: BABER, R. Jovita. Law, Land, and Legal Rhetoric in Colonial New Spain: a look at the changing rhetoric of indigenous americans in the Sixteenth Century. In: BELMESSOUS, Saliha (dir.). Native Claims: Indigenous Law Against Empire, 1500-1920, Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 41-62.
  • 51
    AHU-BA, Cx. 151, Doc. 11597; AHU, Livro de registro de Provisões, Códice 104 (1763-1771), p. 23
  • 52
    Ibidem.
  • 53
    CARDIM, Cortes... Op. Cit.
  • 54
    VALLADARES, Op. Cit. p. 17.
  • 55
    ROSS, Richard J. Legal Communications and Imperial Governance: British North America and Spanish America Compared. In: TOMLINS, Christopher L.; GROSSBERG, Michael (eds). Cambridge History of Law in America. Illinois: Cambridge University Press, 2008. v. 1.
  • 56
    SILVA, “Esperança de liberdade”... Op. Cit.
  • 57
    AHU-PA, Cx. 83, Doc. 6853.
  • 58
    AHU, Livro de Registro de Ordens de Partes, Códice 196 (1776 - 1782), p. 132
  • 59
    Em particular, a partir da Lei da Boa Razão. Para um panorama: SUBTIL, José. A Lei da “Boa Razão” como inevitabilidade pombalina (1756-1768) e a consagração do protoliberalismo (1769-1807). In: MARQUES, Claudia Lima; CERQUEIRA, Gustavo (coord.). A função modernizadora do direito comparado: 250 anos da Lei da Boa razão. São Paulo: YK, 2020.
  • 60
    Diversas dessas modalidades peticionárias constam no famoso: CAMINHA, Gregório Martins. Tratado Da Forma Dos Libelos. Coimbra: na Officina dos Irmäos e Sobrinho Ginioux, 1764.
  • 61
    Tradução própria e adaptada: DODD, Gwilym. Kingship, Parliament and the Court: the Emergence of ‘High Style’ in Petitions to the English Crown. The English Historical Review, v. 129, n. 538, p. 515-548, 2014.
  • 62
    ROTTERDAM, Erasmo. Brevíssima e muito resumida fórmula de elaboração epistolar. In: TIN, Op. Cit., p. 119.
  • 63
    Para a análise qualitativa dos casos que amparam a investigação da dimensão discurso-formal das petições, foi consultado um corpus de petições selecionadas, a partir do entrecruzamento entre os Livros de Provisões do Conselho Ultramarino e os Avulsos. Além disso, segundo o teor e enquadramento dos pedidos segundo as categorias especificadas no Quadro 1, foram selecionados casos exemplares de acordo com as tipologias mais incidentes no escopo das provisões, além de seleção de casos com base nas descrições dos teores das solicitações disponibilizados nos catálogos do Arquivo Histórico Ultramarino.
  • 64
    HESPANHA, Imbecillitas... Op. Cit.
  • 65
    BELLOTO, Heloísa Liberalli. Como fazer análise diplomática e análise tipológica de documento de arquivo. São Paulo: Arquivo do Estado e Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 86.
  • 66
    Do que decorrem alguns paralelos importantes com as próprias formas de tramitação desses papéis no Conselho Ultramarino, como veremos.
  • 67
    Em especial: SILVEIRA, Op. Cit.; SILVA; SOUZA, Op. Cit.
  • 68
    E que se enquadrariam no âmbito daquilo que David Zaret denominou de “petições liminares” para se referir ao modelo que emerge na Inglaterra do século XVIII, caracterizado pela mescla entre deferência e desafio à autoridade política. Em ZARET, Op. Cit. p. 431 parece haver o caso da excepcional representação do procurador do Povo da comarca do Serro Frio que, na petição em que solicitava a revogação do Alvará de 2 de agosto de 1771, expressava um tom predominante deferente, mas declarava em certa altura: “e visto que não acham remédio aos seus males murmuram em tumulto, e feias consequências resultariam se V.A.R. não da pressa a socorrê-los [...]”. AHU-MG, Cx. 159, Doc. 12; AHU-MG, Cx. 159, Doc. 12.
  • 69
    AHU, Códice 244 (1726-1807), p. 227.
  • 70
    Isso não significa, contudo, negar o potencial insurgente de mobilização da prática peticionária. Diversos estudos sobre rebeliões coloniais, inclusive, se valem das petições como fontes importantes para a análise dos episódios de protesto. Cf.: FIGUEIREDO, Luciano. Narrativas das rebeliões. Linguagem política e idéias radicais na América Portuguesa moderna. Revista USP, n. 57, p. 6-27. Sobre os questionamentos ao enquadramento das petições como “válvula de segurança” cf.: ALMBJARALMBJAR, Martin. The problem with early modern petitions: safety valve or powder keg? European Review of History: Revue européenne d’histoire, Abingdon, v. 26, n. 6, p. 1013-1039, 2019., Martin. The problem with early modern petitions: safety valve or powder keg? European Review of History: Revue européenne d’histoire, v. 26, n. 6, p. 1013-1039, 2019. A principal questão, nesse sentido, se refere ao potencial de negociação mimetizado por essas formas.
  • 71
    No estágio atual da pesquisa não é possível apresentar um mapeamento quantitativo sistemático das petições escusadas. Serão necessários futuros estudos que se debrucem sistematicamente sobre a análise das marginalias preservadas nos Avulsos do Arquivo Histórico Ultramarino (documentação caracterizada justamente por sua fragmentação), bem como se ocupem do entrecruzamento dessa documentação com os diversos livros de despacho e com os livros de porta. Há de se destacar, ainda, as dificuldades interpostas para a apresentação de dados quantitativos específicos sobre as petições das partes que considerem suas cronologias, já que essas dificilmente eram acompanhadas de uma fórmula final que incorporasse indicações sobre suas efetivas datas de feitura - uma diferença significativa em relação às representações dos corpos políticos e oficiais régios. Assim, quando tratamos das petições das partes, as aproximações sobre suas datas de apresentação envolvem, acima, de tudo, os vestígios deixados pelas dinâmicas de tratamento das petições pela instituição.
  • 72
    Sigo de perto as definições de: CARDIM, Pedro; BALTAZAR, Miguel. A difusão da legislação régia. In: FRAGOSO; MONTEIRO, Op. Cit. p. 163, 195.Cf.: MARTINHEIRA, José Sintra. Os documentos d’El Rei. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 42, n. 2, p. 141, 2006.
  • 73
    Os alvarás eram categorizados pela validade de um ano na forma das Ordenações Livro II, Título 40. Eventualmente também eram registrados alvarás com força de lei, quando tinham implicações nas dinâmicas do “Serviço das Partes”.
  • 74
    Segundo as fórmulas que acompanham todos esses papeis.
  • 75
    PORTUGAL. Alvará de 24 de julho de 1713. In: PORTUGAL. Collecção Chronologica de Leis Extravagantes, posteriores a nova compilação das ordenações do reino, publicadas em 1603. Parte II: Da Legislação Moderna. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1819, p. 381.
  • 76
    Idem.
  • 77
    POLO MARTÍN, Regina Maria. Consejos y Consultas: La consulta como instrumento de gobierno en la Monarquía hispánica del Antiguo Régimen. Un estudio jurídico-institucional, con especial referencia al Consejo de Castilla. Bilbao: Fundación BBVA, 2018.
  • 78
    Assim, em 1735, aproximadamente 17,8% das provisões emitidas pelo Conselho Ultramarino registravam, em seu trâmite, resolução régias via consulta ao passo que, em 1755, a porcentagem caiu para 12,7%. Já em 1775, apenas 2% das provisões informavam a realização de consultas, embora haja uma recuperação neste número em 1795, com 4,6%. A suplantação dos tradicionais órgãos concelhios característicos do governo polissinodal por formas mais expeditivas de governação já foi amplamente debatida pela historiografia. Cf.: BICALHO, Maria Fernanda; COSTA, André. O Conselho Ultramarino e a emergência do secretário de Estado na comunicação política entre o reino e as conquistas. In: FRAGOSO; MONTEIRO, Op. Cit., p. 141.
  • 79
    FERNANDES, Renata Silva. O Conselho Ultramarino e as queixas e agravos do ultramar português (Minas Gerais, 1750-1808). Revista História, São Paulo, v. 181, p. 1-34, 2022.
  • 80
    Que definia: “as cousas, cujo effeito há de durar mais de hum anno, passem per Cartas, e não per Alvarás”.
  • 81
    HESPANHA, António Manuel. História das instituições: épocas medieval e moderna. Lisboa: Almedina, 1982, p. 258.
  • 82
    SUBTIL, José. Le Tribunal du Desembargo do Paço (Portugal, 1750-1833). IUS COMMUNE, Max-Planck-Institut, v. XIX, p. 169-188, 1992. p. 172.
  • 83
    PORTUGAL, Op. Cit., p. 381.
  • 84
    Tal seleção se fundamentou em razões historiográficas, históricas e arquivísticas. Quanto as primeiras, na esteira dos importantes levantamentos gerais que já dispomos - destaca-se, mormente na documentação avulsa do Arquivo Histórico Ultramarino - houve busca por apresentar uma série que contemplasse fenômenos como a criação das Secretarias de Estado (1736) e o Terremoto de Lisboa (1755), tidos pela historiografia especializada como emblemáticos do ponto de vista das viragens nas dinâmicas da governação imperial. FRAGOSO; MONTEIRO, Op. Cit., p. 23. Já quanto as razões arquivísticas, a seleção também se fundamentou na disponibilidade de registros mais ou menos sistemáticos relativos aos períodos selecionados.
  • 85
    CERUTTI, Op. Cit.
  • 86
    Não se trata de negar a crescente centralidade das Secretarias de Estado, que assumiram competências e um lugar privilegiado no circuito da comunicação política entre o ultramar e o reino ao longo do século XVIII, como já amplamente destacado pela historiografia. Os dados extraídos das emissões de provisões do Conselho Ultramarino nos ajudam, contudo, a contextualizar o redimensionamento em outros âmbitos, para além dos temas da grande política e das matérias tipicamente de governo - ou seja, arbítrios e temas relativos à administração dos territórios, conflitos de jurisdição e outras questões variadas alçadas à condição de pertinentes ao interesse geral, bem comum da república e “serviço real”. BICALHO, Fernanda. Sobre este modo de resolver e despachar os negócios. Espacio, tiempo y forma. Historia Moderna, Madrid, n. 34, p. 47-68, 2021. p. 60
  • 87
    Em especial nos Tribunais da Relação. Sobre esses Tribunais, cf.: WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Direito e justiça no Brasil colonial: o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2004; SLEMIAN, Andréa. Petitions to the Courts of Appeal in Portuguese America and the Protection of Rights (c. 1750-1808). In: CRUZ, Miguel (ed.). Petitioning in the Atlantic World, c. 1500−1840. Empires, Revolutions and Social Movements. London: Palgrave, 2022.
  • 88
    CASTRO, Gabriel Pereira de. Tractatus de manu regia. Lisboa: Ex Typis Joannis Baptistae Lerz, 1742. cap. 4.
  • 89
    AHU-MA, Cx. 34, Doc. 3420.
  • 90
    AHU, Códice 65, p. 73. Com fundamento nessa determinação geral, por exemplo, se concedeu provisão a “Ana índia Mamahura”, natural da Vila de Alcântara. AHU, Códice 103, p. 134.
  • 91
    RUSSELL-WOOD, Op. Cit.
  • 92
    A petição gerou uma consulta em virtude daquilo que os conselheiros ultramarinos consideraram uma equivocação do Desembargo, que não declarou no alvará se o perdão incluía as penas de açoite ou apenas a de degredo. Ao fim, decidiu-se passar uma carta de perdão via expediente. AHU, Códice 63, p. 224; AHU, Códice 102, p. 140. Cf.: AHU-BA, Cx. 114, Doc. 8960.
  • 93
    STUMPF, Roberta. Os provimentos de ofícios: a questão da propriedade no Antigo Regime português. Topoi, Rio de Janeiro, v. 15, n. 19, 2014. p. 613-614.
  • 94
    Ibidem.
  • 95
    AHU, Códice 102, p. 115.
  • 96
    AHU, Códice 105, p. 151-2.
  • 97
    SOUSA, Jozé Roberto Monteiro de Campos Coelho. Systema, ou Collecçaõ dos regimentos reaes [...]. Lisboa: Officina de Francisco Borges de Souza, 1775. Tomo IV. p. 482-483.
  • 98
    Destaca-se, contudo, que no caso das licenças para se transportar ao Reino dadas aos ocupantes de postos militares, não se procedia à consulta.
  • 99
    Caso da Provisão Régia de 3 de setembro de 1695, que proibia uso de aguardente no Brasil; da Carta Régia de 18 de setembro de 1706, que proibia os molinetes de cana; da Carta Régia de 18 de novembro de 1715, que proibia o levantamento de engenhos de açúcar em Minas Gerais.
  • 100
    Como a Carta régia de 17 de setembro de 1703, que proibia embarcações das capitanias do Sul e do Rio de Janeiro de irem para a Costa da Mina e Angola para resgatar escravos. LARA, Silvia Hunold. Legislação sobre escravos africanos na América portuguesa. In: ANDRÉS-GALLEGO, Jose (Coord.). Nuevas Aportaciones a la Historia Jurídica de Iberoamérica. Madrid: Fundación Histórica Tavera, 2000.
  • 101
    AHU, Livros de Registro de provisões do Conselho Ultramarino, Códice 99, p. 114.
  • 102
    SUBTIL, Le Tribunal... Op. Cit; HESPANHA, História das...Op. Cit.
  • 103
    SLEMIAM, Op. Cit.
  • 104
    HESPANHA, História das...Op. Cit, p. 337.
  • 105
    Ibidem.
  • 106
    Ibidem, p. 362.
  • 107
    Ibidem, p. 363.
  • 108
    AHU, Avulsos de Goiás, Cx. 12, Doc. 753; AHU, Códice 65, p. 106; AHU, Códice 103, p. 56.
  • 109
    AHU-MG, Cx. 103, Doc. 57; AHU-MG, Cx. 107, Doc. 2.
  • 110
    AHU-MG, cx. 103, doc. 57; AHU-MG, Cx. 107, Doc. 2; AHU-MG, cx. 108, doc. 20; Códice 195, p. 231.
  • 111
    GARRIGA. Gobierno... Op. Cit.
  • 112
    FERNANDES, Op. Cit.
  • 113
    SLEMIAM, Op. Cit.
  • 114
    GARRIGA, Carlos. La ley del estilo 135: sobre la construcción de la mayoría de justicia en Castilla. Initium, 15, p. 315-406, 2010; SLEMIAM, Op. Cit.
  • 115
    BARRAGÁN BARRAGÁN, José. Algunas consideraciones sobre los cuatro recursos de amparo regulados por las Siete Partidas. 2. ed. Guadalajara: Universidad de Guadalajara, 2000.
  • 116
    A apelação, que poderia ocorrer em causas cíveis e crimes, era autorizada de acordo com a importância de jurisdição ou alçada e ocorria quando as partes consideravam que se tinha feito injustiça na instância inferior. Já os agravos (ou suplicação), restritos as causas cíveis, ocorriam quando se considerava que a justiça feita era muito gravosa a parte. Ambas tinham prazos específicos para serem interpostas. Cf. CAMARINHAS, Nuno. A Casa da Suplicação nos finais do Antigo Regime (1790-1810).Cadernos do Arquivo Municipal. v. 2, n. 2, p. 223-241, 2014.
  • 117
    PINTO, António Joaquim de Gouvêa. Manual de appellações e aggravos, [...]. Lisboa: Na Impressão Régia, 1820.
  • 118
    BARRAGÁN BARRAGÁN, Op. Cit. p. 9.
  • 119
    AHU, Códice 99, p. 118.
  • 120
    Embora no direito luso se entendesse que o ofício de procurador finalizava com a conclusão do litígio “pela sentença definida [...]”, “ainda, que o procurador não possa ser obrigado a seguir a appellação, com tudo tem obrigação de appellar da sentença, para que não faça transito em julgado [...]”. Assim, “não appellando o procurador, pode apelar à parte, estando ainda dentro dos dez dias da notícia, em que a sentença foi publicada”. FRANCO, Op. Cit. p. 23-24.
  • 121
    A dispensa de ouvir-se a parte ocorria apenas com expressa declaração. Foi o caso do capitão Francisco do Vale, morador na capitania de Pernambuco, que pediu licença para agravar novamente da sentença proferida na Relação da Bahia a favor do Prior do Convento do Carmo, cidade de Olinda, obtendo-a “sem embargo de não responderem as p.tes e da ley em contr.o [...]”. AHU, Códice 107, p. 147.
  • 122
    AHU-MG, Cx. 79, Doc. 39; AHU, Códice 103, p. 265, 310.
  • 123
    Cf. GARRIGA, Gobierno... Op. Cit.
  • 124
    Interessa notar como Arno Wehling e Maria José Wehling, na análise do Tribunal da Relação, enquadram diversas dessas provisões como de “prestação jurisdicional”, caso das emancipações, dos perdões reais e das citações de réus presos. WEHLING, Arno; WEHLING, Op. Cit. p. 122-123. Sobre o enquadramento dessas tipologias na lógica garantista de direitos, Cf.: SLEMIAN, Andréa, Op. Cit.
  • 125
    BRENDECKE, Arntd. Imperio e información: funciones del saber en el dominio colonial español. Madrid: Iberoamericana, 2012.
  • 126
    HOLESTEIN, A.Gute Policey und lokale Gesellshaft. Regieren und Verwalten im Spannungsfeld von Normen und lokalen Verhälnissen: Bern, 2000 apud CERUTTI; VALLERANI, Op. Cit.
  • 127
    Ibidem.
  • 128
    SOUZA, Laura de Mello e. Política e administração colonial: problemas e perspectivas. In: SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América Portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 51.
  • 129
    Sobre o sistema petição e resposta: MASTERS, Op. Cit.; ZARET, Op. Cit. Sobre o papel das petições e, em especial, das querelas na integração funcional ver: GARRIGA, La ley, Op. Cit.
  • 3
    Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás. Professora Adjunta na Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás. E-mail: renata_fernandes@ufg.br.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2023
  • Aceito
    26 Fev 2023
Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP Estrada do Caminho Velho, 333 - Jardim Nova Cidade , CEP. 07252-312 - Guarulhos - SP - Brazil
E-mail: revista.almanack@gmail.com