Acessibilidade / Reportar erro

UMA HISTÓRIA GLOBAL DA GLOBALIZAÇÃO

Resenha do livro: HAUSBERGER, Bernd. . Historia mínima de la globalización temprana . México: El Colegio de México, 2018.

Este trabalho pretende analizar o livro História mínima de la globalización temprana, escrito pelo historiador Bernd Hausberger. O autor realiza um trabalho de investigação dialogando com o não tão recente debate sobre história global, partindo da problematização da globalização, pois mesmo que história global e globalização sejam coisas distintas, o processo de globalização atual desencadeou os estímulos para os estudos de história global. Sendo assim, a globalização da nossa época não está apartada no tempo e espaço, mas também apresenta um processo histórico, e este é o ponto de partida do autor, historicizar o processo de globalização desde uma perspectiva histórica que parte da história global3 3 Hausberger, 2018. . Para levar a cabo este extenso trabalho, Hausberger realiza um amplo estudo com múltiplas referências que vão desde sua área de pesquisa sobre a Iberoamérica e o mundo Atlântico até as conexões marítimas entre Europa e África e os impérios orientais do Índico.

Como salienta o autor, a história global pode ser entendida conforme um método de análise histórica que busca as interconexões, cruzamentos e intercâmbios. O que está intrinsecamente ligado à história da globalização, isso por meio das conexões marítimas, a expansão do comércio, intercâmbios culturais e a expansão dos impérios. O ponto de partida da obra para entender a globalização é a colonização da América e as navegações do século XV, ou seja, a Europa ganha um lugar de destaque na pesquisa, tendo sido a ponte de conexão entre as extremidades do globo. As expansões marítimas e comerciais geraram intensos contatos culturais entre os europeus e diversos outros povos e culturas, o que propiciou relações assimétricas de poder e hierarquização4 4 Ibidem, 2018. . O historiador trabalha com uma periodização desse processo de expansão das relações globais advindo das navegações, dividindo-a em três períodos, a globalização arcaica, a proto-globalização, e a globalização moderna5 5 Ibidem, 2018. .

Além disso, a periodização tem como referência dois autores centrais da historiografia sobre a globalização: Bayly e Hopkins. Para o primeiro autor, a globalização arcaica se estende até 1600, ao passo que para o segundo até 1750, já a proto-globalização vai de 1800 a 1850 e, por último, a globalização moderna do tempo presente. Bayly será uma referência fundamental para Hausberger em todo o desenvolvimento do livro. Essa periodização não segue uma linha linear, mas sim perspectivas amplas de globalização que se desenvolvem dentro da globalização arcaica. A fase arcaica da globalização seria o estágio inicial dos primeiro dois séculos do comércio marítimo da modernidade, em que guerreiros, reis e clérigos sustentavam por meio dos impérios-ibéricos inicialmente relações de poder e imposições culturais e religiosas, mas que não trouxeram a homogeneização das práticas culturais, religiosas e dos comportamentos humanos, nem mesmo a orientação capitalista do mercado voltado aos lucros6 6 Hausberger, 2018, p. 23. . O que difere totalmente do estágio da proto-globalização, em que já podemos entender a construção de estruturas de padronização corporal e cultural mais profundas, relações capitalistas voltadas ao mercado mais arraigadas e, sobretudo, a construção dos Estados-nações em que já vemos as características presentes na posterior globalização moderna.

O processo de expansão europeia para o Atlântico e o Índico são a porta de entrada no mundo globalizado, assim como a prova de que pequenos impérios do ponto de vista político e econômico também são capazes de feitos grandiosos, pois Portugal foi quem dominou as rotas marítimas para o oriente no século XV e XVI. Um elemento importante a ser destacado é que diferente do Atlântico, o comércio marítimo no oriente não era controlado pelos europeus, mas sim por atores regionais que sustentavam o comércio asiático com os países da região e com a Europa7 7 Ibidem, 2018, p. 141. . Nesse período o comércio europeu com os países asiáticos se baseava em produtos de luxo consumidos pelas elites europeias, por exemplo, a seda, tecidos de algodão, porcelana, pedras preciosas, temperos, entre outros que pertenciam às rotas marítimas8 8 Ibidem, 2018, p. 153. . Esse comércio esteve longe de ser hegemonizado pelos portugueses, os quais tiveram sua presença no Oceano Índico fortemente combatida pelos otomanos, pois a presença europeia como mencionado ocupava a menor parte do intenso comércio asiático, sustentado por grandes impérios como o Império Qing; Império Mongol; Império Turco-Otomano e o Império Safávida.

O autor trabalha com alguns dados estatísticos que por mais que não sejam exatos, ajudam a dimensionar o tamanho proporcional do comércio marítimo e da produção colonial e industrial, sobretudo entre os séculos XVI e XVIII. Assim, para se ter dimensão de como a integração global por meio do comércio marítimo era por mais que importante, muito pequena e se restringia somente a alguns produtos, o autor nos traz dados de 2010 de como o comércio exterior já muito mais conectado e fluído não era a maior parte da formação do Produto Interno Bruto (PIB)9 9 Hausberger, 2018. . Antes do século XIX, esse fluxo de exportações predominantemente marítimas não era tão intenso como hoje e era mais restrito, mas isso não tira a importância sociocultural e as transformações iminentes provocadas por esse contato. No que se restringe a parte ocidental do comércio marítimo, os países das Américas tiveram uma relação totalmente distinta do mundo asiático, pois a colonização criou outras relações econômicas e de poder com as culturas indígenas americanas. A Europa construiu uma rota comercial na América em que parte da produção era escoada para a Europa até mesmo para o oriente, enquanto uma outra parte era consumida na África, na qual os escravizados eram comprados e integrados ao fluxo comercial atlântico. Assim, serviam de mão de obra nas colônias para produção de mais matéria prima que era industrializada na Europa e revendida na África, Europa, Ásia e na própria América. Dessa maneira, o autor ergue uma defesa da teoria do comércio triangular de Eric Williams10 10 Ibidem, 2018. .

O domínio do Atlântico esteve nas mãos dos portugueses e espanhóis durante os séculos XV, XVI e meados do XVII, quando os holandeses, ingleses e franceses passaram a disputar o domínio colonial americano e nas costas da África. Essa disputa girou em torno do poder marítimo e militar das nações europeias, que por um longo tempo permaneceu nas mãos dos holandeses com suas companhias comerciais. Estes saquearam ouro e prata dos espanhóis e atacaram Salvador e Pernambuco, tomando esta última província tão importante para a produção açucareira. Posteriormente os ingleses e franceses disputaram o controle marítimo, tendo por fim o triunfo das rotas marítimas britânicas com o fim da Batalha de Trafalgar em 180511 11 Ibidem, 2018. . Por um largo período, as mercadorias produzidas nas colônias americanas não tiveram grande apelo comercial, tendo em vista o foco central no comércio asiático. Inicialmente, o ouro e a prata foram as principais mercadorias exportadas pelos espanhóis e portugueses, utilizada como moeda de troca na compra dos produtos de luxo no oriente e no comércio europeu. Somente no século XVII, os produtos vindos da América passam a ter maior aceitação na cultura da elite europeia, já em meio às transformações capitalistas o tabaco, o açúcar e o chá passaram a ter maior prestígio e a serem consumidos em massa não só pelos europeus, mas também no oriente12 12 Ibidem, 2018. . A ponte de conexão entre ocidente e oriente foram os europeus e estes tiveram papel fundamental nas origens do mundo globalizado e na transição para a modernidade, a qual só se deu por meio do processo de expansão marítima e colonial em partes da Ásia e África nos séculos XV e XVI, mas sobretudo na América.

O autor apresenta como dois eixos centrais de sustentação da colonização e do domínio europeu, a superioridade marítimo-militar e a imposição cultural e religiosa sobre os outros povos. Sendo esta última uma tentativa de moldar o comportamento das culturas submetidas à nova ordem estamental. Por mais que o autor levante pontos históricos importantes como o manuseio de armas e pólvora feitos também pelos impérios orientais, tais quais os otomanos, chineses e safávidas, ele avança de maneira superficial sobre como os europeus teriam utilizado uma invenção chinesa e a instrumentalizado de maneira muito mais eficiente em termos militares, como ocorreu com o uso da pólvora13 13 Idem. Ibidem, p. 64-65. . Apesar do poder que possuíam os impérios orientais, o que tornou a história asiática muito distinta das histórias africanas e americanas, a Europa foi quem conduziu o mundo à modernidade e à integração global. Dessa maneira, as distintas possibilidades de modernidade em disputa foram submetidas à modernidade europeia, que foi marcada pela colonização, a imposição religiosa e cultural e pelo intenso comércio marítimo conectando ocidente e oriente.

Podemos concluir que por meio de um rico trabalho de pesquisa com amplas referências bibliográficas, Hausberger consegue traçar uma historicização da globalização, em que se observa que a globalização contemporânea nada mais é do que parte da história das expansões coloniais e marítimas, e que o fio condutor dessa globalização é a Europa. Mas encontramos alguns limites em sua tese, sobretudo no que diz respeito a como a Europa teria superado os outros impérios orientais. A explicação do autor parece se limitar ao desenvolvimento naval das nações europeias e do armamento, mas sem explorar como esse processo de fato ocorreu no período anterior à modernidade.

Bibliografia

  • HAUSBERGER, Bernd. Historia mínima de la globalización temprana México: El Colegio de México, 2018.
  • 3
    Hausberger, 2018HAUSBERGER, Bernd. Historia mínima de la globalización temprana. México: El Colegio de México, 2018..
  • 4
    Ibidem, 2018.
  • 5
    Ibidem, 2018.
  • 6
    Hausberger, 2018, p. 23.
  • 7
    Ibidem, 2018, p. 141.
  • 8
    Ibidem, 2018, p. 153.
  • 9
    Hausberger, 2018.
  • 10
    Ibidem, 2018.
  • 11
    Ibidem, 2018.
  • 12
    Ibidem, 2018.
  • 13
    Idem. Ibidem, p. 64-65.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2022
  • Aceito
    24 Ago 2023
Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP Estrada do Caminho Velho, 333 - Jardim Nova Cidade , CEP. 07252-312 - Guarulhos - SP - Brazil
E-mail: revista.almanack@gmail.com