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SOLUÇÕES PARA PROBLEMAS PÚBLICOS EM JUÍZO: UMA PRÁTICA INTERDISCIPLINAR ENTRE CAMPO DE PÚBLICAS E DIREITO

Solutions for judicialized public issues: An interdisciplinary practice between the public field and law

Soluciones para los problemas públicos en los tribunales de justicia: Una práctica interdisciplinaria entre políticas públicas y derecho

RESUMO

O presente artigo objetiva refletir sobre a experiência do Projeto de Extensão Construindo Soluções Colaborativas para Questões Públicas Judicializadas, tomando-a como base para destacar a potencialidade do Campo de Públicas no debate sobre conflitos públicos judicializados. Para tanto, fundamentou-se em pesquisas bibliográfica e documental. Além disso, foram coletadas informações sobre a percepção dos discentes participantes por meio de entrevistas, gerando resultados relativos aos aprendizados construídos e proporcionados pela participação nessa extensão, como também por aqueles próprios do Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do Projeto, como atividade extensionista, na motivação para a busca de novas aprendizagens. Ao final, foram destacadas as potencialidades da iniciativa na participação de mediações para conflitos públicos judicializados e, igualmente, no fortalecimento do elo entre saberes e o ensino, a pesquisa e a extensão. Demonstrou-se que o Projeto vem gerando frutos concretos, ampliando a abertura ao diálogo entre diversas instituições.

Palavras-chave:
extensão; Campo de Públicas; direito; conflitos públicos; mediação

ABSTRACT

This article reflects on the experience of the university extension project Building Collaborative Solutions for Judicialized Public Issues, highlighting the potential of the Public Field in the debate about judicialized public issues. The study was based on bibliographic and documentary research and interviews with students who participated in the extension project. The results showed the lessons learned from participating in the project and from the Undergraduate Program in Public Policy Management of the Universidade Federal do Rio Grande do Norte, which is related to the extension project. Also, the findings show the benefits of extension projects to motivate participants to engage in innovative learning opportunities. The study demonstrates the potential of the project to contribute to mediating judicialized public conflicts and, equally, to strengthening the link between knowledge and teaching, research, and extension. The project has achieved concrete results, expanding the dialogue between the many institutions involved.

Keywords:
extension; Public Field; Law; public issues; mediation

RESUMEN

Este artículo pretende reflexionar sobre la experiencia del Proyecto de Extensión “Construyendo Soluciones Colaborativas para Conflictos Públicos Judicializados”, tomándolo como base para resaltar el potencial del Campo de las Políticas Públicas en el debate sobre los conflictos públicos que se judicializan. Para ello, se ha basado en la investigación bibliográfica y documental. Además, se recogió información sobre la percepción de los estudiantes participantes a través de entrevistas, generando resultados relacionados con los aprendizajes construidos y proporcionados por la participación en esta extensión, así como los de la Licenciatura en Gestión de Políticas Públicas de la Universidade Federal do Rio Grande do Norte y la contribución del proyecto, como actividad extensionista, en la motivación de la búsqueda de nuevos aprendizajes. Al final, se destacó el potencial de la iniciativa en la participación de las mediaciones para los conflictos públicos judicializados e, igualmente, en el fortalecimiento del vínculo entre los conocimientos y entre la enseñanza, la investigación y la extensión. Se demostró que el proyecto ha ido generando resultados concretos, ampliando la apertura al diálogo entre diversas instituciones.

Palabras clave:
extensión; Campo de las Políticas Públicas; Derecho; conflictos públicos; mediación

INTRODUÇÃO

O enfrentamento da crescente litigiosidade levada aos tribunais brasileiros relacionada aos múltiplos conflitos sociojurídicos originados da convivência social e fruto de diferentes relações interpessoais e interinstitucionais estimulou a criação de mecanismos colaborativos voltados a possibilitar o acesso a uma ordem jurídica justa, buscando “superar o normativismo jurídico imposto para cumprir com os objetivos de democracia, cidadania e direitos humanos” (Spengler, 2016Spengler, F. M. (2016). Mediação de conflitos: da teoria à prática. Livraria do Advogado., pp. 26-27). A exemplo disso, citam-se os múltiplos canais de mediação e conciliação criados e estimulados por instituições do sistema Judiciário brasileiro.

A instituição da política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, nos termos da Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2010Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (2010). Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2014/04/resolucao_125_29112010_23042014190818.pdf
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), destaca-se como marco histórico no tocante à organização da justiça no Brasil. Posteriormente, essa medida influenciou o Poder Legislativo, que se dedicou à criação de um sistema que busca a pacificação dos conflitos com a utilização de meios alternativos, como se observa na aprovação da Lei nº 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação como alternativa de solução de controvérsias (Brasil, 2015bBrasil (2015b). Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm
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), e sua estimulação nos termos do art. 3º do novo Código de Processo Civil (Brasil, 2015aBrasil (2015a). Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
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).

A implementação desse sistema multiportas busca dar maior efetividade aos diversos direitos constitucionalmente assegurados em um novo esforço institucional para o acesso à justiça, privilegiando o uso do diálogo e do poder de negociação das próprias partes, implicando uma mudança de comportamento não cooperativo das partes (Theodoro Júnior, Nunes, Bahia, & Pedron, 2015Theodoro Júnior, H., Nunes, D., Bahia, A. M. F., & Pedron, F. (2015). Novo Código de Processo Civil: fundamentos e sistematização. 2. ed. Forense.).

Além disso, tais canais buscam mitigar a necessidade de um terceiro (Estado-juiz) para a solução não adversarial de litígios e distribuir entre os atores sociais o protagonismo para a resolução de conflitos de forma democrática, autônoma e consensuada, encontrando caminho para o estabelecimento da pacificação social, nas esferas judicial e extrajudicial (Arend, Nemecek & Frantz, 2016Arend, C. A., Nemecek, C. A., & Frantz, A. (2016). Conflitos sociojurídicos: uma análise do projeto de extensão em mediação na Defensoria Pública de Santa Cruz do Sul, RS. Em T. Spengler Neto & F. M. Spengler (org.). As múltiplas portas do conflito e as políticas públicas para o seu tratamento (pp. 143-166). Multideia. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/09/4829c262c13a2303bca51a3712d8b001.pdf
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). Dessa maneira, iniciativas voltadas à mediação de conflitos procuram potencializar a atuação eficiente e tempestiva do Judiciário e o real desempenho da justiça (CJF, 2015Conselho da Justiça Federal (CJF). (2015). Manual de governança da Justiça Federal. https://www.cjf.jus.br/observatorio/arq/ManualGovJF.pdf
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).

A medida parece consistir em uma estratégia inovadora de realinhamento de princípios e estruturas organizacionais do próprio Poder Judiciário, tradicionalmente visto como contencioso, hierarquizado e lento, para agora “proporcionar aos cidadãos um novo ambiente da justiça, participativo, democrático, humanizado e ágil” (Costa, 2018Costa, T. N. G. (2018). Mediação de conflitos e jurisdição compartilhada: caminho para uma justiça democrática, participativa e emancipatória. Lumen Juris., p. 2). Nesse contexto de modernização e humanização, determinou-se a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), unidades do Poder Judiciário responsáveis, preferencialmente, pela realização das sessões de mediação, conforme artigo 8º da Resolução nº 125/2010 (CNJ, 2010Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (2010). Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2014/04/resolucao_125_29112010_23042014190818.pdf
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) e, no âmbito da Justiça Federal, nos termos da Resolução nº CJF-RES-2016/00398 (CJF, 2016Conselho da Justiça Federal (CJF) (2016). Resolução nº CJF-RES-2016/00398, de 4 de maio de 2016. Dispõe sobre a Política Judiciário de solução consensual dos conflitos de interesses no âmbito da Justiça Federal dá outras providências. https://www.trf3.jus.br/documentos/gabco/resolucao_398-CJF.pdf
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).

Em tais centros, por vezes, são discutidos processos relacionados a problemas e/ou políticas públicas, abrangendo, por exemplo, falhas de implementação, de forma que as soluções traçadas poderão significar reflexos no desenho da política, na engenharia institucional e no seu público-alvo. Desse modo, evidencia-se a implicação da atividade judicial e, especificamente, da mediação, no que se refere às políticas públicas e à concretização de direitos. Mas como é possível proporcionar um encontro fértil entre o conflito público existente e a política pública? O presente artigo apresenta uma experiência que aponta caminhos a esse questionamento.

Na Justiça Federal do Rio Grande do Norte (JFRN), onde a inovação e as parcerias vêm sendo a tônica de atuação, o modelo de criação de centro de conciliação repete-se. Nesse sentido, Silveira, Clementino e Almeida (2020)Silveira, R. M. da C.; Clementino, M. do L. M.; Almeida, L. de S. B. (2020). Governança judicial: uma análise dos desafios para a prestação do serviço jurisdicional. Revista do Serviço Público, (71), 315-344. https://doi.org/10.21874/rsp.v71ic.4569
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já destacaram a instituição por sua inovação disruptiva e a criatividade como estratégia de governança para oferecimento de serviços aos cidadãos. Com base em tal perfil e sob influência das diretrizes esboçadas no plano de governança, foi criado, em 19 de maio de 2016, o Cejusc da JFRN na capital, seguindo as determinações da Resolução nº 8/2016, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5, 2016Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5). (2016). Resolução nº 8, de 19 de maio de 2016. Dispõe sobre os Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos e Cidadania (Centros de Conciliação) no âmbito das seções judiciárias da 5ª Região. https://arquivos.trf5.jus.br/TRF5/Legislacao%20Resolucoes/2016/06/29/20160629RESOLUCAON082016.PDF
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), ao qual se vincula administrativamente. Essa criação alinha-se à implementação do Gabinete de Conciliação e do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, responsável pela coordenação e implantação de programa de conciliação permanente na circunscrição do TRF5, que abrange, ainda, os estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Sergipe.

Com a percepção de que as demandas judicializadas envolviam conflitos e problemas públicos, surgiu o Projeto de Extensão Construindo Soluções Colaborativas para Questões Públicas Judicializadas (CSC), o qual se configura como uma parceria entre a JFRN e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), por intermédio da participação do Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas (entre outros cursos citados mais à frente). O Projeto harmoniza-se com o ambiente inovador do Judiciário Federal local e constitui uma iniciativa interinstitucional e construída de forma colaborativa.

Nesse contexto, este artigo objetiva refletir sobre a experiência do projeto de extensão mencionado, pensando em sua elaboração e execução, tomando-a como base para destacar a potencialidade do Campo de Públicas no debate em torno dos conflitos públicos judicializados e para demonstrar novos canais de aproximação entre o referido Campo e o Direito.

Apresenta-se um relato de experiência elaborado por meio de pesquisa bibliográfica em torno da extensão universitária no Brasil, bem como acerca da política judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses, com enfoque na mediação de conflitos. Também foi realizada pesquisa documental para apresentar as práticas mediáticas executadas pelo JF Media, programa de mediação da JFRN, bem como para detalhar as estratégias realizadas no Projeto de Extensão CSC.

Também se discutem os principais resultados já alcançados pela iniciativa. Para tanto, foram coletadas informações sobre a percepção dos discentes participantes do Projeto CSC, compreendendo-se os seus resultados quanto às aprendizagens geradas, mediante a análise de conteúdo e as dimensões abordadas por Costa, Baiotto e Garces (2013)Costa, A., Baiotto, C., & Garces, S. (2013). Aprendizagem: o olhar da extensão. Em L. Síveres (org.). A extensão universitária como um princípio de aprendizagem (pp. 61-80). Líber Livro.: aprendizagens construídas e proporcionadas pela participação na extensão, contribuição com o aprendizado no curso de graduação e contribuição das atividades extensionistas na motivação para a busca de novas aprendizagens.

O artigo está organizado em três partes, além desta introdução e das conclusões. Na primeira sessão, é discutida a extensão universitária com foco no Campo de Públicas e suas especificidades. Em seguida, realiza-se um debate aproximativo entre esse Campo e o Direito. Por fim, apresentam-se o programa parceiro JF Media, o Projeto CSC e seus resultados principais.

EXTENSÃO E CAMPO DE PÚBLICAS: ESTRATÉGIAS INDUTORAS DA CONSTRUÇÃO DE UM SABER PARTILHADO

No Brasil, a extensão universitária teve início na década de 1930, com a participação de discentes, por meio do movimento estudantil, do Ministério da Educação e das próprias instituições de ensino superior (IES), tendo como finalidades tornar a universidade útil para a sociedade e, especificamente, promover a sua abertura para camadas mais populares e menos elitistas.

Durante a ditadura militar, a extensão foi utilizada como meio de divulgação e forma de angariar adeptos ao regime. Com a redemocratização e a garantia de autonomia para as universidades, conforme a Constituição Federal de 1988, a extensão ressurgiu como alternativa para assegurar a participação civil na ciência e tecnologia (Incrocci & Andrade, 2018Incrocci, L. M. & Andrade, T. (2018). O fortalecimento da extensão no campo científico: uma análise dos editais ProExt/MEC. Sociedade e Estado, 33(1), 187-212. https://doi.org/10.1590/s0102-699220183301008
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).

Ao longo de sua história, a atividade extensionista contou com marcos importantes, a exemplo da criação do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, em 1987, na Universidade de Brasília, no contexto do I Encontro de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, do qual participaram 33 universidades públicas. Naquele momento, a extensão universitária era percebida como processo educativo, cultural e científico que articulava o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabilizava a relação transformadora entre a universidade e a sociedade (I Encontro, 1987I Encontro de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (1987). Conceito de extensão, institucionalização e financiamento. Universidade de Brasília. https://www.ufmg.br/proex/renex/images/documentos/1987-I-Encontro-Nacional-do-FORPROEX.pdf?msclkid=6bd53f9ccf9911ecb926ed95547a248b
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). Assim, as seguintes diretrizes passaram a orientar tais atividades:

A extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade da elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Este fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados/acadêmico e popular, terá como consequência: a produção de conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional; e a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade (I Encontro, 1987I Encontro de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (1987). Conceito de extensão, institucionalização e financiamento. Universidade de Brasília. https://www.ufmg.br/proex/renex/images/documentos/1987-I-Encontro-Nacional-do-FORPROEX.pdf?msclkid=6bd53f9ccf9911ecb926ed95547a248b
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, p. 1).

Tal visão expressa a finalidade de um movimento de institucionalização da prática extensionista que tinha como fundamento a redução da distância entre a atividade acadêmica e a sociedade, devendo ser visualizada como um instrumento básico da recuperação da função social da universidade para a restauração de sua credibilidade. Para tanto, no fim dos anos 1980, foram definidos procedimentos de ordem metodológica, medidas referentes à estrutura universitária e diretrizes para a valorização da extensão nacional e regional (I Encontro, 1987I Encontro de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (1987). Conceito de extensão, institucionalização e financiamento. Universidade de Brasília. https://www.ufmg.br/proex/renex/images/documentos/1987-I-Encontro-Nacional-do-FORPROEX.pdf?msclkid=6bd53f9ccf9911ecb926ed95547a248b
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).

Posteriormente, a criação do Programa de Extensão Universitária, que teve o debate iniciado na década de 1990, foi formalizada por meio do Decreto nº 6.495/2008 (Brasil, 2008Brasil (2008). Decreto nº 6.495, de 30 de junho de 2008. Institui o Programa de Extensão Universitária - ProExt. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6495.htm
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). O programa objetivava ampliar a interação das universidades com a sociedade e formalizar a destinação de recursos aos projetos extensionistas por meio de editais, já que, anteriormente, existia apenas um cadastro de instituições no Ministério da Educação, pelo qual eram destinados os recursos (Incrocci & Andrade, 2018Incrocci, L. M. & Andrade, T. (2018). O fortalecimento da extensão no campo científico: uma análise dos editais ProExt/MEC. Sociedade e Estado, 33(1), 187-212. https://doi.org/10.1590/s0102-699220183301008
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). O primeiro edital foi lançado em 2009, com a destinação efetiva de recursos para IES.

No âmbito das universidades brasileiras, a extensão insere-se em seu contato com a sociedade, relacionando-se à socialização do conhecimento, que tem como fundamento “a interdisciplinaridade e o alcance de um público heterogêneo, posto que abarca em si a comunidade intra e a extramuros universitários” (Incrocci & Andrade, 2018Incrocci, L. M. & Andrade, T. (2018). O fortalecimento da extensão no campo científico: uma análise dos editais ProExt/MEC. Sociedade e Estado, 33(1), 187-212. https://doi.org/10.1590/s0102-699220183301008
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, p. 190).

Ao longo dos anos, diversas concepções extensionistas foram sendo desenvolvidas e articuladas. Cristofoletti e Serafim (2020Cristofoletti, E. C., & Serafim, M. P. (2020). Dimensões metodológicas e analíticas da extensão universitária. Educação & Realidade, 45(1), e90670. https://doi.org/10.1590/2175-623690670
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, p.4) destacam:

i. a concepção assistencialista, onde os acadêmicos buscam oferecer assistência à população através de repasses de conhecimento ou atuação técnica em problemas pontuais; ii. a prestação de serviços às empresas e governos com vistas a resolver problemas científicos e técnicos sob demandas específicas; iii. a extensão comunitária e suas diversas metodologias e perspectivas ideológicas, que buscam interagir, em linhas gerais, com comunidades e populações marginalizadas de forma dialógica; iv. a concepção de extensão enquanto divulgação científica e formação técnica a um público que não tem acesso ao ensino de graduação e pós-graduação tradicionais, como cursos, palestras e eventos; v. a extensão enquanto vínculo entre universidade e empresa, especialmente no que se refere à transferência e desenvolvimento de inovações tecnológicas; dentre outros.

Tais formatos ou concepções, por sua vez, podem ser mais ou menos desenvolvidos e institucionalizados em cada instituição, de modo que “as diversas experiências e concepções se misturam, convivem ou se conflitam nas universidades, a depender de fatores históricos, institucionais, de contexto e conjuntura” (Cristofoletti & Serafim, 2020Cristofoletti, E. C., & Serafim, M. P. (2020). Dimensões metodológicas e analíticas da extensão universitária. Educação & Realidade, 45(1), e90670. https://doi.org/10.1590/2175-623690670
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, p. 4).

Fernandes, Silva, Machado e Moreira (2012Fernandes, M. C., Silva, L. M. S. da, Machado, A. L. G., & Moreira, T. M. M. (2012). Universidade e a extensão universitária: a visão dos moradores das comunidades circunvizinhas. Educação em Revista, 28(4), 169-194. https://doi.org/10.1590/S0102-46982012000400007
https://doi.org/10.1590/S0102-4698201200...
, p. 170) afirmam que a extensão é meio para a “formação de um profissional cidadão”, visto que está “baseada na efetiva relação recíproca do acadêmico com a comunidade, seja para se situar historicamente, para se identificar culturalmente ou para referenciar sua formação com os problemas que um dia terá que enfrentar”, proporcionando vivências significativas de problemas práticos da realidade social.

Em cada área do conhecimento, a extensão assume as suas particularidades, tendo a interdisciplinaridade como pressuposto importante em todas elas (Cristofoletti & Serafim, 2020Cristofoletti, E. C., & Serafim, M. P. (2020). Dimensões metodológicas e analíticas da extensão universitária. Educação & Realidade, 45(1), e90670. https://doi.org/10.1590/2175-623690670
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). Olhando especificamente para o Campo de Públicas, há uma multiplicidade de possibilidades para a prática extensionista, o que se dá em virtude das características próprias do Campo.

No fim da década de 1980, o Campo de Públicas refletiu, no Brasil, a experiência internacional configurada pela distinção entre a administração de negócios e a administração pública entre os anos 1960 e 70 (Farah, 2013Farah, M. (2013). A contribuição da Administração Pública para a constituição do campo de estudos de políticas públicas. Em M. Marques & C. Faria (orgs.). A política pública como campo multidisciplinar (pp. 91-126). Editora Unesp; Editora Fiocruz.). Ele pode ser definido como campo multidisciplinar de investigação e atuação profissional voltado ao Estado, ao governo, à administração pública e às políticas públicas, à gestão pública, à gestão social e à gestão de políticas públicas, tendo sua institucionalização e consolidação no período 2015-2020, mediante o estabelecimento de entidades representativas, a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais (CNE, 2014Conselho Nacional de Educação (CNE). (2014). Resolução nº 1, de 13 de janeiro de 2014. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14957-rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192
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) de administração pública nos cursos de graduação, a criação de eventos científicos próprios, a aplicação do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes em área específica denominada “administração pública” e a criação de meios de publicação próprios (Coelho, Almeida, Midlej, Schommer, & Teixeira, 2020Coelho, F. de S., Almeida, L. de S. B., Midlej, S., Schommer, P. C., & Teixeira, M. A. C. (2020). O Campo de Públicas após a instituição das diretrizes curriculares nacionais (DCNs) de administração pública: trajetória e desafios correntes (2015-2020). Administração: Ensino e Pesquisa, 21(3), 488-529. https://doi.org/10.13058/raep.2020.v21n3.1897
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).

A formação adquirida no Campo tem como base o ethos republicano e democrático como norteador de uma formação que se remete à responsabilidade pela coisa pública e à defesa do efetivo caráter público e democrático do Estado. A flexibilidade como parâmetro das IES propicia a formulação de projetos pedagógicos próprios para os vários cursos do Campo, permitindo ajustá-los ao seu contexto e à sua vocação regionais e adotar a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, que garantam a multiplicidade de áreas do conhecimento em temas como política, gestão pública e gestão social, bem como sua interseção com outros cursos. Tais elementos agregam-se com a finalidade de propiciar formação humanista e crítica de profissionais e pesquisadores, tornando-os aptos a atuar como políticos, administradores ou gestores públicos na administração pública estatal e não estatal, nacional e internacional, além de como analistas e formuladores de políticas públicas (CNE, 2014Conselho Nacional de Educação (CNE). (2014). Resolução nº 1, de 13 de janeiro de 2014. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14957-rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192
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).

O conhecimento gerado nessa área está assentado em dois conjuntos de referenciais fundamentais: epistêmicos e empíricos (Carta de Brasília, 2013Carta de Brasília (2013). IX Fórum de Coordenadores e Professores do Campo de Públicas. https://campodepublicas.files.wordpress.com/2013/04/carta-de-brasc3adlia-abril-de-2013-1.pdf
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). No que tange ao primeiro, tem-se enfoque no aumento da complexidade da esfera pública no Brasil, que, embora mantenha a centralidade do Estado, ao longo do tempo incorporou novos atores sociais. Já os referenciais empíricos consideram que o crescimento do Campo é reflexo direto da busca pela consolidação democrática do país, que resultou na criação de cursos especificamente voltados a qualificar e formar quadros de profissionais aptos a compreender essas mudanças e interferir nas transformações sociais (Faria, 2013Faria, C. A. P. (2013). A multidisciplinaridade no estudo das políticas públicas. Em M. Marques & C. Faria (orgs.). A política pública como campo multidisciplinar (pp. 11-22). Editora Unesp; Editora Fiocruz.).

De acordo com Rodrigues, Almeida e Silveira (2020Rodrigues, M. I., Almeida, L., & Silveira, R. (2020). Ensino, pesquisa e extensão no Campo de Públicas: a contribuição dos cursos de Administração Pública (EG/FJP) e de Gestão de Políticas Públicas (UFRN) na identificação de uma identidade coletiva para os cursos do Campo de Públicas. Em L. Almeida, M. I. Rodrigues, R. Silveira, & C. Melo (orgs.). Contribuições do Campo de Públicas: um olhar sobre a democracia no século XXI e os desafios para a gestão pública (pp. 76-100). Fundação João Pinheiro. http://novosite.fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2020/09/23.10_Contribuicoes-do-Campo-de-Publicas.pdf
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, p. 79), o Campo de Públicas tem buscado, progressivamente, a formação de uma identidade coletiva, baseando-se na multidisciplinaridade garantida por elementos como a formação docente plural. As autoras destacam:

A atuação multidisciplinar do corpo docente gera novas experiências e possibilita formar um gestor com capacidade de dialogar com economistas, arquitetos, cientistas sociais, cientistas políticos, administradores, sociólogos, geógrafos e historiadores. Os novos conhecimentos no ensino e na aprendizagem na concepção epistemológica adotada nos cursos do Campo de Públicas são orientados para capacitar os alunos na formação de uma visão crítica da realidade na qual estão inseridos (Rodrigues et al., 2020Rodrigues, M. I., Almeida, L., & Silveira, R. (2020). Ensino, pesquisa e extensão no Campo de Públicas: a contribuição dos cursos de Administração Pública (EG/FJP) e de Gestão de Políticas Públicas (UFRN) na identificação de uma identidade coletiva para os cursos do Campo de Públicas. Em L. Almeida, M. I. Rodrigues, R. Silveira, & C. Melo (orgs.). Contribuições do Campo de Públicas: um olhar sobre a democracia no século XXI e os desafios para a gestão pública (pp. 76-100). Fundação João Pinheiro. http://novosite.fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2020/09/23.10_Contribuicoes-do-Campo-de-Publicas.pdf
http://novosite.fjp.mg.gov.br/wp-content...
, p. 79).

De acordo com as autoras, uma das metas principais dos cursos do Campo de Públicas é formar gestores que compreendam os fenômenos e as necessidades da sociedade, pautando a atuação no reconhecimento dos direitos de cidadania e das relações entre Estado e sociedade. Esse gestor é capaz de observar, em sua atuação profissional, os fundamentos teóricos da agenda contemporânea, a dinâmica das organizações públicas e sociais, sua cultura e seu comportamento, tendo também competências para integrar programas de políticas públicas, otimizar recursos públicos, formular e reformular programas e projetos, monitorar e avaliar políticas públicas. Trata-se de uma visão ampliada que, na prática, requer o diálogo com outros profissionais e saberes. O profissional egresso do Campo de Públicas deve, portanto, possuir visão ampliada de problemas públicos, enxergando suas múltiplas causas. Com base em tais elementos, a seguir, discute-se a interlocução de tal Campo com o Direito.

O CAMPO DE PÚBLICAS E O DIREITO: UM DIÁLOGO MEDIADO POR PROBLEMAS PÚBLICOS E PELA MULTIDISCIPLINARIDADE

O reposicionamento acadêmico, após a institucionalização do Campo de Públicas, requisita uma pluralidade de panoramas exploratórios de problemas que extravasam balizas de uma perspectiva unilateral. Necessita-se, então, superar o fragmentarismo da estreita percepção disciplinar sobre os fatos, sobretudo diante de uma realidade social dinâmica e desafiadora à convivência e satisfação de direitos complexos e multidimensionais. Assim, são demandadas soluções articuladas e sistêmicas, as quais se deslocam da seara cognitiva para os domínios sociais e políticos, ou seja, no plano do movimento do real (Japiassu, 1994Japiassu, H. (1994). A questão da interdisciplinaridade (mimeo.). Seminário Internacional de Reestruturação Curricular. Secretaria Municipal de Educação. http://smeduquedecaxias.rj.gov.br/nead/Biblioteca/Formação%20Continuada/Artigos%20Diversos/interdisciplinaridade-japiassu.pdf
http://smeduquedecaxias.rj.gov.br/nead/B...
; Frigotto, 2008Frigotto, G (2008). A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas ciências sociais. Ideação, 10(1), 41-62. https://e-revista.unioeste.br/index.php/ideacao/article/view/4143/3188
https://e-revista.unioeste.br/index.php/...
; Farah, 2013Farah, M. (2013). A contribuição da Administração Pública para a constituição do campo de estudos de políticas públicas. Em M. Marques & C. Faria (orgs.). A política pública como campo multidisciplinar (pp. 91-126). Editora Unesp; Editora Fiocruz.).

A solução para problemas públicos multifacetados e que comportam quantidade e/ou qualidade considerável de atores imersos em uma multiplicidade de relações não prescinde de um tratamento interdisciplinar para a elaboração e utilização de intervenção na realidade social diante da violação de compromissos legítimos, do enfraquecimento da condição comum de cidadãos, da contrariedade a valores comuns ou danos sociais, atentando-se contra a justiça, a equidade e o interesse comum (Dias & Matos, 2019Dias, R., & Matos, F. (2019). Políticas públicas: princípios, propósitos e processos. Atlas.).

Assim, a interação de perspectivas disciplinares distintas, sem a sua descaracterização, promove o intercâmbio de conceitos e teorias, repensados em conjunto em busca de objetivos comuns (Piaget, 1972 apud Coutinho, 2013Coutinho, D. R. (2013). O direito nas políticas públicas. Em E. Marques, & C. A. P. de Faria (orgs.). A política pública como campo multidisciplinar (pp. 181-200). Editora Unesp; Editora Fiocruz., p. 15), gerando a articulação entre os saberes.

Ainda que o tratamento interdisciplinar critique a parcialidade e rigidez das disciplinas acadêmicas para, então, produzir sinergias no conhecimento já existente (Kelly, 2009 apud Coutinho, 2013Coutinho, D. R. (2013). O direito nas políticas públicas. Em E. Marques, & C. A. P. de Faria (orgs.). A política pública como campo multidisciplinar (pp. 181-200). Editora Unesp; Editora Fiocruz., p. 18), essa perspectiva de interação substantiva em diálogo aberto e integrador é defendida como horizonte epistemológico na abordagem de políticas públicas (Faria, 2013Faria, C. A. P. (2013). A multidisciplinaridade no estudo das políticas públicas. Em M. Marques & C. Faria (orgs.). A política pública como campo multidisciplinar (pp. 11-22). Editora Unesp; Editora Fiocruz.).

Prega-se, portanto, uma relação complementar e integrativa entre direito, cidadania e políticas públicas na qual o Poder Judiciário constitui locus legitimamente democrático para atuar na promoção do policy process com o manuseio prático e cotidiano dos magistrados com a matéria, reorientando o direito a uma maior conexão com a realidade social e a análises do tipo problem-solving (Brunet, 2019Brunet, E. (2019). Sobre a abordagem Direito e Políticas Públicas (Dpp) em um curso de graduação em Direito: contribuição crítica para a construção de um programa. Revista Estudos Institucionais, 5(3), 878-903. https://doi.org/10.21783/rei.v5i3.433
https://doi.org/10.21783/rei.v5i3.433...
). Ou seja:

A interdisciplinaridade, compreendida nos termos ora propostos, promove a compreensão de que o componente jurídico, para além da relevância da dimensão articuladora de arranjos institucionais coerentes e razoavelmente eficientes, também participa ativamente da garantia e promoção do caráter democrático do processo de formulação de implementação de políticas (Brunet, 2019Brunet, E. (2019). Sobre a abordagem Direito e Políticas Públicas (Dpp) em um curso de graduação em Direito: contribuição crítica para a construção de um programa. Revista Estudos Institucionais, 5(3), 878-903. https://doi.org/10.21783/rei.v5i3.433
https://doi.org/10.21783/rei.v5i3.433...
, p. 890).

Como alertado por Frigotto (2008)Frigotto, G (2008). A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas ciências sociais. Ideação, 10(1), 41-62. https://e-revista.unioeste.br/index.php/ideacao/article/view/4143/3188
https://e-revista.unioeste.br/index.php/...
, mesmo que se atinja um elevado nível de capacitação, nenhum sujeito individual dá conta de exaurir determinada problemática, de modo que o entendimento da dinâmica, do funcionamento e das características das políticas públicas pode representar uma dificuldade para parte dos profissionais do direito. Logo, mostra-se importante pluralizar o debate em um contexto interdisciplinar sobre questões relevantes levadas a juízo, especialmente quanto a eficácia, eficiência, custo e equidade em sede de decisões judiciais (outcomes), em uma máquina pública limitada em termos institucionais e financeiros (Schulze, 2015Schulze, C. J. (2015). A judicialização é o remédio para a saúde? Empório do Direito. https://emporiododireito.com.br/leitura/a-judicializacao-e-o-remedio-para-a-saude-por-clenio-jair-schulze
https://emporiododireito.com.br/leitura/...
).

Oportunamente, a aproximação entre o Campo de Públicas e o Direito revelaria o caráter inovador intrínseco à interdisciplinaridade e conduziria à melhor compreensão dos fenômenos, resultando alternativas de solução que se revelem aptas ao real enfrentamento da insuficiência ou ausência das ações públicas, capazes de “produzir um discurso e uma representação práticos e particulares dizendo respeito aos problemas concretos” (Japiassu, 1994Japiassu, H. (1994). A questão da interdisciplinaridade (mimeo.). Seminário Internacional de Reestruturação Curricular. Secretaria Municipal de Educação. http://smeduquedecaxias.rj.gov.br/nead/Biblioteca/Formação%20Continuada/Artigos%20Diversos/interdisciplinaridade-japiassu.pdf
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, p. 1).

A construção conjunta de abordagens e ferramentas para conflitos socialmente relevantes poderia servir como mecanismo informativo e formativo ao Poder Judiciário sobre temas que envolvem as políticas públicas para além da normatividade dos direitos. Isso implicaria o arejamento dos tradicionais saberes jurídicos capazes de gerar benefícios recíprocos, tanto entre os atores públicos como também para os cidadãos, por exemplo, a compreensão dos impactos financeiros, tendo em vista a escassez de recursos públicos, bem como os efeitos sobre o planejamento e a organização da administração, consequências diretas do controle que interferem na atividade do gestor. Dessa maneira, a apreciação judicial sobre as matérias de problemas públicos e a efetivação de uma verdadeira justiça social repercutem potencialmente na forma de agir da administração pública, oferecendo um cenário de discussão teórica e prática cabível entre o Campo de Públicas e o Direito, no limiar das noções sociais, políticas e também econômicas.

Nesse diálogo, é apresentado a seguir o Programa JF Media, referente à iniciativa originária de implementação de medidas modernizadoras e humanizadas alinhadas à política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, nos termos da já citada Resolução nº 125/2010, do CNJ, no âmbito da JFRN.

O PROGRAMA JF MEDIA

Criado em meados de 2016, o Programa JF Media implementou, no âmbito da JFRN, a mediação judicial na esteira da instauração do seu Cejusc. A iniciativa tem o intuito de executar a política judiciária de tratamento adequado de conflitos de interesses da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, dispensando um olhar particular às demandas de natureza coletiva lato sensu, caracterizadas como estruturantes, para as quais o procedimento de conciliação, na sua singularidade, parecia insuficiente para lidar com a complexidade e multidisciplinaridade daquelas causas.

Passou-se, então, a diferenciar os procedimentos de conciliação e mediação na execução das atividades autocompositivas do Cejusc, com base nas definições legais de cada instituto, pela Lei nº 13.105/2015 - o novo Código de Processo Civil brasileiro - e pela Lei n.º 13.140/2015, a Lei de Mediação. Consideraram-se, contudo, as necessárias adaptações às peculiaridades das demandas de competência da Justiça Federal, que, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal (Brasil, 1988Brasil (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), sempre envolve como participante do conflito um ente público federal.

Como apontado por Didier Junior, Zaneti Junior e Oliveira (2020)Didier Junior, F., Zaneti Junior, H., & Oliveira, R. A. de. (2020). Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, (75), 101-136. http://www.mprj.mp.br/documents/20184/1606558/Fredie_Didier_jr_%26_Hermes_Zaneti_Jr_%26_Rafael_Alexandria_de_Oliveira.pdf
http://www.mprj.mp.br/documents/20184/16...
, destinou-se o procedimento de conciliação - que pressupõe a simplicidade do conflito de interesses a ser solucionado e, por conseguinte, a disponibilização de curto período para discussão e negociação da questão-problema - às demandas tipicamente individuais. Noutro bordo, direcionou-se o procedimento de mediação para as demandas coletivas e individuais repetitivas, cujos efeitos repercutem para além das partes do processo, de regra com impacto socioeconômico relevante, destacando-se, entre elas, as ações estruturais, que apresentam como características a multipolaridade, a coletividade e a complexidade.

De acordo com os autores, tais ações estruturais também se caracterizam, além da consensualidade, por:

  • pautar-se na discussão sobre um problema estrutural, um estado de coisas ilícito, um estado de desconformidade, ou qualquer outro nome que se queira utilizar para designar uma situação de desconformidade estruturada;

  • buscar uma transição desse estado de desconformidade para um estado ideal de coisas por uma decisão de implementação escalonada;

  • desenvolver-se num procedimento bifásico, que inclua o reconhecimento do problema e estabeleça a reestruturação realizada;

  • desenvolver-se por meio de flexibilidade intrínseca, com a possibilidade de adotar formas atípicas de intervenção de terceiros e medidas executivas, bem como mecanismos de cooperação judiciária.

Desse modo, as demandas estruturantes referem-se a ações coletivas relativas a políticas públicas nas mais diversas áreas (ambiental, sanitária, fundiária, habitacional, entre outras) e contam com a participação de instituições públicas federais na sua formulação, implementação, fiscalização ou financiamento. Na JFRN, tais demandas poderão, portanto, ser tratadas de forma mediada no âmbito do JF Media.

A execução desse programa dá-se pela classificação dos processos em casos a serem submetidos ao procedimento de mediação por solicitação das próprias partes envolvidas no conflito. Com a aceitação de todos em participar do procedimento, desenvolve-se uma série de reuniões no ambiente judicial, denominadas de sessões, ou audiências de mediação, por intermédio das quais se procura, primeiramente, descortinar os meandros e a extensão da problemática que ensejou o ajuizamento da causa, ou seja, investigar a denominada lide para além do recorte trazido na petição inicial da ação (lide processual). Com base nesse diagnóstico, obtido conjuntamente por meio do intenso diálogo e troca de informações, busca-se a construção colaborativa de soluções.

As sessões de mediação são agendadas conforme a necessidade do caso, tratando-se de eventos que não contemplam exclusivamente as partes integrantes dos polos ativo e passivo da ação judicial, mas também outras instituições que, a convite, possam contribuir para o deslinde do processo, atuando como colaboradoras da mediação. Ademais, as sessões desenvolvem-se em um contexto de menor formalidade ritualística que as audiências judiciais tradicionais, tendo em vista que a equipe de mediação, como representante do Poder Judiciário, exerce papel de facilitadora do encontro e garantidora do cumprimento dos princípios legais inerentes à mediação, assim como do acolhimento, do respeito à alteridade, da fluidez da comunicação e da preservação da autonomia das partes, a fim de que estas avultem como verdadeiras protagonistas das soluções criadas, em contraponto ao modelo tradicional de prestação jurisdicional, em que as decisões são adjudicadas.

A par da construção de acordos para a resolução das ações complexas em trâmite na JFRN, registra-se que, nos cinco anos de atuação do Programa JF Media, se observa a reconstrução das relações entre todos os interessados - partes e colaboradores - por meio da prática mediática no processo judicial, com vistas a alcançar a efetiva pacificação social. O procedimento de mediação configura-se como uma oportunidade para os participantes das sessões estabelecerem um modo dialógico e cooperativo de relação, não apenas para a resolução do conflito judicializado e em debate, mas para o convívio entre todos os envolvidos após a sua finalização e para a solução de problemas futuros, de forma autônoma, sem necessária intervenção do Poder Judiciário. Dessa maneira, o procedimento também estimula o empoderamento das instituições e suas procuradorias para a resolução de novos conflitos independentemente da intervenção do Estado-juiz, num movimento de prevenção de novas demandas.

Relativamente aos grupos sociais envolvidos nas ações submetidas ao procedimento de mediação, independentemente da forma de sua representação, o procedimento de mediação volta-se a integrá-los às discussões. A estratégia de dar-lhes vez e voz estimula o desenvolvimento da cidadania, individual e coletiva, com sua reorganização para melhor apropriação de seus interesses e direitos e, por conseguinte, qualificando a sua defesa em juízo e fora dele.

Não obstante as potencialidades do Programa JF Media e os ganhos experimentados nos últimos anos, o enfrentamento da cultura de litigância que impera na sociedade brasileira, e ainda domina os cursos jurídicos no país, ainda emerge como grande desafio no desenvolvimento da mediação.

Também a complexidade e a multidisciplinaridade das questões tratadas nas mediações se apresentaram, em certo momento, como desafio ao desenvolvimento do trabalho autocompositivo, advindo daí a ideia de interlocução com o Campo de Públicas para melhor qualificar as soluções a serem construídas, como tratado na sequência, indicando como as políticas públicas e o direito se encontram em demandas discutidas pelo Judiciário.

CONSTRUINDO SOLUÇÕES COLABORATIVAS PARA QUESTÕES PÚBLICAS JUDICIALIZADAS: UMA PARCERIA DO CAMPO DE PÚBLICAS COM O DIREITO

O Projeto de Extensão Construindo Soluções Colaborativas para Questões Públicas Judicializadas (Projeto CSC) originou-se no ano de 2021, quando foram realizadas as primeiras interlocuções entre a UFRN e a justiça federal, por meio da SJRN, em Natal (RN). O diálogo inicial teve como objeto as dificuldades identificadas pelo Cejusc na realização de mediações que envolviam políticas públicas, verificando-se que os referidos conflitos públicos, para serem idealmente tratados, deveriam ser adequadamente compreendidos por um olhar multidisciplinar.

Todavia, as características do corpo técnico da unidade, especificamente o perfil disciplinar de formação de seus mediadores, abriam espaço para a necessidade de que atores do Campo de Públicas contribuíssem com a elaboração de soluções mediante a interlocução com as partes dos processos em fase de mediação. Considerando tais elementos, foi idealizada a proposta do projeto de extensão, o qual se concretizou por meio de parceria entre a UFRN e a JFRN, formalizada pelo Acordo de Cooperação nº 92/2021.

Assim, objetiva-se proporcionar a interlocução entre discentes, sociedade e atores do sistema judiciário, em um debate que evidencia a importância da mediação como ferramenta para a aproximação entre atores sociais e instituições públicas, tendo-se a multidisciplinaridade como base para a construção de soluções inovadoras para problemas públicos transferidos à esfera judicial e contribuindo com a formação profissional, principalmente, dos discentes de Gestão de Políticas Públicas da UFRN, enquanto atores que poderão atuar na construção colaborativa voltada às soluções técnicas, criativas e inovadoras de problemas públicos.

O Projeto aborda reflexões e pesquisas acerca da relação entre o exercício das funções típicas dos Poderes Executivo e Judiciário, o controle judicial de políticas públicas, a prestação jurisdicional no Brasil e a implementação de políticas públicas. Nesse ponto, a iniciativa torna-se mais um exemplo de que “o princípio da aprendizagem precisa ser compreendido dentro de uma dinâmica indissociável com o ensino e a pesquisa” (Síveres, 2013Síveres, L. (2013). O princípio da aprendizagem na extensão universitária. Em L. Síveres (org.). A extensão universitária como um princípio de aprendizagem (pp. 19-36). Líber Livro., p. 19).

O Projeto parte da compreensão de que o conhecimento gerado no Campo de Públicas constitui elemento essencial para a busca de soluções para problemas públicos que são levados ao conhecimento do Judiciário. Entende-se que, diante do perfil delineado para os discentes e egressos e da complexidade que caracteriza os problemas públicos atuais, se torna fundamental inserir o Campo de Públicas nas mediações que envolvem políticas públicas no âmbito das instituições do Judiciário.

Os atores envolvidos no Projeto são docentes e discentes da UFRN, atores do Poder Judiciário no âmbito de competência da justiça federal, gestores e servidores públicos do poder executivo (que eventualmente possam atuar nos casos discutidos em mediação) e atores sociais diversos (a exemplo de movimentos sociais) envolvidos nos casos a serem mediados. Essa interlocução entre áreas diversas do conhecimento é fundamental para o Projeto, tendo em vista a multifatorialidade dos problemas públicos envolvidos nos conflitos em mediação.

Por parte do componente acadêmico, no primeiro ano de sua execução (2021), o Projeto era composto de docentes e discentes de duas IES, referentes aos cursos de Graduação em Gestão de Políticas Públicas, Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Graduação em Direito, Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais e Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, por parte da UFRN; e de Graduação em Direito da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Os membros da UERN participaram do projeto de pesquisa vinculado ao tema da extensão dialogando também com o Projeto CSC e compondo a equipe da UFRN. No ano de 2022, o projeto foi renovado e pretende-se ampliá-lo, gerando maior integração das áreas de conhecimento mediante a inserção de novos membros. A Tabela 1 apresenta a composição da equipe acadêmica do Projeto em seus primeiro e segundo anos.

Tabela 1
Composição da equipe acadêmica do Projeto de Extensão Construindo Soluções Colaborativas para Questões Públicas Judicializadas (2021 e 2022)

A sua metodologia envolve diversas etapas. A primeira delas abrange a formação dos discentes ingressantes, bem como dos docentes, e no primeiro ano teve como tema norteador “A Mediação na Justiça Federal e as Demandas Estruturais”, desenvolvido em encontros síncronos e remotos em virtude da pandemia da Covid-19. Foram contempladas discussões sobre a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos (Resolução nº 125/2010, CNJ); audiência de conciliação e mediação no CPC/2015 e na Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) e métodos de resolução de disputas: conciliação e mediação; cultura de paz e política pública de acesso à justiça - conciliação e mediação judiciais -; e mediação na JFRN nas demandas estruturais em curso ministrado pela juíza federal coordenadora do Cejusc em Natal. No ano de 2022, a segunda edição adotará como tema “A Mediação na Justiça Federal, as Demandas Estruturais e as Colaborações do Campo de Públicas”.

A segunda etapa refere-se ao acompanhamento de casos para suporte técnico no conteúdo próprio às políticas públicas nas sessões de mediação. Considerando o escopo do Projeto, as demandas são indicadas pela JFRN, e divide-se a equipe acadêmica do projeto em subgrupos temáticos correspondentes às searas de conflitos e políticas públicas em discussão, tais como saúde, conflitos fundiários e moradia.

Após essa organização interna, a equipe da UFRN inicia o estudo do objeto processual e do conflito público com discussões, sendo acionada para a participação em sessões de mediação conforme o agendamento realizado pela instituição parceira. Nessa nova etapa, ocorrem reuniões entre os subgrupos de docentes e discentes para o debate em torno do caso concreto, buscando-se, a depender do caso e dos atores envolvidos, sugerir soluções viáveis aos participantes do procedimento de mediação, em apoio à atuação do mediador judicial.

A dinâmica de atuação dos atores universitários alimenta um ambiente de múltiplos aprendizados. Pode-se dizer que essa experiência promove “espaços de aprendizagem diversificados” (Carvalho & Síveres, 2013Carvalho, F., & Síveres, L. (2013). A dinâmica motivacional no processo de aprendizagem na extensão universitária. Em L. Síveres (org.). A extensão universitária como um princípio de aprendizagem (pp. 37-60). Líber Livro., p. 39), tendo em vista que motiva o aprendizado dos estudantes e fomenta, nos docentes, o interesse no desenvolvimento de novos estilos e práticas de aprendizagem.

Considerando o contexto da pandemia do novo coronavírus, as atividades foram iniciadas de forma remota, seguindo-se as orientações e os normativos das instituições (JFRN e UFRN). Assim como já dito sobre a formação teórica, as sessões de mediação e até mesmo as reuniões entre as instituições para celebração da parceria ocorreram via plataforma Zoom, a qual tem a finalidade de conectar pessoas por vídeo e/ou áudio, permitindo, ainda, participação por meio de registros escritos (chat).

No ano de 2022, apesar da flexibilização de algumas restrições, as sessões de mediação mantiveram o formato virtual, contudo foram idealizadas rodas de conversa entre as equipes do Projeto de forma presencial na sede do Cejusc em Natal, oportunizando o diálogo direito sobre temas diversos, bem como para fins de monitoramento das atividades.

Os múltiplos frutos gerados pelo Projeto CSC já podem ser apontados. O Projeto viabiliza a ampliação das soluções aos problemas públicos identificados, promovendo inovações na gestão pública, com a possibilidade de interlocução colaborativa da administração com a academia - e suas respectivas experiências práticas e conhecimentos teóricos -, de atores do Judiciário com a sociedade e gestores públicos, possibilitando a ampliação do conhecimento e o debate em torno das políticas públicas, assim como o incremento do diálogo entre atores a respeito do acesso a direitos e da construção de perspectivas de cidadania. Ainda, a atuação da equipe do Projeto com diversos atores promove o curso de Gestão de Políticas Públicas, seus alunos e egressos como atores essenciais no diálogo acerca das políticas públicas.

Foi possível, ainda, identificar o alcance do Projeto em torno da aprendizagem gerada. Nesse sentido, tal qual realizado por Costa et al. (2013)Costa, A., Baiotto, C., & Garces, S. (2013). Aprendizagem: o olhar da extensão. Em L. Síveres (org.). A extensão universitária como um princípio de aprendizagem (pp. 61-80). Líber Livro., a análise concernente aos resultados dessa iniciativa passou pela compreensão das “aprendizagens construídas e proporcionadas pela participação”, contribuição com o aprendizado no curso de graduação e “contribuição da extensão na motivação para a busca de novas aprendizagens” (Costa et al., 2013Costa, A., Baiotto, C., & Garces, S. (2013). Aprendizagem: o olhar da extensão. Em L. Síveres (org.). A extensão universitária como um princípio de aprendizagem (pp. 61-80). Líber Livro., p. 62).

Pela interação realizada com os discentes, percebe-se que a motivação inicial para a participação no Projeto partiu da curiosidade, tendo em vista que a solução colaborativa de conflitos não seria um tema usual abordado nas disciplinas da graduação. Além disso, sobressaiu a conexão entre pesquisa e extensão, de forma que, em alguns relatos, foi destaque a inserção na extensão mediante as interações realizadas em projetos de pesquisa.

Quanto à dimensão dos aprendizados já produzidos, saltam a potencialidade da mediação, a construção coletiva de soluções e a visualização dos atores como canais que favorecem o atendimento do interesse público, a exemplo do que expôs o Estudante A, ao ser perguntado a respeito do que aprendeu com a sua participação no projeto: “[Aprendi a] promover a integração das partes […] [sobre] o papel dos representantes da gestão pública (executivo ou demais instituições) como defensores dos interesses coletivos”. Surge, portanto, uma nova compreensão sobre os atores que atuam nos conflitos, como destacou a Estudante C: “Aprendi principalmente a olhar para o Judiciário de forma diferente, de forma que a sentença não seja o centro da resolução do conflito, e sim a disposição das partes”.

Para os discentes, o Projeto “possibilitou enxergar situações teóricas vistas em sala de aula na prática” (Estudante A), pois “a participação nas audiências de mediação são verdadeiras aulas de diferentes áreas do conhecimento” (Estudante B). Assim, na dimensão de contribuição com o aprendizado no curso de graduação, é possível visualizar novos aprendizados e percepções em torno de meios para a solução de conflitos públicos e sobre os atores sociais envolvidos, estimulando nesses futuros profissionais “uma atuação sem que haja uma parte vencedora e outra perdedora” (Estudante C).

Ao serem questionados se desenvolveram novas habilidades pela participação no Projeto, foram citadas a escuta e a fala, além do foco na pactuação/mediação de interesses:

Sim, uma delas foi a capacidade de escutar e filtrar melhor os assuntos durante a mediação, pois, como os conflitos são públicos e os atos processuais de muitas páginas, a motivação maior acontece durante a sessão de mediação, e é importante identificar o que está sendo discutido, quais os rumos da discussão, como as partes interagem. […] Participar das mediações também nos apresenta uma forma de diálogo participativa, intuitiva e não violenta (Estudante C).

Os aprendizados e as habilidades proporcionados aproximam-se das potencialidades referidas por Costa et al. (2013)Costa, A., Baiotto, C., & Garces, S. (2013). Aprendizagem: o olhar da extensão. Em L. Síveres (org.). A extensão universitária como um princípio de aprendizagem (pp. 61-80). Líber Livro., que, ao realizarem pesquisa com discentes, afirmaram que a extensão propicia uma aprendizagem que habilita estudantes “para a convivência coletiva em grupos e para a inclusão social e a garantia de direitos” (Costa et al., 2013Costa, A., Baiotto, C., & Garces, S. (2013). Aprendizagem: o olhar da extensão. Em L. Síveres (org.). A extensão universitária como um princípio de aprendizagem (pp. 61-80). Líber Livro., p. 68), estimulando-se a aprendizagem de valores éticos, políticos e sociais.

Outras iniciativas começaram a ser executadas por meio do Projeto de Extensão, como a estratégia Mediação em Diálogos, para envolver outros atores do sistema judiciário e do poder executivo no debate em torno da mediação como estratégia para a solução de conflitos públicos. Desse modo, objetiva-se estabelecer um fórum de discussão acerca da mediação e dos principais temas discutidos no âmbito das ações judiciais que envolvem conflitos públicos, estabelecendo um canal de diálogo entre atores do sistema judiciário (internos à JFRN - juízes, servidores, mediadores - e a demais órgãos), do poder executivo, além de pesquisadores.

CONCLUSÕES

Por meio de suas diretrizes, o CNJ inovou ao reconhecer a efetividade da mediação, o que só viria a ser objeto de legislações em 2015, e institucionalizou-a nos termos da Resolução n.º 125/2010 como método alternativo para a solução adequada de conflitos sociojurídicos, de cuja compreensão e gerenciamento dependem o resultado daquela que revela potencial qualitativo como ferramenta para a pacificação social (Arend et al., 2016Arend, C. A., Nemecek, C. A., & Frantz, A. (2016). Conflitos sociojurídicos: uma análise do projeto de extensão em mediação na Defensoria Pública de Santa Cruz do Sul, RS. Em T. Spengler Neto & F. M. Spengler (org.). As múltiplas portas do conflito e as políticas públicas para o seu tratamento (pp. 143-166). Multideia. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/09/4829c262c13a2303bca51a3712d8b001.pdf
https://www.cnj.jus.br/wp-content/upload...
).

Dessa forma, no Brasil, os conflitos passaram a receber uma perspectiva positiva a cargo do Poder Judiciário, já que produz conhecimento e crescimento social mediante a produção de uma cultura de paz (Sales, 2003Sales, L. M. de M. (2003). Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey; Gimenez, Spengler, & Brunet, 2015Gimenez, C. P. C., Spengler, F. M., & Brunet, K. S. (2015). O papel do terceiro e as interrrogações do conflito social. Essere nel Mondo. https://www.esserenelmondo.com/pt/direito-o-papel-do-terceiro-e-as-interrogaCOes-do-conflito-social-ebook68.php
https://www.esserenelmondo.com/pt/direit...
), bem como propicia o desenvolvimento de competências de pensamento criativo (Bacellar, 2003Bacellar, R. P. (2003). Juizados Especiais: a nova mediação paraprocessual. São Paulo: RT, 2003) levando em consideração as deficiências do modelo de jurisdição tradicional e dispensando, consequentemente, a imposição de uma decisão judicial substitutiva à vontade das partes.

No presente artigo, foi colocada no centro do debate a experiência do Projeto de Extensão CSC. Os elementos apresentados permitiram destacar o protagonismo da JFRN, como integrante do Poder Judiciário, em visualizar o potencial de articulação com o Campo de Públicas. O Projeto, em seu segundo ano de execução, integra docentes e discentes do Campo, do Direito e da Arquitetura e Urbanismo, abrindo espaço para novas aproximações e para a ampliação da percepção de que o diálogo entre saberes é um meio capaz de fortalecer a atuação dos poderes em torno das políticas públicas.

Assim, entende-se que a principal potencialidade do Projeto CSC é construir pontes e mediações não só em conflitos públicos, mas, igualmente, entre saberes e o ensino, a pesquisa e a extensão, considerando-se que esta deve configurar-se como “um processo mediador de construção do conhecimento” (Síveres, 2013Síveres, L. (2013). O princípio da aprendizagem na extensão universitária. Em L. Síveres (org.). A extensão universitária como um princípio de aprendizagem (pp. 19-36). Líber Livro., p. 19). O Projeto vem gerando frutos concretos e potenciais, ampliando a abertura ao diálogo entre diversas instituições e a possibilidade de que novos caminhos sejam construídos em torno do que um dia, em cada caso discutido, se constituiu como conflito.

  • Avaliado pelo sistema double blind review.

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Editado por

Editores convidados: Lindijane Almeida, Fernando Abrucio, Magda Lima Lúcio, Edgilson Tavares, e Maria Isabel Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2022
  • Aceito
    06 Jan 2023
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