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ACOLHIMENTO, DIVERSIDADE E IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS NO CAMPO DE PÚBLICAS

Welcoming students, diversity, and implementation of the National Curricular Guidelines in a public administration undergraduate program

Acogida, diversidad e implementación de las Directrices Curriculares Nacionales en el Campo de las Ciencias Publicas

RESUMO

No presente artigo, buscamos descrever, documentar, disseminar e refletir acerca da nossa experiência como professora e professor da Oficina de Integração e Interpretação de Textos do curso de graduação em Administração Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Procuramos evidenciar como a oficina contribui tanto para a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais no Campo de Públicas, com destaque para os objetivos de combate às desigualdades e de reconhecimento da diversidade, quanto para o acolhimento e a integração das e dos estudantes na educação superior. Para tanto, fazemos uma descrição detalhada dos principais aspectos da oficina, com base na nossa experiência em sala de aula e nos seus registros formais e informais, como o Syllabus, a programação diária, a bibliografia e os registros das atividades didáticas. A articulação desse material implicou a elaboração de cinco vinhetas que ilustram extratos de experiências educativas vivenciadas no âmbito da oficina. Concluímos o artigo ressaltando as nossas principais aprendizagens: é preciso ouvir as e os estudantes, compartilhar o protagonismo do processo de ensino-aprendizagem e observar as especificidades do processo de ingresso no ensino superior.

Palavras-chave:
Diretrizes Curriculares Nacionais; Campo de Públicas; acolhimento; diversidade; ensino superior

ABSTRACT

In this article, we describe, document, disseminate, and reflect on our experience as professors of the Integration and Text Interpretation Workshop of the undergraduate program in Public Administration of the School of Business Administration of São Paulo, from Fundação Getulio Vargas. We show how the workshop contributes to implementing the National Curriculum Guidelines in the Public Field- with emphasis on the objectives of combating inequalities and recognizing diversity - and welcoming and integrating students in higher education. We make a detailed description of the main aspects of the workshop, based on our experience in the classroom and on the formal and informal records of the workshop, such as the syllabus, the daily schedule, bibliography, and records of didactic activities. The organization of this material implied the elaboration of five vignettes that illustrate extracts of educational experiences lived within the scope of the workshop. We conclude the article by highlighting our main lessons learned: it is necessary to listen to students, share the protagonism of the teaching-learning process, and observe the specificities of the process of entering higher education.

Keywords:
National Curriculum Guidelines; Public Field; student reception; diversity; higher education

RESUMEN

En este artículo nos proponemos describir, documentar, difundir y reflexionar sobre nuestra experiencia como docentes del Taller de Integración e Interpretación de Textos del Curso de Pregrado en Administración Pública de la Escuela de Administración de Empresas de São Paulo de la Fundação Getulio Vargas. Buscamos mostrar como el taller contribuye tanto a la implementación de las Directrices Curriculares Nacionales en el Campo de las Ciencias Publicas, con énfasis en los objetivos de combate a las desigualdades y reconocimiento de la diversidad, como al objetivo de acogida e integración de las y los estudiantes en la enseñanza superior. Para ello, hacemos una descripción detallada de los principales aspectos del taller, basados en nuestra experiencia en aula y en los registros formales e informales, como el syllabus, la agenda diaria, la bibliografía y los registros de actividades didácticas. La articulación de este material implicó la elaboración de cinco viñetas que ilustran extractos de las experiencias educativas vividas en el ámbito del taller. Concluimos el artículo destacando nuestro principal aprendizaje: es necesario escuchar a las y los estudiantes, compartir el protagonismo del proceso de enseñanza-aprendizaje y observar las especificidades del proceso de ingreso a la educación superior.

Palabras clave:
Directrices Curriculares Nacionales; Campo de las Ciencias Publicas; acogida; diversidad; enseñanza superior

“Se eu tivesse avaliado o meu relacionamento de um ponto de vista que enfatizasse o crescimento em vez do dever e da obrigação, teria compreendido que o abuso enfraquece irremediavelmente os laços” (bell hooks, Tudo sobre o amor).

INTRODUÇÃO

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do curso de graduação em Administração Pública foram instituídas no ano de 2014, posicionando-o “[n]o campo multidisciplinar de investigação e atuação profissional voltado ao Estado, ao Governo, à Administração Pública e Políticas Públicas, à Gestão Pública, à Gestão Social e à Gestão de Políticas Públicas” (Brasil, 2014Brasil (2014). Resolução MEC nº 1, de 13/1/2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração Pública. Brasil: Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14957-rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192
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, p. 1). As DCNs, embora abertas a contemplar a diversidade dos projetos pedagógicos das instituições educacionais brasileiras, definem princípios fundamentais, competências e habilidades de egressos, conteúdos de formação básica, natureza e organização do curso, atividades complementares, trabalho de conclusão de curso, estágio e carga horária mínima.

Desde a instituição das DCNs, o chamado Campo de Públicas cresceu e consolidou-se por meio de diferentes marcos históricos, como a fundação de associações; a instituição de uma agenda de eventos acadêmicos; o aumento na pesquisa e publicações; e as manifestações e ações de atores da área para a solidificação do campo e sua justa avaliação pelo Ministério da Educação (Coelho, Almeida, Midlej, Schommer, & Teixeira, 2020).

Alguns aspectos explicitados nas DCNs interessam especialmente no contexto deste artigo, que tem como objetivos documentar, sistematizar e refletir sobre uma experiência de formação que buscou tanto acolher e integrar estudantes de diferentes origens no curso de graduação em Administração Pública (CGAP) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) como contribuir com o desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e técnicas necessárias ao seu percurso formativo. Além de colaborar na transição dos estudantes entrantes entre a educação básica e a superior, a experiência de formação auxiliou na implementação das DCNs, sobretudo no que tange à “redução das desigualdades e o reconhecimento dos desafios derivados da diversidade regional e cultural” (Brasil, 2014Brasil (2014). Resolução MEC nº 1, de 13/1/2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração Pública. Brasil: Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14957-rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192
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, p. 2).

A experiência de formação em questão é a Oficina de Integração e Interpretação de Textos (OIIT), de 60 horas, que faz parte do primeiro semestre do CGAP da FGV EAESP, e somos a professora e o professor atualmente responsáveis por ela. A OIIT passou a integrar o currículo no primeiro semestre de 2020 após uma reformulação curricular capitaneada pela coordenação do curso. O objetivo era aprimorar a formação do corpo discente, com a inclusão de novas ferramentas para formulação e implementação de políticas públicas, a inserção dos temas atuais para o debate e a promoção de melhorias que atendessem às demandas profissionais do Campo de Públicas.

Uma dessas melhorias buscou alcançar maior integração entre o corpo discente, uma vez que ele é bastante diverso em termos demográficos, sociais e econômicos, compreendendo estudantes de escolas privadas, públicas e técnicas; estudantes pagantes e com bolsa socioeconômica ou reembolsável; e estudantes provenientes de São Paulo, interior, outros estados do Brasil e exterior. A inclusão da OIIT, juntamente com outras disciplinas, como introdução à matemática e técnicas de redação, visou promover a integração e o nivelamento e facilitar a transição das e dos estudantes para a educação superior.

Com a reflexão levada a cabo neste artigo, buscamos evidenciar como a OIIT contribui para o acolhimento e para a integração de estudantes na educação superior e para a implementação das DCNs, bem como para a garantia dos princípios da “interdisciplinaridade, transdisciplinaridade [...] e interseção com outros cursos”, a “formação humanista e crítica”, o desenvolvimento da expressão crítica e criativa e a inclusão de “conteúdos relacionados à capacidade de leitura, escrita, expressão e comunicação” (Brasil, 2014Brasil (2014). Resolução MEC nº 1, de 13/1/2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração Pública. Brasil: Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14957-rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192
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, pp. 1-2).

MÉTODO

Para documentar e sistematizar a nossa experiência na OIIT, apresentamos uma descrição detalhada de seus principais aspectos, com base na vivência e nos registros formais e informais mantidos por nós, com destaque para o Syllabus da oficina, a programação diária, a bibliografia e os registros informais das atividades didáticas. Para refletir, procedemos a uma revisão da literatura, das DCNs e de relatos produzidos por estudantes em seus diários de aprendizagem. Os diários de aprendizagem são o principal instrumento de avaliação da OIIT. Eles propõem a cada estudante a elaboração de uma descrição reflexiva acerca de sua experiência na oficina e de seu ingresso no ensino superior. Nesse sentido, também se constituem enquanto instrumento de acompanhamento da experiência de fruição do ensino superior por todas e todos e por cada uma e cada um.

A articulação desse material resultou na elaboração de cinco vinhetas que ilustram extratos de experiências educativas com a finalidade de fundamentar a reflexão sobre como a oficina colaborou para a implementação das DCNs e para o acolhimento e a integração das e dos estudantes. Vinhetas, no contexto de pesquisa, são “episódios descritivos de situações específicas que simulam eventos ou problemas reais que geralmente são apresentados em formatos escritos ou visuais” (Skilling & Stylianides, 2020Skilling, Karen, & Stylianides, Gabriel J. (2020). Using vignettes in educational research: a framework for vignette construction. International Journal of Research and Method in Education, 43(5), 541-556. https://doi.org/10.1080/1743727X.2019.1704243
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, p. 2, tradução nossa). No nosso caso, os episódios descritos são reais (para uso semelhante, ver, por exemplo, Dashtipour & Vidaillet, 2020Dashtipour, Parisa, & Vidaillet, Bénédicte (2020). Introducing the French psychodynamics of work perspective to critical management education: Why do the work task and the organization of work matter? Academy of Management Learning and Education, 19(2), 131-146. https://doi.org/10.5465/AMLE.2018.0128
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; Huang, Wright, & Middleton, 2022Huang, Peisheng, Wright, April L., & Middleton, Stuart (2022). How material objects shape student team learning processes. Academy of Management Learning and Education, 21(1), 35-60. https://doi.org/10.5465/amle.2020.0025
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) e contêm a descrição de uma experiência educacional, seguida de um trecho que relata a reação de uma ou um estudante àquela experiência.

Os trechos dos diários foram reproduzidos com autorização expressa das e dos estudantes em um termo de livre consentimento. Todos os dados que pudessem revelar a sua identidade foram omitidos.

A TRANSIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR

A transição entre a educação básica e a superior é um marcador social importante. Além de ser um forte preditor de renda (Ribeiro, 2009Ribeiro, Carlos Antonio Costa. (2009). Desigualdade de oportunidades no Brasil. Argumentum.), representa um momento de atenção para as instituições, sobretudo àquelas não públicas, com fins lucrativos ou não, mas que cobram mensalidades e que, portanto, precisam se preocupar com a possibilidade de evasão dos estudantes, o que é fortemente relacionado com a experiência dos primeiros meses (Perander, Londen, & Holm, 2020Perander, Katarina, Londen, Monica, & Holm, Gunilla (2020). Supporting students’ transition to higher education. Journal of Applied Research in Higher Education, 13(2), 622-632. https://doi.org/10.1108/JARHE-01-2020-0005
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). Do ponto de vista da e do estudante, entrar para a educação superior pode gerar impacto em questões relacionadas à identidade (Fernando & Kenny, 2021Fernando, Dulini, & Kenny, Etlyn J. (2021). Negotiating a sense of fit in elite higher education: Exploring the identity work of ⇜widening participation⇝ students. Academy of Management Learning and Education, 20(2), 133-155. https://doi.org/10.5465/amle.2019.0358
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), à mudança de rotina e ao aumento de responsabilidades (Perander et al., 2020Perander, Katarina, Londen, Monica, & Holm, Gunilla (2020). Supporting students’ transition to higher education. Journal of Applied Research in Higher Education, 13(2), 622-632. https://doi.org/10.1108/JARHE-01-2020-0005
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).

Essas questões, juntamente com outras mais específicas, como falta de familiaridade com as práticas, normas e discursos da academia (Devlin & McKay, 2014Devlin, Marcia, & McKay, Jade (2014). Reframing “the problem”: students from low socio-economic status backgrounds transitioning to university. In H. Brook, D. Fergie, M. Maeorg, & D. Michel (Eds.), Universities in transition: foregrounding social contexts of knowledge in the first year experience (pp. 97-126). Adelaide: University of Adelaide Press.), são potencializadas na parcela de estudantes que a literatura chama de não tradicionais: aqueles que obtiveram as menores notas nos exames de admissão, imigrantes ou que são provenientes de estratos sociais mais baixos (Larsen, Horvath, & Bridge, 2019Larsen, Amy, Horvath, Deanna, & Bridge, Christopher (2019). “Get Ready”: Improving the transition experience of a diverse first year cohort through building student agency. Student Success, 11(2), 14-27. https://doi.org/10.5204/ssj.v11i3.1144
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) e caracterizados como estudantes com desvantagens socioeconômicas (Almeida, 2007Almeida, Wilson Mesquita de. (2007). Estudantes com desvantagens econômicas e educacionais e a fruição da universidade. Cadernos CRH, 20(49), 35-47. https://doi.org/10.1590/S0103-49792007000100004
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). Segundo Larsen et al. (2019)Larsen, Amy, Horvath, Deanna, & Bridge, Christopher (2019). “Get Ready”: Improving the transition experience of a diverse first year cohort through building student agency. Student Success, 11(2), 14-27. https://doi.org/10.5204/ssj.v11i3.1144
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, esse grupo de estudantes não tradicionais sente-se insuficientemente preparado para a educação superior, e os estudantes com desvantagens socioeconômicas tendem a experienciá-la de forma relativamente precária ou insuficiente (Almeida, 2007Almeida, Wilson Mesquita de. (2007). Estudantes com desvantagens econômicas e educacionais e a fruição da universidade. Cadernos CRH, 20(49), 35-47. https://doi.org/10.1590/S0103-49792007000100004
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; Abdal & Navarra, 2014Abdal, Alexandre, & Navarra, Julia. (2014). “Uni por Uni, eu escolhi a que era do lado da minha casa”: deslocamentos cotidianos e o acesso, a permanência e a fruição da universidade por bolsistas do ProUni no ensino superior privado. Novos Estudos Cebrap, (99), 65-87. https://doi.org/10.1590/S0101-33002014000200004
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).

Embora o ensino superior ainda seja um nível educacional atingido por uma minoria - segundo o Mapa do Ensino Superior (SEMESP, 2021Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp). (2021). Mapa do ensino superior no Brasil. 11ª ed. Instituto SEMESP.), no Brasil, a proporção de jovens com idades entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior era de 18,1% em 2019 -, é reconhecido que mudanças sociais, expansão da rede e políticas de ações afirmativas têm alterado o perfil das e dos estudantes no sentido de maior inclusão (Lima, 2010Lima, Márcia. (2010). Desigualdades raciais e políticas públicas: ações afirmativas no governo Lula. Novos Estudos Cebrap, (87), 77-95. https://doi.org/10.1590/S0101-33002010000200005
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; Lima & Campos, 2020Lima, Márcia; Campos, Luiz Augusto. (2020). Apresentação: inclusão racial no ensino superior: impactos, consequências e desafios. Novos Estudos Cebrap, 39(2), 245-254. https://doi.org/10.25091/s01013300202000020001
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).

Tal alteração do perfil fomentou a criação e a disseminação de um discurso de déficit, segundo o qual o corpo discente estaria cada vez menos preparado para a educação superior (McKay & Devlin, 2016McKay, Jade, & Devlin, Marcia. (2016). “Low income doesn’t mean stupid and destined for failure”: challenging the deficit discourse around students from low SES backgrounds in higher education. International Journal of Inclusive Education, 20(4), 347-363. https://doi.org/10.1080/13603116.2015.1079273
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; Larsen et al., 2019Larsen, Amy, Horvath, Deanna, & Bridge, Christopher (2019). “Get Ready”: Improving the transition experience of a diverse first year cohort through building student agency. Student Success, 11(2), 14-27. https://doi.org/10.5204/ssj.v11i3.1144
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). Esse discurso, entretanto, vem sendo combatido: o problema não são as alunas nem os alunos, mas as instituições. São estas que estão em déficit e precisam se preparar melhor para atender ao seu contingente de estudantes, de acordo com as suas características sociodemográficas, econômicas e educacionais (McKay & Devlin, 2016McKay, Jade, & Devlin, Marcia. (2016). “Low income doesn’t mean stupid and destined for failure”: challenging the deficit discourse around students from low SES backgrounds in higher education. International Journal of Inclusive Education, 20(4), 347-363. https://doi.org/10.1080/13603116.2015.1079273
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; Larsen et al., 2019Larsen, Amy, Horvath, Deanna, & Bridge, Christopher (2019). “Get Ready”: Improving the transition experience of a diverse first year cohort through building student agency. Student Success, 11(2), 14-27. https://doi.org/10.5204/ssj.v11i3.1144
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).

Avery e Thomas (2004)Avery, Derek R., & Thomas, Kecia M. (2004). Blending content and contact: the roles of diversity curriculum and campus heterogeneity in fostering diversity management competency. Academy of Management Learning & Education, 3(4), 380-396. https://www.jstor.org/stable/40214308
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demonstraram que, mais do que incluir conteúdos voltados à promoção da diversidade em cursos na área de administração - caminho tomado pela maioria das instituições -, a convivência com pessoas diferentes e em igualdade de status contribui para a diminuição de preconceitos, aumenta a sensibilidade para as condições de pessoas pertencentes a grupos distintos e melhora a habilidade de lidar com a diversidade. O período destinado à educação formal é o ideal para que essa convivência ocorra.

Diante das características sensíveis relacionadas à entrada na educação superior, instituições têm se dedicado ao desenvolvimento de programas que facilitam a transição. Ver, por exemplo, Larsen et al. (2019)Larsen, Amy, Horvath, Deanna, & Bridge, Christopher (2019). “Get Ready”: Improving the transition experience of a diverse first year cohort through building student agency. Student Success, 11(2), 14-27. https://doi.org/10.5204/ssj.v11i3.1144
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e Perander et al. (2020)Perander, Katarina, Londen, Monica, & Holm, Gunilla (2020). Supporting students’ transition to higher education. Journal of Applied Research in Higher Education, 13(2), 622-632. https://doi.org/10.1108/JARHE-01-2020-0005
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A OFICINA DE INTEGRAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS

A OIIT faz parte da grade do primeiro semestre do CGAP da FGV EAESP desde 2020. A EAESP é uma faculdade privada, sem fins lucrativos e cujos programas figuram entre os melhores da América Latina (América Economía Intelligence, 2020América Economía Intelligence (2020). MBA: ranking de escuelas de negocios latinoamericanas 2020: estos son los resultados. América Economía Intelligence. https://www.americaeconomia.com/articulos/notas/mba-ranking-de-escuelas-de-negocios-latinoamericanas-2020-estos-son-los-resultados
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). Historicamente, seu corpo discente é composto, em sua grande maioria, de estudantes oriundos de escolas de elite e de elevados estratos sociais. A experiência bem-sucedida do CGAP em propor ações afirmativas para aumentar a diversidade do corpo discente é destaque na instituição, e a OIIT foi desenhada como um programa de transição para garantir a integração de todas as e todos os estudantes, diante dos desafios da entrada na educação superior.

A oficina foi concebida pela coordenação do curso, e o componente de integração foi desenhado pela autora, que também é pesquisadora na área de ensino e da aprendizagem e que, por isso, monitora tendências educacionais constantemente. O componente de interpretação de textos foi desenhado pelo primeiro professor a ministrá-lo, outros professores que assumiram a disciplina posteriormente o aperfeiçoaram.

Objetivos

A OIIT tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento de habilidades e atitudes relacionadas a autoconhecimento, trabalho em equipe, comunicação oral e compreensão textual. É composta de duas partes integradas: uma oficina de integração, na qual é criado e sustentado um espaço seguro para a experimentação e para o desenvolvimento de relacionamentos e de habilidades socioemocionais; e uma oficina de interpretação de textos, na qual as e os estudantes podem desenvolver habilidades avançadas e técnicas de leitura, tanto para a compreensão de textos quanto para a sua crítica. Dois objetivos adicionais da OIIT são promover a reflexão sobre a entrada das e dos estudantes na educação superior e criar espaços para que lidem, individual e coletivamente, com os desafios que estão enfrentando.

Os objetivos de aprendizagem da OIIT estão alinhados aos do curso, monitorados por um sistema de garantias de aprendizagem, e listados no Quadro 1.

Quadro 1
Objetivos de aprendizagem da Oficina de Integração e Interpretação de Textos

Concepção pedagógica e implicações práticas

A oficina fundamenta-se, teórica e metodologicamente, na aprendizagem centrada na e no estudante, orientada para o grupo e por meio da experiência. A aprendizagem centrada na e no estudante, conforme proposta por Rogers (1972Rogers, Carl R. (1972). Liberdade para aprender. 2ª ed. Interlivros., 2003Rogers, Carl R. (2003). Client centered therapy. Constable & Robinson.), parte da crença de que a/o estudante é um organismo integral, com capacidades, quando em condições favoráveis, de lidar construtivamente com todos os aspectos da sua vida, de encontrar soluções aos seus problemas e de autodeterminar os rumos do seu desenvolvimento na direção que considera satisfatória. Essa é a chamada tendência atualizante (Rogers, 2003Rogers, Carl R. (2003). Client centered therapy. Constable & Robinson.).

A professora ou o professor coloca o seu equipamento cognitivo e emocional a serviço do desenvolvimento das alunas e dos alunos e é responsável por criar e sustentar um espaço de aprendizagem seguro, no qual todas as pessoas são aceitas, acolhidas e compreendidas conforme sua própria ótica. Tal base conceitual e metodológica contribui para a construção de uma pedagogia que promove o fortalecimento da autonomia das e dos estudantes e do equipamento cognitivo-afetivo necessário para uma aprendizagem ativa e contínua.

O processo de ensino-aprendizagem, embora baseado na ótica da e do estudante, é direcionado prioritariamente para o nível do grupo. Isso significa que a comunicação e as atividades que ocorrem no espaço de aprendizagem são multidirecionadas, partindo de e circulando por todos os membros do grupo, em vez de partirem apenas da professora ou do professor. Essa escolha tem três justificativas: a crença de que a tendência atualizante também opera no nível do grupo, que é capaz de elaborar as necessidades individuais e coletivas que possam emergir; pelo reconhecimento da crescente complexidade das tarefas na contemporaneidade, que muito têm a ganhar ao serem desempenhadas por equipes multidisciplinares (Edmondson, 2012Edmondson, Amy C. (2012). Teaming: how organizations learn, innovate, and compete in the knowledge economy. John Wiley & Sons.); e pela valorização da colaboração, do coletivo e da democracia como valores fundamentais.

Por fim, o modelo da aprendizagem experiencial de Kolb (2015)Kolb, David (2015). Experiential learning: experience as the source of learning and development. Londres: Pearson. ilustra a forma como se compreende o ciclo da aprendizagem, que deve ser tomado como um processo ideal, percorrido em espiral pela/pelo aprendiz, que toca todas as bases do ciclo de forma recursiva, mas em uma crescente. O ciclo inicia-se com a vivência de uma experiência concreta; é seguido da observação reflexiva, que ocorre quando a ou o aprendiz recapitula e simboliza a experiência vivida rememorando as emoções e os sentimentos mobilizados; evolui para a conceitualização abstrata, quando esta ou este formula abstrações e generalizações e as insere no contexto dos conhecimentos que já possuía anteriormente; e termina na experimentação ativa, quando integra as novas formulações ao seu repertório de conhecimentos e as aplica ao longo dos próximos ciclos de aprendizagem e em outras circunstâncias.

A adesão à concepção pedagógica orientada por esse corpo teórico se reflete nas práticas de sala de aula, entre as quais se destacam a aprendizagem integrada, em que as atividades propostas envolvem, além do componente cognitivo, a autonomia da apreensão de conteúdo teórico; a participação ativa das e dos estudantes na construção e na condução das aulas, durante as quais o desenvolvimento de habilidades e atitudes é predominante; e o exame e o compartilhamento de emoções e de afetos mobilizados pelas experiências de aprendizagem.

Ressaltamos, também, a flexibilização dos papéis comumente exercidos pelas e pelos estudantes e pelas professoras e pelos professores. Na oficina, a responsabilidade pela aprendizagem e pelo protagonismo na construção e na condução das propostas é compartilhada e ocorre também mediante trocas entre pares.

Conteúdo abordado

Os objetivos de aprendizagem são alcançados por meio de atividades vivenciais, discussão de casos, workshops, diálogos e outras atividades propostas pelo alunato. No desenvolvimento dessas propostas - além da aprendizagem advinda da vivência e do processamento da própria experiência ocorrida no momento, o que, por si só, é fonte de aprendizagem para competências sociorrelacionais -, conteúdos teóricos são mobilizados. Os principais estão dispostos no Quadro 2.

Quadro 2
Conteúdos mobilizados

Além das referências explicitamente listadas no quadro, destacam-se ainda as aprendizagens decorrentes da prática de manutenção de registros escritos nos diários de aprendizagem; do desenvolvimento da liderança, da autonomia, da convivência e do respeito à diversidade advindos de atividades propostas e facilitadas pelas e pelos estudantes; e de outros conteúdos por elas e eles inseridos na oficina.

Avaliação da aprendizagem

A avaliação da aprendizagem dá-se por instrumentos condizentes com a concepção pedagógica adotada. Priorizamos a avaliação formativa, que visa melhorar e promover a aprendizagem tendo como base as informações levantadas por meio da ação avaliativa, em detrimento a avaliações com funções mais recorrentes na educação superior, como a somativa e a classificatória. Os três instrumentos avaliativos utilizados na OIIT são descritos a seguir.

O primeiro e mais importante é o diário de aprendizagem, que consiste em um texto livre e em primeira pessoa contendo uma descrição e reflexão pessoal da ou do estudante sobre o seu processo de aprendizagem no semestre e o ingresso no ensino superior. São duas entregas previstas, uma após transcorrido um mês do início da OIIT e outra ao final. Cada diário equivale a 30% da nota, e a sua obtenção está condicionada à entrega dos dois diários. Os diários são lidos e respondidos pela professora e pelo professor no prazo de até 15 dias. Numerosos estudos já evidenciaram a contribuição da prática de journaling para a aprendizagem (Kessler & Lund, 2004Kessler, Penny D., & Lund, Carole H. (2004). Reflective journaling: developing an online journal for distance education. Nurse Educator, 29(1), 20-24. https://doi.org/10.1097/00006223-200401000-00007
https://doi.org/10.1097/00006223-2004010...
; Epp, 2008Epp, Sheila (2008). The value of reflective journaling in undergraduate nursing education: a literature review. International Journal of Nursing Studies, 45(9), 1379-1388. https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2008.01.006
https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2008....
).

Divididos em grupos aleatórios, as e os estudantes realizam a segunda atividade avaliativa: a facilitação de uma vivência para toda a turma, por 40 minutos. A atividade parte de um tema livre escolhido pelo grupo, em função de necessidades e anseios da turma, e contém pelo menos uma atividade e um momento para reflexão e compartilhamento. Essa proposta equivale a 20% da nota, que é atribuída ao grupo pelas e pelos pares e pela professora, mediante o preenchimento de uma rubrica que avalia se os critérios foram cumpridos e recolhe feedbacks, que são repassados para o grupo, juntamente com o feedback da professora. Felten et al. (2019)Felten, Peter, Abbot, Sophia, Kirkwood, Jordan, Long, Aaron, Lubicz-Nawrocka, Tanya, Mercer-Mapstone, Lucy, & Verwoord, Roselynn (2019). Reimagining the place of students in academic development. International Journal for Academic Development, 24(2), 192-203. https://doi.org/10.1080/1360144X.2019.1594235
https://doi.org/10.1080/1360144X.2019.15...
estão entre os pesquisadores que endossam propostas como essa, pois enfatizam a importância de se criar condições para rearticular os papéis de todos os envolvidos na educação superior, com foco em aumentar as oportunidades de agência para as e os estudantes.

No fim do curso, ocorre a terceira atividade: uma autoavaliação, na qual as e os estudantes fazem uma reflexão crítica acerca do seu engajamento e participação na OIIT, prestando especial atenção às questões do desenvolvimento e refinamento de suas habilidades de leitura e compreensão de textos. Cada estudante deve indicar e justificar uma nota de zero a 10, que equivale a 20% da nota total. Embora o professor procure respeitar a nota autoatribuída, reserva-se o direito de proceder a ajustes de até 1 ponto, para mais ou para menos. A prática da autoavaliação é discutida em diferentes estudos, mas Rogers (1972)Rogers, Carl R. (1972). Liberdade para aprender. 2ª ed. Interlivros. é seu defensor obstinado.

AS CONTRIBUIÇÕES DA OIIT PARA A IMPLEMENTAÇÃO DAS DCNs E PARA O ACOLHIMENTO E A INTEGRAÇÃO DO CORPO DISCENTE

Esta seção apresenta uma reflexão baseada na nossa vivência como responsáveis pela OIIT, mediada pela descrição, literatura, DCNs e relatos produzidos pelas e pelos estudantes em seus diários de aprendizagem. A articulação desse material resultou na construção de cinco vinhetas que ilustram extratos de experiências educativas com a finalidade de fundamentar a reflexão sobre como a oficina colaborou para a implementação das DCNs e contribuiu para o acolhimento e a integração das e dos estudantes. Cada vinheta é composta da descrição simplificada de uma experiência educacional, seguida de um trecho de um dos diários de aprendizagem sobre aquela experiência.

O censo, a interdisciplinaridade, a redução das desigualdades e o reconhecimento da diversidade

Vinheta 1

Durante a OIIT realizamos um censo com as e os estudantes com os objetivos de: conhecer suas características relevantes; refletir sobre como elas impactam as relações do grupo; integrar OIIT com a disciplina Diagnósticos de Problemas e Políticas Públicas Inovadoras; e trabalhar as habilidades de desenho e análise de questionário. As e os estudantes pesquisaram sobre o censo, elegeram as dimensões que consideraram importantes para a sua realização na classe e formularam perguntas para cada dimensão. As perguntas foram organizadas em um questionário online, de autopreenchimento. Após a coleta dos dados, houve uma atividade de compartilhamento de impressões e reflexão a respeito dos resultados.

Trecho de um dos diários de aprendizagem:

O processo de criação e participação do censo de AP que desenvolvemos foi algo muito legal e novo, justamente por possibilitar que a gente tenha noção de como o grupo é formado, em termos de elementos sociais, econômicos, culturais etc., que nos ajudam a entender quem somos nós, quais são as nossas necessidades, como podemos ser impactados pelos diferentes backgrounds, entre outras coisas. Dessa forma, fico feliz com a disciplina, que extrapola o padrão de aula expositiva/teórica e justamente explora outros lados nossos, lúdicos, interativos, inovadores e pessoais (Estudante de OIIT 1).

Como mostra o trecho, o censo ilustra o caráter interdisciplinar que procuramos dar à oficina. Outro exemplo que reforça esse caráter são os textos trabalhados nas aulas dedicadas à leitura e interpretação, indicados pelas professoras e pelos professores de outras disciplinas do semestre, que selecionam, em geral, os mais importantes, mais difíceis ou com linguagem menos familiar. A interdisciplinaridade, preconizada nas DCNs (Brasil, 2014Brasil (2014). Resolução MEC nº 1, de 13/1/2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração Pública. Brasil: Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14957-rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
) e na OIIT, promove a integração entre diferentes áreas do saber e possibilita à e ao estudante uma percepção de unidade no curso. Mais importante, demonstra como abordar os desafios de uma realidade em equipe, mobilizando múltiplos olhares e ferramentas diversificadas, habilidade necessária na atuação das e dos profissionais do Campo de Públicas (Edmondson, 2012Edmondson, Amy C. (2012). Teaming: how organizations learn, innovate, and compete in the knowledge economy. John Wiley & Sons.).

Na atividade de processamento dos resultados do censo, as e os estudantes registraram as suas impressões, que foram objeto de discussão coletiva. O registro de uma turma está reproduzido na nuvem de palavras, na Figura 1. Nesta, quanto maior o tamanho da fonte, mais vezes a palavra foi citada.

Figura 1
Impressões a respeito dos resultados do projeto censo

Como ilustram as palavras da Figura 1, o reconhecimento da diversidade, previsto nas DCNs (Brasil, 2014Brasil (2014). Resolução MEC nº 1, de 13/1/2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração Pública. Brasil: Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14957-rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
), foi favorecido pelo projeto do censo, que deu destaque à multiplicidade de características presentes no corpo discente. Além da aprendizagem sobre coleta e análise de dados por meio de questionários e acerca da realidade brasileira, marcadores sociais importantes como raça, gênero, renda, meios de transporte e local de moradia foram a base para uma discussão a respeito de como um conjunto de pessoas cuja desigualdade é uma característica significativa pode vir a se reconhecer enquanto grupo unificado (Sibbet, 2011Sibbet, David (2011). Visual Teams: graphic tools for commitment, innovation, & high performance. John Wiley & Sons.).

Posteriormente, no curso da oficina e por meio da leitura e discussão do texto “Interseccionalidade e políticas públicas: aproximações conceituais e desafios metodológicos”, de Rogério de Souza Medeiros (2019)Medeiros, Rogério de Souza. (2019). Interseccionalidade e políticas públicas: aproximações conceituais e desafios metodológicos. In: Pires, Roberto Rocha (Ed.). Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Ipea., indicado pela disciplina Diagnósticos de Problemas e Políticas Públicas Inovadoras, retomamos a discussão sobre os efeitos cumulativos e interacionais dos recortes de raça, gênero e classe. Destacamos que essa retomada, graças à introdução da noção de interseccionalidade, pode ser feita com um nível mais de abstração e generalização.

O espelho, o reconhecimento de si e do outro e os desafios derivados da diversidade

Vinheta 2

Mediados pelos textos de Guimarães Rosa (1969)Rosa, João Guimarães (1969). O espelho. In J. G. Rosa (Ed.). Primeiras estórias. 5ª ed. José Olympio. e Machado de Assis (1994)Assis, Machado de (1994). O espelho. In M. de Assis (Ed.), Obra Completa (v. 2). Nova Aguilar., ambos chamados “O espelho”, as e os estudantes foram convidados a registrar, de forma anônima, a resposta às seguintes perguntas: o que sobre mim eu gosto que meu espelho mostre? O que sobre mim eu escondo até mesmo do espelho? Os registros foram compartilhados entre a turma, e uma roda de conversa foi conduzida para seu processamento.

Trecho de um diário de aprendizagem:

Penso que uma boa convivência com os colegas seja fundamental no caminho da graduação. Talvez essa seja uma visão um pouco precipitada, mas me entusiasmou a simpatia das pessoas. O que contribuiu para eu me sentir assim foi uma das aulas propostas pela própria matéria de Oficina de Integração e Interpretação de Textos, na qual foi possível contar um pouco sobre quem somos para o outro. E também como todos mostraram vulnerabilidades ao falar sobre o que desejamos que o espelho esconda sobre nós. Essas atividades propostas auxiliam muito para que nós possamos nos integrar e conectar (Estudante de OIIT 2).

A atividade buscou trabalhar de forma qualitativa com as informações evidenciadas no censo e foi uma experiência de aprendizagem desenhada com o objetivo de valorizar semelhanças e diferenças. Durante sua realização, as e os estudantes notaram que, mesmo com tantas diferenças, aquilo que é escondido do espelho, muitas vezes, é semelhante. Medos, inseguranças, incertezas e sentimentos de inadequação são frequentemente citados no decorrer da atividade, como mostra a Figura 2, na qual foram recortadas do conjunto as colocações de uma turma, com destaque ao tema insegurança.

Figura 2
Recortes das colocações feitas por estudantes sobre a atividade

Reconhecer no outro um sujeito de vulnerabilidades e, ainda mais, vulnerabilidades semelhantes às próprias, contribui para o equilíbrio de forças que estão desequilibradas em outras dimensões (Schein, 2008Schein, Edgar H. (2008). Princípios da consultoria de processos para construir relações que transformam. Instituto Fonte para o Desenvolvimento Social.) e para o reconhecimento da humanidade e da dignidade de todas, todos e cada uma e cada um. As potências são representadas pelo lado positivo do espelho, no qual as e os estudantes registraram aquilo de que gostam em si, evidenciando que todos e todas têm potencialidades das quais se orgulham e que não devem ter a sua identidade marcada apenas pelos aspectos demográficos, econômicos e sociais identificados no censo (Fernando & Kenny, 2021Fernando, Dulini, & Kenny, Etlyn J. (2021). Negotiating a sense of fit in elite higher education: Exploring the identity work of ⇜widening participation⇝ students. Academy of Management Learning and Education, 20(2), 133-155. https://doi.org/10.5465/amle.2019.0358
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).

Outras propostas educativas facilitadas tanto por nós quanto pelas e pelos estudantes reforçaram a nossa intenção de avançar no tema da diversidade. Destacamos uma aula em que exploramos a cultura do cancelamento e a colaboração estendida, conceito de Kahane (2018)Kahane, Adam (2018). Trabalhando com o inimigo: como colaborar com pessoas das quais você discorda, não gosta ou desconfia. Editora Senac., para promover a colaboração entre pessoas que não partilham dos mesmos valores nem objetivos.

Ainda, todas as oficinas de interpretação de textos iniciam-se com a exibição de um clipe musical selecionado pelo professor, seguida de um pequeno diálogo sobre as impressões. Têm destaque especial clipes musicais protagonizados por mulheres, pretas ou não, cisgênero e transgênero. Destacamos que a representatividade incentiva vozes minorizadas, as quais foram por muito tempo excluídas dos debates públicos. Tal exclusão, incrustrada na nossa formação nacional, contribuiu para a redução de experiências complexas a histórias únicas (Adichie, 2019Adichie, Chimamanda Ngozi (2019). O perigo de uma história única. Companhia das Letras.; Ribeiro, 2019Ribeiro, Djamila (2019). Pequeno manual antirracista. Companhia das Letras.). Recompor o espaço para essas vozes em uma escola de elite, garantindo a sua beleza estética, a riqueza ética e o potencial criativo, é, simultaneamente, reparação e oportunidade de reconhecimento e identidade por um corpo discente diverso.

Além de reconhecer a diversidade, as DCNs preconizam que é necessário que as e os estudantes possam se instrumentalizar para lidar com seus desafios (Brasil, 2014Brasil (2014). Resolução MEC nº 1, de 13/1/2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração Pública. Brasil: Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14957-rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
). A OIIT, por intermédio de atividades como as mencionadas, vale-se da aprendizagem experiencial entendendo que ao viver uma experiência de convívio com a diversidade e de problematização das desigualdades é possível formular abstrações e generalizações e, com isso, modificar o conhecimento anterior e mobilizá-lo em situações diferentes (Kolb, 2015Kolb, David (2015). Experiential learning: experience as the source of learning and development. Londres: Pearson.). Portanto, é por meio de experiências educacionais que as e os estudantes estão aprendendo a lidar com a diversidade em sua vida e profissão.

Os memes e a expressão criativa e crítica

Vinheta 3

Para trabalhar um texto clássico da disciplina Introdução à Administração Pública, o professor sugeriu que, após a leitura, as e os estudantes se reunissem em grupo e criassem conteúdos para as redes sociais em formato de memes, retratando os significados apreendidos durante a leitura. Tal atividade iniciava-se com a leitura interna da obra em questão e tinha por objetivo promover as habilidades de identificação de ideias-força do texto e de produção de sínteses.

Trecho de um diário de aprendizagem:

Em uma das aulas o professor se utilizou de memes para que conseguíssemos fixar a leitura de um texto da disciplina de Introdução à Administração Pública e isso foi sensacional! Além de nos fazer aprender de uma forma mais leve, também nos gerou um momento de diversão em grupo e de integração (Estudante de OIIT 3).

Um meme é uma imagem criada com a intenção de compartilhar conteúdo pela internet. “Por seu caráter bem-humorado e também crítico, são reproduzidos e chegam a milhares de pessoas com grande velocidade” (Lamarão, 2019Lamarão, Luisa Q. (2019). O uso de memes nas aulas de história. Periferia, 11(1), 179-192. https://doi.org/10.12957/periferia.2019.36442
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, p. 184). Um dos grupos que realizaram a proposta se engajou na atividade a ponto de criar uma conta no Instagram e postar os memes. Um exemplo pode ser visto na Figura 3.

Figura 3
Exemplo de meme postado no Instagram

O engajamento é um fator crítico para o sucesso das e dos estudantes de 1º ano (Kahu, Picton, & Nelson, 2020Kahu, Ella R., Picton, Catherine, & Nelson, Karen (2020). Pathways to engagement: a longitudinal study of the first-year student experience in the educational interface. Higher Education, 79(4), 657-673. https://doi.org/10.1007/s10734-019-00429-w
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) e, nesse caso, pode ser atribuído ao fato de que o corpo discente de um curso de graduação é composto, em geral, de jovens nativas e nativos digitais, bastante habituadas e habituados a navegar em redes sociais e a comunicar-se por meio de símbolos próprios da internet, entre eles os memes. A transposição dessa linguagem para a educação formal e com o objetivo de apreender um conteúdo teórico denso promove o engajamento das e dos estudantes, pela sensação de reconhecimento de seus gostos e interesses, além do caráter de desafio atrelado à atividade (Lamarão, 2019Lamarão, Luisa Q. (2019). O uso de memes nas aulas de história. Periferia, 11(1), 179-192. https://doi.org/10.12957/periferia.2019.36442
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).

Pelo lado da aprendizagem, produzir um meme, ou seja, “uma unidade de transmissão cultural” (Cadena, 2018Cadena, Sílvio R. G. (2018). Mídias sociais e história: um novo espelho e os vários reflexos de Clio. Dia-Logos, 12(2), 76-89., p. 81), requer a compreensão acurada do assunto e uma grande capacidade de síntese, o que as e os estudantes puderam exercitar e consolidar no momento de compartilhar e discutir os memes com toda a classe. A comunicação criativa, parte das DCNs do curso (Brasil, 2014Brasil (2014). Resolução MEC nº 1, de 13/1/2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração Pública. Brasil: Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14957-rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192
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), pode ser exercitada na seleção do tipo de imagem ao qual o conteúdo mais de adequava, na identificação do seu potencial de popularização e da transposição do conhecimento acadêmico em uma linguagem mais acessível.

Atividades facilitadas pela turma, iniciativa, criatividade e abertura ao aprendizado permanente

Vinheta 4

Divididos em grupos aleatórios, as e os estudantes conduziram a facilitação de uma vivência para toda a turma, por 40 minutos. A atividade deveria basear-se em um tema livre escolhido pelo grupo, em função das necessidades e dos anseios da turma, e conter, além da atividade, um momento para reflexão e compartilhamento.

Trecho de um diário de aprendizagem:

Nessa etapa final, meu grupo teve a oportunidade de aplicar uma facilitação para a turma. Foi uma proposta bastante desafiadora. Sentimos na pele a sensação de ser o professor que tinha o dever de conduzir a turma para atingir determinado objetivo. Nesses momentos, valorizamos o engajamento e participação dos alunos. E ao final, quando você sente que os objetivos (principalmente o da integração) foram cumpridos, há um grande alívio e satisfação (Estudante de OIIT 4).

O trecho do diário do estudante retrata com precisão os desafios enfrentados por alunas e alunos ao participarem da atividade descrita, que começam pela formação do grupo, feita de forma aleatória, pela professora. Procuramos respeitar e incentivar a autonomia das e dos estudantes em todas as propostas, mas nesse caso, por razões pedagógicas, optamos por formar um grupo aleatório com a intenção de oportunizar à turma a expansão de seu conjunto de relacionamentos pessoais. A facilitação é livre, porém orientamos os grupos a elegerem um tema em função dos anseios e das necessidades percebidos na turma, que já transitaram entre racismo e brincadeiras de infância.

Desenhar e facilitar uma atividade para um grupo promove e exercita numerosas habilidades, por exemplo: leitura da dinâmica do grupo, criatividade, planejamento, negociação, comunicação, liderança, trabalho em equipe, responsabilidade, senso crítico, gerenciamento de tempo e de conflitos, entre outras. A maioria dessas habilidades é exercitada em decorrência da radical inversão do protagonismo, que, nessa proposta, é das e dos estudantes. Nós, professora e professor, somos participantes, seja na discussão sobre racismo, seja na dança da cadeira ao som de funk. Fica a cargo do grupo, também, resolver imprevistos como, por exemplo, a nota que deve receber um membro do grupo que, por qualquer motivo, não tenha estado presente no dia da facilitação.

Destacamos ainda a avaliação feita pelas e pelos pares, que baliza a nota que a professora atribui para os grupos, haja vista que essa atividade compõe a avaliação das e dos estudantes. No mesmo dia da facilitação, as e os membros do grupo recebem uma mensagem eletrônica com a nota que lhes foi atribuída, um feedback detalhado da professora e das/dos colegas de turma. Os resultados em termos de iniciativa e criatividade, como mencionam as DCNs (Brasil, 2014Brasil (2014). Resolução MEC nº 1, de 13/1/2014. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração Pública. Brasil: Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14957-rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192rces001-14&category_slug=janeiro-2014-pdf&Itemid=30192
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), são evidentes e transferíveis para outros contextos.

Compreensão de texto, interdisciplinaridade e aprimoramento das capacidades de leitura, escrita, expressão e comunicação

Vinheta 5

Dificuldades de leitura e compreensão de texto são questões muito apontadas por alunas e alunos recém-chegados à educação superior. Esse fato não surpreende, pois para a maioria delas e deles essa é a primeira vez com que tem de deparar com produções bibliográficas acadêmicas, como artigos e livros científicos, muitas das quais escritas em outros tempos. Tal situação é agravada no caso de estudantes com desvantagens socioeconômicas, geralmente oriundas e oriundos de famílias cujas mães e pais não alcançaram o ensino superior (Almeida, 2007Almeida, Wilson Mesquita de. (2007). Estudantes com desvantagens econômicas e educacionais e a fruição da universidade. Cadernos CRH, 20(49), 35-47. https://doi.org/10.1590/S0103-49792007000100004
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; Abdal & Navarra, 2014Abdal, Alexandre, & Navarra, Julia. (2014). “Uni por Uni, eu escolhi a que era do lado da minha casa”: deslocamentos cotidianos e o acesso, a permanência e a fruição da universidade por bolsistas do ProUni no ensino superior privado. Novos Estudos Cebrap, (99), 65-87. https://doi.org/10.1590/S0101-33002014000200004
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).

Para isso, a OIIT trabalha com as demais disciplinas do semestre colhendo indicações dos textos mais importantes ou mais difíceis destas. Quem indica o texto são as professoras e os professores de tais disciplinas, no início de cada semestre.

Trecho de um diário de aprendizagem:

Acredito que minha adaptação ao ensino superior vem sendo sutil, ainda me pego recorrendo a antigos hábitos de estudo, porém observo que nestes primeiros meses amadureci muito como estudante, tanto no que diz respeito aos métodos de leitura indicados pela oficina de interpretação de texto como pelas necessidades impostas pelo curso. Vejo que a carga de leitura da graduação é imensamente maior que a do ensino médio e que os textos são de fato relevantes para o completo entendimento do conteúdo, e os métodos de leitura e discussão apresentados na disciplina estão me auxiliando nessa adaptação (Estudante de OIIT 5).

Assim como demonstrado na literatura, a mudança de rotina e as demandas que se apresentam com a entrada na educação superior também são desafios para as e os estudantes da OIIT (Larsen et al., 2019Larsen, Amy, Horvath, Deanna, & Bridge, Christopher (2019). “Get Ready”: Improving the transition experience of a diverse first year cohort through building student agency. Student Success, 11(2), 14-27. https://doi.org/10.5204/ssj.v11i3.1144
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). Além de ser uma transição importante em termos educacionais, também simbolizam, para muitos estudantes, a entrada na vida adulta, acompanhada de responsabilidades crescentes. Para muitas e muitos, essa é a primeira oportunidade de se distanciar da influência e do auxílio de mães, pais e familiares e uma experiência importante de expansão de horizontes e de conquista de autonomia.

Entre os principais desafios relacionados aos estudos e ao ingresso na educação superior, para além da carga de trabalho elevada, falta de tempo, cansaço e dificuldades específicas em determinadas matérias, estão as dificuldades em ler e compreender textos próprios do universo acadêmico, mais complexos, maiores, com linguagem mais rebuscada e convenções próprias. O trabalho nas oficinas de interpretação de textos busca auxiliar no enfrentamento desses desafios com dois focos básicos. Por um lado, mediante o desenvolvimento de técnicas e habilidades de leitura, com destaque para as noções de leituras interna e externa (Bruni, 1983Bruni, José Carlos. (1983). Como ler: sugestões para uma prática produtiva de leitura [material didático distribuído em aula].) e para a tríade interpretativa autor-obra-contexto. Por outro lado, pela abertura de espaço e tempo para discussões preliminares e contextualização dos textos das outras disciplinas, bem como para compartilhamento de dúvidas, dificuldades e angústias em relação à vida acadêmica em geral, enfatizando questões de organização e gestão do tempo e os textos especificamente.

Além das dificuldades que se refletem no desempenho acadêmico, as e os estudantes também relatam prejuízo à saúde mental. Cansaço, ansiedade e sensação de insuficiência são frequentemente mencionados nas aulas e nos diários. À medida que as oficinas de interpretação de textos abrem espaço para o compartilhamento de dificuldades e angústias, ela torna-se também um espaço de acolhimento e aconselhamento.

UM APRENDIZADO PARA CONCLUIR

Nos últimos anos, a consolidação de uma identidade na graduação e da comunidade científica na pós-graduação está na pauta de discussão dos pesquisadores do Campo de Públicas (Coelho et al., 2020Coelho, Fernando de S., Almeida, Lindijane de S. B., Midlej, Suylan, Schommer, Paula C., & Teixeira, Marco Antonio C. (2020). The “public field” after the establishment of the national curriculum guidelines for the undergraduate teaching in public administration: trajectory and current challenges (2015-2020). Administração: Ensino e Pesquisa, 21(3), 488-529. https://doi.org/10.13058/raep.2020.v21n3.1897
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). Enquanto o conhecimento produzido busca acompanhar as flutuações das reformas administrativas conduzidas desde o fim da ditadura militar, com viés político alternando-se entre direita e esquerda (Gomes & Lisboa, 2021Gomes, Ricardo C., & Lisboa, Erika de F. (2021). Public management reform in Brazil (2002-2019). Public Management Review, 23(2), 159-167. https://doi.org/10.1080/14719037.2020.1752037
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), os projetos pedagógicos têm identidade intelectual bipartida, divididos entre a formação de gestão de políticas públicas e a administração pública e organizacional (Clemente, Oliveira, Horochovski, Junckes, & Azevedo, 2022Clemente, Augusto J., Oliveira, Mirella F. R., Horochovski, Rodrigo R., Junckes, Ivan J., & de Azevedo, Natália T. (2022). Public field: a scientometry from course pedagogical projects. Revista de Sociologia e Politica, 30, e006. https://doi.org/10.1590/1678-98732230E006
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).

Diante desse cenário, são escassos os estudos abordando a implementação das DCNs. A experiência aqui descrita colabora para a superação dos três grandes desafios pós-instituição das DCNs, elencados por Coelho et al. (2020)Coelho, Fernando de S., Almeida, Lindijane de S. B., Midlej, Suylan, Schommer, Paula C., & Teixeira, Marco Antonio C. (2020). The “public field” after the establishment of the national curriculum guidelines for the undergraduate teaching in public administration: trajectory and current challenges (2015-2020). Administração: Ensino e Pesquisa, 21(3), 488-529. https://doi.org/10.13058/raep.2020.v21n3.1897
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: a implementação (ou adaptação) dos projetos pedagógicos; o incremento da atuação sistêmica dos cursos de graduação em prol da interdisciplinaridade; e o aperfeiçoamento do currículo, do processo de ensino-aprendizagem e da atuação docente.

Ao longo do texto buscamos documentar, sistematizar e analisar uma experiência de formação no campo das públicas. Evidenciamos como ela contribuiu para a implementação de aspectos menos teóricos das DCNs, com destaque para a interdisciplinaridade, a cultura da diversidade e o desenvolvimento de habilidades e competências. Nesta última seção, gostaríamos de registrar, entre muitos, o nosso principal aprendizado ao enfrentar essa tarefa: é preciso ouvir as e os estudantes e compartilhar com elas e eles o protagonismo do processo de ensino-aprendizagem.

Quando compartilhamos o protagonismo, oferecemos a oportunidade de engajamento crítico e de aprender fazendo, o que apoia o desenvolvimento de um conjunto extenso de habilidades importantes, algumas que nem conseguimos prever no Syllabus da oficina, para uma vida plena, uma atuação profissional competente e uma cidadania ativa.

Quando ouvimos, testemunhamos na prática o que diz a teoria: o acolhimento é parte integrante do processo de aprendizado; a integração e a constituição de vínculos favorecem a permanência e melhoram o desempenho educacional; as diferenças precisam ser reconhecidas e trabalhadas na perspectiva da inclusão; e a entrada na educação superior pode ser um período ambíguo, no qual, com a alegria da conquista, uma parcela significativa da saúde mental dos estudantes está sendo posta em xeque por diferentes fatores. Na condição de professoras e professores, em parte responsáveis, em parte parceiras e parceiros das e dos estudantes na aventura do conhecimento, é imprescindível que façamos algo a esse respeito.

NOTA DA AUTORA E DO AUTOR

  • Para dar mais visibilidade e reconhecimento às mulheres, nas Referências, optamos por utilizar os nomes completos das autoras e dos autores, o que não ocorre quando colocamos apenas as iniciais. Acreditamos que é muito importante que a divulgação científica se engaje cada vez mais na promoção da diversidade e inclusão, temas que são centrais em nosso artigo. Fizemos questão de escrevê-lo usando linguagem neutra e contemplando os dois gêneros quando isso não foi possível.
  • Avaliado pelo sistema double blind review.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editores convidados: Lindijane Almeida, Fernando Abrucio, Magda Lima Lúcio, Edgilson Tavares, e Maria Isabel Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2022
  • Aceito
    06 Jan 2023
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