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ENCARCERAMENTO EM MASSA E PRÁTICAS EXTENSIONISTAS NO RIO GRANDE DO NORTE

Mass incarceration and practices of university extension in Rio Grande do Norte, Brazil

Encarcelamiento en masa y prácticas extensionistas en Rio Grande do Norte, Brasil

RESUMO

O objetivo geral deste artigo é discutir o papel da extensão universitária na formação dos discentes do Campo de Públicas por meio de sua inserção no sistema penitenciário. Para tanto, analisa-se a experiência do projeto de extensão Motyrum Penitenciário: Educação Popular em Direitos Humanos no Sistema Prisional do Rio Grande do Norte. O Motyrum foi criado em 2005, originalmente chamado de Lições de Cidadania, e procura trabalhar com as temáticas dos direitos humanos e da cidadania pela perspectiva freireana. Inicialmente, o núcleo penitenciário do Motyrum privilegiava a atuação dos alunos do curso de Direito e visava à atenção jurídica. Atualmente, o projeto está vinculado ao curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e conta com uma equipe multidisciplinar. A experiência do Motyrum fez-se no contexto do encarceramento em massa no Brasil e no Rio Grande do Norte e ajuda a refletir sobre os desafios da gestão penitenciária, bem como a importância da vivência extensionista para os discentes do Campo de Públicas. Sendo assim, o artigo está estruturado em três partes. Em primeiro lugar é feito um breve apanhado do processo do encarceramento em massa e de seus impactos na sociedade. Depois se discutem os problemas da gestão prisional decorrentes do Estado penal. Por fim, é feita uma análise da experiência do Motyrum Penitenciário, destacando a relevância da extensão para o Campo de Públicas e para a formação discente. Como conclusão, percebe-se que a gestão prisional é fortemente impactada pelo encarceramento em massa, bem como pela seletividade penal. A atividade extensionista permite aos discentes do Campo de Públicas conhecer de forma sistemática tais impactos, especialmente no que diz respeito às contradições entre a formulação de políticas e ações e os processos de implementação. Além disso, a articulação entre extensão, ensino e pesquisa propicia problematizar os fundamentos da política de segurança pública, revelando outras possibilidades que não o encarceramento indiscriminado.

Palavras-chave:
encarceramento; extensão; Campo de Públicas; formação discente; sistema prisional

ABSTRACT

This article discusses the university extension program’s role in educating students in the public field, observing the program as an opportunity to get students acquainted with the penitentiary system. The study analyzed the experience of the Motyrum Penitenciário: Educação Popular em Direitos Humanos no Sistema Prisional (Motyrum Penitentiary of Popular Education in Human Rights extension project) in Rio Grande do Norte, Brazil. Motyrum was created in 2005, originally called Citizenship Lessons, and works with human rights and citizenship from a Freirean perspective. Initially, Motyrum focused on law students and aimed at legal support. Currently, the project is linked to the Public Policy Management course at the Federal University of Rio Grande do Norte and has a multidisciplinary team. The experience occurs in the context of mass incarceration in Brazil and Rio Grande do Norte. It helps to think about the challenges of penitentiary management and the importance of extension programs for public field students. The article is structured in three parts. First, it offers a brief overview of the mass incarceration process and its impacts on society. Second, the article presents a discussion on the problems of prison management arising from the penal state. Finally, the Motyrum Penitentiary program is analyzed. We highlighted the importance of the university extension for the Public Field and student training. In conclusion, it was observed that prison management is strongly impacted by mass incarceration and criminal selectivity. The extension activity allows public field students to understand these impacts from a systematic point of view, especially regarding the contradictions between the formulation of policies and actions and the implementation processes. In addition, the connection between extension, teaching, and research makes it possible to problematize the foundations of public security policy, revealing options beyond indiscriminate incarceration.

Keywords:
incarceration; extension; public field; student training; penitentiary system

RESUMEN

El objetivo general de este artículo es discutir el papel de la extensión universitaria en la formación de los discentes del campo de las ciencias públicas a partir de su inserción en el sistema penitenciario. Para tanto, se analiza la experiencia del proyecto de extensión Motyrum Penitenciário de Educação Popular em Direitos Humanos en Rio Grande do Norte. El Motyrum se creó en 2005, originalmente intitulado Lições de Cidadania y busca trabajar con la temática de los derechos humanos y ciudadanía a partir de la perspectiva freireana. Inicialmente el núcleo penitenciario del Motyrum privilegiaba la actuación de los estudiantes de derecho y se orientaba a la atención jurídica. Actualmente el proyecto está vinculado al curso de Gestión de Políticas Públicas de la Universidade Federal do Rio Grande do Norte y cuenta con un equipo multidisciplinario. La experiencia del Motyrum se hizo en el contexto del encarcelamiento en masa en Brasil y en Rio Grande do Norte y ayuda a reflexionar sobre los desafíos de la gestión penitenciaria, bien como la importancia de la vivencia extensionista para los discentes del campo de las ciencias públicas. De ese modo, el artículo está estructurado en tres partes. En primer lugar, se hacer una breve reseña del proceso de encarcelamiento en masa y sus impactos en la sociedad. Después, se discuten los problemas de la gestión penitenciaria derivados del Estado penal. Finalmente, se hace un análisis de la experiencia del Motyrum Penitenciário, destacando la importancia de la extensión para el Campo de las Ciencias Públicas y para la formación discente. Como conclusión, se observa que la gestión penitenciaria es fuertemente impactada por el encarcelamiento en masa, bien como por la selectividad penal. La actividad extensionista permite a los discentes del campo de las ciencias públicas conocer de forma sistemática tales impactos, especialmente, en lo que se refiere a las contradicciones entre la formulación de políticas y acciones y los procesos de implementación. Asimismo, la articulación entre extensión, enseñanza e investigación posibilita problematizar los fundamentos de la política de seguridad pública, revelando otras posibilidades además del encarcelamiento indiscriminado.

Palabras clave:
encarcelamiento; extensión; Campo de las Ciencias Públicas; formación discente; sistema penitenciario

INTRODUÇÃO

A recente construção do Campo de Públicas tem se caracterizado por uma intensa e profícua interdisciplinaridade, bem como por uma formação edificada pela interação entre ensino, pesquisa e extensão. No que tange à agenda de construção do conhecimento, o universo das políticas públicas possibilita uma série de temáticas e recortes, o que viabiliza uma rica variedade de pesquisa, mas que também pode desembocar na pulverização do saber. Nesse sentido, a proposta deste trabalho é refletir sobre a importância da atividade extensionista para compreender e problematizar as políticas públicas, de maneira especial a política de segurança pública e a gestão penitenciária.

A formação dos discentes do Campo de Públicas passa, necessariamente, por atividades que consideram a reflexão das práticas no setor público. Sabe-se que, quanto mais genérico e idealizado for o desenho de uma política pública, mais complexo e mais sujeito a produzir efeitos não esperados é o processo de implementação. Com isso, torna-se importante conhecer não só o desenho de uma política, mas principalmente os processos e atores que condicionam a sua proposição, além de ser fundamental compreender os desafios da gestão na implementação. No entanto, mais do que acompanhar e descrever situações, é preciso transformar experiência e observação em conhecimento transformador. A articulação entre a prática extensionista, o ensino reflexivo e a pesquisa sistemática é essencial para a formação cidadã dos discentes do Campo de Públicas.

Nesse sentido, optou-se por refletir sobre o papel da extensão na formação dos discentes mediante a articulação entre a política de segurança pública, o processo de encarceramento em massa e as implicações na gestão penal, tendo como problema de pesquisa: qual é a importância da atividade extensionista para compreender e problematizar as políticas públicas, de modo especial a política de segurança pública e a gestão penitenciária?

Do ponto de vista metodológico, a reflexão baseou-se em fontes primárias e secundárias. Foi feita uma revisão bibliográfica abrangente sobre o fenômeno do encarceramento em massa e suas implicações na gestão carcerária, evidenciando a situação do Rio Grande do Norte. Sendo assim, buscaram-se não só livros e artigos científicos, mas também teses e dissertações, visto que há um debate relativamente consolidado sobre o fenômeno na Região Sudeste, mas ainda em construção na Região Nordeste. A bibliografia pesquisada também foi fonte importante de dados do sistema carcerário e práticas de gestão no Rio Grande do Norte. O Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) forneceu dados atualizados do sistema e documentos. Por fim, a discussão a respeito da importância da extensão universitária e as implicações para os discentes do Campo de Públicas deu-se por meio de revisão bibliográfica e do acompanhamento, desde 2016, das diversas experiências do projeto de extensão Motyrum Penitenciário: Educação Popular em Direitos Humanos no Sistema Prisional do Rio Grande do Norte. A atuação no sistema penitenciário do Rio Grande do Norte e os eventos produzidos pelo projeto possibilitaram a observação direta dos efeitos das práticas extensionistas na formação dos discentes.

Importante destacar que o momento de redemocratização pós-ditadura militar e de elaboração da Constituição Federal de 1988 foi de reconstrução das políticas públicas pensadas sob o princípio da participação cidadã e do controle social. Na prática, a despeito das conquistas e dos avanços em determinadas áreas, como na saúde, percebeu-se na segurança pública uma série de ações reformistas que resultaram em uma política conservadora. Os governos democráticos de viés progressista não conseguiram apontar um caminho diferente do Estado penal e, ao contrário, contribuíram para a militarização das polícias, expansão da lógica punitivista do judiciário e encarceramento em massa, principalmente no que se refere à população negra no Brasil. São processos complexos e articulados que precisam ser compreendidos para além das formulações simplistas e das soluções fáceis.

A prática extensionista no sistema penitenciário, articulada à pesquisa sistemática e à reflexão teórica, é um caminho privilegiado para compreender a teia de relações que envolve a formulação e execução de uma política pública e é o que pretendemos discutir nestas páginas.

ESTADO PENAL E ENCARCERAMENTO EM MASSA

O encarceramento em massa no Brasil é um fenômeno que começou na década de 1990 e, desde o início, refletiu a limitação e a estreiteza das políticas de segurança pública instituídas pelos diversos governos democráticos.

Especificamente, ao analisar o perfil da população carcerária no país, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022:

Nos últimos anos, o perfil da população encarcerada não tem se modificado. O que se vê, na realidade, é a intensificação do encarceramento de negros e jovens: 46,4% dos presos têm entre 18 e 29 anos e 67,5% são de cor/raça negra. Ao longo dos últimos anos, o percentual da população negra encarcerada tem aumentado. Se em 2011, 60,3% da população encarcerada era negra e 36,6% branca, em 2021, a proporção foi de 67,5% de presos negros para 29,0% de brancos (FBSP, 2022Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) (2022). Anuário Brasileiro de Segurança Pública. FBSP., p. 403).

Em consonância com os dados anteriores, diversos estudos têm demonstrado que, longe de solucionar o problema da violência e da criminalidade, o Estado penal cria uma série de outros fenômenos que agravam ainda mais o problema original. Pesquisas sobre uma das principais facções criminosas do país (Biondi, 2010Biondi, K. (2010). Junto e misturado: uma etnografia do PCC. Terceiro Nome.; Dias, 2013Dias, C. C. N. (2013). PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. Saraiva.; Feltran, 2018Feltran, G. de S. (2018). Irmãos: uma história do PCC. Companhia das Letras.) revelaram que o Primeiro Comando da Capital (PCC), diferentemente de outras organizações criminosas que surgiram no México, na Colômbia e demais países, apareceu no interior dos presídios, como reação ao superencarceramento.

Ao longo dos anos 1990, houve não só forte crescimento da população carcerária, mas também se agravou o problema das torturas e dos maus-tratos nos presídios. A tensão no sistema era derivada não só da relação entre policiais penais e presos, mas também das disputas entre grupos e gangues rivais. As facções conseguiram estabelecer uma relativa unidade entre a população privada de liberdade, ao mesmo tempo que a expansão e interiorização do sistema criaram outros problemas na área da segurança pública.

Marques (2017)Marques, A. J. (2017). Humanizar e expandir: uma genealogia da segurança pública em São Paulo. (Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos). https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8916/TeseAJM.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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, ao analisar a construção da política de segurança pública em São Paulo no período de redemocratização, chama a atenção para o viés democrático e de humanização do sistema. Tal perspectiva ganhou força na política de segurança pública federal com o Massacre do Carandiru, em 1992, resultando em uma grande expansão do sistema carcerário e da polícia militarizada. Nos anos 1980/90 diversos coletivos passaram a atuar sob a bandeira dos direitos humanos, denunciando as péssimas condições nos presídios e abusos da polícia. O massacre de 1992 aumentou a pressão nacional e internacional sobre o sistema carcerário, e a perspectiva de humanização foi incorporada não só na política estadual, como também na federal.

Se por um lado não se conseguiu a responsabilização daqueles que produziram o massacre, uma segunda pauta de reivindicação encontrou abrigo nas políticas de segurança estadual e federal, por meio de recomendações da Anistia Internacional (1993), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, do Ministério da Justiça.

Foi nos governos democráticos de cunho mais progressista de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), Lula (2003-2011) e Dilma (2001-2016) que ocorreram a expansão do sistema penitenciário e o significativo aumento do contingente policial cada vez mais militarizado. Para Marques (2017Marques, A. J. (2017). Humanizar e expandir: uma genealogia da segurança pública em São Paulo. (Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos). https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8916/TeseAJM.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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, p. 258), “direitos humanos e segurança pública [...] passaram a constituir - e a reforçarem-se, reciprocamente - o mesmo plano de efetuação política. Ele e ela são as duas faces de uma mesma razão de governo”.

A demanda por um tratamento mais humanitário dos privados de liberdade baseada nos direitos humanos serviu para os grupos mais conservadores colocarem em prática a expansão do sistema, com a construção de penitenciárias e sua interiorização. Como bem colocado por Marques (2017)Marques, A. J. (2017). Humanizar e expandir: uma genealogia da segurança pública em São Paulo. (Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos). https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8916/TeseAJM.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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, a lógica que se seguiu foi a de “humanizar e expandir”. A questão do encarceramento em massa não fez parte da agenda de segurança pública, que teve como prioridade reforçar, em parceria com os estados, os mecanismos de controle e repressão.

No início dos anos 2000 o PCC demonstrou sua força, promovendo uma série de rebeliões coordenadas de dentro dos presídios e feitas de forma simultânea. Uma das respostas estatais foi a criação do Regime Disciplinar Diferenciado, que explicitou ainda mais a função da prisão como meio de neutralização, em detrimento do enunciado correcional por intermédio do trabalho e da promoção da reintegração, e trouxe consequências não intencionais que agregam novos padrões de disfuncionalidade ao sistema prisional.

O fenômeno do encarceramento em massa e o declínio do Estado de bem-estar social em alguns países do norte global colocam em evidência uma nova função da prisão, a gestão da pobreza (Wacquant, 2001Wacquant, L. (2001). As prisões da miséria. Jorge Zahar.). Com isso, não se quer dizer que o ideal de “humanização”, ainda que limitado, tenha sido abandonado por completo. Da mesma maneira, não se pode afirmar que o encarceramento em massa e o declínio do Estado de bem-estar social têm sido os balizadores da gestão penitenciária, especialmente no Brasil.

A expansão do sistema penitenciário tem diversas consequências, com destaque para a ampliação da capacidade do poder das facções prisionais em quase todos os estados brasileiros. Nesse contexto, o desafio que desponta no horizonte do século XXI está relacionado à capacidade de governança estatal dos presídios em tais condições. Apenas para ilustrar o processo de expansão do sistema, dados do Ministério da Justiça fornecidos pelo InfoPen mostram que em junho de 2006 havia no país 864 estabelecimentos penais, enquanto em 2021 esse número subiu para 1.549. O número de vagas em presídios cresceu no ritmo da população prisional, como observado na Figura 1, ainda que de forma insuficiente para dar conta do problema da superlotação.

Figura 1
Déficit de vagas do sistema prisional e outras prisões*: julho a dezembro de 2021#

Outro ponto importante a se destacar no contexto do encarceramento em massa diz respeito à seletividade penal. Há produção de pesquisas consistentes que mostram como o Estado age por meio das polícias e do judiciário de forma a empurrar para o sistema penitenciário um perfil específico. Ou seja, a população prisional é, em sua maioria, composta de jovens negros e pardos, pobres e com baixa escolaridade. O processo de sujeição criminal (Misse, 2008Misse, M. (2008). Sobre a construção social do crime no Brasil: esboços de uma interpretação. In M. Misse (ed.). Acusados e acusadores. Revan.) é demonstrado por vários autores (Ramos & Musumeci, 2006Ramos, S., & Musumeci, L. (2006). Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Record.; Jesus, 2016Jesus, M. G. M. de (2016). “O que está no mundo não está nos autos”: a construção da verdade jurídica nos processos criminais de tráfico de drogas. (Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo). https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-03112016-162557/publico/2016_MariaGoreteMarquesDeJesus_VCorr.pdf
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
; Schlittler, 2016Schlittler, M. C. de C. (2016). “Matar muito, prender mal”: a produção da desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo militarizado em SP. (Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Carlos). https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/8914/TeseMCCS.pdf?sequence=3&isAllowed=y
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, entre outros).

Não se pretende discutir aqui a questão da expansão do sistema penitenciário, do encarceramento em massa ou da seletividade penal, mas, como dito anteriormente, o objetivo é mostrar como esses aspectos impactam na gestão das penitenciárias e, especialmente, nas práticas extensionistas que por sua vez influenciam na formação dos estudantes do Campo de Públicas.

EXPANSÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO E DESAFIOS DA GESTÃO PRISIONAL

O aumento do número de estabelecimentos penitenciários foi seguido por um substantivo aumento do gasto público, não só na construção e manutenção de penitenciárias, mas também em despesas com pessoal. Em dezembro de 2021, segundo o Departamento Penitenciário Nacional, havia 89.885 trabalhadores efetivos, e voltados à atividade de custódia eram 72.562. Os demais trabalhadores efetivos incluem enfermeiros, médicos, psicólogos, dentistas, assistentes sociais, pedagogos, professores, entre outros.

A política de interiorização prisional e a criação de centros de detenção provisória nas áreas metropolitanas causaram impactos significativos nos locais que receberam tais edificações. Do ponto de vista estatal, a interiorização era uma forma de quebrar a hegemonia das facções, ao mesmo tempo que a arquitetura compacta diminuiria as chances de rebelião. Se por um lado havia o temor de rebeliões e da segurança local, por outro se tinha a promessa de ganhos com a possibilidade de geração de empregos diretos e indiretos e incremento das atividades econômicas. Na prática, as penitenciárias impactam na dinâmica local, ainda que não da forma pensada pelo poder público (Bezerra, 2020Bezerra, B. B. A. (2020). Os efeitos da instalação de prisões em nível local: um estudo da presença do Complexo Penal de Alcaçuz na vida comunitária da Comunidade de Hortigranjeira (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal). https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/31398/1/Efeitosinstalacaoprisoes_Bezerra_2020.pdf
https://repositorio.ufrn.br/bitstream/12...
).

Ao analisar o processo de interiorização das penitenciárias no estado de São Paulo, Godoi (2015)Godoi, R. (2015). Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. (Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo). https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-05082015-161338/publico/2015_RafaelGodoi_VOrig.pdf
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observa os diversos fluxos que se estabelecem e se reorganizam entre as prisões e a sociedade. Diferentemente da crença do senso comum, que pensa a prisão como um lugar fechado em si mesmo, o autor chama a atenção para os “vasos comunicantes”, que põem em movimento relações entre o interior da prisão e o mundo externo, que não se limita ao seu redor. As constantes transferências de presos para locais cada vez mais distantes da cidade de origem colocam em movimento familiares, advogados, profissionais de saúde e outros sujeitos que participam desse fluxo (Godoi, 2015Godoi, R. (2015). Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. (Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo). https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-05082015-161338/publico/2015_RafaelGodoi_VOrig.pdf
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
). Desse modo, a gestão penitenciária tem de lidar não só com a dinâmica interna, mas também com os fluxos e a interação com a comunidade ao redor.

Os “vasos comunicantes”, que variam entre o que é legalmente prescrito e o ilegal instituído, mostram que as penitenciárias, apesar de aparentarem uma suspensão do tempo, têm um movimento que se liga ao mundo exterior. Além disso, há um movimento interno, uma dinâmica baseada nas tensões entre os sujeitos que ocupam seu espaço e que se conecta com o exterior pelos fluxos de entrada e saída de presos e pelas recorrentes reincidências. A prisão carrega uma contradição entre a função de anular e incapacitar os indivíduos e, ao mesmo tempo, a “ressocialização” deles. Os agentes encarregados dessa tarefa lidam com tais mazelas (Barbosa, 2005Barbosa, A. C. R. (2005). Prender e dar fuga: biopolítica, sistema penitenciário e tráfico de drogas no Rio de Janeiro (Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro). http://objdig.ufrj.br/72/teses/632556.pdf
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):

Ressocialização e retribuição e neutralização: é o que se percebe na referência ao lugar da disciplina e vigilância na correção do indivíduo, e, ao inverso, da importância dos projetos de ressocialização para a manutenção da custódia. Nesse sentido, a prisão não é apenas um lugar de onde os que estão ali tentam sair a qualquer preço; ela mesma opera, como instituição, sobre linhas de fuga (Barbosa, 2005Barbosa, A. C. R. (2005). Prender e dar fuga: biopolítica, sistema penitenciário e tráfico de drogas no Rio de Janeiro (Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro). http://objdig.ufrj.br/72/teses/632556.pdf
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, p. 116).

A gestão prisional tem de lidar com a iminência da fuga, da rebelião, ou seja, manter um rigoroso controle sobre os corpos por meio da disciplina e de rotinas rigorosas. Simultaneamente, precisa interromper esse rigor para receber médicos, professores, assistentes sociais e outros profissionais que minimizam o pesado tempo de espera até o fim da pena.

Trata-se de negociar com a esperança de soltura que advém dos presos. Isso implica reafirmar a importância do bom comportamento para que o preso tenha direito à progressão de regime (resultando na sua transferência entre unidades do sistema penitenciário) e à liberdade condicional, assim como estimular as atividades laborativas e educativas que resultam na remissão da pena (de resto, pouco oferecidas) (Barbosa, 2005Barbosa, A. C. R. (2005). Prender e dar fuga: biopolítica, sistema penitenciário e tráfico de drogas no Rio de Janeiro (Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro). http://objdig.ufrj.br/72/teses/632556.pdf
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, p. 116).

É importante destacar que, somados às atividades ditas de ressocialização, também estão as visitas de familiares, visitas íntimas, encontros com advogados e outras atividades ilícitas como “drogas (em determinado período, no Rio de Janeiro, alguns agentes costumavam dizer que sem maconha não se administrava a cadeia), telefones celulares, televisores, dinheiro etc.” (Barbosa, 2005Barbosa, A. C. R. (2005). Prender e dar fuga: biopolítica, sistema penitenciário e tráfico de drogas no Rio de Janeiro (Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro). http://objdig.ufrj.br/72/teses/632556.pdf
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, p. 116). Barbosa (2005)Barbosa, A. C. R. (2005). Prender e dar fuga: biopolítica, sistema penitenciário e tráfico de drogas no Rio de Janeiro (Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro). http://objdig.ufrj.br/72/teses/632556.pdf
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chama a atenção ainda para o fato de que, no imaginário popular, a prisão é um lugar de isolamento, da não relação, da incapacitação dos sujeitos, no entanto os fluxos e as tensões internas dão movimento a essa instituição, que ora se faz mais lenta, ora mais intensa. A gestão prisional deve lidar com esse movimento, e não apenas impor disciplina e ordem.

Em relação ao entorno dos presídios que foram construídos fora dos grandes centros urbanos, além da sensação de insegurança recorrentemente assinalada pela população local, diversos outros problemas compõem a agenda dos gestores. Sinhoretto, Silvestre e Melo (2013)Sinhoretto, J., Silvestre, G., & Melo, F. A. L. de (2013). O encarceramento em massa em São Paulo. Tempo Social, 25(1), 83-106. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100005
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, em um estudo sobre o impacto de duas penitenciárias em cidades do interior de São Paulo, observaram problemas de diversas ordens ao relatar o impacto da instalação de unidades prisionais em locais não planejados, afetando diretamente a população e o cotidiano das cidades:

Nesse contexto, a presença das prisões afeta a vida local dessas cidades, impactando em setores como a assistência social, a saúde, a segurança etc., gerando ainda tensões que excedem a capacidade local de gerenciar os conflitos. Além dessa dimensão conflitiva, é possível observar o compartilhamento da gestão do cotidiano prisional, constantemente negociada fora dos muros das prisões (Sinhoretto et al., 2013Sinhoretto, J., Silvestre, G., & Melo, F. A. L. de (2013). O encarceramento em massa em São Paulo. Tempo Social, 25(1), 83-106. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100005
https://doi.org/10.1590/S0103-2070201300...
, p. 85).

A situação descrita repete-se em outros estados da federação onde foram construídos presídios em cidades de pequeno ou médio porte. É importante ressaltar novamente que a população carcerária demanda uma série de serviços que em boa parte o município tem de dar conta. Os serviços de saúde ilustram bem esse problema. Especialmente nas regiões mais pobres do país, a população convive com a falta de médicos, a demora para a realização de exames, a ausência de equipamentos, entre outros problemas. A instalação de um presídio não só acaba por pressionar o frágil sistema, como também cria descontentamento entre a população, gerando percepções negativas na opinião pública.

Além dos problemas de ordem material, os autores apontam para conflitos de ordem moral, uma vez que a presença de familiares durante as visitas ou que se mudam para o local é carregada de preconceitos. Tais conflitos acabam por se reproduzirem na administração municipal e estadual, em debates e soluções que são conduzidos muitas vezes por quem desconhece a rotina dos presídios e sua gestão. Ao mesmo tempo, o poder local tem pouca ou nenhuma força para dar conta dos problemas gerados pela nova realidade.

No plano político, na gestão dos conflitos há uma subordinação dos atores estatais locais às políticas estaduais, que não são receptivas às demandas locais e tampouco as reconhecem. Além disso, as políticas judiciais priorizam o encarceramento como a principal punição para os crimes patrimoniais e de drogas, focalizados ainda em uma camada social específica. Assim, as políticas estaduais investem na estrutura do sistema prisional ampliando-o significativamente, ao passo que as políticas judiciais não buscam medidas alternativas à prisão, gerando um processo crescente de encarceramento em massa e direcionado (Sinhoretto et al., 2013Sinhoretto, J., Silvestre, G., & Melo, F. A. L. de (2013). O encarceramento em massa em São Paulo. Tempo Social, 25(1), 83-106. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100005
https://doi.org/10.1590/S0103-2070201300...
, p. 89).

Os autores apontam para outra contradição oriunda do judiciário, pois há um movimento que busca a humanização dos presídios e a reintegração social dos privados de liberdade mediante práticas educativas, no entanto o mesmo poder judiciário continua a enviar de forma sistemática para os presídios jovens, negros, pobres e com baixa escolaridade, que respondem a delitos relacionados ao comércio de drogas ilícitas e crimes patrimoniais. O processo de humanizar e expandir passa também pela atuação do judiciário (Sinhoretto et al., 2013Sinhoretto, J., Silvestre, G., & Melo, F. A. L. de (2013). O encarceramento em massa em São Paulo. Tempo Social, 25(1), 83-106. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100005
https://doi.org/10.1590/S0103-2070201300...
).

Além de lidar com as contradições criadas pela lógica do Estado penal, a gestão penitenciária precisa lidar com questões internas que são delicadas. A visita da família, por exemplo, é sempre um momento de tensão. A presença de familiares gera certo conforto para os apenados, não só por uma questão de afeto, de poder receber notícias da comunidade, mas também por ser o familiar aquele que supre em grande parte suas necessidades no cotidiano do presídio, por levarem cigarros, comidas, produtos de limpeza, entre outros itens. Se a função de reintegração for minimamente considerada pela gestão, a presença do familiar é peça importante nesse processo, porém essa presença é vista e tratada como ameaça. Desde a preparação para a entrada, os visitantes passam por constrangimentos, pois ficam em grandes filas e são vistos como suspeitos, muitas vezes submetidos a revistas vexatórias (Cirino & Castro, 2022Cirino, S., & Castro, B. A. de (2022). Revista íntima de mulheres visitantes em presídios: vidas normativamente não humanas. Revista Estudos Feministas, 30(1), 1-15. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n171866
https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v3...
) e tendo seus pertences revirados. Os maus-tratos podem gerar revolta entre os privados de liberdade e deixar o clima tenso, ao mesmo tempo que se pretende evitar ao máximo a entrada de objetos ilícitos e não permitidos.

O que se pretende destacar nesta sessão é que a gestão penitenciária nunca foi uma tarefa simples, mas que, principalmente no contexto de superencarceramento, tal atividade ganha enorme complexidade. Saber lidar com as demandas dos presos e seus coletivos, manter a ordem, dar respostas ao poder público local e à opinião pública, além de gerir os fluxos, faz da gestão penitenciária um grande desafio. Sendo assim, a prática extensionista nos presídios se torna fundamental para reforçar a função social da universidade pública, bem como contribui de forma ímpar na formação dos discentes, como discutido a seguir.

PRISÕES NO RIO GRANDE DO NORTE, EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E O CAMPO DE PÚBLICAS

A expansão do sistema carcerário no Rio Grande do Norte possui particularidades em relação ao que ocorre na Região Sudeste, especialmente o caso de São Paulo, que tem uma quantidade considerável de pesquisas sobre a temática. O fenômeno do encarceramento em massa e a expansão dos presídios ocorreram em momento similar, no fim do século XX e início do XXI. Os motivos declarados pelos governos também eram melhoria nas condições de ocupação e expansão de vagas para receber o crescente contingente de presos. As prisões do Rio Grande do Norte tinham péssima reputação. Relatos de tortura, suicídio, assassinatos e outras brutalidades eram algo comum na imprensa local.

Embora a política norteriograndense de construções de prisões tenha sido menos numerosa que a paulista, ela foi implantada por objetivos em comum, como aumentar o número de vagas no sistema prisional; desativar prisões extremamente precárias; fornecer mais segurança para os funcionários, como também para os presos; e melhorar as condições que os internos viviam. À primeira vista, esses elementos reforçavam o caráter securitário e humanitário que a expansão prisional brasileira demonstrava (Bezerra, 2020Bezerra, B. B. A. (2020). Os efeitos da instalação de prisões em nível local: um estudo da presença do Complexo Penal de Alcaçuz na vida comunitária da Comunidade de Hortigranjeira (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal). https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/31398/1/Efeitosinstalacaoprisoes_Bezerra_2020.pdf
https://repositorio.ufrn.br/bitstream/12...
, p. 32).

Bezerra (2020)Bezerra, B. B. A. (2020). Os efeitos da instalação de prisões em nível local: um estudo da presença do Complexo Penal de Alcaçuz na vida comunitária da Comunidade de Hortigranjeira (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal). https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/31398/1/Efeitosinstalacaoprisoes_Bezerra_2020.pdf
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chama a atenção para o fato de que o sistema prisional do Rio Grande do Norte já nasceu interiorizado. Desde a construção de uma das mais importantes penitenciárias potiguares, a Colônia Penal Dr. João Chaves, em 1950, havia a preocupação em deixar longe da cidade tal edificação. Com a expansão da malha urbana da cidade de Natal, a João Chaves passou a fazer parte do cenário urbano da periferia natalense. Gradativamente, foram sendo construídas outras unidades prisionais em cidades do interior, pois a concentração dos presos em Natal causava uma série de inconvenientes. Para os familiares dos custodiados do interior, era difícil o deslocamento para a capital e muitos passaram a permanecer nas franjas do presídio, ocupando-se de atividades de mendicância ou ilícitas.

Portanto, de 1995 a 2010, período esse de importantes transformações no sistema prisional do RN, o governo do estado construiu quatro penitenciárias, quatro cadeias públicas, uma Casa de Albergue e um Hospital de Custódia. Além de reformas e ampliações em pelo menos duas penitenciárias (Mário Negócio e João Chaves) para implantação de outros tipos de regime na instituição e abertura de alas femininas.

Apesar da presença dessas novas unidades, a superlotação no sistema se tornou uma realidade, de modo que segundo o Mapa do Encarceramento (2015), o RN tinha cerca de 2.243 presos em 2005, passando para 2.937 em 2006. Desse modo, as delegacias, penitenciárias e cadeias públicas não eram suficientes para atender as demandas por vaga.

É também durante o governo de Wilma Maia (2003-2010) que os Centros de Detenção Provisória (CDPs) são implantados no estado, porém, de forma extremamente improvisada. Não foram construídos prédios específicos, mas utilizadas as carceragens das delegacias de polícia, por isso muitos deles estão nos centros urbanos próximos a residências e comércios (Bezerra, 2020Bezerra, B. B. A. (2020). Os efeitos da instalação de prisões em nível local: um estudo da presença do Complexo Penal de Alcaçuz na vida comunitária da Comunidade de Hortigranjeira (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal). https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/31398/1/Efeitosinstalacaoprisoes_Bezerra_2020.pdf
https://repositorio.ufrn.br/bitstream/12...
, p. 36).

Vale sublinhar que em 1998 foi inaugurada a Penitenciária Estadual Dr. Francisco Nogueira Fernandes, nacionalmente conhecida como Penitenciária de Alcaçuz, bem como no ano de 2010 a Penitenciária Estadual Rogério Coutinho Madruga, ambas na cidade de Nísia Floresta, bem próxima a Natal, porém com acesso precário. Essas duas unidades prisionais passaram a abrigar uma enorme população carcerária. Além das condições desumanas de permanência dos custodiados, era crescente a tensão entre grupos que se tornaram rivais, o Sindicato do Crime e o PCC.

É sempre importante lembrar que o principal problema do sistema prisional brasileiro está relacionado com o encarceramento em massa, como assinalado no início do texto, no entanto tal situação torna-se ainda mais grave com as condições que são impostas aos apenados. Os relatos de violação de direitos ainda persistem, e os presídios continuam superlotados, como pode ser visualizado na Figura 2.

Figura 2
Déficit/superávit de vagas do sistema prisional: julho a dezembro de 2021*

O estado recebeu também a Penitenciária Federal de Mossoró, de segurança máxima, que tem recebido custodiados da Região Sudeste ligados ao Comando Vermelho e ao PCC.

No contexto inicial de expansão do sistema nasceu o Lições de Cidadania, projeto de extensão vinculado ao curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que visava à popularização do saber jurídico pela perspectiva da metodologia de Paulo Freire. O Lições durou de 2005 até 2013, quando o projeto passou a se constituir como Programa Motyrum Penitenciário: Educação Popular em Direitos Humanos no Sistema Prisional, dividido entre quatro núcleos: Escritório Popular, Urbano, Infantojuvenil e Penitenciário.

Além de objetivar a popularização do saber jurídico, especialmente no meio rural, o Lições tinha como proposta o protagonismo dos discentes e a reformulação constante de suas ações, adaptando-se às mudanças e aos novos contextos. Essas características ainda permanecem e marcam de forma decisiva a história do Motyrum Penitenciário: Educação Popular em Direitos Humanos no Sistema Prisional. Para participar do grupo, há um processo de formação/seleção, preparado pelos discentes. Os pretendentes passam por uma formação, que inclui leitura e debates de textos previamente selecionados e entrevistas. Posteriormente, os membros definem quem entra no projeto e de qual núcleo vai participar.

Desde o início, os alunos são estimulados a participar ativamente do Motyrum, seja refletindo sobre a relação ensino, pesquisa e extensão, seja discutindo e propondo formas de atuação.

De acordo com a Pró-Reitoria de Extensão da UFRN, define-se extensão como

uma atividade que se integra à matriz curricular e à pesquisa, constituindo-se em processo interdisciplinar, político educacional, cultural, científico e tecnológico, que promove a interação transformadora entre a instituição de ensino superior e os setores da sociedade por meio da produção e da troca do conhecimento (UFRN, 2022Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) (2022). Edital nº 10/2022. Natal: UFRN. https://proex.ufrn.br/editais/edital?id=528088321
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, p. 1)

No caso do Motyrum Penitenciário, nas próximas páginas fica evidente o cumprimento do determinado pela universidade, tendo em vista que desde o início os extensionistas são expostos à pesquisa, não apenas pela leitura de textos teóricos, mas também na organização e edição de revista científica, na publicação de livros e na organização de eventos acadêmicos regionais e nacionais.

O pilar do ensino surge com as atividades educacionais propostas nas unidades prisionais do estado, que ao longo desses anos ofereceram diversos cursos de formação, possibilitando não apenas o contato do discente participante do projeto com as pessoas privadas de liberdade, mas também a experiência de lecionar com base nos preceitos de Paulo Freire (1996Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra., p. 23): “Quem forma se forma e re-forma e quem é formado forma-se e forma o ser formado. [...] Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. [...] Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa”.

Tendo como pauta os estudos freireanos, a interdisciplinaridade forma parte do projeto, por incluir docentes coordenadores e colaboradores de diferentes áreas e por prezar pela participação de extensionistas de diversos cursos de graduação da UFRN e de outras instituições superiores do Rio Grande do Norte e de alunos do Instituto Federal a nível médio técnico.

Os projetos de extensão são ações de intervenções desenvolvidos por meio da interação com os diversos setores da sociedade, visando ao intercâmbio e ao aprimoramento do conhecimento, bem como à atuação da Universidade na realidade social por meio de ações de caráter educativo, social, artístico, cultural, científico e tecnológico (UFRN, 2022Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) (2022). Edital nº 10/2022. Natal: UFRN. https://proex.ufrn.br/editais/edital?id=528088321
https://proex.ufrn.br/editais/edital?id=...
, p. 1).

No caso do Motyrum Penitenciário, sua criação deu-se pela necessidade de interação com o sistema penitenciário em 2011, mais especificamente na Penitenciária Feminina João Chaves, já citada. Houve uma tentativa anterior de atuação na Penitenciária de Alcaçuz, no entanto, por causa da precariedade estrutural e da constante troca de diretores, foi descartada tal possibilidade. Além disso, já havia nesse momento preocupação no tocante à segurança dos alunos, uma vez que o PCC já se fazia presente e atuava em Alcaçuz (Azevedo, Borges, & Caldas, 2011Azevedo, D., Borges, R., & Caldas, A. (2011). Lições de cidadania em ambiente penitenciário: educação popular em direitos humanos na penitenciária feminina João Chaves. V Jornada Internacional de Políticas Públicas.http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/cdvjornada/jornada_eixo_2011/poder_violencia_e_politicas_publicas/projeto_licoes_de_cidadania_em_ambiente_penitenciario.pdf
http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinp...
). Em 2012 a atuação foi descontinuada pela direção do presídio após divergências em relação aos temas discutidos. Nos anos de 2013 e 2014 o grupo teve inserção na Penitenciária Estadual de Parnamirim, buscando promover oficinas e diálogo com os privados de liberdade, no entanto conflitos entre os membros do projeto e a direção da penitenciária colocou fim nas atuações. Em 2015 e 2016 o grupo foi novamente aceito na ala feminina da João Chaves, e em 2016 o Motyrum Penitenciário passou a ter vínculo com o Instituto de Políticas Públicas da UFRN.

Cabe destacar que na transição do Lições para o Motyrum Penitenciário houve uma mudança gradual no perfil dos discentes, que se iniciou com a predominância de indivíduos oriundos do Direito e atualmente recebe discentes de Ciências Sociais, Pedagogia, Gestão de Políticas Públicas, Psicologia, entre outros.

Em 2017 os extensionistas fizeram um levantamento do perfil das apenadas por meio de entrevistas e questionários aplicados em todas as unidades femininas do Rio Grande do Norte. Outra atividade herdada do Lições consistiu na organização e realização do evento intitulado (In)Justiça Penal, que em geral ocorre semestralmente e procura levar para a universidade debates sobre os problemas encontrados na realidade extensionista. No evento é apresentada uma nova edição da Revista Transgressões: Ciências Criminais em Debate, também organizada pelos discentes.

É importante dizer que diversos foram os percalços que contribuíram para a descontinuidade das atuações. Como dito anteriormente, a gestão carcerária convive com diversas tensões e dificuldades para lidar com os fluxos prisionais. No caso do Motyrum, a perspectiva de trabalhar com educação popular e direitos humanos sempre causou desconfiança e incômodo, na medida em que os apenados passavam a questionar as péssimas condições do cárcere. Além disso, há um problema estrutural em quase todas as penitenciárias do Rio Grande do Norte. Muitas vezes as atuações ocorriam na porta das celas, pois não havia sala própria para atividades educacionais. No tempo de permanência era possível sentir o forte calor nordestino, bem como o odor fétido proveniente do ineficiente sistema de esgoto. Outra grande dificuldade era lidar com os imponderáveis do cotidiano prisional. Para o senso comum, no presídio o tempo é farto, e o preso, um eterno ocioso, no entanto há uma rotina que precisa ser levada em consideração. Existem as normas disciplinares, que em certos momentos são excessivas, mas também há uma agenda que envolve os outros atores, como médicos, professores, dentistas, religiosos, entre outros. A atividade extensionista quase sempre é vista como secundária, quando não problemática.

Todavia, as experiências conflituosas nos presídios permitem aos extensionistas refletir sobre a função do presídio para além do declarado legalmente. Do ponto de vista da gestão, os discentes do Campo de Públicas podem vivenciar as dificuldades e contradições do que é prescrito pela política de segurança pública e a forma como se dá a implementação. Normalmente a direção do presídio é exercida por um policial penal da própria unidade e que conhece muito bem a rotina da instituição. Ao mesmo tempo, ele necessita lidar com a comunidade externa, o cumprimento das políticas penais oriundas do Ministério da Justiça e Segurança Pública e demandas do judiciário, as reivindicações dos familiares e coletivos dos apenados, entre outras situações que alteram a rotina da instituição.

Sendo assim, implementar ações que vão ao encontro dos direitos previstos em lei e executar as políticas penais dependem fundamentalmente dos atores envolvidos na execução.

Desse modo, as ações que serão desenvolvidas ou não na penitenciária estão sujeitas em grande medida à discricionariedade dos gestores, especialmente dos “burocratas de nível de rua” (Lipsky, 2019Lipsky, M. (2019). Burocracia de nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: Enap. https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/4158/1/Burocracia%20de%20n%C3%ADvel%20de%20rua_Michael%20Lipsky.pdf
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). Ao lidar com a implementação de determinada política, é comum os gestores serem obrigados a lidar com problemas não previstos na formulação. Na gestão das penitenciárias a questão da discricionariedade é bastante sensível, pois, não só a questão orçamentária e a de infraestrutura condicionam as ações dos gestores, mas também os fluxos já mencionados.

Ao analisar a implementação da educação em prisões no Rio Grande do Norte, Cotrim (2022)Cotrim, T. P. (2022). A implementação da educação em prisões no Rio Grande do Norte (RN). (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal). https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/programa/defesas.jsf?lc=pt_BR&id=5254
https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/progr...
demonstra como o perfil do gestor e a interação com outros órgãos do setor público criam formas distintas de aplicação da oferta de educação no sistema. Não é objetivo discutir aqui os efeitos dessa discricionariedade, no entanto é importante dizer que há uma linha tênue entre a flexibilidade e adaptação às circunstâncias da condução personalista e autoritária da gestão. A trajetória de descontinuidades das ações do Motyrum Penitenciário reflete, em alguma medida, essa complexa relação.

Em 2017 ocorreu o Massacre de Alcaçuz, evento que teve repercussão direta na continuidade das ações de extensão em penitenciárias do Rio Grande do Norte. Após o massacre, a inserção dos extensionistas nas unidades ficou inviabilizada. Em compensação, foi estabelecida parceria com a Pastoral Carcerária para acompanhamento das audiências de custódia, implantadas no estado em 2015. Os discentes faziam, com os membros da Pastoral e os do projeto Novos Rumos do Tribunal de Justiça, o levantamento do perfil do custodiado e tinham a oportunidade de acompanhar as audiências. Essa nova experiência, ainda que fora do cárcere, possibilitou uma visão da atuação do judiciário na produção do encarceramento em massa. Especialmente para os alunos do Campo de Públicas, conhecer, pela observação direta, as práticas do judiciário permitiu uma visão mais global de um processo complexo. Apesar de as audiências de custódia representarem um avanço em termos de garantia mínima de direitos do custodiado, é possível compreender por meio da observação sistemática como os operadores do direito contribuem, em grande medida, para o processo de seletividade penal.

A dificuldade de voltar a atuar no sistema prisional fez com que o Motyrum Penitenciário diversificasse suas ações. Como estratégia para reaproximar o núcleo do cotidiano prisional, foram feitas diversas campanhas, como arrecadação de produtos de limpeza e de higiene pessoal e, principalmente, livros para o projeto Leitura para a Liberdade, desenvolvido pela neuropedagoga Augusta Gujev Souza na Penitenciária Estadual de Parnamirim. A campanha de arrecadação de livros despertou nos extensionistas interesse pela prática de remição da pena por leitura.

O ano de 2019 foi de construção de outro projeto de atuação no Complexo Prisional João Chaves, que previa a oferta de apoio jurídico com acompanhamento processual, a continuidade da formação em direitos humanos, mais oficinas de capacitação e noções de leitura e escrita. Essa proposta representou uma nova fase do Motyrum Penitenciário; foi momento de novas parcerias com o Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas (DLLEM) da UFRN, que passou a atuar de forma conjunta com o Motyrum.

Ainda que não tenha sido possível executar o projeto na João Chaves em 2020, em razão da pandemia de Covid-19, novas possibilidades surgiram, e o grupo voltou a atuar, dessa vez de forma remota, na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac), no município de Macau. Mais uma vez, a mudança de rumos propiciou aos extensionistas novas experiências, pois as Apacs têm uma proposta de lidar com os privados de liberdade que difere radicalmente da dos presídios convencionais.

Desde 2020, a associação tem recebido os extensionistas no formato remoto, em atividades realizadas pelo Motyrum e por projetos parceiros. Em 2020 houve oficinas sobre direitos humanos e educação popular em execução penal. No ano seguinte, iniciaram-se o clube de leitura e a remição de pena por leitura, além das aulas de língua espanhola. Em 2022 essas atividades estão sendo realizadas não apenas de modo remoto, semanalmente, mas também presencial, permitindo maior estreitamento com os recuperandos e com a equipe da Apac.

Faz-se importante destacar que todas essas atividades passam por todos os pilares que regem a universidade federal, por meio de discussões teóricas e escrita de artigos científicos e capítulos de livros, representando a pesquisa; do ensino, com aulas e oficinas que permitem ao extensionista ocupar o papel de professor; e, por fim, da extensão, que se dá com o oferecimento de atividades à população privada de liberdade do Rio Grande do Norte e tem como norte suprir a necessidade de atividades escolares e não escolares demandadas por unidades prisionais como a Apac. Toda essa rede criada possibilita não apenas a formação discente, mas também a participação dos apenados, que na maioria dos casos nunca tiveram a oportunidade de se aproximar da UFRN.

Hoje em dia, além de pretender continuar com as atividades na associação, o Motyrum articula o retorno presencial aos presídios de Natal e região metropolitana em parceria com o DLLEM e o Departamento de Antropologia da UFRN, no entanto esse retorno tem seguido uma lógica diferente da lógica das programações anteriores. Normalmente era enviado para a secretaria estadual responsável pelo sistema penitenciário um projeto de atuação que, após devidamente autorizado, era executado na unidade designada. Dessa vez, a estratégia consiste em conhecer as unidades prisionais e conversar com os policiais penais. Busca-se compreender em primeiro lugar quais ações são desenvolvidas nos presídios, como é a rotina dos apenados e quais são as dificuldades encontradas pelos gestores no cotidiano da instituição. Sendo assim, o que se pretende é construir uma proposta de atuação com base na realidade de cada instituição, adequando as demandas do Motyrum e de seus parceiros às peculiaridades da gestão local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência extensionista no cárcere tem proporcionado para os discentes do curso de Gestão de Políticas Públicas da UFRN um ambiente propício à formação interdisciplinar e cidadã. A vivência na articulação interna do Motyrum, o contato com outros gestores e a atuação no sistema prisional permitem aos discentes reelaborar os conceitos discutidos em classe e confrontar a realidade vivida com os modelos teóricos. O conceito de discricionariedade, por exemplo, pode ser problematizado pela relação de aproximação ou de conflito que o grupo estabelece com os gestores antes e ao longo das atuações. Nesse sentido, o que se percebe é a linha tênue entre ter liberdade para tomar decisões importantes para o bom funcionamento do cárcere e ter liberdade para decisões monocráticas, que muitas vezes não têm como parâmetro o arcabouço legal instituído.

Outro ponto importante é a possibilidade de melhor compreensão da interferência de processos sociais no cotidiano da gestão penal e na forma de atuação dos extensionistas. O encarceramento em massa alterou substantivamente a rotina nos presídios. Os conflitos entre a gestão e os privados de liberdade tornaram o cotidiano mais tenso, aumentando mais as dificuldades de lidar com os fluxos prisionais. O dia de atuação dos discentes é, ao mesmo tempo, um momento de alegria para os participantes das oficinas e de transtorno para os gestores. É perceptível a tensão quando se chega ao presídio. A necessidade de cumprimento de vários protocolos, o cuidado com as palavras e expressões, a escolha do que se pode ou não levar, todas essas pequenas coisas expressam a nova realidade dos presídios no Brasil.

A seletividade penal produz efeitos na forma de atuação dos discentes. Trabalhar com educação popular em direitos humanos e remição pela leitura requer dos apenados ao menos habilidade de leitura, no entanto o perfil educacional da população carcerária no Rio Grande do Norte demanda adaptações para a realização das oficinas. Muitos são analfabetos, e o judiciário tem se mostrado relutante em aceitar formas alternativas de remir pena que não pela escrita. Sendo assim, o Motyrum tem feito oficinas como curso de extensão com direito à certificação, o que viabiliza a remição.

Por fim, a articulação entre extensão, ensino e pesquisa tem possibilitado uma reflexão sobre a gestão carcerária e o sistema prisional que rompe com a lógica de humanizar e expandir. Os eventos organizados pelo Motyrum têm colocado em debate não só os problemas do cárcere e da gestão, mas igualmente o papel do judiciário e os conflitos sociais. O (In)Justiça Penal, por exemplo, tem como convidados para debate gestores, pesquisadores e pessoas da comunidade, abrindo possibilidade de uma discussão plural. A Revista Transgressões é um espaço importante de sistematização teórica, mas há também espaço para poemas e outras formas de reflexão.

  • Avaliado pelo sistema double blind review.

REFERÊNCIAS

Editado por

Editores convidados: Lindijane Almeida, Fernando Abrucio, Magda Lima Lúcio, Edgilson Tavares, e Maria Isabel Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2022
  • Aceito
    06 Jan 2023
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