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TCC EM GESTÃO PÚBLICA: PROFISSIONALIZAÇÃO E INOVAÇÃO

TCC in public administration: Professionalization and innovation

TCC en gestión pública: Profesionalización e innovación

RESUMO

Neste artigo, são debatidos o papel e a adoção do trabalho de conclusão de curso (TCC) em formatos monográficos e não monográficos, bem como trazida uma reflexão sobre as contribuições da avaliação como indutora da adoção de TCCs voltados para o desenvolvimento de tecnologias de gestão pública. De início, o texto apresenta uma discussão a respeito do que é um TCC e dos seus tipos. Na sequência, é feito um levantamento de TCCs adotados pelos cursos superiores tecnológicos em Gestão Pública no Brasil. Fica patente que são poucos os cursos que divulgam informações sobre a adoção ou não de TCC, e há um pequeno número de cursos que lidam com o TCC no formato não tradicional. Conclui-se o artigo com uma defesa da adoção de TCCs que incentivem o desenvolvimento de tecnologias de gestão pública e que reflitam acerca de como os critérios de avaliação asseguram ou dificultam o desenvolvimento de TCC

Palavras-chave:
TCC-produto; tecnologias em gestão pública; educação profissional; formação interdisciplinar; Campo de Públicas

ABSTRACT

This article debates the role and adoption of different formats of undergraduate dissertations and also reflects on how student assessment induces the use of these dissertations to develop public management technologies. At first, the study discusses the concept and formats of undergraduate dissertations and then presents a view of different formats adopted by public administration technological undergraduate programs in Brazil. Few programs disclosed whether they require undergraduate dissertations. Also, few programs accept students to present undergraduate dissertations in formats different from the standard. The findings support advocating the adoption of undergraduate dissertations to assess students to induce the development of public management technologies. In addition, undergraduate programs should reflect on evaluation criteria that encourage or discourage students from developing undergraduate dissertations.

Keywords:
undergraduate dissertation; public management technologies; vocational education; interdisciplinary education; Campo de Públicas

RESUMEN

En este artículo se discute el papel y la adopción de los trabajos de conclusión de curso (TCC) en formatos monográficos y no monográficos, y se presenta una reflexión sobre las contribuciones de la evaluación como inductora de la adopción de los TCC orientados al desarrollo de tecnologías e innovaciones de gestión pública. Al inicio, el texto presenta una discusión sobre lo que es un trabajo de conclusión de curso y los tipos de TCC. Posteriormente, se hace un levantamiento de los TCC adoptados por los cursos superiores tecnológicos de gestión pública de instituciones brasileñas. Se evidencia que hay pocos cursos que divulgan información sobre la adopción o no del TCC, y que hay un número muy reducido de cursos que tratan el TCC en formato no tradicional. Se concluye con una defensa de la adopción de TCC que fomenten el desarrollo de tecnologías e innovaciones de gestión pública y con una reflexión sobre cómo los criterios de evaluación aseguran o dificultan el desarrollo de TCC.

Palabras clave:
TCC-producto; tecnologías en gestión pública; educación profesional; formación interdisciplinaria; Campo de la Gestión Pública

INTRODUÇÃO

No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) assegurou a oferta de cursos superiores de tecnologia (CST) na modalidade educação profissional (Art. 39), que abrange desde o ensino médio até o doutoramento (BRASIL, 1996Brasil (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB. 9394/1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
), mas, assim como os mestrados e doutorados profissionais, os cursos tecnológicos sofrem muito preconceito ainda, derivado de uma preocupação de boa parte da elite pensante brasileira com a cooptação da educação para finalidades de capacitação para o trabalho, sem a necessária formação crítica e cidadã.

Esse preconceito (arguível como qualquer outro), contudo, não impediu a definição das diretrizes curriculares nacionais gerais para a educação profissional e tecnológica nem o crescimento exponencial da oferta de cursos tecnológicos nos 13 eixos previstos no Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia, entre os quais aqueles voltados para o Campo de Públicas e, neste, os cursos superiores de tecnologia em Gestão Pública. Em 2020, havia no Brasil, de acordo com o Ministério da Educação (MEC), 322 graduações tecnológicas em Gestão Pública (presenciais e a distância), autorizadas pelo MEC e em atividade. Se observados os cursos presenciais, essa oferta ainda assim era grande: 263 cursos, dos quais 208 ativos.

Os cursos tecnológicos em Gestão Pública situam-se no eixo Gestão de Negócios, precisam ter no mínimo 1.600 horas e determinam, como perfil do egresso, aquele que

Diagnostica o cenário político, econômico, social e legal na totalidade da gestão pública. Desenvolve e aplica inovações científico-tecnológicas nos processos de gestão pública. Planeja, implanta, supervisiona e avalia projetos e programas de políticas públicas voltados para o desenvolvimento local e regional. Aplica metodologias inovadoras de gestão, baseadas nos princípios da administração pública, legislação vigente, tecnologias gerenciais, aspectos ambientais e ética profissional. Planeja e implanta ações vinculadas à prestação de serviços públicos que se relacionam aos setores e segmentos dos processos de gestão. Avalia e emite parecer técnico em sua área de formação (Brasil, 2016Brasil. Ministério da Educação. Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia. Brasília: MEC. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=98211-cncst-2016-a&category_slug=outubro-2018-pdf-1&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
, p. 44).

O perfil do egresso pretendido para as formações tecnológicas em Gestão Pública inclui muito mais que a execução mecânica de atividades. O tecnólogo em Gestão Pública diagnostica, planeja, implanta, supervisiona e avalia. Sua formação deve pressupor a execução, mas também uma reflexão sobre a execução de atividades, de modo que seja possível a proposição de novas formas de se realizar a gestão pública no Brasil.

Nesse cenário, discutimos no presente texto as contribuições do trabalho de conclusão de curso (TCC) para a formação tecnológica e, além dela, para o aprimoramento da gestão pública no país. Toda a base legal voltada para os CST atesta seu caráter teórico-prático, indissociável, e aposta na produção de tecnologias (e não só sua aplicação), esperançosamente de caráter inovador. Interessante, por outro lado, que essa base legal não exige obrigatoriedade de estágio, atividades complementares (AC) ou de defesa de TCC como parte da carga horária mínima para a formação tecnológica. Cabe aos colegiados de curso e suas instituições definirem se e como cada curso adotará estágio, as AC e o TCC, computando suas horas além do mínimo requerido para a formação.

Neste artigo, fazemos a defesa da obrigatoriedade do TCC de cursos tecnológicos como etapa formativa, por sua relação clara com o amadurecimento do aluno durante o processo de elaboração do trabalho e a possibilidade de se pensar, de maneira aplicada e implicada, a gestão pública, especialmente aquela ao alcance da investigação do aluno. Além disso, argumentamos que o escopo dos TCCs precisa ser ampliado para além dos formatos acadêmicos tradicionais, para favorecer esse amadurecimento e propostas inovadoras.

Na seção seguinte, conceituamos o TCC como uma prática textual e social, fazendo uma relação entre sua elaboração e a formação tecnológica em Gestão Pública. Essa conceituação permitiu-nos analisar os achados do levantamento dos tipos de TCC adotados pelos cursos tecnológicos presenciais no Brasil, realizado em 2020; apenas adotar formatos diferenciados do TCC não garante sua adesão nem disseminação entre discentes e docentes. Na seção final, fazemos uma reflexão sobre como os critérios de avaliação, empregados pelas bancas de defesa do TCC, resultam na adoção ou não de formatos não tradicionais.

Nosso intuito é convidar você, leitor, a refletir conosco a respeito do papel do TCC para a formação tecnológica em Gestão Pública e de como a avaliação do TCC pode ser indutora da adoção de TCCs aplicados à gestão pública e implicados com ela. Nossa defesa é a de que cursos tecnológicos em Gestão Pública adotem em seus currículos diversos formatos de TCC, que favoreçam a formação multi e muitas vezes interdisciplinar do aprofundar e dar significado social ao processo formativo do futuro tecnólogo em Gestão Pública.

O TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO, SEUS DIVERSOS TIPOS E POSSIBILIDADES DE CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO TECNOLÓGICA DO ALUNO DE GESTÃO PÚBLICA

Um TCC é uma prática social, o que significa atenção ao texto e ao contexto, e idealmente deve contribuir para a formação do(a) aluno(a), muito embora, para muitos discentes, essa etapa seja cumprida como mero ritual necessário para a conclusão de curso. Não trataremos disso neste texto, e sim das inúmeras possibilidades de o TCC ser desenvolvido de modo a favorecer efetivamente a aquisição de competências e habilidades já mais associadas à prática profissional.

Além de prática social, entendemos os TCCs como gêneros de discurso. Bakhtin (2003)Bakhtin, M. (2003). Estética da criação verbal. Introdução e tradução Paulo Bezerra. 4ª ed. Martins Fontes. (Coleção Biblioteca Universal.) conceitua gêneros do discurso da seguinte maneira:

O emprego da língua emprega-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos - conteúdo temático, o estilo, a construção composicional - estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (Bakhtin, 2003Bakhtin, M. (2003). Estética da criação verbal. Introdução e tradução Paulo Bezerra. 4ª ed. Martins Fontes. (Coleção Biblioteca Universal.), p. 261-262).

Avançando a discussão sobre TCC como gênero de discurso, adotamos a classificação proposta por Navarro (2019Navarro, F. (2019). Aportes para una didáctica de la escritura académica basada en géneros discursivos. Delta, 35(2), e2019350201. https://doi.org/10.1590/1678-460X2019350201
https://doi.org/10.1590/1678-460X2019350...
, p. 18) sobre os gêneros sociodiscursivos, com base em seus objetivos: há os gêneros de formação, adotados na relação ensino-aprendizagem e avaliação discente, como provas, monografias e teses, e aqueles especializados, utilizados para a comunicação entre os pares, como artigos, capítulos e teses. De maneira geral, os últimos recebem maior reconhecimento social que os primeiros.

Tradicionalmente, o gênero monografia segue a estrutura prevista pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e tem como principal objetivo cumprir o requisito parcial para a conclusão do curso. Nesse formato, os concluintes apresentam ora resultados de pesquisa, ora levantamentos bibliográficos sobre o tema escolhido. Após a defesa, o trabalho segue para o repositório institucional e é frequentemente esquecido.

De forma geral, identificamos duas questões a serem problematizadas: o emprego exclusivo do gênero monografia é limitante para cursos que têm relação mais estruturante com a prática, como os tecnológicos; e a adoção do TCC como gênero de formação, em lugar de gênero especializado, reduz sua possibilidade de contribuição social e de reconhecimento social. Daí o esquecimento mencionado no parágrafo anterior.

Essas duas questões estão intrinsecamente associadas à necessidade de adoção de estratégias que conduzam à formação de tecnólogos em Gestão Pública aptos a pensar inovações e tecnologias para o campo e que desenvolvam as competências profissionais, como disposto no segundo artigo da Resolução CNE/CP n.º 1, de 5 de janeiro de 2021, que “institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a educação profissional e tecnológica” (Brasil, 2021Brasil. Ministério da Educação (2021). Resolução CNE/PC nº 1/2021, de 5 de janeiro de 2021. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a educação profissional e tecnológica. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cne/cp-n-1-de-5-de-janeiro-de-2021-297767578
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resol...
). Nesse cenário, o modelo monográfico não dá conta da multiplicidade de situações da gestão pública pelas quais o discente possa se interessar, aprofundar seus estudos, realizar suas análises, identificar problemas e propor soluções, em um ambiente tutorado por um orientador devidamente capacitado. É fundamental abrir a possibilidade de adoção de outros gêneros de discurso. O próprio Parecer CNE/CP nº 436/2001, anterior à Resolução das Diretrizes Nacionais, já argumentava:

Para a concessão de diploma poderia ser opcional a apresentação de trabalho de conclusão de curso, podendo ser desenvolvido sob a forma de Monografia, Projeto, Análise de Casos, Performance, Produção Artística, Desenvolvimento de Instrumentos, Protótipos, entre outros, de acordo com a natureza da área profissional e os fins do curso (Conselho Nacional de Educação, 2001Conselho Nacional de Educação (2001). Parecer CNE/CP nº 436/2001. Cursos Superiores de Tecnologia - Formação de Tecnólogos. Diário Oficial da União, Seção 1E, p. 67. Recuperado de https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_PAR_CNECESN4362001.pdf?query=INOVA%C3%87%C3%83O
https://normativasconselhos.mec.gov.br/n...
, p. 10).

Isso implica a busca pelo domínio da escrita tanto no contexto acadêmico como no de atuação na gestão pública, o que aumenta em muito a complexidade do processo formativo. Entre outras estratégias, os(as) docentes precisam conduzir um processo consciente de aquisição de vocabulário do Campo de Públicas, bem como promover os gêneros de discurso - escrito e oral - mais comumente adotados no seu cotidiano.

Em adição, orientador e orientando, a depender do objeto do TCC em construção, vão partir para o desenvolvimento de uma tecnologia em gestão pública e, talvez com ela, de uma inovação em gestão pública. Em alguns casos, o processo poderá ser ampliado e participativo, com contribuição de vários atores, desde que a autoria do discente possa ser identificada no trabalho e vir a ser avaliada. Mais uma vez, o processo favorece o amadurecimento de orientando e de orientador e os traz a campo, de maneira multi e por vezes interdisciplinar, forçosamente aproximando a teoria da prática e os cenários ideais tratados em sala de aula dos cenários reais observados no cotidiano da gestão.

Nessa reflexão, propomos que tecnologia em gestão pública é o fruto de um processo sistemático de pesquisa desenvolvida em resposta a uma demanda pública, setorial ou não, estatal ou não, relativa a questões organizacionais ou da gestão de políticas públicas. Concordamos com Araújo (2022)Araújo, E. T. (2022). Formação tecnológica multi/interdisciplinar em Gestão Pública. In: Dantas, L. M. V. & Monteiro, D. A. A. (Eds.), UFRB e Gestão Pública: formação no Recôncavo, pp. 17-50. Editora da UFRB. quando o autor ressalta:

Requer, assim, não apenas o repasse de saberes disciplinares consolidados, mas a desafiadora construção, preferencialmente coletiva, de conhecimentos interdisciplinares em torno da gestão, do Estado, da sociedade civil e das políticas públicas. Podem ser consideradas tecnologias de gestão pública os processos e métodos gerenciais em seus (re)desenhos, manuais, guias, materiais educacionais, produções audiovisuais, sites, blogs, aplicativos, softwares, relatórios de pesquisa aplicados à tomada de decisão, projetos de lei, entre outros produtos tangíveis e intangíveis criados a partir de pesquisa científica-tecnológica, que sejam aplicados à esfera pública. Para isso, é preciso que haja uma mudança nos sentidos das formações e que estes tenham forte implicação e comprometimento com o desenvolvimento dos territórios nos quais ocorrem (Araújo, 2022Araújo, E. T. (2022). Formação tecnológica multi/interdisciplinar em Gestão Pública. In: Dantas, L. M. V. & Monteiro, D. A. A. (Eds.), UFRB e Gestão Pública: formação no Recôncavo, pp. 17-50. Editora da UFRB., pp. 29-30).

Vale ressaltar ainda que, quando as tecnologias em gestão pública passam a ser incorporadas na gestão pública, se tornam inovações, seja por constituírem algo novo, seja por apresentarem ajustes a estruturas/técnicas/processos existentes.

Para Cavalcante e Camões (2017Cavalcante, P. & Camões, M. (2017). Inovação pública no Brasil: uma visão geral de seus tipos, resultados e indutores. In: Cavalcante, P. L. C, Camões, M.R.S.,Cunha, B.Q., Severo, W.R.. (Eds.), Inovação no setor público: teoria, tendências e casos no Brasil. IPEA. https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8794https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=31178
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/1...
, p. 251), a compreensão do funcionamento do setor público deve envolver com maior ênfase “as práticas inovadoras a partir da implementação de melhorias pontuais nos processos e serviços públicos”. É nesse aspecto que o desenvolvimento de pesquisas para os TCCs pode se inserir com maior facilidade. Igualmente, as experiências de estágio e de práticas de intervenção e mesmo os projetos integradores podem estabelecer a ponte entre a formação do tecnólogo em Gestão Pública, especialmente em seu caráter inovador, e os TCCs. O trecho a seguir, extraído de um levantamento realizado por Djellal, Gallouj e Miles (2017)Djellal, F., Gallouj, F., & Miles, I. (2017). Duas décadas de pesquisa sobre inovações em serviços: qual o lugar dos serviços públicos? In: Cavalcante, P. L. C, Camões, M.R.S.,Cunha, B.Q., Severo, W.R. (Eds.),Inovação no setor público: teoria, tendências e casos no Brasil. IPEA. https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8787
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/1...
, dá uma ideia sobre as possibilidades de inovação no serviço público:

Entre as tipologias de inovação recentes nos serviços públicos, vemos - juntamente com categorias tradicionais de produto/serviço, processo, inovações tecnológicas e organizacionais e algumas formas específicas de inovação. Halvorsen et al. (2005) também distinguem inovações administrativas. Por exemplo, o uso de um novo instrumento de política, que pode ser resultado de alteração de política; inovações de sistema (um novo sistema ou uma mudança fundamental de um sistema existente, como é o caso do estabelecimento de novas organizações ou novos padrões de cooperação e interação); inovações conceituais (uma mudança na perspectiva dos atores: tais alterações são acompanhadas pelo uso de novos conceitos; por exemplo, gestão hídrica integrada ou arrendamento de mobilidade); ou até mesmo alterações radicais da racionalidade - que significa que a visão de mundo ou a matriz mental dos empregados de uma organização está mudando. Hartley (2005) menciona inovações que envolvem posição - envolvendo novos contextos, clientes ou parceiros em serviços; estratégia - com novos objetivos, finalidades ou valores, tais como os envolvidos em políticas de comunidade; governança - por exemplo, novas instituições democráticas e formas de participação; e retórica - em que uma nova linguagem, novos conceitos e novas definições são aplicadas, como em taxas de congestionamento e impostos de carbono (Djellal et al., 2017Djellal, F., Gallouj, F., & Miles, I. (2017). Duas décadas de pesquisa sobre inovações em serviços: qual o lugar dos serviços públicos? In: Cavalcante, P. L. C, Camões, M.R.S.,Cunha, B.Q., Severo, W.R. (Eds.),Inovação no setor público: teoria, tendências e casos no Brasil. IPEA. https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8787
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/1...
, p. 77).

De qualquer modo, assim como os produtos acadêmicos, as tecnologias e consequentes inovações são fruto de pesquisa científica e demandam diálogo teórico para a sua construção, apesar do preconceito que ainda sofrem. Um preconceito já relatado por alunos de curso tecnológico é quando consideram que o desenvolvimento de uma tecnologia como TCC, por exemplo, inviabilizaria ou, pelo menos, dificultaria a esses discentes a entrada em um mestrado, caso decidissem continuar a estudar após a conclusão de seu curso tecnológico, já que eles não teriam treinado a escrita científica, porém essa é uma percepção frágil ou mesmo parcial, que não leva em conta a possibilidade de desenvolvimento da escrita nem da construção metodológica como parte da elaboração de uma tecnologia e/ou produtos. Isso porque a elaboração de uma tecnologia como TCC envolve também reflexão teórica e processo sistemático de pesquisa.

Os TCCs, aplicados e implicados, voltados para o desenvolvimento de conhecimentos, tecnologias e inovações, em qualquer formato, passam a ser gêneros especializados, e não mais apenas gênero de formação. Nesse sentido, o ideal é que, após a defesa, seja incorporado pela entidade / instituição para o qual foi pensado / trabalhado ou que pelo menos tenha um momento de devolução dos dados pesquisados. Um dos passos para que isso ocorra é a presença de um gestor na banca de defesa. Outro passo é que o colegiado do curso no qual orientador e orientando se inserem já considere a etapa da devolutiva uma fase regular da formação do tecnólogo. Essa etapa aciona várias competências profissionalizantes, tanto escritas quanto orais e atitudinais, além de conteúdos conceituais.

Nessa discussão, um TCC tecnológico, independentemente de seu formato, é entendido como:

  • Uma prática social elaborada no contexto acadêmico, mas com foco no contexto profissional da gestão pública, a ser desenvolvido como gênero de discurso especializado - que até o momento não tem recebido muita atenção e que nem sempre é reconhecido, mas que precisa vir a sê-lo;

  • A síntese de um processo de formação multi e interdisciplinar, que pode ser coletivo e participativo, no qual habilidades, competências diversas e outros tipos de saber são acionados na proposição de soluções para os problemas diagnosticados. Assim, tanto o TCC no formato acadêmico quanto o TCC nos múltiplos formatos agregados sob o guarda-chuva TCC-produto devem buscar significado social para além do significado de necessária etapa de conclusão de curso.

A seção seguinte apresenta o resultado de um levantamento feito nos CST em Gestão Pública presenciais sobre a adoção ou não de TCCs e sobre o formato adotado.

LEVANTAMENTO DE TCC-PRODUTOS ADOTADOS PELOS CURSOS SUPERIORES TECNOLÓGICOS EM GESTÃO PÚBLICA, NA MODALIDADE PRESENCIAL, NO BRASIL

De acordo com o Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior, acessado pelo Sistema Cadastro e-MEC em abril de 2020, o Brasil tem registrados 263 cursos tecnológicos em Gestão Pública na modalidade presencial. Destes, 208 estão ativos, 38 em extinção e 17 já foram extintos.

Para fins desta pesquisa, optamos por realizar um levantamento dos dados sobre a adoção de TCC por esses 208 cursos nos seus respectivos sítios eletrônicos. Em uma primeira busca dos cursos ativos, nem todos haviam sido implementados e, muitas vezes, uma mesma instituição oferecia o curso em vários campi, cada um com um registro diferente. Por exemplo, só a Universidade do Estado do Amazonas tem 38 registros diferentes. No fim, foram computados 118 cursos, tendo sido excluídos cursos com registros diferentes na mesma instituição, dada a hipótese de que eles tendem a se repetir.

Além disso, boa parte dos sites das instituições/dos cursos visitados não oferece ao leitor seus documentos estruturantes, a exemplo do projeto pedagógico do curso (PPC), ou mesmo o ementário, sendo impossível identificar se o curso adota ou não TCC, sem outro tipo de contato. Em vários casos, sobretudo nas instituições privadas, eram disponibilizados o perfil do egresso e eventualmente a grade curricular e professores a ela vinculados. Assim, desses 118 cursos, muitos não são mencionados nos sites institucionais; parte não tem informações suficientes disponíveis nos sites; 34 não cobram TCC; e os demais 23 consideram nos documentos tornados públicos TCC como uma atividade para a formação de seus alunos (Tabela 1). Alguns cursos, no lugar de TCC, adotam o projeto integrador e atividades práticas (e o TCC é ou não atrelado a eles), e outros têm residência (e o TCC é ou não atrelado a ela).

Tabela 1
Panorama da adoção do TCC nos cursos tecnológicos presenciais em Gestão Pública em 2020

Considerando os cursos com dados disponíveis sobre a existência de TCC na matriz e que permitem análise, destacamos que eles não podem ser vistos como representativos do panorama brasileiro de cursos de tecnologia em Gestão Pública. Assim, a discussão sobre a adoção de TCC aqui realizada é apenas um indicativo do campo, não sendo um retrato preciso. Faz-se necessária uma investigação mais profunda para que todos os cursos sejam representados. De qualquer modo, o panorama levantado permitiu identificar algumas hipóteses:

  • Boa parte dos CST opta por não adotar o TCC como atividade formativa. No cenário levantado, 34 cursos não o faziam, em contraposição a 23 que incluíam o TCC em suas grades (cerca de 60 × 40% das instituições com documentos tornados públicos na internet). Muito provavelmente, esse é o panorama geral a ser encontrado nos cursos presenciais, e talvez um percentual ainda maior de cursos de educação a distância (EaD) cumpra o mínimo exigido para a oferta de curso tecnológico em Gestão Pública;

  • Mesmo quando a instituição mencionava o TCC, era ainda mais raro encontrar documentos que o regulamentassem. Quando observados os documentos tornados públicos, das 23 instituições com algum tipo de documento, apenas quatro publicaram seus regulamentos de TCC: Faculdade São Francisco de Juazeiro, Faculdade Meridional, Universidade Federal do Pampa e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Em alguns outros casos (Universidade Federal da Paraíba e Universidade Federal de Campina Grande), o PPC mencionava a necessidade de criação de um regulamento para TCC, mas este não foi achado nos sites institucionais. Interessantemente, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO) tem disponíveis editais de TCC, um tipo de documento que não foi encontrado em nenhum outro site. Nossa hipótese aqui é de inexistência desses documentos, com o TCC ficando restrito às determinações gerais das próprias instituições, sem especificidades por curso, ou restrito às determinações no próprio PPC;

  • Ao analisarmos o tipo de TCC demandado, cinco instituições não o definem no âmbito online. Entre as 18 com dados suficientes para a análise, três associam o TCC a uma monografia, em formato acadêmico, sem darem opção para o TCC-produto. Além disso, outros quatro cursos consideram artigo/capítulo como a opção de TCC-produto, e cinco têm o artigo ou o artigo tecnológico como uma das opções de TCC-produto, mas não estão restritos a eles. Ou seja, apenas 11 cursos consideram outros formatos de TCC para além dos estritamente acadêmicos, em que pese seu caráter tecnológico. Nossa hipótese é que essa característica seja comum para os cursos tecnológicos de maneira geral.

Considerando o conceito de tecnologia em gestão pública já discutido, os 11 cursos que adotam formatos não tradicionais de TCC, ou TCC-produto, têm variações no que consideram aceitável como possibilidade para conclusão de curso. Foram identificados: projetos diversos (intervenção, aplicação, captação de recursos), projetos de lei, planos, protótipos, adequação de tecnologia, relatórios de pesquisa ou de avaliação e diagnóstico, cartilhas, guias e manuais, documentários, além dos mais acadêmicos casos de ensino e tecnologias de ensino em gestão pública.

É interessante perceber que, mesmo quando adotam um formato diverso da monografia tradicional, alguns cursos reforçam o caráter acadêmico para o TCC. É o caso do projeto pedagógico do CST em Gestão Pública ofertado pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), como pode ser visto no trecho a seguir:

O estudante terá momentos de orientação e tempo destinado à elaboração da produção acadêmica correspondente. São consideradas produções acadêmicas de TCC para o curso superior de Tecnologia em Gestão Pública:

  • monografia;

  • artigo publicado em revista ou periódico, com ISSN;

  • capítulo de livro publicado, com ISBN; ou,

  • outra forma definida pelo Colegiado do Curso.

O TCC será acompanhado por um professor orientador e o mecanismo de planejamento, acompanhamento e avaliação é composto pelos seguintes itens:

  • elaboração de um plano de atividades, aprovado pelo professor orientador;

  • reuniões periódicas do estudante com o professor orientador;

  • elaboração da produção monográfica pelo estudante; e,

  • avaliação e defesa pública do trabalho perante uma banca examinadora.

O TCC será apresentado a uma banca examinadora composta pelo professor orientador. A avaliação do TCC terá em vista os critérios de: domínio do conteúdo; linguagem (adequação, clareza); postura; interação; nível de participação e envolvimento; e material didático (recursos utilizados e roteiro de apresentação) (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, 2012Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (2012). Projeto pedagógico do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwi6rLfrsrr8AhUZq5UCHUQaAYYQFnoECA8QAQ&url=https%3A%2F%2Fportal.ifrn.edu.br%2Fensino%2Fcursos%2Fcursos-de-graduacao%2Ftecnologia%2Ftecnologia-em-gestao-publica%2Fview&usg=AOvVaw2NuSNdMVEq9duZfUTZ6jpM
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=...
, pp. 24-25).

Ainda que o projeto considere a possibilidade de “outra forma definida pelo Colegiado do Curso”, os itens de avaliação do TCC incluem a elaboração de uma “produção monográfica”, o que exclui uma produção tecnológica ou um formato diferente, como um documentário, podcast, programa de rádio, entre inúmeras outras possibilidades. Do mesmo modo, a apresentação do trabalho à banca inclui material “didático”, um lapso de linguagem bastante interessante.

O curso com maior diversidade nos formatos de TCC-produto é o Superior de Tecnologia em Gestão Pública da UFRB, como pode ser observado na leitura do trecho do seu regulamento:

  1. Artigo de base tecnológica: artigos resultantes das pesquisas de diagnóstico, avaliação ou intervenção, contendo no mínimo 16 páginas, seguindo as normas da ABNT;

  2. Caso de ensino: narrativa de uma situação ou problema de gestão pública, que requer decisões, relatando fatos e situações vividas pelo estudante durante a intervenção. Deve conter o resumo do caso, objetivos de aprendizagem, questões para discussão de acordo com os objetivos e alternativas para análise do caso;

  3. Relatório de diagnóstico: trata-se de relatórios de pesquisas de campo, quantitativa e/ou qualitativa, sobre determinada problemática ou para definição de cenários, dentro de perspectivas de avaliações ex-ante;

  4. Relatórios de avaliação: relatórios de pesquisa empírica sobre processos de formulação, implementação ou resultados relativos à aplicação de determinado processo de gestão pública;

  5. Projeto de intervenção: constitui-se proposta de intervenção elaborada pelo estudante sob a forma de plano de ação, consultoria, assessoria ou capacitação desenvolvidas no âmbito da gestão pública;

  6. Plano: documento contendo o resultado de processo de planejamento estratégico organizacional, planejamento de marketing, planejamento de mobilização de recursos;

  7. Guia, manual ou orientações técnicas: documento contendo orientações técnicas sobre determinado instrumento, técnica ou ferramenta da gestão pública, em diferentes áreas funcionais;

  8. Cartilha: documento contendo tradução de um ou mais aspectos técnicos da gestão pública para a linguagem de um determinado público-alvo;

  9. Tecnologia de ensino: sistematização de metodologias de formação que possam ser aplicadas na gestão pública;

  10. Projeto de lei: propostas de projetos de lei para construção ou alteração de alguma questão que possa contribuir para a melhoria da gestão pública no nível estadual ou municipal;

  11. Outros formatos tecnológicos: a exemplo de portfólios, blogs, filmes de curta e média metragem contendo argumento sobre tema/problema relacionado a gestão pública; softwares que tragam soluções tecnológicas para a gestão pública; entre outros (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, 2017Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (2017). Resolução CONAC nº 18/2017. Dispõe sobre o trabalho de conclusão de curso do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. https://ufrb.edu.br/soc/components/com_chronoforms5/chronoforms/uploads/documento/20170412153535_135052.PDF
    https://ufrb.edu.br/soc/components/com_c...
    , pp. 3-4).

Vale o registro do “entre outros” no item k, o que permite flexibilidade a novas propostas de formato para o produto. Além disso, há um esforço de conceituação de cada modalidade.

Um projeto pedagógico também flexível e que oferece a possibilidade de desenvolvimento de TCC-produto pode ser exemplificado pelo adotado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, campus Brasília, conforme verificado no trecho a seguir:

O TCC poderá ser desenvolvido sob a forma de Monografia, Artigo Científico e Produção Prática, devendo ser observadas as seguintes recomendações:

  1. o TCC deverá partir de uma pesquisa de campo ou análise de dados secundários de investigação de uma realidade da área de Gestão Pública.

  2. a defesa do TCC poderá ocorrer a partir do 4º semestre do curso, perante uma banca composta por três docentes, incluindo o docente orientador.

  3. A produção prática pode abranger o diagnóstico de uma situação, bem como um projeto de intervenção para a Administração Pública. Neste caso, há que se ter sustentação teórica para embasar o estudo da prática.

  4. O TCC deverá ser apresentado em conformidade com as normas da ABNT, independente do tipo de trabalho escolhido (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, 2017Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (2017). Projeto pedagógico do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília. https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&-source=web&cd=&ved=2ahUKEwjClbLhq7r8AhUICbkGHQ86CuMQFnoECBEQAQ&url=https%3A%2F%2Fwww.ifb.edu.br%2Fattachments%2Farticle%2F2939%2FProjeto%2520Pedag%25C3%25B3gico%2520do%2520Curso%2520%2520Superior%2520de%2520T ecnologia%2520em%2520Gest%25C3%25A3o%2520P%25C3%25BAblica.pdf&usg=AOvVaw059gcGuMuSrOAEp6iZSsoa
    https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=...
    , pp. 25-26, grifos nossos).

A mesma flexibilização do formato tradicional é observada no projeto pedagógico do CST em Gestão Pública da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), como visto na ementa a seguir:

Os alunos do curso de Tecnologia em Gestão Pública deverão desenvolver uma Monografia ou um Projeto de Aplicação na Área do Curso. Esse trabalho abrange o desenvolvimento de uma pesquisa aplicada abordando qualquer tema vinculado a três eixos de pesquisa do curso, apresentados a seguir, articulados ao Estágio Supervisionado:

Práticas de Gestão Pública

Políticas Governamentais

Estratégias de Desenvolvimento Regional (Universidade Federal da Paraíba, 2009Universidade Federal da Paraíba (2009). Projeto pedagógico do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública. Universidade Federal da Paraíba. https://sigaa.ufpb.br/sigaa/public/curso/ppp.jsf?lc=pt_BR&id=1626826
https://sigaa.ufpb.br/sigaa/public/curso...
, p. 60).

O PPC da UFPB (2009) associa o TCC ao estágio supervisionado, o que traduz uma busca pela aproximação da teoria e da prática em um curso de tecnologia.

Outro exemplo de adoção de TCC-produto pode ser observado em uma faculdade privada, a Faculdade de Almenara, em Minas Gerais, que inclui em sua formação o estágio e as atividades complementares. Não foi encontrado um regulamento de TCC para o Curso de Tecnologia em Gestão Pública, mas o PPC da instituição reza que:

TCC - Trabalho de Conclusão de Curso

Carga Horária: 40 horas

Ementa: Propiciar ao aluno a aplicabilidade das competências teóricas adquiridas, estimulando sua capacidade de apresentar análise crítica, analítica e interventiva, além de sugerir alternativas transformadoras à complexidade do cotidiano das empresas de gestão pública.

Nesse sentido, desenvolver atividades como: Projeto de pesquisa; construção de Artigo científico; Estudo de Caso ou Projeto de Aplicação na área do curso, além de orientação geral ao Trabalho de conclusão de curso (TCC) (Faculdade de Almenara, 2016Faculdade de Almenara (2016). Projeto pedagógico do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública. Faculdade de Almenara. https://www.faculdadealfa.com.br/storage/gallery/files/graduacao/ppc-gestao-publica.pdf
https://www.faculdadealfa.com.br/storage...
, p. 58, grifos nossos).

É interessante perceber que a faculdade recorta a aplicabilidade dos seus produtos a “empresas de gestão públicas”. Cumpre lembrar que, ainda que vinculados ao eixo Gestão e Negócios do Catálogo de Cursos Tecnológicos, esses cursos de Gestão Pública devem estar inscritos no Campo de Públicas, cujo paradigma, segundo Keinert (2014)Keinert, T. M. (2014). O movimento “Campo de Públicas”: construindo uma comunidade científica dedicada ao interesse público e aos valores republicanos. Administração Pública e Gestão Social, 6(4), 169-176. https://doi.org/10.21118/apgs.v6i4.4681
https://doi.org/10.21118/apgs.v6i4.4681...
e com quem concordamos, está fundado no interesse público e no ethos republicano.

Esse caráter empresarial observado na Faculdade de Almenara pode ser encontrado também no edital empregado pelo IFTO, campus Palmas. Concluindo os exemplos de TCC-produtos adotados pelos CST em Gestão Pública no Brasil (modalidade presencial e com dados disponíveis em seus sítios na internet), vale o registro da forma diferente de regulamentar o TCC adotada por esse instituto federal: um edital para “divulgação das normas e prazos dos trabalhos de qualificação e de conclusão de curso (TCC) do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública” (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins, 2017Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (2017). Edital IN 032/2017/PAL/REI/IFTO, de 16.10.2017. Divulgação das normas e prazos dos trabalhos de qualificação e de conclusão de curso (TCC) do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins. Recuperado de http://portal.ifto.edu.br/palmas/campus-palmas/cursos-palmas/graduacao/tecnologico/gestao-publica/documentos/normas-e-diretrizes-para-apresentacao-de-trabalhos-de-tcc-gestao-publica-2017-2/edital-032-2017-normas-e-prazos-apresentacao-tcc-gestao-publica.pdf/view
http://portal.ifto.edu.br/palmas/campus-...
). Nos objetivos do Edital IN 032/2017/PAL/REI/IFTO, de 16 de outubro de 2017, fica definido:

1.1 O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Curso Superior de Tecnologia (CST) em Gestão Pública do Eixo Gestão e Negócios, requisito para obtenção do título de Tecnólogo em Gestão Pública consiste num trabalho individual de caráter monográfico, estudo de caso, uma adaptação de tecnologia ou desenvolvimento de instrumentos, equipamentos e protótipos, elaborado a partir de projeto de pesquisa.

1.1.1. A realização do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) oportuniza que o tema a ser trabalhado pelo estudante, venha atender às necessidades e interesses da comunidade empresarial e pública no campo tecnológico (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins, 2017Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (2017). Edital IN 032/2017/PAL/REI/IFTO, de 16.10.2017. Divulgação das normas e prazos dos trabalhos de qualificação e de conclusão de curso (TCC) do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins. Recuperado de http://portal.ifto.edu.br/palmas/campus-palmas/cursos-palmas/graduacao/tecnologico/gestao-publica/documentos/normas-e-diretrizes-para-apresentacao-de-trabalhos-de-tcc-gestao-publica-2017-2/edital-032-2017-normas-e-prazos-apresentacao-tcc-gestao-publica.pdf/view
http://portal.ifto.edu.br/palmas/campus-...
, p. 1).

Um aspecto a se considerar nessa análise dos TCCs adotados pelos CST em Gestão Pública, quando em formato não acadêmico, é a necessidade de acompanhamento do produto por nota técnica, definida pelo CST da UFRB. Tal nota deve abranger justificativas pessoais e técnicas, objetivos, problema endereçado, principais conceitos e abordagens teóricas que fundamentem o desenvolvimento do produto e soluções encontradas, detalhamento do método utilizado, público-alvo a quem se destina, status de desenvolvimento e/ou implementação do produto no momento da defesa, formas de divulgação/utilização, limitações encontradas no processo, resultados esperados com a aplicação, especificações técnicas e orçamento e referências. De alguma maneira, a nota técnica equivale ao memorial, documento adotado por cursos das artes, por exemplo, para acompanhar os produtos artísticos apresentados como TCC (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, 2017Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (2017). Resolução CONAC nº 18/2017. Dispõe sobre o trabalho de conclusão de curso do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. https://ufrb.edu.br/soc/components/com_chronoforms5/chronoforms/uploads/documento/20170412153535_135052.PDF
https://ufrb.edu.br/soc/components/com_c...
).

A nota técnica compreende assim a apresentação do processo de desenvolvimento do produto, relacionando fatos, conceitos e abordagens teórico-metodológicas utilizados. Além disso, em algumas notas técnicas, como a que acompanha a cartilha ou outro produto a ser finalizado posteriormente, há a necessidade de proposição das especificações técnicas para a contratação dos serviços de edição e de impressão, por exemplo, bem como as respectivas cotações, o que as aproxima, tanto quanto o produto em si, de um gênero discursivo especializado em gestão pública. Afinal, cabe ao gestor definir o que precisa contratar para que determinado objetivo venha a ser cumprido.

Em casos de TCCs desenvolvidos de maneira participativa, ou colaborativa, a nota técnica permite a identificação da autoria do futuro tecnólogo em Gestão Pública, dessa forma evitando problemas de choque com os regulamentos que exigem a produção individual dos TCCs. É o caso, por exemplo, de TCC-documentário desenvolvido por alunos de Gestão Pública e de Cinema, ou de projeto de intervenção proposto por um aluno de Gestão Pública em parceria com membros da organização para a qual o projeto está sendo elaborado.

A possibilidade de adoção do TCC-produto, o reconhecimento social do TCC - em qualquer formato - para além do gênero de formação e o incentivo à produção de tecnologias de gestão pública e de inovações / contribuições para a gestão (em qualquer nível) são induzidos e propiciados pela avaliação, entre outras estratégias. É sobre isso a seção a seguir.

AVALIAÇÃO COMO INDUTORA DE COMPORTAMENTO E RECONHECIMENTO SOCIAL DA PRODUÇÃO TECNOLÓGICA

Luckesi (2000Luckesi, C. (2000). Avaliação da aprendizagem escolar. 10ª ed. Cortez., p. 69) define avaliação como um “julgamento de qualidade sobre dados relevantes, tendo em vista uma tomada de decisão”. Ainda que essa seja uma definição instrumental que atrela a avaliação à tomada de decisão, é muito interessante o recorte dos “dados relevantes” e do juízo de qualidade, em contraposição ao “juízo de existência”.

Normalmente, para as bancas de avaliação dos TCCs, os colegiados definem - de maneira mais estruturada ou às vezes menos - os critérios a serem adotados pelos seus membros. Alguns são apresentados em baremas, outros são rubricas mais qualitativas, alguns mais analíticos, outros holísticos, mas idealmente todos devem observar os dados relevantes que apontam para um trabalho de qualidade e, também, o nível mínimo aceitável para tais dados. Nesse sentido, a avaliação de um TCC é somativa e presta-se a fins de regulação, com base na qual o(a) aluno(a) se torna elegível para receber - ou não - seu certificado de conclusão de curso.

Por ter esse caráter high stakes, a definição dos “dados relevantes” é política. Apesar de ser o reflexo daquilo que o núcleo docente estruturante e o colegiado de determinado curso entendem como competências e habilidades essenciais a serem demonstradas naquele trabalho sob avaliação, ao estarem sintetizados e se forem amplamente divulgados, esses dados relevantes passam a ser indutores de comportamento. Esse é o velho comportamento estudar para a prova, agora utilizado a favor do desenvolvimento de um TCC de qualidade.

Isso se os dados relevantes, bem como os critérios para o julgamento de qualidade, forem observados de acordo com a natureza de cada TCC. De nada adianta um regulamento de TCC flexibilizar os formatos de trabalho a serem apresentados se os processos avaliativos consideram como “dados relevantes” aqueles atrelados aos formatos mais acadêmicos, ou, como discutido anteriormente, estiverem presos a um gênero formativo e não permitirem a adoção de gêneros discursivos especializados. Todo esforço de desenvolvimento de um trabalho implicado e aplicado será tolhido se os “dados relevantes” adotados no barema estiverem, por exemplo, restritos ao padrão ABNT monográfico.

Há uma recompensa nas notas das avaliações. Saber de antemão que não se conseguirão boas notas simplesmente por não se adotar este ou aquele formato do TCC leva o aluno e seu orientador a desistir imediatamente de adotá-lo, senão por outros motivos, pela questão do reforço positivo. Os núcleos docentes estruturantes deveriam, portanto, se debruçar sobre como os critérios de avaliação empregados pelas bancas de defesa do TCC asseguram ou dificultam que aluno e orientador se sintam apoiados institucionalmente para inovar nos formatos de TCC, com potencial para qualificar a formação tecnológica e para implicar a elaboração dos produtos com a prática profissional e com a gestão pública especialmente local.

Para ilustrar a defesa de adoção de baremas e rubricas diversificados de modo a contemplar a multiplicidade de formatos passíveis de elaboração de TCC em um curso tecnológico de Gestão Pública, apresentamos e comentamos três diferentes exemplos.

O primeiro é o barema adotado pelo Instituto Federal de Brasília, divulgado como anexo ao projeto pedagógico, apresentado na Figura 1. Nesse barema, ainda que haja inclinação para o “trabalho acadêmico” e que a estruturação siga o padrão ABNT, observamos que o TCC é vinculado a um “local de estágio / objeto de estudo” e que a seção 1 pede a descrição desse local, com base no qual será derivado o “problema acadêmico”, cuja solução é apresentada de maneira tradicional: fundamentação teórica, método, resultados e considerações finais. Todavia, as considerações finais incluem a recomendação “extrair as consequências e implicações para demonstrar a utilidade”, o que diverge dos baremas mais tradicionais (mesmo que a seção tenha peso menor que o das mais clássicas).

Figura 1
Barema utilizado para avaliação de trabalho de conclusão do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília

Vários exemplos, bem menos tradicionais e também menos analíticos que o anterior, são adotados pelo CST em Gestão Pública da UFRB. Esse curso adota um barema para cada formato ou grupo de formatos de TCC, enfatizando aspectos a serem priorizados no produto e na nota técnica que o acompanha (quando é o caso). Assim, há o barema para o trabalho monográfico, para o artigo e para os diversos tipos de TCC classificados como “produto”. Além disso, é considerada também uma nota para a apresentação oral do trabalho, como pode ser visto nas Figuras 2 e 3.

Figura 2
Barema utilizado para avaliação de cartilhas, guias e manuais pelo Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública - UFRB, 2021.

Figura 3
Barema para avaliação de TCC no formato Projeto de Intervenção pelo Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública - UFRB, 2021.

A Figura 2 traz um barema que inclui a nota técnica. Esse barema considera a formação da nota a partir de três dimensões: o produto em si (cartilha, guia ou manual), que vale 5; a nota técnica, que vale 2 e da qual constam o processo de elaboração do produto e suas especificações técnicas e orçamentos, bem como as formas de divulgação e uso; e a apresentação oral, que vale 3. A composição da nota técnica é item do regulamento de TCC adotado pelo curso, e o barema reflete-o (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, 2017Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (2017). Resolução CONAC nº 18/2017. Dispõe sobre o trabalho de conclusão de curso do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. https://ufrb.edu.br/soc/components/com_chronoforms5/chronoforms/uploads/documento/20170412153535_135052.PDF
https://ufrb.edu.br/soc/components/com_c...
).

A adoção desse tipo de barema evita que o aluno precise escrever uma monografia e acrescente a ela, como apêndice, o seu produto, uma prática observada não só na graduação, mas muitas vezes nos mestrados profissionais. Tal duplicidade desestimula a escrita especializada, aplicada, implicada e voltada para a solução de problemas da gestão pública nos formatos praticados na lida gestora. Uma nota técnica é muito mais simples que uma dissertação e, apesar disso, ainda assim demonstra o caminho de pesquisa científica e a base teórica que o aluno percorreu para construir a solução do problema identificado.

O último exemplo de barema a ilustrar o papel da avaliação no estímulo à adoção de uma diversidade de formatos de TCC é apresentado na Figura 3. Ele vem do mesmo curso citado anteriormente, mas não considera a nota técnica.

Mesmo que já mais inovadores que os tradicionais modelos de avaliação, restritos ao formato monográfico, esses três baremas não consideram, por exemplo, a questão da interdisciplinaridade como elemento avaliativo, um dos principais desafios para a formação acadêmica no Campo de Públicas, entre vários levantados por Coelho, Almeida, Midlej, Schommer e Teixeira (2020)Coelho, F. S., Almeida, L. S. B., Midlej, S., Schommer, P. C., & Teixeira, M. A. C. (2020). O Campo de Públicas após a instituição das diretrizes curriculares nacionais (DCNs) de administração pública: trajetória e desafios correntes (2015-2020). RAEP, 21(3), 488-529. https://doi.org/10.13058/raep.2020.v21n3.1897
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. Por outro lado, os dois últimos incluem aspectos como o público-alvo e os possíveis encaminhamentos e desdobramentos para o projeto / formas de divulgação e utilização dos produtos, em um nítido incentivo para que os TCC-produtos deixem a gaveta, e o primeiro tem uma seção específica para a descrição do “local do estágio / objeto de estudo”. Esses são claros indicadores de “dados relevantes” para o processo avaliativo e, portanto, indutores do comportamento esperado em termos de TCC (ou seja, da produção de fim de trajetória formativa de um curso tecnológico em Gestão Pública).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto, provocamos o leitor para que reflita sobre a adoção do TCC, em qualquer formato, no escopo das atividades formativas para os CST em Gestão Pública e acerca de o TCC ter caráter não só formativo, mas também especializado e, com isso, flexibilidade no seu formato, o que aproxima o desenvolvimento do TCC da prática profissional e favorece a contribuição das pesquisas de TCC para o desenvolvimento de tecnologias para a Gestão Pública, na maior parte das vezes local.

Em 2020, a maior parte dos cursos de tecnologia em Gestão Pública não disponibilizava seus dados de maneira ativa. Dos 118 cursos pesquisados, apenas 57 tinham informações online, e, destes, 23 adotavam TCC em suas grades. Dos 23, somente 11 consideravam outros formatos que não os tradicionais. É nossa hipótese que esse cenário se repita nos cursos cujas informações não estavam disponíveis. De todo modo, destacamos que o levantamento do cenário nacional possui limites de representatividade considerando os dados disponibilizados nos sítios eletrônicos.

Embora os cursos tecnológicos não tenham, por lei, obrigação de incluírem o TCC nas suas grades curriculares, nossa defesa é para que sejam incluídos, por entendermos que o TCC favorece o amadurecimento do(a) discente (e de seu/sua orientador/a), associando teoria e prática, esperançosamente de maneira aplicada e implicada, no alcance de investigação que é exequível a um/a aluno/a em fim de graduação. É uma oportunidade de atuação tutorada extramuros universitários, seja no diagnóstico, seja no desenvolvimento das soluções, seja na coleta de dados, seja na discussão dos resultados. Trata-se de um período de desenvolvimento de competências profissionais sob a orientação de um(a) profissional experiente e em um ambiente ainda não competitivo.

Um TCC em qualquer formato com reais contribuições à gestão pública pode, ainda, ter o reconhecimento social que um TCC como gênero discursivo formativo não recebe habitualmente. Esse reconhecimento pode contribuir para tirar o TCC do lugar de mero ritual de conclusão de curso para dar a ele significado de colaboração expressiva, ao ser oportunidade de proposição de soluções inovadoras para problemas localizados e específicos.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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