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A GOVERNANÇA PÚBLICA DO CARNAVAL EM SALVADOR E RECIFE

The public governance of carnival in Salvador and Recife

La gobernanza pública del carnaval en Salvador y Recife

RESUMO

O trabalho analisa o processo de governança pública do carnaval de modo comparado em Salvador (BA) e no Recife (PE). Com base no conceito de Ostrom (1990) sobre common pool resources, desenvolveu-se a análise de governança pública, tendo como objeto de análise a atuação dos respectivos conselhos municipais do carnaval nas duas cidades – o Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar), em Salvador, e o Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC), no Recife, no ano de 2019. Utilizou-se no trabalho pesquisa documental, com a apreciação das atas de reunião do Comcar e do CMPC, assim como os documentos legais e regimentos internos ligados aos dois conselhos. Os resultados mostram aderência relativa aos conceitos de governança de Ostrom (1990), e na análise comparada existem semelhanças e diferenças da governança pública do carnaval nas duas cidades.

Palavras-chave:
Common pool resources; governança pública; Carnaval; Salvador; Recife

ABSTRACT

The work analyzes the process of public governance of Carnival in a comparative way in Salvador (BA) and Recife (PE), Brazil. Based on Ostrom’s (1990) concept of common pool resources, the analysis of public governance was developed, having as an object of analysis the performance of the respective municipal councils for Carnival in both cities – City Council for Carnival and Other Popular Festivals (COMCAR), in Salvador, and City Council of Cultural Policy (CMPC), in Recife, in 2019. Documentary research was used in the work, with the appreciation of the minutes of COMCAR and CMPC meetings, as well as official documents and internal rules from two councils. The results show a relative adherence to Ostrom’s concepts of governance, and in the comparative analysis there are similarities and differences in the public governance of the carnival in both cities.

Keywords:
Common pool resources; public governance; Carnival; Salvador; Recife

RESUMEN

El trabajo analiza el proceso de gobernanza pública del carnaval de forma comparada en Salvador (BA) y Recife (PE). Con base en el concepto de bienes comunes de Ostrom (1990), se desarrolló el análisis de la gobernanza pública, teniendo como objeto de análisis el desempeño de los respectivos consejos municipales del carnaval en ambas ciudades –el Consejo Municipal del Carnaval y Otras Fiestas Populares (COMCAR) de Salvador y el Consejo Municipal de Política Cultural (CMPC) de Recife– en 2019. En el trabajo se utilizó la investigación documental, con la apreciación de las actas de las reuniones del COMCAR y del CMPC, así como de los documentos legales y reglamentos internos vinculados a los dos consejos Los resultados muestran una relativa adhesión a los conceptos de gobernanza de Ostrom y en el análisis comparativo se encuentran similitudes y diferencias en la gobernanza pública del carnaval en ambas ciudades.

Palabras Clave:
Recursos comunes; gobernanza pública; Carnaval; Salvador; Recife

INTRODUÇÃO

Este trabalho teve como objetivo analisar o processo de governança pública do carnaval enquanto um common pool resource, comparativamente em Salvador (BA) e no Recife (PE). Para tanto, utilizou-se como objeto de análise a atuação dos respectivos conselhos municipais do carnaval nas duas cidades – o Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar), em Salvador, e o Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC), no Recife, no ano de 2019.

Entre as diversas características do carnaval no Recife e em Salvador, duas podem ser destacadas: o acesso irrestrito à participação (ou utilização) popular, o que lhe confere a ideia de ser um bem público; e a sua subtractibilidade, dada pelo fato de que a ocupação do espaço público por um utilizador, seja de modo fixo (como um camarote ou vendedores instalados ao longo do percurso), seja itinerante (uma agremiação que desfila ou vendedores ambulantes), nos dias da festa, retira dos demais utilizadores a possibilidade de uso daquele mesmo espaço de uso comum e, no caso do carnaval, do tempo, já que os festejos são limitados a poucos dias, a cada ano.

A coordenação pelo poder público dos festejos tem entre muitos aspectos importantes a responsabilidade de prover a infraestrutura, bem como de organizar e controlar o acesso de parte das pessoas e organizações que fazem a festa acontecer (ambulantes, blocos, camarotes, trios independentes, artistas, palcos etc.), mediante critérios de ordenamento do desfile das agremiações, o credenciamento de vendedores ambulantes, a venda de quotas de patrocínio, análise de projetos e liberação dos espaços para a montagem das estruturas de camarotes, palcos, sua fiscalização, entre outros aspectos. Há ainda a cessão de espaços públicos à exploração do setor privado.

Importante ressaltar que este trabalho não tem a intenção de diferenciar os elementos estéticos e identitários da festa em si, em cada uma das duas cidades. Esse é um elemento significativo, mas não é o alvo aqui. A premissa básica do estudo é que os seus respectivos carnavais levam milhões de pessoas às ruas nos dias que acontecem e possuem atores-chave na gestão da festa, seja o poder público, sejam os membros da iniciativa privada e da sociedade civil, que formam a governança pública desse importante evento, não apenas do Recife e de Salvador, mas de forma ampla em todo o Brasil.

O trabalho está estruturado em sete seções, incluindo esta introdução e uma seção de considerações finais. Na próxima seção apresentamos o modelo de análise do trabalho, o framework de governança de recursos comuns contido em Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press.. Na seção posterior são trazidos os procedimentos metodológicos do trabalho. A seguinte seção mostra a estrutura e a dinâmica de funcionamento do Comcar e do CMPC. Os resultados da pesquisa, ou seja, a análise da governança pública de Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press. nos dois conselhos, estão na sequência, para, enfim, mostrarmos as semelhanças e diferenças da governança pública entre os dois casos do Comcar e CMPC comparativamente.

Modelo de análise

A pesquisa deu-se com base em um estudo dos modelos de governança dos recursos comuns, utilizando como linha-mestra a contribuição de Elinor Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press., no trabalho denominado Governing the commons.

Em seu modelo de governança, Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press. defende uma gestão interna dos recursos comuns, elencando oito princípios, que, segundo pesquisa empírica realizada pela autora, estavam presentes nos casos de sucesso em que a governança ficou a cargo de seus usuários. Esses princípios estão representados na Tabela 1.

Tabela 1
Os oito princípios de governança dos comuns de Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press.

A definição clara de fronteiras é considerada por Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press. como base para os demais fatores, já que esse princípio tem como objetivo tornar claros os recursos e os atores presentes no common, sem os quais se torna inviável qualquer ação relacionada à sua manutenção. O segundo fator, denominado congruência entre as regras de apropriação e provisão, está voltado para a definição do quanto é possível a apropriação do common, respeitando sua capacidade de reposição ou carga. A ideia aqui é que “a sustentabilidade, a par da provisão, é mantida por um nível controlado de consumo do bem” (Mattos, 2018b, p. 66Mattos, Miguel Ragone de (2018). Governança Orçamentária no Brasil: uma abordagem alternativa. Tese de Doutorado. Universidade de Brasília, Instituto de Ciência Política.).

O terceiro fator elencado por Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press., denominado arranjos coletivos de escolha, diz respeito à participação dos atores internos na escolha dos meios operacionais do bem público comum. Isso justifica-se pelo nível de conhecimento obtido por seus usuários acerca do bem, o que revela sua capacidade de escolher os melhores caminhos para a manutenção do bem público comum. O quarto princípio observado por Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press. é a existência do monitoramento. Esse princípio tem como objetivo evitar ações individuais que prejudiquem a coletividade, bem como servir como premissa para a aplicação de sanções àqueles que atuem de modo oportunista.

O quinto princípio visualizado por Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press. se refere às sanções graduais, que têm como propósito principal induzir os participantes a atuarem conforme as regras estabelecidas. A definição de sanções graduais também tem caráter educativo, no sentido de dar ao infrator a possibilidade de ajustar suas ações, conforme as regras estabelecidas, antes de sofrer alguma sanção que comprometa sua capacidade de usufruir o bem público comum. Ainda concernente à manutenção do equilíbrio na relação entre os usuários do bem público comum, a existência de mecanismos de soluções de conflitos é o sexto princípio elencado e tem como função definir meios pacíficos para a resolução de conflitos entre os usuários do common de modo a manter a estabilidade do sistema.

O sétimo princípio observado por Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press. é o reconhecimento mínimo do direito de organização. Esse princípio revela sua importância ao buscar viabilizar a governança de sistemas complexos, como o carnaval de Salvador e do Recife, por intermédio do respeito a organizações e pactos anteriores, bem como permitir a governança por camadas, o que propicia a manutenção da representatividade de cada grupo de atores usuários do common.

Pela afirmação de Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press., é possível perceber a importância do respeito às organizações e aos pactos anteriores, relacionados à manutenção do common, já que esse reconhecimento evita que usuários passem a desrespeitar regras anteriormente estabelecidas pelo grupo, bem como influenciar o poder público para extinguir regras com a intenção de se beneficiar, mesmo que apenas em curto prazo, em detrimento dos demais e da sustentabilidade do bem público comum.

Por fim, o oitavo princípio observado por Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press. refere-se à governança por camadas, que tem como objetivo viabilizar a governança de sistemas mais complexos, com a formação de estruturas piramidais ou em árvores. Nesse modelo, exemplificado na Figura 1, espera-se que as decisões dos diversos grupos de usuários sejam observadas, cabendo aos seus representantes levar ao grupo central as deliberações e o posicionamento dos grupos.

Figura 1
A governança em camadas no carnaval de Salvador

Fonte: elaboração própria, 2021


Outro aspecto relevante para a elaboração da pesquisa tentando tratar do carnaval em Salvador e no Recife como recurso público comum diz respeito à expansão dos estudos sobre os bens públicos comuns e dos common pool resources, que passaram a ser denominados por Hess (2008)Hess, C. (2008). Mapping the new commons. SSRN Electronic Journal, 74. https://doi.org/10.2139/ssrn.1356835
https://doi.org/10.2139/ssrn.1356835...
de new commons.

Em seu trabalho, denominado “Mapping the new commons”, Hess (2008)Hess, C. (2008). Mapping the new commons. SSRN Electronic Journal, 74. https://doi.org/10.2139/ssrn.1356835
https://doi.org/10.2139/ssrn.1356835...
new commons (NC realiza um mapeamento de novos bens públicos comuns não relacionados a recursos naturais, como pastagens, mananciais aquíferos ou estoques de peixes. Com isso, verifica que no decorrer do tempo houve uma ampliação sobre aquilo que se conceituou como common pool resource e que a autora chamou de new commons. Segundo ela, são new commons: “Bens comuns culturais; bens comuns da vizinhança; conhecimento comum; bens comuns sociais; infraestrutura comum; bens comuns do mercado; e bens comuns globais” (Hess, 2008, p. 5Hess, C. (2008). Mapping the new commons. SSRN Electronic Journal, 74. https://doi.org/10.2139/ssrn.1356835
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).

Mediante a caracterização de novos bens públicos comuns, torna-se necessário retornar ao conceito apresentado por Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press.. Ao definir os commons, ela afirmou: “O termo ‘recurso de pool comum’ refere-se a um sistema de recursos natural ou feito pelo homem” (Ostrom, 1990, p. 29Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press.), o que aparentemente aponta para a noção da autora sobre a possibilidade de expandir a conceituação do termo para outros recursos que não os naturais. Nesse sentido, este trabalho passa a analisar o modelo de governança público utilizado nos carnavais de Salvador e do Recife, considerando os festejos como recursos públicos comuns culturais.

Procedimentos do trabalho

Utilizou-se no processo de investigação o estudo de caso comparado como uma variante entre os projetos de estudo de caso, mas que permite por meio da comparação de casos significativos a sua compreensão (Ragin, 1999Ragin, C. C (1999). The distincfiveness of case-oriented. Health Services Research, 34(5 Part II), 1137-1151. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1089057/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
, 2008Ragin, C. C. (2008). Redesigning social inquiry: fuzzy sets and beyond. University of Chicago Press.). Ainda sobre a abordagem metodológica, Yin (2010)Yin, R. K. (2010). Estudo de caso: planejamento e métodos (4. ed.). Bookman. recomenda a escolha do estudo de caso como um método de pesquisa influenciado, em grande parte, pela pergunta de pesquisa, preconizando que, quanto mais se deseja saber como ou por que um fenômeno social funciona, “mais o método do estudo de caso será relevante” (Yin, 2010, p. 4Yin, R. K. (2010). Estudo de caso: planejamento e métodos (4. ed.). Bookman.).

Sobre os meios usados para a coleta de dados, optou-se pela utilização da pesquisa documental, que emprega dados primários, obtidos neste trabalho pela análise das atas de reunião do Comcar e do CMPC, assim como os documentos legais que inseriram os referidos conselhos como órgãos deliberativos e fiscalizadores e normatizaram a sua atuação, como as leis e os regimentos internos. Além desses documentos, foram analisados outros registros digitais relativos à atuação dos referidos conselhos relacionados ao carnaval em Salvador e no Recife (Comcar e CMPC).

A pesquisa documental tem como objetivo a ampliação do entendimento sobre um objeto que necessita de contextualização histórica e sociocultural (Cellard, 2012Cellard, A. (2012). A análise documental. In A. Cellard (ed.), A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos (3. ed., pp. 295-316). Vozes.; Pimentel, 2001Pimentel, A. (2001). O método da análise documental: seu uso numa pesquisa historiográfica. Cadernos de Pesquisa, 114, 179-195. http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742001000300008&lng=pt&tlng=pt
http://educa.fcc.org.br/scielo.php?scrip...
; Sá-Silva et al., 2009Sá-Silva, J. R., Almeida, C. D., & Guindani, J. F. (2009). Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, 1(1), 1-15. https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/10351
https://periodicos.furg.br/rbhcs/article...
). Prior (2003)Prior, L. (2003). Using Documents In Social Research (v. 42). Sage. https://doi.org/10.1177/0038038508094564
https://doi.org/10.1177/0038038508094564...
defende que esses objetos se caracterizam não somente como fonte de informação, mas também como produtos da ação humana, sendo, portanto, necessário atentar para fatores como: a sua autoria, produção, utilização, funcionamento e finalidade no contexto estudado (Sá-Silva et al., 2009, p. 5Sá-Silva, J. R., Almeida, C. D., & Guindani, J. F. (2009). Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, 1(1), 1-15. https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/10351
https://periodicos.furg.br/rbhcs/article...
).

Na unidade de análise escolhida para representar a governança pública, ou seja, os dois respectivos conselhos do carnaval em Salvador e no Recife – Comcar e CMPC –, realizou-se a pesquisa documental, com a apreciação das atas das reuniões. Além disso, foram observados os documentos legais relacionados aos referidos conselhos, como órgãos deliberativos e fiscalizadores, e que normatizaram a sua atuação, bem como as leis e seus respectivos regimentos internos.

Estrutura e dinâmica do Comcar e do CMPC

Salvador e o Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares

A atual configuração do Comcar, instituído pela Lei Orgânica do Município (LOM) em 1990, deu-se por meio da incorporação formal de representações diversas, pela Emenda nº 29 à Lei Orgânica do Município. Essa alteração da LOM dispôs sobre os artigos 260 e 261, os quais tratam da criação e da configuração do Comcar, órgão de natureza colegiada e representativa das entidades, dos órgãos públicos e da sociedade com atribuições fiscalizadora e deliberativa. Atualmente, o conselho tem a representação exposta na Tabela 2.

Tabela 2
Representação no Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares

No que se refere às reuniões, ocorreram apenas três reuniões ordinárias no ano de 2019, o que não fere o que preconiza o Regimento do Conselho. A participação nas reuniões obteve presença acima do mínimo previsto no Regimento Interno do Comcar, que, em seu artigo 3, define o mínimo de 1/3 de participação (11 dos 32 participantes) (Comcar & Secult, 2007Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) & Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult) (2007). Extrato do Regimento Interno do Conselho Municipal do Carnaval. Reforma O Regimento Interno do Conselho Municipal do Carnaval, criado pela Constituinte Municipal de 1999 e regulamentado pela Lei nº 4.538 de 1992. http://www.salvador.ba.gov.br/index.php/2-uncategorised/42-iframe-cadastro-organizacional
http://www.salvador.ba.gov.br/index.php/...
).

A reunião 1 (15 de maio) contou com 29 (91% do total) participantes; a reunião 2 (9 de julho), com 13 (41% do total) representantes presentes; e na reunião 3, realizada em 23 de setembro, foi registrada a presença de 18 representantes (56% do total). Analisando as reuniões de julho e setembro, já que a reunião de maio, regimental, tem sempre como objetivo a eleição da nova mesa diretora e do coordenador executivo do carnaval, entre os 32 grupos que compõem o Comcar, 11 representantes estiveram presentes nas duas reuniões, nove estiveram em apenas uma reunião, e 13 não participaram de nenhuma das duas reuniões do ano de 2019 (Comcar, 2019aConselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) (2019a). Ata Conjunta da Eleição e Posse da Mesa Diretora do Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares para o Mandato 2019/2020 e do Coordenador do Carnaval 2020 (15/05). Diário Oficial do Município de Salvador., 2019bConselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) (2019b). Ata da Reunião Ordinária do Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares. Diário Oficial do Município de Salvador., 2019cConselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) (2019c). Ata da Reunião Ordinária do Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares. Diário Oficial do Município de Salvador.). Entre os presentes na reunião de julho, cinco dos 11 participantes eram componentes da Mesa Diretora e da Coordenação Executiva do Carnaval 2020, enquanto na reunião de setembro o número de representantes presentes que não eram membros eleitos da Mesa Diretora nem da Comissão Executiva do Carnaval 2020 saltou de seis para 13.

Mediante a análise da LOM, que em seus artigos 260 e 261 define o Comcar como órgão de natureza normativa, deliberativa e fiscalizadora, bem como sua composição e a da Comissão Executiva do Carnaval (Salvador, [s.d.]Salvador. Câmara Municipal de Salvador. Lei Orgânica de Salvador - BA. https://leismunicipais. com.br/a2/lei-organica-salvador-ba
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); do Regimento Interno do conselho, que apresenta seu modo de composição e funcionamento (Comcar & Secult, 2007Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) & Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult) (2007). Extrato do Regimento Interno do Conselho Municipal do Carnaval. Reforma O Regimento Interno do Conselho Municipal do Carnaval, criado pela Constituinte Municipal de 1999 e regulamentado pela Lei nº 4.538 de 1992. http://www.salvador.ba.gov.br/index.php/2-uncategorised/42-iframe-cadastro-organizacional
http://www.salvador.ba.gov.br/index.php/...
); e, finalmente, das atas das reuniões, que compõem o registro formal do funcionamento do Comcar (Comcar, 2019aConselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) (2019a). Ata Conjunta da Eleição e Posse da Mesa Diretora do Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares para o Mandato 2019/2020 e do Coordenador do Carnaval 2020 (15/05). Diário Oficial do Município de Salvador., 2019bConselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) (2019b). Ata da Reunião Ordinária do Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares. Diário Oficial do Município de Salvador., 2019cConselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) (2019c). Ata da Reunião Ordinária do Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares. Diário Oficial do Município de Salvador.), é possível perceber o seguinte:

  • que o Comcar, composto dos representantes elencados na LOM, tem participação concentrada nos membros que compõem a Mesa Diretora e a Comissão Executiva do Carnaval e poucos representantes de entidades públicas e relacionadas ao carnaval;

  • que a atuação do conselho tem, pelo menos no ano de 2019, atenção total voltada ao carnaval, negligenciando as demais festas populares, também a seu cargo;

  • que o conselho cumpre o seu papel de entidade normativa, deliberativa e fiscalizadora, mas que algumas importantes decisões que afetam os festejos carnavalescos, assim como as demais festas populares, são tomadas pelo poder público sem que o Comcar participe das discussões e análises;

  • que o número de reuniões pode ser maior, mensal, como está no Regimento Interno do Comcar, dando ao conselho a possiblidade de discutir temas de caráter estratégico e operacional das festas, elevando sua capacidade de contribuição.

Recife e o Conselho Municipal de Política Cultural

A cidade do Recife, entre 1955 e 1972, implementou uma série de modificações no modelo de gestão do seu carnaval, gerando, por consequência, uma série de embates sobre as ações do poder público a esse respeito, direcionadas essencialmente para a espetacularização da festa com o intuito de potencializar o turismo.

No ano de 1968, foi criada a Empresa Metropolitana de Turismo da Cidade do Recife (Emetur), por meio da Lei Municipal nº 9.927. Segundo Silva (2015), a Emetur “realizava festivais de música, publicava cartilhas sobre as danças e músicas populares, cartilhas de folclore”. A partir da metade da década de 1970, a empresa passou a organizar o carnaval. Ainda conforme o autor, em 1972 o prefeito do Recife Augusto Lucena sancionou a Lei Municipal nº 10.537, que definiu a Comissão Promotora do Carnaval (CPC), ligada à Emetur, para promover a organização da folia de momo da cidade.

Em 1979, por meio da Lei Municipal nº 13.535/79, foi criada a Fundação de Cultura da Cidade do Recife (FCCR), que a partir de então passou a ser responsável pela gestão da cultura, em seu nível operacional, substituindo a Emetur e herdando suas atividades e patrimônio, além do aproveitamento de quadro de pessoal, a critério do prefeito. Esse movimento efetivou a transferência da gestão do carnaval do Recife da esfera do Turismo para a pasta da Cultura, já que desde 1972 a Emetur fazia a gestão do carnaval, por meio da CPC, criada pela Lei nº 10.537/72.

O CMPC foi criado pela Lei nº 10.384/71, que foi revogada pela Lei nº 17.105, de 15 de julho de 2005, alterando a denominação do antigo Conselho de Cultura para Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC). O CMPC possui 40 membros, sendo 20 representantes do poder público e 20 da sociedade civil, conforme a Tabela 3. Há que se ressaltar que houve alterações em sua composição, tanto em 2019 quanto em 2021, como apresentado na Tabela 3. Entretanto, como as alterações de 2019 foram promulgadas pelo prefeito do Recife em 13 de novembro de 2019, as análises que porventura utilizem o critério “representantes” serão realizadas com base na composição do CMPC preconizada pela Lei nº 17.105/2005.

Tabela 3
Composição do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife, com base na Lei nº 17.105/2005

O CMPC é presidido pelo(a) secretário(a) de Cultura do município, com o auxílio de um secretário(a)-geral, que é eleito pelos membros do conselho, por meio da inscrição de chapas eleitorais. Já os membros do conselho que representam a sociedade civil são escolhidos entre candidatos inscritos previamente no Cadastro Cultural do Recife e eleitos de modo descentralizado, em cada grupo representado no CMPC, seguindo os procedimentos estabelecidos no Regimento Interno do CMPC (Recife, 2007Recife (2007). Prefeitura do Recife. Regimento Interno. Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC). Decreto nº. 23.009, de 3 de setembro de 2007.). O CMPC possui, ainda, estruturas internas de trabalho divididas da seguinte forma (Figura 2):

Figura 2
Conselho Municipal de Política Cultural do Recife (PE): estrutura organizacional

Fonte: adaptada do Regimento Interno do CMPC (Recife, 2007Recife (2007). Prefeitura do Recife. Regimento Interno. Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC). Decreto nº. 23.009, de 3 de setembro de 2007.).


  • o pleno, que se constitui como “instância máxima do Conselho, competindo-lhe examinar, discutir e decidir sobre matérias decorrentes de sua finalidade, suas funções e atribuições legais e regimentais” (Recife, 2007Recife (2007). Prefeitura do Recife. Regimento Interno. Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC). Decreto nº. 23.009, de 3 de setembro de 2007.);

  • as câmaras, que se constituem em órgãos técnicos permanentes do conselho em suas áreas, em número de seis, tendo as seguintes denominações: Câmara de Formação Cultural, Câmara de Economia da Cultura, Câmara de Patrimônio Cultural e Arquitetura, Câmara de Cultura Popular, Câmara de Artes Visuais, Design e Artesanato e Câmara de Audiovisual, Artes Cênicas, Literatura e Música (Recife, 2007Recife (2007). Prefeitura do Recife. Regimento Interno. Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC). Decreto nº. 23.009, de 3 de setembro de 2007.);

  • os fóruns permanentes, organizados da seguinte maneira: Artes Visuais, Design, Artesanato, Patrimônio e Arquitetura, Audiovisual, Literatura, Música, Artes Cênicas e Ciclos Culturais.

Em 2019, o CMPC realizou sete reuniões do pleno. O número de reuniões em 2019 ficou abaixo do previsto no artigo 7 do Regimento Interno do CMPC, que prevê que o pleno deve se reunir uma vez por mês. Sobre a presença e participação dos conselheiros do CMPC nomeados como representantes do poder público e eleitos representantes da sociedade civil, apurou-se por meio da análise das atas de reuniões do pleno que as reuniões contaram, via de regra, com o número mínimo necessário para a sua realização, ou com a presença máxima de 28 conselheiros (70%), na reunião de 18 de janeiro de 2019.

No que se refere à estrutura de governança pública do carnaval do CMPC, este apresenta atuação limitada, por possuir ampla atribuição sobre temas relacionados à política cultural do Recife, mesmo que seu carnaval possua dimensão e complexidade merecedoras de atenção maior, ou mesmo exclusiva. Ao longo do tempo, essa incumbência cristalizou-se como responsabilidade da Secretaria Municipal da Cultura e da FCCR, uma demonstração sobre a preponderância do poder público municipal sobre o carnaval do Recife.

Análise dos resultados: Comcar e CMPC segundo os princípios da governança de Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press.

Fronteiras bem definidas

Em Salvador, a definição dos representantes do Comcar está na LOM, em seu artigo 261. Além da LOM, o Regimento Interno do conselho define o modo de composição dos seus cargos diretivos (presidente, vice-presidente e secretário), bem como de seu representante na Coordenação Executiva do carnaval. O órgão que operacionaliza o carnaval é a Empresa Salvador Turismo (Saltur) (Comcar & Secult, 2007Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) & Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult) (2007). Extrato do Regimento Interno do Conselho Municipal do Carnaval. Reforma O Regimento Interno do Conselho Municipal do Carnaval, criado pela Constituinte Municipal de 1999 e regulamentado pela Lei nº 4.538 de 1992. http://www.salvador.ba.gov.br/index.php/2-uncategorised/42-iframe-cadastro-organizacional
http://www.salvador.ba.gov.br/index.php/...
), vinculada à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, ambos com representante no conselho. O Comcar é composto de 32 representantes, sendo cinco do poder público estadual, cinco do poder público municipal e 22 entidades da sociedade civil, com participação ativa no carnaval. A seguir um exemplo das classes e dos órgãos representados no Comcar, o que demonstra o diálogo com a definição clara dos atores e recursos coletivos envolvidos nos festejos carnavalescos.

“No dia 23/09/2019 no auditório Emerson José, anexo à Câmara Municipal de Vereadores de Salvador, situado a Rua Rui Barbosa número 23/27, Edifício Bahia Center, sob a presidência do senhor Jairo da Mata representante do Unesamba e estando presentes os seguintes conselheiros: Reginaldo Santos, vice-presidente, representante da ABS - associação de blocos de Salvador; Cassini Rossello Monteiro, secretário geral, representante do Sindifeira; Clóvis Carneiro Ramos, segundo secretário geral, representante segmento percussivo; Márcia Magalhães Mamede. coordenadora do Carnaval 2020, representante da ABA - associação de blocos da barra; Pedro Costa, representante da federação dos clubes Carnavalescos da Bahia e de Humberto de Freitas, representantes da associação blocos travestidos/índio; Washington Paganelli, ABT - associação de blocos de trios; Zu Campos, representante da Arplamb - associação dos artistas plásticos da Bahia; Oswaldo Francisco Ventura Bailado, representante do sindicato dos músicos da Bahia; Railda Nascimento representante da associação dos barraqueiros; Nelson Nunes, representante da categoria Afoxé; Sidney Rocha, representante da categoria Afro, Coronel PM Marcos Oliveira, representante da Secretaria de Segurança Pública – BA, Capitão PM Alex Figueiredo, representante da Polícia Militar – BA; Valdemar Sandes, representante da ABTI - associação baiana de trios independentes; Paulo Vital, representante da Bahiatursa e Valmir Elpídio da Silva, representante da ABC - associação de empresas de sonorização...” (COMCAR, 2019c p.1Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) (2019c). Ata da Reunião Ordinária do Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares. Diário Oficial do Município de Salvador.)

No Recife, a composição do CMPC é definida pela Lei nº 17.105/05, com alteração em sua redação pelas Leis nº 18.659/19 e nº 18.885/21. São 40 conselheiros, sendo 20 representantes do poder público e 20 da sociedade civil, todos vinculados de alguma forma aos festejos carnavalescos na capital de Pernambuco. A execução do carnaval fica a cargo da FCCR, vinculada à Secretaria Municipal da Cultura. Assim, pode-se concluir que há aderência do modelo de governança do carnaval com o princípio fronteiras bem definidas, na medida em que há a clara divisão entre os grupos representados, assim como os limites de sua atuação, como órgão de caráter deliberativo, normativo e consultivo.

Congruência entre as regras de apropriação e de provisão e as condições específicas

Não foi identificada congruência entre as regras de apropriação, entendida como o modo como os grupos participantes dos conselhos se beneficiam do common carnaval e como eles contribuem para a realização e a manutenção dos festejos.

Em Salvador, toda a estrutura necessária para a realização do carnaval fica a cargo do Governo do Estado e da Prefeitura de Salvador, provendo os serviços de segurança, saúde, iluminação, limpeza, entre outros, sem contar com o fato de a Saltur ser a responsável formal pela gestão do evento, cabendo a esta apenas prestar contas ao Comcar, como indica o artigo 32 do Regimento Interno do conselho.

No Recife o poder público, por meio da Secretaria Municipal da Cultura e da FCCR, define, por meio de chamadas públicas, quais agremiações carnavalescas são consideradas “manifestações culturais”, fazendo jus a recursos que viabilizam sua participação no carnaval da capital pernambucana (Silva, 2015Silva, Augusto Neves da (2015). Metamorfoses de uma festa : Histórias do Carnaval em Recife ( 1955-1972 ). Revista Crítica Histórica, [S. l.], v. Ano VI, 196–224. https://www.seer.ufal.br/ojs2-somente-consulta/index.php/criticahistorica/article/view/2976/pdf
https://www.seer.ufal.br/ojs2-somente-co...
). Assim, dado o protagonismo do poder público no carnaval do Recife, com o apoio do CMPC, não foi possível observar a presença do segundo princípio de Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press., a “congruência entre as regras de apropriação e provisão e as condições específicas”, uma vez que no Recife, apesar da existência de um lócus formal da participação da sociedade civil (o CMPC), poucos foram os registros sobre o tema carnaval entre as sete reuniões do pleno realizadas em 2019.

Arranjos coletivos de escolha

Em Salvador, a estrutura e o modo de funcionamento do Comcar dialogam fortemente com este princípio, por meio de registros formais da estrutura de governança pública do carnival na LOM e do Regimento Interno do Comcar. O modo como foi estruturado o conselho, bem como foram estabelecidas as suas responsabilidades, possibilitou a existência de um arranjo coletivo de escolhas. Entretanto, apesar de a estrutura de governança preconizar a participação coletiva nas decisões, é preciso que haja maior presença e participação dos representantes, de modo que as decisões e ações representem efetivamente os interesses da coletividade, e não apenas de uma parcela dos grupos representados no Comcar.

No Recife, o modo como o CMPC foi estruturado e como foram definidas as suas atribuições permite também perceber a aderência ao princípio arranjos coletivos de escolha. Essa afirmação tem como base o Regimento Interno do CMPC, que em seus artigos 7 e 28 determina o pleno como órgão máximo do conselho. O CMPC, enquanto lócus da participação da sociedade civil na estrutura de governança pública da cultura no Recife e, especificamente, no carnaval do Recife, tem sua função exercida coletivamente, porém a análise documental propiciou perceber a necessidade de maior presença e participação dos conselheiros, de modo que o conselho exerça efetivamente as suas atribuições de caráter deliberativo, normativo e consultivo.

Monitoramento

Em Salvador, na reunião do pleno do dia 23 de setembro de 2019, quando foram apresentadas as atividades até então realizadas pela Saltur – órgão executivo do carnaval – e pela Secretaria de Cultura e Turismo do município, foi identificado um monitoramento interno, constante das atas, quanto à presença dos conselheiros nas reuniões do pleno.

No Recife, o monitoramento quanto à presença dos conselheiros nas reuniões do pleno está no artigo 4, § 4, do Regimento Interno do CMPC. Ainda sobre o tema monitoramento, torna-se relevante mencionar que a dificuldade enfrentada pelo CMPC na obtenção de quórum culminou com a intervenção do Ministério Público, acarretando um compromisso do conselho para a obtenção de quórum mínimo para as reuniões do pleno.

Sanções graduais

Quanto ao princípio sanções graduais, observou-se que há em Salvador diálogo com este, enquanto no Recife não foi verificado esse diálogo, com base nos documentos analisados.

Mecanismos de solução de conflitos

Em Salvador, no estabelecimento e definição do modo de atuação do Comcar, verificou-se a aderência a este princípio pela deliberação dos temas por meio de votação nas reuniões do pleno. No Recife, o CMPC é composto de 40 representantes, sendo 20 do poder público e 20 da sociedade civil. O conselho é formado por quatro órgãos distintos.

Apesar de o pleno se constituir como instância máxima para a deliberação dos temas relacionados à cultura, incluindo o carnaval, o CMPC tem previstas em seu Regimento Interno outras instâncias que, de modo geral, devem contribuir para o aprofundamento de determinados assuntos, auxiliando por meio do resultado de suas atividades a melhor tomada de decisão por parte dos membros do conselho, nas reuniões do pleno.

Reconhecimento mínimo do direito de organização

Em Salvador, a introdução de um conselho vinculado especificamente ao carnaval por meio da LOM sinaliza a aderência ao princípio, uma vez que, por meio do Comcar, 32 grupos previamente organizados podem cooperar em uma estrutura horizontalizada, entretanto há a necessidade de dinamizar o conselho, de modo que a presença e a participação dos representantes sejam maiores nas reuniões do pleno, fortalecendo sua posição como órgão normativo, deliberativo e fiscalizador. Prova disso é que no ano de 2019, anteriormente à pandemia, apenas três reuniões do pleno foram realizadas, com a presença de 29 conselheiros na reunião de 15 de maio, data destinada anualmente à eleição da Mesa Diretora do Comcar e do coordenador executivo do carnaval, representando o Comcar, de 13 representantes na reunião ordinária de 9 de julho e de 18 conselheiros na reunião de 23 de setembro.

No Recife, verificou-se também o diálogo da estrutura do CMPC com o princípio reconhecimento mínimo do direito de organização, dada a composição do conselho, que possui 40 representantes, sendo 20 do poder público e 20 da sociedade civil, conforme o artigo 5 da Lei nº 17.105/2005 e suas alterações posteriores, pelas Leis nº 18.659/19 e nº 18.885/21. O CMPC é um conselho com atividades mais amplas, voltadas à política cultural na cidade do Recife, incluindo o carnaval. Na capital pernambucana, a presença do setor público no carnaval é ainda mais forte que em Salvador, onde o processo mercantil dos grupos presentes no carnaval tomou maiores proporções, enquanto no Recife houve maior apropriação dos festejos pelo setor público, operacionalizado pela FCCR, órgão descentralizado da administração municipal vinculado à Secretaria Municipal da Cultura, conforme demonstrado anteriormente, quando da análise da atuação do CMPC.

Por meio dessa análise, em relação ao princípio 7, é possível afirmar que, mesmo com o reconhecimento e a valorização do direito de organização dos grupos vinculados à cultura e, especificamente, ao carnaval, a atuação do conselho é bastante limitada.

Governança por camadas

Em Salvador, o Comcar segue esse modelo por camadas, uma vez que é composto de representantes indicados por grupos nominados no artigo 261 da LOM. Assim, os conselheiros indicados por grupo devem representá-lo, transmitindo as resoluções de cada grupo ao pleno do Comcar, que fará a deliberação das solicitações apresentadas.

No Recife, também houve a identificação de uma estrutura de governança do carnaval por camadas, por meio da configuração do CMPC, que possui 40 representantes de grupos vinculados ao carnaval, sendo 20 do poder público e 20 da sociedade civil. O conselho, com atribuições de caráter deliberativo, normativo e consultivo (Recife, 2007Recife (2007). Prefeitura do Recife. Regimento Interno. Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC). Decreto nº. 23.009, de 3 de setembro de 2007.), é subdividido em câmaras, fóruns e comissões, que têm como funções o estudo e a formulação de propostas voltadas a temas específicos, a serem analisadas, debatidas e deliberadas pelo pleno do CMPC. Além do conselho, há a FCCR, órgão responsável pela operacionalização do carnaval no Recife e que, por sua vez, está vinculado à Secretaria Municipal da Cultura, que compõe o poder executivo municipal, representado pela prefeitura do Recife. Desse modo, é possível afirmar que a governança pública do carnaval na cidade do Recife está estruturada por camadas.

Diferenças e semelhanças da governança pública do carnaval no Recife e em Salvador

Semelhanças

  • Forte apelo popular: o carnaval de Salvador e o do Recife, juntamente com o do Rio de Janeiro e de Olinda, compõem o grupo de eventos mais conhecidos e divulgados do país. Há identificação de sua população com as manifestações culturais e artísticas, como os blocos, blocos de trio, afoxés e blocos afro, blocos de percussão, blocos de índios e travestidos, trios independentes e entidades de sopro e percussão. No Recife, há os blocos denominados tradicionais, os líricos e os de super-heróis, caboclinhos, caboclos de lança e o famoso galo da madrugada, assim como o Bloco da Saudade;

  • Espetacularização da festa: outra semelhança entre Salvador e Recife se dá pelo grande número de turistas nacionais e estrangeiros que vêm desfrutar a festa e seu espetáculo;

  • Poder público exerce liderança: se, do ponto de vista da dimensão dos resultados, o carnaval de Salvador e o do Recife chegaram a níveis relevantes, do ponto de vista da operacionalização do carnaval, houve a necessidade de prover a infraestrutura e a organização de um evento cada vez maior e mais complexo, como é o caso de ambas as cidades;

  • Delimitação formal dos espaços onde ocorrem os festejos: denominação de circuitos (Dodô–Barra, Osmar–Centro, Batatinha–Pelourinho, Sérgio Bezerra–Farol da Barra/ Morro do Cristo), em Salvador, ou polos (centrais, descentralizados e comunitários), como são denominados os espaços destinados aos desfiles das agremiações carnavalescas, no Recife;

  • estrutura de governança pública do carnaval por camadas: as cidades de Salvador e do Recife utilizam um órgão centralizado da gestão municipal (secretaria), um órgão decentralizado ligado à secretaria responsável pelo carnaval (empresa pública, no caso de Salvador, e fundação, no caso do Recife) e, ainda, um conselho com atribuições normativas, deliberativas e fiscalizadoras das ações para o carnaval, como explicita o artigo 260 da LOM, no caso do Comcar (Salvador, [s.d.]), e funções de caráter deliberativo, normativo e consultivo para a política cultural na cidade do Recife, incluindo o carnaval, como define o artigo 7º da Lei nº 17.105/2005 (Recife, 2005bRecife (2005b). Prefeitura do Recife. Lei nº 17.105/2005. Altera a Lei nº 10.384, de 1º de setembro de 1971, reestruturando o Conselho Municipal de Cultura e denomina-o de Conselho Municipal de Política Cultural.). A estruturação por camadas pode ser mais bem visualizada na Figura 3.

  • Desenvolvimento de uma cadeia industrial local, voltada para o atendimento das necessidades dos festejos. Aqui, podem-se enumerar empresas voltadas à montage das estruturas necessárias à gestão do evento, sejam de serviços públicos (segurança, saúde etc.), sejam privados, como palcos, arquibancadas, camarotes; geradores de energia; empresas voltadas à confecção/customização de fantasias; montagem de trios elétricos, carros alegóricos, entre outros tipos; serviços culturais voltados às atividades culturais e artísticas, de música, dança, de moda e beleza, sem contar o rebatimento sobre o trade turístico, indústria de bebidas e alimentos, estes últimos já fora do âmbito local, mas com unidades industriais nos estados, que contribuem para a geração de emprego e renda.

Figura 3
Estrutura de governança por camadas

Nota: Comcar: Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares; CMPC: Conselho Municipal de Política Cultural.

Fonte: Elaborado pelos autores.


Diferenças

  • Grau de influência exercido sobre as agremiações pelo poder público. Em Salvador, com o surgimento e desenvolvimento dos blocos de trio, os poderes públicos municipal e estadual foram, paulatinamente, diminuindo o subsídio às agremiações carnavalescas, via contratação direta ou patrocínio, mantendo as contratações de artistas para os palcos montados nos bairros, para trios independentes e algumas agremiações com dificuldade na obtenção de patrocínios privados, como também na capacidade de geração de caixa, via comercialização de suas fantasias. No Recife, houve desde sempre um movimento de apoio do poder público às agremiações carnavalescas, reforçando o valor da tradição nos festejos carnavalescos da capital pernambucana;

  • As definições e atribuições dos conselhos vinculados ao carnaval. Em Salvador, há um conselho específico para o carnaval, o Comcar. Já no Recife, o conselho vinculado ao carnaval é o CMPC, que tem atribuição mais ampla, sendo o carnaval um setor desse conselho;

  • O modo como cada representante da sociedade civil é escolhido para representar uma entidade nos conselhos. Em Salvador, o artigo 2 do Regimento Interno do Comcar estabelece que “a representação de cada segmento se dá por indicação do representante legal do Órgão ou Entidade, dirigida ao presidente do Conselho Municipal do Carnaval, através do ofício” (Comcar & Secult, 2007Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar) & Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult) (2007). Extrato do Regimento Interno do Conselho Municipal do Carnaval. Reforma O Regimento Interno do Conselho Municipal do Carnaval, criado pela Constituinte Municipal de 1999 e regulamentado pela Lei nº 4.538 de 1992. http://www.salvador.ba.gov.br/index.php/2-uncategorised/42-iframe-cadastro-organizacional
    http://www.salvador.ba.gov.br/index.php/...
    ). Já no Recife, há um processo eleitoral no interior de cada grupo da sociedade civil representado no CMPC, conforme o Título IV: Dos Conselheiros, Capítulo I: Da Eleição dos Representantes da Sociedade Civil, artigos de 37 a 58 (Recife, 2007Recife (2007). Prefeitura do Recife. Regimento Interno. Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC). Decreto nº. 23.009, de 3 de setembro de 2007.).

A Tabela 4 apresenta um resumo das semelhanças e diferenças destacadas.

Tabela 4
Semelhanças e diferenças: Salvador (BA) e Recife (PE)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho buscou analisar a importância dos conselhos do carnaval nas duas cidades, Salvador e Recife, como mecanismo de governança pública de um recurso comum, o carnaval. Na análise, constatou-se certa preponderância do poder público nas decisões, como também esvaziamento dos conselhos, pelo número de reuniões, abaixo do previsto nos regimentos internos do Comcar e do CMPC. Observou-se também baixo índice de presença dos representantes, de acordo com as atas do pleno, tanto em Salvador quanto no Recife. Além disso, a participação nos conselhos é concentrada entre poucos grupos representados.

No que se refere aos princípios de governança de Ostrom (1990)Ostrom, E. (1990). Governing The Commons. Cambridge University Press., eles são verificados parcial ou timidamente. Bom ressalvar que a autora não propõe um modelo fechado, mas algo que de maneira empírica possa trazer elementos de análise acerca da instituição e de sua qualidade em termos de efetividades interna e externa.

Um elemento crítico importante é que em 2019, ano em que se circunscreve a análise deste trabalho, se viu um esvaziamento dos conselhos, o que pode se configurar como um risco para a preservação de um common cultural, como o carnaval.

Em suma, o trabalho teve como focos compreender o carnaval como um Common Pool Resources por meio da análise dos conselhos municipais do carnaval, fóruns mais que adequados para a análise de governança dos comuns, e observar como se estrutura a dinâmica de participação e de decisão dos atores vinculados à festa.

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Editado por

Editor responsável: Marco Antonio Teixeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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