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Riqueza e endemismo de espécies de Baptistonia (Orchidaceae), no Brasil

Species richness and endemism of species of Baptistonia (Orchidaceae, Oncidiinae) in Brazil

Resumos

O endemismo e a riqueza das espécies são medidas complementares da biodiversidade e atributos úteis para uma definição eficaz de áreas de preservação. Estes atributos são aqui aplicados à FlorestaAtlântica brasileira, baseados em um grupo de orquídeas endêmicas deste bioma, o gênero Baptistonia. A análise da riqueza revela uma região particularmente rica (a Serra do Castelo, ES) e seis outras regiões ricas. Três destas regiões apresentam índice de endemismo superior a 1. Oito áreas prioritárias para conservação são definidas. Relações hierárquicas de endemismo entre estas áreas são avaliadas com base em análise de parcimônia de endemicidade. Do conjunto destas relações e da hipótese filogenêtica do gênero Baptistonia deduz-se que a origem deste gênero se situa na Serra do Catelo. Além do mais, esta análise confirma a existência de dois grandes centros de endemismo na zona ecológica sul da Mata Atlântica.

conservação da biodiversidade; endemismo; Mata Atlântica


Species endemism and species richness are complementary concepts usually used in biodiversity evaluation. They can be useful tools for efficiently defining conservation areas. In the present study, they are applied to the Brazilian Atlantic Forest, based on an orchid group endemic to this biome, the genus Baptistonia. The study of the species richness shows one very rich area (The Serra do Castelo, ES) and six rich areas. Three of these areas show an endemism index greater than 1. Eight areas, most important for biodiversity conservation, are proposed. Hierarchical relationships of endemism between nine phytogeographical areas are evaluated based on parsimony analysis of endemicity. This analysis confirms: (a) that two important endemism centers can be recognized in the southern ecological part of the Atlantic Forest, and (b) together with the phylogenetic relationships within the genus Baptistonia, that the Serra do Castelo appears to be the diversification center of the genus.

Atlantic Forest; bio-diversity conservation; endemicity


Riqueza e endemismo de espécies de Baptistonia (Orchidaceae), no Brasil

Species richness and endemism of species of Baptistonia (Orchidaceae, Oncidiinae) in Brazil

Guy R. Chiron

Université Lyon 1, Herbiers (LY), 69622 Villeurbanne Cedex, França. g.r.chiron@wanadoo.fr

ABSTRACT

Species endemism and species richness are complementary concepts usually used in biodiversity evaluation. They can be useful tools for efficiently defining conservation areas. In the present study, they are applied to the Brazilian Atlantic Forest, based on an orchid group endemic to this biome, the genus Baptistonia. The study of the species richness shows one very rich area (The Serra do Castelo, ES) and six rich areas. Three of these areas show an endemism index greater than 1. Eight areas, most important for biodiversity conservation, are proposed. Hierarchical relationships of endemism between nine phytogeographical areas are evaluated based on parsimony analysis of endemicity. This analysis confirms: (a) that two important endemism centers can be recognized in the southern ecological part of the Atlantic Forest, and (b) together with the phylogenetic relationships within the genus Baptistonia, that the Serra do Castelo appears to be the diversification center of the genus.

Key words: Atlantic Forest, bio-diversity conservation, endemicity

RESUMO

O endemismo e a riqueza das espécies são medidas complementares da biodiversidade e atributos úteis para uma definição eficaz de áreas de preservação. Estes atributos são aqui aplicados à FlorestaAtlântica brasileira, baseados em um grupo de orquídeas endêmicas deste bioma, o gênero Baptistonia. A análise da riqueza revela uma região particularmente rica (a Serra do Castelo, ES) e seis outras regiões ricas. Três destas regiões apresentam índice de endemismo superior a 1. Oito áreas prioritárias para conservação são definidas. Relações hierárquicas de endemismo entre estas áreas são avaliadas com base em análise de parcimônia de endemicidade. Do conjunto destas relações e da hipótese filogenêtica do gênero Baptistonia deduz-se que a origem deste gênero se situa na Serra do Catelo. Além do mais, esta análise confirma a existência de dois grandes centros de endemismo na zona ecológica sul da Mata Atlântica.

Palavras-chave: conservação da biodiversidade, endemismo, Mata Atlântica

Introdução

Os conceitos de endemismo e de riqueza em espécies são usualmente utilizados quando se quer avaliar a importância de uma região em termos de preservação de um bioma. Estes dois conceitos são complementares e foi sugerido que as áreas de forte endemismo e as áreas de grande riqueza de espécies não necessáriamente coincidem (Prendergast et al. 1993). A identificação dos padrões de biodiversidade apresenta conseqüências importantes para a conservação das plantas, pois a conjunção do endemismo e da riqueza em espécies aumenta a eficiência das áreas de preservação, principalmente nas florestas tropicais (Gentry 1992). Este enfoque permitiu propor vários "hotspots" para a conservação da biodiversidade em geral (Reid 1998, Myers et al. 2000) ou escolher áreas privilegiadas para a conservação deste ou daquele grupo de organismos (Kerr 1997).

A riqueza em número de espécies é uma medida fundamental da diversidade regional e subtende os modelos ecológicos e as estratégias de conservação (Magurran 1988). Este valor (riqueza em número de espécies) mede o número de espécies de um grupo biológico dado, que podem ser observadas em uma dada região. A literatura é rica em dados sobre esse conceito e sobre as dificuldades de como estima-lo (Walther & Morand 1998, Hellmann & Fowler 1999, Gotelli & Colwell 2001, Ackerman et al. 2007, Smidt et al. 2007). O conceito de endemismo foi também amplamente discutido para diversos táxons em diversas áreas geográficas, tanto para quantificá-lo (Usher 1986, Kerr 1997) como para comparar uma régião à outra (Ron 2000, Bisconti et al. 2001, Linder et al. 2005, Porzecanski & Cracraft 2005, Moreno et al. 2006). O presente estudo se baseia na avaliação destes dois conceitos, riqueza e endemismo, para o gênero Baptistonia Barb. Rodr. (Orchidaceae), como contribuição à escolha de áreas prioritárias para sua preservação.

Baptistonia pertence à subtribo Oncidiinae e é endêmico das florestas ombrófilas densas que se encontram nas regões costeiras (Mata Atlântica), no sul e no sudeste do Brasil, e na bacia hidrográfica Paraná-Paraguai-Uruguai, que ocupa o extremo norte da Argentina, o sudeste do Paraguai e o oeste dos estados brasileiros do sul. O gênero foi descrito por Barbosa Rodrigues em 1877 e aplicado a todas as espécies de Oncidium Sw. seção Waluewa (Regel)Schltr. por Chiron & Castro Neto (2004). Chiron (2007a) relacionou 21 espécies de Baptistonia, queocupam uma área que vai do vale do rio Jacuí (RS, 30º S, Município de São Pedro do Sul) até as colinas da Serra Geral (BA, 15º S, Municípios de Camacan e Pau Brasil). Com base em dados morfológicos (Chiron 2007b), moleculares e químicos (Chiron et al. 2009), Chiron (2008) transferiu para o gênero Baptistonia,as espécies Oncidium venustum Drappier (= O. trulliferum Lindl.) e Oncidium coloratum Koeniger & J.G. Weinmann.

Material e métodos

Base de dados - Os dados relativos às 23 espécies (ver os nomes destas assim como os nomes dos autores na tabela 1) foram obtidos em herbários, além de dados coletados em observações botânicas efetuadas pelo autor. O material testemunha foi depositado nos herbários LY e UEFS (acrônimos segundo Holmgren & Holmgren 1998).

A primeira etapa (escolha das regiões exploradas) foi obtida por informações geográficas encontradas na literatura (Pabst & Dungs 1977, Senghas 1997, Toscano-de-Brito, dados não publicados) e por indicaçãos fornecidas por vários contatos brasileiros. O cruzamento destas informações indica que não se encontra Baptistonia ao norte do paralelo Sul-15º. No presente trabalho, as pesquisas foram ampliadas até a Serra de Jiboia (Município de Santa Teresinha, BA, ca. 12º30'S), na extremidade da Serra Geral, para confirmar esta conclusão. Oliveira Filho & Fontes (2000) mostraram que a Mata Atlântica compreende duas zonas florísticas distintas, respectivamente ao norte e ao sul de uma zona de transição situada ao sul da Bahia, sendo esta diferenciação provavelmente causada por variações em temperatura e regime de chuvas. O limite norte da área de distribuição do gênero Baptistonia corresponde a esta zona de transição e a ausência de Baptistonia ao norte é provavelmente devida ao mesmo motivo. Conseqüentemente, foram consultados os herbários brasileiros destas regiões: HAS, HB, ICN, MBM, PACA, R, RB, SP, UEC, UEFS, além de alguns herbários europeus (G, K, LY, P, W, WU).

Estes dados permitiram produzir um mapa das coletas, representando o número de amostras coletadas em uma quadrícula de 1º × 1º e um mapa das espécies, representando o número de espécies coletadas por quadrícula. Este último mapa indica, portanto, a riqueza de espécies. O mapa de base da região geográfica concernente foi desenhado a partir de IBGE (2002) e o traçado das quadrículas sobreposto manualmente. Índice de endemismo e análise de complementariedade

- É possível atribuir a cada quadrícula um índice de endemismo que permite avaliar as diferenças de endemismo entre as diversas células. A quantificação do endemismo foi proposta por Usher (1986). Como apresentado por Kerr (1997), este método consiste em contar, para cada táxon i, o número Nì de quadrículas onde foi coletado; em seguida, para cada quadrícula j, calcula-se um índice EIj igual à soma dos valores 1/Ni correspondendo aos táxons presentes nesta quadrícula:

EIj = Σ 1/Ni

Este índice é útil para diferenciar quadrículas igualmente ricas em número de espécies, mas com diferentes graus de endemismo (Moreno et al. 2006). Peterson & Watson (1998) puseram em evidência o problema de distinção entre uma definição regional do endemismo e uma definição global, porém, esse problema não interfere no presente trabalho, no qual a abrangência do estudo cobre a totalidade da área de ocorrência das espécies de Baptistonia.

A análise de complementariedade permite identificar as quadrículas que se complementam em termos de presença de espécies, isto é, que apresentam um maior número de espécies não presentes nas quadrículas já selecionadas. Assim, permite determinar as aréas mais propícias à conservação.Aanálise visa à preservação das espécies concernentes com um mínimo de quadrículas. Esta foi efetuada utilizando o algorítimo descrito por Rebelo & Sigfried (1992) e Rebelo (1994), o qual consiste em escolher inicialmente a quadrícula que contém o maior número de espécies; em seguida, a que contém o maior número de espécies não presentes na primeira e assim por diante. Uma atenção especial deve ser dada às espécies amplamente distribuídas, sobretudo se são compostas de várias populações separadas entre si: a diversidade destas populações pode ser tão importante de ser conservada quanto somente a diversidade das espécies.

Análise de parcimônia por endemismo - Para avaliar as relações de endemismo entre as diferentes regiões e para identificar as regiões com alto grau de endemismo, foi utilizada a análise de parcimônia por endemismo (PAE = parsimony analysis of endemicity). A análise PAE, proposta por Rosen (1988), é um método da biogeografia histórica, análogo à cladistica, que procura precisar as afinidades biogeográficas da Unidades Geográficas Operacionais (Operating Geographic Units, OGUs). Muitas vezes, as OGUs são quadrículas (Morrone 1994). O mesmo foi utilizado em várias espécies animais e vegetais (Posadas & Miranda-Esquivel 1999, Trejjo-Torres & Ackerman 2001, Garcia-Barros et al. 2002, Morrone & Escalante 2002, Rovito et al. 2004). Craw (1988) sugeriu utilizar áreas de endemismo predeterminadas e Silva & Oren (1996) escolheram áreas interfluviais. No presente trabalho foram definidos como conjuntos de quadrículas adjacentes contendo geralmente as mesmas espécies e correspondendo a entidades geográficas determinadas, obtidas a partir das áreas previamente detectadas por análise de complementariedade.

Os dados de entrada da PAE consistem em uma matriz composta de OGUs e táxons, semelhante às matrizes táxons/caracteres utilizadas em filogenia na qual a ausência de um táxon em uma OGU é anotada como 0 e a sua presença como 1. Uma área hipotética na qual todos os táxons estão ausentes pode ser acrescentada como grupo externo (Rosen & Smith 1988). Lambshead & Paterson (1986) de fato estabeleceram que, se as espécies são consideradas como caracteres a partir dos quais se pode inferir cladogramas, então a presença de uma espécie deve ser considerada como um caráter derivado e sua ausência como um caráter ancestral.

A análise de parcimônia foi efetuada segundo o algorítimo de Fitch (1971), com auxílio do software PHYLIP 3.5 (Felsenstein 1989, 1993). A robustez do cladograma proposto foi determinada pelo teste de "bootstrap" com 1000 replicações (Felsenstein 1985). Considera-se geralmente fraco, o suporte "bootstrap", entre 50% e 70%, médio entre 71% e 85% e forte se superior a 85% (Kress et al. 2002).

Resultados

Base de dados -Das 439 amostras examinadas nos herbários e identificadas, muitas não possuíam indicação precisa do local de coleta. Aquelas que possuíam, somadas às 141 plantas observadas pelo autor, permitiram considerar 436 amostras (tabela 1).

Duas espécies apresentaram ampla distribuição, doze, área de ocorrência reduzida, enquanto as restantes apresentaram área de dimensões intermediárias (tabela 2).

Considerando a diferença de abundância natural das espécies nas áreas selecionadas, observou-se que algumas apresentaram um número reduzido de amostras: duas para B. colorata, três para B. pabstii, B. uhlii e B. velteniana, seis para B. echinata. A maioria das espécies é representada por 10-25 amostras, enquanto que outras de maior distribuição contêm mais de 30 amostras (até 84 para B. cornigera). Pode-se notar que nenhuma das espécies dos herbários europeus provém de localidades situadas na zona ecológica norte da Mata Atlântica.

A figura 1A representa o mapa de distribuição dessas amostras e pode ser sobreposta ao mapa de distribuição da floresta ombróphila densa proposto por SOSMA & INPE (2008): as quadrículas nas quais as espécies de Baptistonia foram coletadas em grande número (mais de cinco amostras) correspondem a zonas onde as florestas são mais conservadas de acordo com este mapa.


 




A figura 1B fornece o número de espécies registradas em cada quadrícula. A região com a maior riqueza em espécies é constituída pelas quadrículas 10 e 11, que corespondem à Serra do Castelo (ES), com os municipios de Domingos Martins, Marechal Floriano, Alfredo Chavez, Vargem Alta, Venda Nova do Imigrante e Conceição do Castelo. Nela encontramse sete espécies: Baptistonia colorata, B. cruciata, B. damacenoi, B. kautskyi, B. nitida, B. uhlii e B. velteniana.

Nas Serras ao norte e a oeste da cidade de São Paulo, a quadrícula 26 contém cinco especies: B. cornigera, B. lietzei, B. cruciata, B. echinata, B. sarcodes. Seguem-se várias regiões com quatro espécies.

Ao sul do estado do Rio de Janeiro, três áreas geográficas diferentes podem ser identificadas: as florestas de baixa altitude (quadrícula 21) com B. cornigera, B. pabstii, B. pubes e B. sarcodes, as florestas da Serra do Mar (quadrícula 20) com B. cruciata, B. lietzei, B. pulchella e B. truncata e as Serras de Bocaina e da Mantiqueira (quadrícula 19, RJ-SP-MG), com B. lietzei, B. truncata, B. widgrenii, B. echinata, como B. cornigera nas baixas altitudes (abaixo de 400 m).

No Estado do Paraná, na Serra dos Mulatos, a quadrícula 34 contém B. lietzei, B. sarcodes, B. leinigii e B. albinoi enquanto que, na Serra do Mar, a quadrícula 46 contém B. cornigera, B. albinoi, B. sarcodes e B. venusta.

Mais ao sul, na Serra Geral (RS), quadrícula 63, emcontram-se B. albinoi, B. cornigera, B. riograndensis e B. venusta.Índice de endemismo e análise de complementariedade - A figura 1C ilustra os resultados obtidos no cálculo dos índices de endemismo. Três áreas apresentam um índice particularmente alto, a Serra do Castelo, previamente mencionada, mas também a Serra dos Orgãos (RJ) e a Serra das Trempes (Una, BA); vêm em seguida três outras quadrículas, uma delas corresponde aos arredores da cidade do Rio de Janeiro e à parte ocidental da Serra dos Orgãos, as outras, à Serra dos Mulatos (Mun. Ortigueira, PR) e aos arredores da cidade de Villa Rica (Paraguai).

Os resultados da análise de complementariedade estão apresentados na tabela 3. Oito áreas permitem cobrir a totalidade das espécies. Duas áreas contêm a metade delas: a Serra do Castelo (ES), com sete espécies das quais cinco são endêmicas e a Serra des Orgãos (RJ), com cinco espécies das quais duas endêmicas. A área nº 7 é a unica região que não contém nem uma espécie endêmica, mas encontram-se aí duas espécies não presentes nas regiões 1 a 6, B. echinata e B. widgrenii. A última espécie, Baptistonia brieniana,está presente sobretudo no Paraguai, notadamente nas florestas perto de Villa Rica (Departamento Guairá) onde igualmente foi coletada uma subespécie de B. lietzei endêmica desta região, B. lietzei ssp. guairensis. Baptistonia brieniana foi coletada no Brasil também, na quadrícula 55 (área nº 8). Tres áreas, embora ricas em espécies, não contêm nem uma espécie endêmica tampouco uma espécie não presente nas outras áreas: a Serra do Mar no Estado de São Paulo (Serra de Paranapiacaba, Serra de Cantareira e serras mais interiores: área nº 9), a Serra do Mar no Estado do Paraná (área nº 10) e a Serra do Mar e a Serra Geral em Santa Catarina (área nº 11).

Análise de parcimônia por endemismo - A área de distribuição do gênero Baptistonia foi dividida em nove regiões fitogeográficas (ou OGUs), baseadas nas áreas obtidas na análise de complementariedade. Estas OGUs são, do norte ao sul: 1- o sul do estado da Bahia, centralizado na Serra das Trempes (área nº 3), 2- a Serra do Castelo (ES - área nº 1), 3- a Serra do Mar no estado do Rio de Janeiro e ao extremo este do estado de São Paulo (a Serra dos Orgãos e a Serra do Bocaina, incluindo as áreas nº 2, 5 e parte da 7), 4- a Serra do Mar no estado de São Paulo (área nº 9), 5-a Serra da Mantiqueira (parte da área nº 7), 6-a Serra Geral no Paraná (incluindo a Serra dos Mulatos, área nº 4), 7- a Serra do Mar no Paraná (área nº 10), 8- a extremidade sul da Serra Geral (sul de Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul, incluindo as áreas nº 6 e nº 11) e 9- a bacia Paraná-Paraguai-Uruguai (P.P.U. -área nº 8).

A tabela 4 mostra a matriz obtida a partir da presença das espécies de Baptistonia nestas regiões. Entre os 24 táxons (23 espécies mais uma subespécie), somente nove são informativos, os outros sendo endêmicos de uma única região. Nenhuma região apresenta grande desbalanço de presença: o menor número de táxons em uma região é três, o maior é oito e a média cinco.Aanálisedeparcimônia forneceu 42 árvores mais parcimoniosas (AMPs), das quais o comprimento é de 29. O índice de consistência IC = 0,83, o índice de retenção IR = 0,72; o suporte de "bootstrap" é geralmente moderado (79%) a forte (88%-92%), raramente fraco (56%). As diferenças topológicas entre as árvores são fracas. A figura 2 mostra oAMP com maior suporte de "bootstrap". Dois conjuntos de regiões com forte relação fitogeográfica são visíveis (e o sendo na totalidade dos 42 AMPs): o primeiro (com suporte de 88%) formado pelas zonas florestais do estado do Espírito Santo e do sul do estado da Bahia; o segundo (com suporte de 89%), pelo conjunto das outras zonas.


Discussão

Representatividade do material estudado -Os métodos utilizados neste estudo são instrumentos úteis para determinar áreas prioritárias para conservação, mas eles supõem que o material sobre o qual estes se baseiam, não deixa grandes áreas geográficas inexploradas. Constatou-se que o número de espécimes relacionados depende muito da espécie considerada e da quadrícula estudada.Arecente descoberta de alguns táxons é uma razão do pequeno número de coletas e da falta de conhecimento: é o caso de B. colorata (descrita em 1994), B. pabstii (1998), B. uhlii (2006) e B. velteniana (2005) com duas amostras, além do material tipo. Mas também são taxons cuja área de distribuição é pequena.

As quadrículas onde se observa maior número de coletas (figura 1A) são, muitas vezes, regiões de fácil acesso (ao redor da cidade do Rio de Janeiro, onde B. pubes é comum ou a região de Iguaçu, na fronteira com a Argentina-Brasil-Paraguai, com B. cornigera). Outras vezes, elas correspondem a regiões estudadas pelo autor, tais como a Serra do Castelo (ES), a Serra dos Orgãos (RJ), a Serra dos Mulatos (PR), as redondezas da cidade de Villa Rica (Paraguai), onde foi efetuada grande quantidade de coletas. Mas as quadrículas, onde o número de espécimes coletados é pequeno, correspondem, na verdade, a regiões pouco propícias à presença de Baptistonia, por serem regiões mais secas e desprovidas de florestas ombrófilas densas. Ao longo do litoral estas áreas situam-se ao norte do Espírito Santo, vale do Rio Doce, ao norte do Rio de Janeiro, vale do Paraíba do Sul, e ao sul do estado de São Paulo, vale do Rio Ribeira de Iguape. Quanto à ausência de observações ao norte da Serra das Trempes (BA), pode ser explicada pelas diferenças florísticas apresentadadas pelas áreas ecológicas norte e sul da Mata Atlântica.

A boa correlação entre as densidades de espécies coletadas e as densidades de florestas residuais é uma indicação positiva da boa representatividade do material. Mas isto é válido em grande escala. Em nível mais local, visto que foram levadas em conta amostras históricas para determinar as áreas de maior valor em termos de biodiversidade, conviria assegurar-se de que as florestas nestas areas não foram destruídas pela forte progressão das atividades antrópicas. De fato, dados recentes avaliam em aproximadamente 7% os remanecentes de Mata Atlântica, mais precisamente, entre 5% e 12% para Tonhasca (2005) e 7,5% para Myers (2000). Um exemplo deste tipo de problema pode ser encontrado nas florestas da Serra do Castelo (ES). As superfícies de florestas primárias reduziram-se bastante pela atividade agrícola, ao ponto de o mapa de vegetação publicado em 1995 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não indicar mais nenhuma cobertura vegetal natural. Os hábitats das espécies de Baptistonia nessa região, classificada como prioridade 1 nas análises de complementariedade, são hoje muito reduzidos, o que representa um risco na conservação destas espécies, devido à redução do tamanho populational a niveis críticos.

Áreas prioritárias para a preservação -Os índices de endemismo (figura 1C) e a análise de complementariedade (tabela 3) revelaram que três regiões são particularmente importantes para a preservação da diversidade do gênero Baptistonia: a Serra do Castelo, a Serra dos Orgãos e a Serra das Trempes. Estas regiões fazem parte dos dois centros de endemismo geralmente reconhecidos (Tonhasca 2005) na área ecológica sul da Mata Atlântica. O estudo do gênero Baptistonia confirma, portanto, os resultados já publicados, os quais conferem às diversas áreas ainda cobertas por florestas, o status de zonas altamente prioritárias do ponto de vista concervação (SOSMA& INPE 2008). Um destes centros de endemismo estende-se do sul da Bahia ao Espírito Santo e inclui a Serra das Trempes (região nº 3) e a Serra do Castelo (região nº 1), o outro centro compreende o sul do Rio de Janeiro (regiões nº 2, 5 e 7).

Estes centros de endemismo estão relativamente próximos do Oceano Atlântico. As duas outras regiões importantes do Brasil, em termos de conservação de Baptistonia, são regiões interiores (região nº 4 na Serra dos Mulatos) ou bem ao sul (região nº 6, vale do Rio Cai) ainda não identificadas como regiões prioritárias para preservação (IBGE 2002).

Análise de parcimônia porendemismo -Os comentários que podem ser feitos sobre esta análise são de dois tipos. Primeiramente, ela ilustra duas grandes regiões na área ecológica sul da Mata Atlântica (figura 2), caracterizadas por um endemismo diferente. Uma corresponde ao centro endêmico norte desta região ecolológica (Tonhasca 2005) situado ao norte da linha de demarcação constituída pelo vale do Rio Paraíba do Sul, compreendendo o conjunto Serra das Trempes- Serra do Castelo. A proximidade florística destes dois massiços está bem sustentada pelo teste de "boostrap" (88%).

Ao sul desta linha estão reunidas, com um bom suporte, as outras OGUs tomadas na análise. No interior deste segundo grupo de OGUs, as afinidades florísticas delimitam um subgrupo que corresponde ao centro endêmico sul da Mata Atlântica (Serra da Mantiqueira, Serra dos Orgãos, Serra da Bocaina) com extenção até a Serra de Paranapiacaba. Com um suporte de "bootstrap" de 79%, as afinidades florísticas desta região são nitidamente mais pronunciadas que as daquelas entre as serras do Paraná (68%).

A análise filogenética (Chiron et al. 2009) baseada em caracteres morfológicos e moleculares, mostrou que Baptistonia colorata é irmã dos autros membros do gênero. Inclusive, Castro Neto & Lacerda (2006) descreveram um gênero monoespecífico, Carriella,para abrigar essa espécie. A presença de B. colorata,espécie irmã do restante do gênero, no bloco norte da PAE é um indício de que o gênero possa ter se originado nessa área, mas mais estudos são necessários para testar essa hipótese.

Agradecimentos

O autor agradece aos curadores dos herbários visitados durante o decorrer de nossos estudos das Baptistonia : G, HAS, HB, ICN, K, LY, MBM, P, PACA, R, RB, SP, UEC, UEFS, W, WU. Agradece também os assessores anônimos que propuseram muitas melhorias.

Literatura citada

Recebido: 19.06.2008; aceito: 27.08.2009

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2009

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2008
  • Aceito
    27 Ago 2009
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