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Dois casos de poliembrionia em Clusiaceae: Clusia criuva Cambess. e Clusia fluminensis Planch. & Triana

Two cases of polyembryony in Clusiaceae: Clusia criuva Cambess. and Clusia fluminensis Planch. & Triana

Resumos

Ensaios de germinação com sementes de Clusia criuva Cambess. e de Clusia fluminensis Planch. & Triana, espécies dioicas, arbóreas, presentes na restinga de Maricá, Rio de Janeiro, revelaram altos percentuais germinativos, 99,2% (n = 140) para C. criuva e 100% (n = 75) para C. fluminensis. Entre as sementes germinadas foi observada a ocorrência de poliembrionia num percentual de 2,1% para C. criuva e de 2,7% para C. fluminensis.

espécies dioicas; germinação; restinga de Maricá


Germination tests with seeds of Clusia criuva Cambess. and Clusia fluminensis Planch. & Triana, dioecious tree species that occur in the sandy costal plains of Maricá municipality, Rio de Janeiro, revealed high germination rates, 99.2% (n = 140) to C. criuva and 100% (n = 75) for C. fluminensis. Polyembryony was observed in a percentage of 2.1% for C. criuva and 2.7% for C. fluminensis among the germinated seeds.

dioecious species; germination; restinga" of Maricá


NOTAS CIENTÍFICAS SCIENTIFIC NOTES

Dois casos de poliembrionia em Clusiaceae: Clusia criuva Cambess. e Clusia fluminensis Planch. & Triana1 1 Parte do projeto: "Germinação das sementes e caracterização de plântulas de espécies das restingas do estado do Rio de Janeiro"

Two cases of polyembryony in Clusiaceae: Clusia criuva Cambess. and Clusia fluminensis Planch. & Triana

Maria Célia Rodrigues Correia2 2 Autor para correspondência: maria.celia.rodrigues.correia@gmail.com ; Cristine R. Benevides; Heloísa Alves de Lima

Museu Nacional, Departamento de Botânica, Laboratório de Biologia Reprodutiva, Quinta da Boa Vista s/n, 20940-040 São Cristovão, Rio de Janeiro

RESUMO

Ensaios de germinação com sementes de Clusia criuva Cambess. e de Clusia fluminensis Planch. & Triana, espécies dioicas, arbóreas, presentes na restinga de Maricá, Rio de Janeiro, revelaram altos percentuais germinativos, 99,2% (n = 140) para C. criuva e 100% (n = 75) para C. fluminensis. Entre as sementes germinadas foi observada a ocorrência de poliembrionia num percentual de 2,1% para C. criuva e de 2,7% para C. fluminensis.

Palavras-chave: espécies dioicas, germinação, restinga de Maricá

ABSTRACT

Germination tests with seeds of Clusia criuva Cambess. and Clusia fluminensis Planch. & Triana, dioecious tree species that occur in the sandy costal plains of Maricá municipality, Rio de Janeiro, revealed high germination rates, 99.2% (n = 140) to C. criuva and 100% (n = 75) for C. fluminensis. Polyembryony was observed in a percentage of 2.1% for C. criuva and 2.7% for C. fluminensis among the germinated seeds.

Key words: dioecious species, germination, "restinga" of Maricá

Introdução

Clusia criuva Cambess., C. fluminensis Planch. & Triana e C. lanceolata Cambess. são as espécies de Clusia L. registradas para a vegetação da restinga de Maricá, Rio de Janeiro (Correia et al. 1993). Todas têm hábito arbóreo e são espécies que se destacam pela exuberância de suas flores e de seus frutos quando deiscentes.

As espécies de Clusia são em sua maioria dioicas e apresentam enorme variedade na morfologia do androceu (Bittrich & Amaral 1996).

As flores de C. criuva, em especial, são noturnas e oferecem pólen como recurso floral para o coleóptero Dinaltica bahiensis Jacoby, 1902, o efetivo polinizador, que visita as flores femininas por engano (Correia et al. 1993); por outro lado, a resina é o principal recurso floral para as abelhas Trigona spinipes Fabricius, 1793 e Euglossa cordata Linnaeus, 1758, efetivos polinizadores de C. fluminensis e C. lanceolata (Correia 1983, Correia et al. 1999).

Todas elas apresentam alta proporção fruto/flor (> 80%) e os frutos possuem sementes com arilo membranoso de cor abóbora e rico em lipídios (Correia 1983, Correia et al. 1993, 1999).

A dispersão das sementes é zoocórica, primariamente por pássaros (Gomes et al. 2008) e, no caso de C. criuva, secundariamente por formigas (Passos & Oliveira 2002).

A poliembrionia é a ocorrência de mais de um embrião em uma mesma semente (Costa et al. 2004), sendo registrada para espécies de diversas famílias, tais como Anacardiaceae, Apocynaceae, Araucariaceae, Bignoniaceae, Bombacaceae, Burseraceae, Cactaceae, Fabaceae, Lecythidaceae, Malpighiaceae, Myrtaceae, Poaceae, Rhamnaceae, Rubiaceae, Rutaceae e Sapindaceae (Lim 1984, Piazzano 1998, Salomão & Allem 2001, Silva et al. 2003, Costa et al. 2004, Correia et al. 2005, Souza & Paoli 2009, Wanage et al. 2010), incluindo a família Clusiaceae (Nascimento et al. 2001, Stevens 2007).

A presente nota constitui o primeiro registro de poliembrionia para as espécies C. criuva e C. fluminensis.

Material e métodos

Foram coletados na restinga de Maricá, Rio de Janeiro, frutos maduros de dez plantas de Clusia criuva e três de Clusia fluminensis, obtidos a partir de polinização natural, ao longo da estação reprodutiva. Os frutos foram ensacados no início do desenvolvimento com sacos feitos de tecido de algodão de malha larga (tipo filó) e acompanhados até a maturidade. Quando deiscentes, os frutos foram analisados quanto ao tamanho e quantidade de sementes. As medidas dos frutos e das sementes foram tomadas com auxílio de um paquímetro.

As sementes foram retiradas manualmente dos frutos e, nos dias subsequentes às coletas de campo, submetidas à germinação em laboratório, a temperatura ambiente, usando-se placas de Petri com papel de filtro umedecido com água destilada. Sementes sem embrião ou mal formadas foram descartadas. Os arilos foram retirados para evitar a proliferação de fungos. Os experimentos de germinação foram acompanhados diariamente. Foi considerada germinada a semente que apresentou o rompimento dos tegumentos e a emergência da raiz principal.

Resultados

Os frutos de Clusia criuva contêm média de 19,8 sementes viáveis (n = 26, dp = 4,86). O percentual de germinação foi de 99,2% (n = 140). A germinação é do tipo fanerocotiledonar, observando-se rompimento do tegumento e emissão da raiz principal entre três e seis dias depois do início do experimento.

Durante os ensaios de germinação, três sementes apresentaram poliembrionia (2,1%, n = 140), cada uma dando origem a duas plântulas (figura 1a,b).


Os frutos de Clusia fluminensis contêm média de 29 sementes viáveis (n = 55; dp = 2,80). O percentual de germinação foi de 100% (n = 75). A germinação é do tipo fanerocotiledonar, observando-se rompimento do tegumento e emissão da raiz principal dois dias depois do início do experimento.

Durante os ensaios de germinação, duas sementes apresentaram poliembrionia (2,7%, n = 75), cada uma dando origem a duas plântulas (figura 2).


Nos dois casos, as plântulas de uma mesma semente apresentaram crescimento e aspecto normal, embora uma delas tenha tido sempre um desenvolvimento maior do que a outra.

Discussão

As sementes recém coletadas de Clusia criuva e de C. fluminensis da restinga de Maricá apresentam altos percentuais germinativos. Espécies de Clusia, em outras áreas de restinga também apresentam altos índices de germinação, a saber, de 90% a 100% para C. hilariana na restinga de Jurubatiba (Gomes et al. 2008, Cavalcante et al. 2010) e de 100% para C. fluminensis na restinga de Massambaba (Souza 2010).

Outros casos de poliembrionia já foram assinalados para gêneros de Clusiaceae como Callophyllum, Kayea (Stevens 2007), Garcinia e Mammea (Stevens 2007, Gunaga & Vasudeva 2008 apud Wanage et al. 2010). No que se refere ao gênero Clusia foi encontrado apenas um registro de poliembrionia para C. rosea, baseado em comunicação pessoal dada por C.E. Wood Jr. em Tomlinson (1974). Hormônios de crescimento, fatores bióticos, abióticos e mudanças estressantes nas condições ambientais são citados como podendo induzir ou afetar a frequência de poliembrionia (Batygina & Vinogradova 2007).

A poliembrionia em geral está associada à ocorrência de embriões apomíticos, originados assexuadamente, a partir de tecidos do esporófito ou do gametófito, chamados no sentido amplo de embriões adventícios, já que estão situados nas vizinhanças do embrião sexual (Richards 2003, Batygina & Vinogradova 2007, Whitton et al. 2008).

A apomixia é conhecida para Clusia rosea Jacq. e para algumas populações de Clusia minor L., as quais produzem frutos com sementes funcionais em áreas onde não ocorrem plantas masculinas (Maguire 1976). Em Garcinia mangostana L. ocorre embrionia adventícia (Lim 1984, Maguire 1976) e, de acordo com Stevens (2007), a apomixia é esporádica em outras espécies de Clusiaceae, possivelmente ocorrendo em Calophyllum (Stevens 1980).

Na restinga de Maricá, Clusia criuva apresenta razão sexual 1,5♂:1♀(n = 30), a qual não difere de 1:1, X2 = 1,2; p > 0,95 (Benevides dados não publicados). Flores femininas isoladas de polinizadores não produzem frutos (Correia et al. 1993). Para outra área de restinga, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, Correia (1983) relata populações de Clusia fluminensis com plantas distribuídas numa proporção de 1♂:1♀(n = 30); também para esta espécie não houve produção de frutos a partir de flores femininas isoladas de polinizadores. Tais fatos excluem a ocorrência de apomixia obrigatória para as espécies aqui tratadas. Estudos sobre o desenvolvimento das flores, assim como estudos embriológicos poderão esclarecer a origem dos embriões extranumerários em Clusia.

Literatura citada

Recebido: 5.01.2011

Aceito: 14.07.2011

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  • 1
    Parte do projeto: "Germinação das sementes e caracterização de plântulas de espécies das restingas do estado do Rio de Janeiro"
  • 2
    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      04 Jul 2011
    • Recebido
      05 Jan 2011
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