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Heterogeneidade na estrutura e diversidade de árvores de cabrucas no centro-sul do Estado da Bahia, Brasil

Tree heterogeneity and diversity in cabrucas in central South of Bahia State, Brazil

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi conhecer a diversidade arbórea de cabrucas de fazendas produtoras de cacau no centro-sul da Bahia e verificar se fatores como as áreas das propriedades e das cabrucas influenciam as comunidades arbóreas remanescentes. Foram encontrados 273 indivíduos, pertencentes a 55 espécies e 20 famílias, sendo que 89% das espécies e 73% dos indivíduos são nativos da região. Em média, por hectare, foram registrados 23 a 60 espécies arbóreas e 40 a 236 indivíduos. O índice de Shannon-Wiener (H') variou de 1,3 a 2,5 e o quociente de mistura de Jenstch resultou em uma proporção de dois indivíduos para cada espécie. As cabrucas estudadas apresentaram alta heterogeneidade. Contudo, a diversidade arbórea não foi correlacionada com a área total e nem com a área de cabruca nas propriedades. Nossos resultados indicam que as cabrucas são muito variáveis em densidade e diversidade e que o sistema de manejo realizado pelos proprietários das fazendas parece ser o fator que mais influencia os atributos da comunidade arbórea nestas agroflorestas.

Palavras-chave:
Agrossilvicultura; cacau; ecossistemas manejados; espécies nativas; Mata Atlântica

ABSTRACT

The contribution of managed ecosystems for biodiversity conservation has been highlighted by recent studies. Tree species diversity was investigated in Cabruca (a traditional agroforest with cocoa and native trees) of ten cocoa farms in central- Southern Bahia state to quantify the remnant tree diversity and to verify if it is influenced by the size of the farm and the size of the Cabruca. A total of 273 trees, 55 trees species and 20 plant families were recorded. From these, 89% of plant species and 73% of trees were native species. In average, 23 to 60 tree species and 40 to 236 individuals per hectare were registered. The Shannon-Wiener (H') index varied from 1.3 to 2.5. The mixture coefficient of Jentsch (QM) obtained was two individuals per species. A high heterogeneity was observed among the Cabrucas studied. Tree diversity was not correlated, however, with the total area of the farms or the area of Cabruca on the farms. Our results indicate that Cabruca are variable in tree density and diversity. Additionally, management performed by cocoa farm owners is the main factor that influences the tree community attributes in this agroforestry.

Keywords:
Agroforestry systems; Atlantic forest; cocoa tree; managed ecosystem; native species

Introdução

A conversão de florestas tropicais em outros tipos de habitat como pequenos fragmentos, pastagens ou áreas agrícolas, com o objetivo de acessar bens de consumo providos pela biodiversidade ou para utilização do espaço, têm alcançado elevadas taxas nos últimos anos e causado a extinção de inúmeras espécies (Harvey et al. 2008Harvey, C.A., Komar, O., Chazdon, R., Ferguson, B.G., Finegan, B., Griffith, D.M., Martínez-Ramoz, M., Morales, H., Nigh, R., Soto-Pinto, L., Van Breugel, M. & Wishnie, M. 2008. Integrating Agricultural Landscapes with Biodiversity Conservation in the Mesoamerican Hotspot. Conservation Biology 22: 8-15., Santos et al. 2008Santos, B.A., Peres, C.A., Oliveira, M.A., Grillo, A., Alves-Costa, C.P. & Tabarelli, M. 2008. Drastic erosion in functional attributes of tree assemblages in Atlantic forest fragments of northeastern Brazil. Biological conservation 141: 249-260., Cassano et al. 2009Cassano, C.R., Schroth, G., Faria, D., Delabie, J.H.C. & Bede, L. 2009. Landscape and farm scale management to enhance biodiversity conservation in the cocoa producing region of southern Bahia, Brazil. Biodiversity and Conservation 18: 577-603., Piasentin & Gois 2016Piasentin, F.B. & Góis, S.L.L. 2016. Conservação de remanescentes florestais no Brasil: considerações sobre os principais instrumentos de gestão ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente 36: 115-134., Rolim et al. 2016Rolim, S.G., Sambuichi, R.H.R., Schroth, G., Nascimento, M.T. & Gomes, J.M.L. 2016. Recovery of forest and phylogenetic structure in abandoned cocoa agroforestry in the Atlantic forest of Brazil. Environmental Management.). Para diminuir a perda de biodiversidade e ainda suprir as necessidades humanas de produtos agrícolas, a importância de sistemas produtivos menos impactantes, que preservam parcialmente a biodiversidade destas florestas, vem sendo reconhecida internacionalmente por estudos recentes (Harvey et al. 2008, Gardner et al. 2009Gardner, T.A., Barlow, J., Chazdon, R., Ewers, R.M., Harvey, C.A., Peres, C.A. & Sodhi, N.S. 2009. Prospects for tropical forest biodiversity in a human-modified world. Ecology Letters 12: 561-582., Piasentin & Gois 2016Piasentin, F.B. & Góis, S.L.L. 2016. Conservação de remanescentes florestais no Brasil: considerações sobre os principais instrumentos de gestão ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente 36: 115-134., Rolim et al. 2016Rolim, S.G., Sambuichi, R.H.R., Schroth, G., Nascimento, M.T. & Gomes, J.M.L. 2016. Recovery of forest and phylogenetic structure in abandoned cocoa agroforestry in the Atlantic forest of Brazil. Environmental Management.). Tais estudos reconhecem que a conservação não pode depender exclusivamente da preservação de ecossistemas sem qualquer forma de exploração.

O cultivo de cacau no Estado da Bahia, região nordeste do Brasil, é um exemplo de cultura que possui reduzido impacto ambiental em sua produção que teve início na década de 1830 (Mendes-Costa 2012Mendes-Costa, F. 2012. Políticas públicas e atores sociais na evolução da cacauicultura baiana. Opção Editora, Vila Velha.). A maior parte (70%) desta cultura na região utiliza o modelo de cultivo conhecido como "cacau-cabruca" (Franco et al. 1994Franco, M., Holz, B., Kaule, G., Kleyer, M., Menezes, M., Pereira, J. & Trevisan, S. 1994. Program of the environmental development of the rainforest region in Bahia, Brazil - development of a methodology. InstitutfürLandschaftsplanung und Ökologie, University Stuttgart, Stuttgart.). Esse sistema consiste na plantação do cacau sob a sombra de árvores do dossel da floresta original no espaço ocupado anteriormente pelo sub-bosque que é quase completamente retirado (Tavares 1979Tavares, L.H.D. 1979. História da Bahia. 6 ed. Ática, São Paulo., Lobão & Bispo 2004Lobão, D.E., Setenta, W.C. & Valle, R.R. 2004. Sistema agrossilvicultural cacaueiro- modelo de agricultura sustentável. Agrossilvicultura 1: 163-173., Lobão et al. 2004Lobão, D.E., Setenta, W.C. & Valle, R.R. 2004. Sistema agrossilvicultural cacaueiro- modelo de agricultura sustentável. Agrossilvicultura 1: 163-173., Lobão 2007Lobão, D.E. 2007. Agrossistema Cacaueiro da Bahia: Cacau cabruca e fragmentos florestais na conservação de espécies arbóreas. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências agrárias e Veterinárias, Unesp, cidade.). Os primeiros cacauicultores encontraram na cobertura da floresta a proteção necessária para diminuir a incidência de ventos e a perda de umidade do solo pela evaporação nas lavouras de cacau. Adicionalmente, como o cacaueiro é uma planta umbrófila, a manutenção parcial do dossel permite a proteção necessária para seu estabelecimento na sua fase inicial (Coutinho 1970Coutinho, A. 1970. A importância do sombreamento na cultura do cacaueiro. In: Curso Internacional de Cacau, Itabuna, BA. Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômico Rural da Lavoura Cacaueira, Itabuna, BA (Brasil), Itabuna.) e para a formação e desenvolvimento dos frutos, proporcionando um sombreamento entre 30 a 60% de radiação direta (Batista & Alvim 1981Batista, L.P. & Alvim, R. 1981. Efeitos da intensidade luminosa e do fenótipo sobre o crescimento emaltura do fuste do cacaueiro. Revista Theobroma 11: 61-76.). Esta adaptação do cultivo às condições edafo-climáticas do sul da Bahia, conferiram a esta região o título de maior produtora de cacau do país, gerando riquezas, criando uma cultura própria, com consequente surgimento e crescimento de suas cidades (Goulart et al. 2014Goulart, L.A., Segundo, G.S.A., Junior, M.F.S., Uetanabaro, A.P.T. 2014. Cacau da região sul da Bahia e a perspectiva histórica de uma indicação geográfica. Cadernos de Prospecção 7: 632-639.).

O sistema "cacau-cabruca" é considerado como modelo de exploração do solo que, diferentemente de outras silviculturas, dispensa a derrubada total da mata e pode representar uma opção de exploração sustentável dos ecossistemas tropicais (Nair 1993Nair, P.K.R. 1993. An Introducion do Agroforestry. Kluwer academic Publishers, Gainesville., Piasentin & Góis 2016Piasentin, F.B. & Góis, S.L.L. 2016. Conservação de remanescentes florestais no Brasil: considerações sobre os principais instrumentos de gestão ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente 36: 115-134.). Dessa forma, este modelo de cultivo do cacaueiro tem contribuído para a conservação de grande parte da biodiversidade da Mata Atlântica (Rice & Greenberg 2000Rice, R.A. & Greenberg, R. 2000. Cacao Cultivation and the Conservation of Biological Diversity. Ambio 29: 167- 173., Sambuichi 2002Sambuichi, R.H.R. 2002. Fitossociologia e diversidade de espécies arbóreas em cabruca (Mata Atlântica raleada sobre plantação de cacau) na região sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 16: 89-101., Cassano et al. 2009Cassano, C.R., Schroth, G., Faria, D., Delabie, J.H.C. & Bede, L. 2009. Landscape and farm scale management to enhance biodiversity conservation in the cocoa producing region of southern Bahia, Brazil. Biodiversity and Conservation 18: 577-603., Piasentin & Gois 2016Piasentin, F.B. & Góis, S.L.L. 2016. Conservação de remanescentes florestais no Brasil: considerações sobre os principais instrumentos de gestão ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente 36: 115-134., Rolim et al. 2016Rolim, S.G., Sambuichi, R.H.R., Schroth, G., Nascimento, M.T. & Gomes, J.M.L. 2016. Recovery of forest and phylogenetic structure in abandoned cocoa agroforestry in the Atlantic forest of Brazil. Environmental Management.), que nessa região apresenta os mais elevados índices de biodiversidade do país, com até 456 espécies arbóreas registradas em um hectare (Araujo et al. 1998Araujo, M., Alger, K., Rocha, R. & Mesquita, C. 1998. A Mata Atlântica do Sul da Bahia: Situação atual, ações e perspectivas. Caderno 08. Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, São Paulo.). Neste sentido, considerando que a composição e diversidade de espécies arbóreas em florestas tropicais variam em função de diversos fatores biológicos como área e tempo de regeneração (Santos et al. 2008Santos, B.A., Peres, C.A., Oliveira, M.A., Grillo, A., Alves-Costa, C.P. & Tabarelli, M. 2008. Drastic erosion in functional attributes of tree assemblages in Atlantic forest fragments of northeastern Brazil. Biological conservation 141: 249-260., Rolim et al. 2016Rolim, S.G., Sambuichi, R.H.R., Schroth, G., Nascimento, M.T. & Gomes, J.M.L. 2016. Recovery of forest and phylogenetic structure in abandoned cocoa agroforestry in the Atlantic forest of Brazil. Environmental Management.), e o importante papel das cabrucas para a conservação de um subconjunto de espécies da Mata Atlântica (Cassano et al. 2009Cassano, C.R., Schroth, G., Faria, D., Delabie, J.H.C. & Bede, L. 2009. Landscape and farm scale management to enhance biodiversity conservation in the cocoa producing region of southern Bahia, Brazil. Biodiversity and Conservation 18: 577-603., Piasentin & Gois 2016Piasentin, F.B. & Góis, S.L.L. 2016. Conservação de remanescentes florestais no Brasil: considerações sobre os principais instrumentos de gestão ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente 36: 115-134., Rolim et al. 2016Rolim, S.G., Sambuichi, R.H.R., Schroth, G., Nascimento, M.T. & Gomes, J.M.L. 2016. Recovery of forest and phylogenetic structure in abandoned cocoa agroforestry in the Atlantic forest of Brazil. Environmental Management.), o objetivo deste trabalho foi conhecer e avaliar a diversidade arbórea de cabrucas de Fazendas produtoras de cacau no centro-sul da Bahia e verificar se fatores como as áreas das propriedades e das cabrucas influenciam as comunidades arbóreas remanescentes.

Material e métodos

Área de estudo - O estudo foi realizado em áreas plantadas com cacaueiros no sistema cabruca localizadas em 10 fazendas dos municípios de Caatiba, Itororó e Firmino Alves, no Estado da Bahia (tabela 1). As áreas apresentam altitudes entre 285 e 590 m. A temperatura média anual da região é de 23,5 ºC, com clima tropical quente e úmido, tipo Aw de acordo com Köppen e Geiger, e com umidade relativa média de 89-90% e pluviosidade média anual de 865 mm. As estações secas e chuvosas são nos meses de abril a outubro e novembro a março, respectivamente.

Tabela 1
Lista de espécies e número de indivíduos arbóreos inventariados em sistema cacau cabruca em 10 fazendas localizadas nos municípios de Caatiba, Itororó e Firmino Alves no Estado da Bahia, Brasil. *Espécies exóticas. **Fazendas: 1. Ankilostomina, 2. Baixa Alegre, 3. Belo Horizonte I, 4. Belo Horizonte II, 5. Futurosa, 6. Maravilha, 7. Santo Antônio, 8. São Francisco, 9. São João e 10. Serra Dourada.
Table 1
Tree species and individuals found in cocoa-cabruca system in 10 cocoa farms in the municipality of Caatiba, Itororó and Firmino Alves, Bahia State, Brazil. *Exotic species. ** Farms: 1. Ankilostomina, 2. Baixa Alegre, 3. Belo Horizonte I, 4. Belo Horizonte II, 5. Futurosa, 6. Maravilha, 7. Santo Antônio, 8. São Francisco, 9. São João e 10. Serra Dourada.

Coleta de dados - Em cada fazenda foram estabelecidas aleatoriamente nas áreas de cabruca três parcelas de 20 m × 50 m. Todos os indivíduos arbóreos presentes nas parcelas com diâmetro à altura do peito (DAP) acima de 9,5 cm, exceto os cacaueiros (Theobroma cacao L.) foram contados e identificados, bem como tiveram sua altura estimada visualmente. Material vegetativo e reprodutivo (flores e frutos) dos indivíduos arbóreos foi coletado e identificado por especialistas do Herbário Centro de Pesquisas do Cacau (CEPEC), utilizando-se bibliografia taxonômica específica (e.g.Lewis 1987Lewis, G.P. 1987. Legumes of Bahia. Royal Botanic Gardens, Kew., Souza & Lorenzi 2008Souza, V.C. & Lorenzi, H. 2008. Botânica Sistemática - Guia ilustrado para a identificação das famílias de Fanerógamas nativas e exóticas no Brasil, baseado em APG II. Plantarum, Nova Odessa.) e por comparação em herbário. As espécies foram discriminadas entre nativas e exóticas, de acordo com Flora do Brasil (2016)Flora do Brasil. 2016. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: http://floradobrasil.jbrj.gov.bracesso em 28-V-2016).
http://floradobrasil.jbrj.gov.br...
e com base no estudo de Sambuichi (2002)Sambuichi, R.H.R. 2002. Fitossociologia e diversidade de espécies arbóreas em cabruca (Mata Atlântica raleada sobre plantação de cacau) na região sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 16: 89-101..

Análise de dados - A diversidade de espécies para cada propriedade foi determinada pelo índice de Shannon-Wiener (H') (Krebs 1999Krebs, C.J. 1999. Ecological Methodology. Benjamin/Cummings, California.). O quociente de mistura de Jentsch (QM), que representa o número total de espécies em relação ao número de indivíduos amostrados, foi calculado para cada uma das propriedades pela fórmula: QM = S/n, onde S = número total de espécies e n = número de indivíduos (Brower & Zar 1984Brower, J.E. & Zar, J.H. 1984. Field and laboratory methods for general ecology. 2 ed. C. Brown Publishers, Dubuque.).

A rarefação foi calculada utilizando a função de Hurlbert (1971)Hurlbert S.H. 1971. The nonconcept of species diversity: a critique and alternative parameters. Ecology 52:577-86.. Para isso foi utilizado o valor da menor abundância encontrada menos um indivíduo. Esta abordagem da rarefação gera a riqueza esperada de espécies para uma sub amostra aleatória de tamanho fixo.

A rarefação, densidade de indivíduos e diversidade foram relacionadas com a área das propriedades e área das cabrucas estudadas com o uso do teste de regressão linear múltipla. Para isso, os dados de área das propriedades e das cabrucas foram transformados em log para atender às premissas da regressão, que foram testadas com análise de resíduos. Os dados não apresentaram autocorrelação espacial segundo o teste I de Moran.

Resultados

Nas cabrucas estudadas foram encontrados 273 indivíduos arbóreos, pertencentes a 55 espécies de 20 famílias (tabela 1). A família mais representativa foi Fabaceae (19 espécies), que abrangeu 42,7 % dos indivíduos e 34,2 % das espécies (tabela 1).

As espécies nativas representaram 89% das espécies e 73% dos indivíduos arbóreos das cabrucas (tabela 1). Contudo, a espécie exótica Artocarpus heterophyllus Lam. foi a que apresentou o maior número de indivíduos e frequência de ocorrência. Essa espécie representou 21,6% dos indivíduos arbóreos amostrados e ocorreu em oito fazendas. Schizolobium parahyba (Vell.) S.F. Blake foi a segunda espécie com mais indivíduos, representando 11,1% dos indivíduos e Erythrina poeppigiana (Walp.) O.F. Cook foi a segunda espécie mais frequente, ocorrendo em sete fazendas. Apenas uma espécie ameaçada de extinção foi encontrada, Dalbergia nigra (Vell.) Allemão ex Benth., registrada em duas fazendas, e cujo número de indivíduos representou apenas 1,4% do total amostrado.

Cada hectare de cabruca avaliado possui no mínimo 40 a até 236 indivíduos arbóreos (91 ± 59 indivíduos; tabela 2) e 23 a 60 espécies (37 ± 13 espécies; tabela 2). A diversidade de espécies variou de 1,3 a 2,5. O QM apresentou uma proporção de uma espécie arbórea para cada dois indivíduos amostrados.

Tabela 2
Características estruturais e de diversidade arbórea de cabrucas de 10 fazendas produtoras de cacau do centro-sul baiano. N/ha: número de indivíduos por hectare, S/ha: riqueza de espécies por hectare, Hʼ: índice de Shannon-Wiener e QM: quociente de mistura de Jenstch.
Table 2
Structural characteristics and tree diversity of 10 cocoa farms in the central Southern region of Bahia State. N/ha: individuals number per hectare, S/ha: species richness per hectare, Hʼ: Shannon-Wiener index and QM: Jentsch' mixture quotient.

As cabrucas ocupam de 13,1 a 100% (44,4 ± 32,2%) da área das fazendas. Apesar disso, o tamanho dessas propriedades e suas respectivas áreas de cabrucas não influenciaram significativamente a riqueza de espécies, densidade de indivíduos por hectare ou diversidade (tabela 3).

Tabela 3
Regressão múltipla entre parâmetros de diversidade arbórea em cabrucas com a área total e área das cabrucas de 10 fazendas produtoras de cacau do centro-sul baiano, Brasil.
Table 3
Multiple regression among tree diversity parameters in cabrucas with the total area and the cabrucas areas of 10 cocoa farms of the central Southern region of Bahia State, Brazil.

Discussão

A riqueza de espécies de árvores do sistema de cultivo cacau-cabruca na região estudada, no centro-sul da Bahia, é similar em número de espécies ao registrado para outras áreas com o mesmo tipo de sistema agroflorestal mais ao sul do Estado (Sambuichi 2002Sambuichi, R.H.R. 2002. Fitossociologia e diversidade de espécies arbóreas em cabruca (Mata Atlântica raleada sobre plantação de cacau) na região sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 16: 89-101., 2006Sambuichi, R.H.R. 2006. Estrutura e dinâmica do componente arbóreo em área de cabruca na região cacaueira do sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 20: 943-954.). A família Fabaceae, mais representativa em número de indivíduos e espécies neste estudo, corrobora outros levantamentos que reportam esse táxon como um dos mais frequentes em florestas ombrófilas densas (Guilherme et al. 2004Guilherme, F.A.G., Morelato, L.P.C. & Assis, M.A. 2004. Horizontal and vertical tree community structure in a lowland Atlantic Rain Forest, Southeastern Brazil. Revista Brasileira de Botânica 27: 725-737., Thomas et al. 2009Thomas, W.W., Jardim, J.G., Fiaschi, P., Mariano-Neto, E. & Amorim, A.M.A. 2009. Composição florística e estrutura do componente arbóreo de uma área transicional de Floresta Atlântica no Sul da Bahia, Brasil. Revista Brasileira de Botânica 32: 41-54.). Contudo, a espécie mais comum em número de indivíduos e ocorrência nas cabrucas estudadas foi a espécie exótica A. heterophyllus, a jaqueira, da família Moraceae. Essa espécie é abundante e freqüente em remanescentes de Mata Atlântica (Hummel 1995Hummel, M. 1995. Botanical analysis of the shade tree population in two cabruca cocoa plantations in southern Bahia, Brazil. 1995. Tese de Doutorado, University of Stuttgart, Germany.), tanto que atualmente é a espécie mais usada pelo mico-leão-da-cara-dourada como alimento devido à sua disponibilidade ao longo do ano (Oliveira et al. 2011Oliveira, L.C., Neves, L.G., Raboy, B.E. & Dietz, J.M. 2011. Abundance of Jackfruit (Artocarpus heterophyllus) Affects Group Characteristics and Use of Space by Golden-Headed Lion Tamarins (Leontopithecus chrysomelas) in Cabruca Agroforest. Environmental Management: 48: 248-262.). A grande representatividade desta espécie nesta floresta e nas cabrucas ocorre devido à sua introdução intencional no passado, para consumo humano dos frutos, uso da madeira, para proporcionar sombra e pela fácil dispersão natural dos seus diásporos no ambiente (Hummel 1995Hummel, M. 1995. Botanical analysis of the shade tree population in two cabruca cocoa plantations in southern Bahia, Brazil. 1995. Tese de Doutorado, University of Stuttgart, Germany., Sambuichi et al. 2012Sambuichi, R.H.R., Vidal, D.B., Piasentin, F.B., Jardim, J.G., Viana, T.G., Menezes, A.A., Mello, D.L.N., Ahnert, D. & Baligar, V.C. 2012. Cabruca agroforests in southern Bahia, Brazil: tree component, management practices and tree species conservation. Biodiversity and Conservation 21: 1055-1077., Piasentin et al. 2014Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78.).

Outras duas espécies, S. parahyba e E. poeppigiana também foram destaque entre as espécies arbóreas registradas, sendo as mais abundantes e frequentes, respectivamente nas cabrucas. A espécie S. parahyba é de ocorrência comum em vegetação secundária e indicada para plantio em áreas para recuperação de matas ciliares (Ferreira et al. 2007Ferreira, R.A., Oliveira, L.M., Tonetti, O.A.O. & Davide, A.C. 2007. Comparação da viabilidade de sementes de Schizolobium parahyba (Vell.) Blake - Leguminosae, Caesalpinoideae, pelos testes de germinação e tetrazólio. Revista Brasileira de Sementes 29: 73-79.). Já a espécie E. poeppigiana, foi, durante muito tempo, utilizada no sombreamento do cacaueiro, por sua precocidade e pela capacidade da espécie em proporcionar a incorporação de nitrogênio no solo (Van Belle et al. 2003Van Belle, J.F., Lobão, D.E. & Herrera, S. 2003. La forêtdense humilde atlantiqueduBrésil et lesystèmecacao-cabruca bahianais. Parcs e Réserves 58: 22-28.) por meio da associação com bactérias diazotróficas e fungos micorrízicos, característica compartilhada por outras espécies do gênero (Silva et al. 2007Silva, G.T.A., Resende, A.S., Campello, E.F.C., Dias, P.F. & Franco, A.A. 2007. O papel da fixação biológica de nitrogênio na sustentabilidade de sistemas agroflorestais. Embrapa Agrobiologia, Seropédica, cidade.). Essa espécie, porém, vem sendo substituída por outras espécies com maior valor econômico e alimentício (Marques et al. 2003Marques, J.R.B. 2003. Substituição da Eritrina por outras espécies arbóreas de valor econômico - Um enfoque sustentável de Modernização Agrícola. In: Semana do Fazendeiro, Uruçuca. ). Existe uma tendência atual de substituição e redução da densidade da flora nativa das cabrucas por espécies exóticas para consumo ou venda (Sambuichi 2006Sambuichi, R.H.R. 2006. Estrutura e dinâmica do componente arbóreo em área de cabruca na região cacaueira do sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 20: 943-954., Sambuichi et al. 2012Sambuichi, R.H.R., Vidal, D.B., Piasentin, F.B., Jardim, J.G., Viana, T.G., Menezes, A.A., Mello, D.L.N., Ahnert, D. & Baligar, V.C. 2012. Cabruca agroforests in southern Bahia, Brazil: tree component, management practices and tree species conservation. Biodiversity and Conservation 21: 1055-1077., Cassano et al. 2014Cassano, C.R., Schroth, G., Faria, D., Delabie, J.H.C., Bede, L., Oliveira, L.C. & Mariano-Neto, E. 2014. Desafios e recomendações para a conservação da biodiversidade na região cacaueira do sul da Bahia. Boletim técnico n° 205. CEPLAC/CEPEC, Ilhéus., Piasentin et al. 2014Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78.). Além disso, alguns cacauicultores consideram que um sombreamento em excesso dos cacaueiros aumenta a infestação das plantações por doenças como a vassoura-de-bruxa (Moniliophthora perniciosa), diminuindo a produção, bem como promovem um maior crescimento e desenvolvimento longitudinal das plantas, e esse aumento em altura dificulta a colheita do cacau (Piasentin et al. 2014Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78.).

A densidade de árvores encontrada nas fazendas apresenta valores entre os mais altos registrados na literatura para cabrucas baianas (Sambuichi 2006Sambuichi, R.H.R. 2006. Estrutura e dinâmica do componente arbóreo em área de cabruca na região cacaueira do sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 20: 943-954.). Lobão et al. (2004)Lobão, D.E., Setenta, W.C. & Valle, R.R. 2004. Sistema agrossilvicultural cacaueiro- modelo de agricultura sustentável. Agrossilvicultura 1: 163-173. consideram cabrucas de baixa densidade aquelas com densidade entre 25 e 50 ind.ha-1, de média densidade entre 50 e 85 ind.ha-1 e de alta densidade acima de 85 ind.ha-1. Neste sentido, 80% das fazendas estudadas apresentaram média e alta densidade arbórea nas cabrucas. Esse resultado é contrário a alguns dos métodos de implantação e manejo do cacau recomendados pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), que sugere de 25-30 ind.ha-1 a densidade ideal de árvores de sombra em áreas de cabruca, como forma de aumentar a produtividade dos cacaueiros (Piasentin & Saito 2014Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78.). O cultivo do cacau com pouco sombreamento ou a pleno sol realmente aumenta a produtividade desta cultura, contudo, demanda mais irrigação, nutrientes e controle de pragas, uma vez que a radiação solar direta aumenta o estresse hídrico das plantas (Arévalo et al. 2007Arévalo, E., Ram, A., Monteiro, W.R. & Valle, R.R. 2007. Integração de práticas de manejo no cultivo de cacau. In: R.R. Valle (ed.). Ciência, Tecnologia e Manejo do Cacaueiro. CEPLAC/CEPEC, Ilhéus., Piasentin et al. 2014Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78.).

Embora a diversidade de espécies arbóreas deste estudo seja inferior a observada em outras áreas de cabruca (Lobão 2007Lobão, D.E. 2007. Agrossistema Cacaueiro da Bahia: Cacau cabruca e fragmentos florestais na conservação de espécies arbóreas. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências agrárias e Veterinárias, Unesp, cidade., Sambuichi 2002Sambuichi, R.H.R. 2002. Fitossociologia e diversidade de espécies arbóreas em cabruca (Mata Atlântica raleada sobre plantação de cacau) na região sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 16: 89-101., Sambuichi 2006Sambuichi, R.H.R. 2006. Estrutura e dinâmica do componente arbóreo em área de cabruca na região cacaueira do sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 20: 943-954.) e apenas uma espécie ameaçada de extinção tenha sido registrada, D. nigra, um elevado valor de QM foi encontrado, e conferindo às cabrucas da região alta heterogeneidade florística, de acordo com Finol (1975)Finol, U.H. 1975. La silvicultura em la Orinoquia Venezolana. Revista Forestal Venezolana 18: 37-114.. Este autor propôs que em florestas naturais tropicais o QM seria em torno da proporção de uma espécie encontrada a cada nove indivíduos amostrados. De fato, uma vez que a região sul da Bahia é considerada como uma das regiões mais biodiversas do mundo, principalmente quanto à diversidade vegetal (Thomas et al. 2008Thomas, W.W., Carvalho, A.M.V., Amorim, A.M., Hanks, J.G. & Santos, T.S. 2008. Diversity of woody plants in the Atlantic forest of southern Bahia, Brazil. In: W.W. Thomas (ed.).The Atlantic Coastal Forest of Northeastern Brazil. The New York Botanical Garden Press, New York.), a elevada riqueza de espécies arbóreas registradas nas cabrucas era esperada, mesmo tratando-se de uma agrofloresta. Dessa forma, ainda que as cabrucas mantenham menos de 10% da quantidade de árvores de florestas naturais (Sambuichi 2002Sambuichi, R.H.R. 2002. Fitossociologia e diversidade de espécies arbóreas em cabruca (Mata Atlântica raleada sobre plantação de cacau) na região sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 16: 89-101.), essas áreas podem constituir importantes bancos genéticos para espécies arbóreas, são importantes como corredores ecológicos e refúgio para a fauna, protegem recursos hídricos e constituem-se em uma estratégia complementar para conservação de espécies da Mata Atlântica, diferentemente de outros sistemas produtivos, como a agricultura tradicional ou a silvicultura, que retiram toda a vegetação natural para o plantio de culturas (Rolim & Chiarello 2004Rolim, S.G. & Chiarello, A.G. 2004. Slow death of Atlantic forest trees in cocoa agroforestry in south-eastern Brazil. Biodiversity and Conservation 13: 2679-2694., Sambuichi 2002Sambuichi, R.H.R. 2002. Fitossociologia e diversidade de espécies arbóreas em cabruca (Mata Atlântica raleada sobre plantação de cacau) na região sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 16: 89-101.).

De maneira geral, a ausência de relação entre as características das fazendas com os parâmetros de diversidade avaliados aqui, bem como a alta densidade de indivíduos e QM registrados evidenciam um manejo diferenciado realizado pelos proprietários ao longo dos anos de cultivo do cacau, desde sua implantação. As variações no manejo das cabrucas ocorrem por diversos fatores, como pela retirada de árvores que morreram naturalmente (Rolim & Chiarello 2004Rolim, S.G. & Chiarello, A.G. 2004. Slow death of Atlantic forest trees in cocoa agroforestry in south-eastern Brazil. Biodiversity and Conservation 13: 2679-2694.), para uso medicinal ou como lenha (Sambuichi et al. 2012Sambuichi, R.H.R., Vidal, D.B., Piasentin, F.B., Jardim, J.G., Viana, T.G., Menezes, A.A., Mello, D.L.N., Ahnert, D. & Baligar, V.C. 2012. Cabruca agroforests in southern Bahia, Brazil: tree component, management practices and tree species conservation. Biodiversity and Conservation 21: 1055-1077., Piasentin et al. 2014Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78.), para venda devido ao valor econômico das árvores (Piasentin et al. 2014Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78.) ou pela introdução de espécies exóticas para consumo (Hummel 1995Hummel, M. 1995. Botanical analysis of the shade tree population in two cabruca cocoa plantations in southern Bahia, Brazil. 1995. Tese de Doutorado, University of Stuttgart, Germany., Piasentin et al. 2014Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78.). Além disto, a grande representatividade de espécies nativas em número de espécies e indivíduos nas cabrucas refletem a opção dos agricultores em manter essas espécies nas cabrucas.

Segundo Piasentin et al. (2014)Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78., muitos cacauicultores não interferem na regeneração de espécies de madeira de lei durante o manejo dos cacaueiros, mas muitas vezes priorizam a conservação de algumas poucas espécies. Essa prática de manejo, em longo prazo, pode comprometer a manutenção da diversidade do dossel das cabrucas. Adicionalmente, os mesmos autores ressaltam que o principal fator para a seleção das espécies arbóreas a serem mantidas nas cabrucas ainda é a geração de renda, e que a exploração de espécies de madeira de lei tem aumentado nos últimos anos em decorrência da crise da cultura do cacau (Piasentin et al. 2014Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78.). Mesmo que a manutenção de determinadas espécies arbóreas possa ser feita como uma reserva para uso futuro da madeira pelos proprietários, ainda existem aqueles que mantêm as árvores nativas nas cabrucas, pois visualizam outros benefícios dessas espécies além do valor madeireiro. Geralmente são espécies mais longevas, que oferecem menor risco de queda sobre a plantação, proporcionam sombra mais esparsa por serem mais altas e mantêm fauna associada mais diversificada otimizando o controle biológico de pragas (Sambuichi 2002Sambuichi, R.H.R. 2002. Fitossociologia e diversidade de espécies arbóreas em cabruca (Mata Atlântica raleada sobre plantação de cacau) na região sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 16: 89-101., Rolim & Chiarello 2004Rolim, S.G. & Chiarello, A.G. 2004. Slow death of Atlantic forest trees in cocoa agroforestry in south-eastern Brazil. Biodiversity and Conservation 13: 2679-2694., Cassano et al. 2009Cassano, C.R., Schroth, G., Faria, D., Delabie, J.H.C. & Bede, L. 2009. Landscape and farm scale management to enhance biodiversity conservation in the cocoa producing region of southern Bahia, Brazil. Biodiversity and Conservation 18: 577-603., Sambuichi et al. 2012Sambuichi, R.H.R., Vidal, D.B., Piasentin, F.B., Jardim, J.G., Viana, T.G., Menezes, A.A., Mello, D.L.N., Ahnert, D. & Baligar, V.C. 2012. Cabruca agroforests in southern Bahia, Brazil: tree component, management practices and tree species conservation. Biodiversity and Conservation 21: 1055-1077., Piasentin et al. 2014Piasentin, F.B., Saito, C.H. & Sambuichi, R.H.R. 2014. Preferências locais quanto às árvores do sistema cacau-cabruca no sudeste da Bahia. Ambiente & Sociedade 17: 55-78.).

Aqui demonstramos que o sistema de cultivo cacau-cabruca das fazendas da região centro-sul da Bahia apresenta alta heterogeneidade, densidade e riqueza de espécies arbóreas em comparação com outros estudos em outras regiões com o mesmo tipo de agrofloresta (Sambuichi 2002Sambuichi, R.H.R. 2002. Fitossociologia e diversidade de espécies arbóreas em cabruca (Mata Atlântica raleada sobre plantação de cacau) na região sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 16: 89-101.). Porém, esses parâmetros de diversidade arbórea não são influenciados pela área total das propriedades ou das cabrucas, uma vez que cada fazenda produtora de cacau tem sido manejada de maneira diferente pelos proprietários. Como a estimativa de que as áreas de cobertura original da Mata Atlântica no sul da Bahia é de apenas 4% (Thomas et al. 2008Thomas, W.W., Carvalho, A.M.V., Amorim, A.M., Hanks, J.G. & Santos, T.S. 2008. Diversity of woody plants in the Atlantic forest of southern Bahia, Brazil. In: W.W. Thomas (ed.).The Atlantic Coastal Forest of Northeastern Brazil. The New York Botanical Garden Press, New York.), nossos resultados corroboram estudos anteriores que ressaltam que o sistema cacau-cabruca é um uso da terra mais sustentável para a conservação pelo menos parcial da biodiversidadeem propriedades rurais do que outras atividades agrícolas (Cassano et al. 2009Cassano, C.R., Schroth, G., Faria, D., Delabie, J.H.C. & Bede, L. 2009. Landscape and farm scale management to enhance biodiversity conservation in the cocoa producing region of southern Bahia, Brazil. Biodiversity and Conservation 18: 577-603., Schroth et al. 2011Schroth, G., Faria, D., Araujo, M., Bede, L., Van Bael, S.A., Cassano, C.R., Oliveira, L.C. & Delabie, J.H.C. 2011. Conservation in tropical landscape mosaics: the case of the cacao landscape of southern Bahia, Brazil. Biodiversity and Conservation 20: 1635-1654., Piasentin & Gois 2016Piasentin, F.B. & Góis, S.L.L. 2016. Conservação de remanescentes florestais no Brasil: considerações sobre os principais instrumentos de gestão ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente 36: 115-134.). Essas agroflorestas podem manter grande número de espécies da flora e fauna nativas da região (Cassano et al. 2014Cassano, C.R., Schroth, G., Faria, D., Delabie, J.H.C., Bede, L., Oliveira, L.C. & Mariano-Neto, E. 2014. Desafios e recomendações para a conservação da biodiversidade na região cacaueira do sul da Bahia. Boletim técnico n° 205. CEPLAC/CEPEC, Ilhéus.), e talvez sejam os únicos habitats disponíveis para a sobrevivência de espécies arbóreas nativas endêmicas e ameaçadas de extinção, e que nos remanescentes de floresta já foram praticamente extintas (Sambuichi 2002Sambuichi, R.H.R. 2002. Fitossociologia e diversidade de espécies arbóreas em cabruca (Mata Atlântica raleada sobre plantação de cacau) na região sul da Bahia, Brasil. Acta Botânica Brasilica 16: 89-101., Sambuichi et al. 2008Sambuichi, R.H.R., Oliveira, R.M., Mariano-Neto, E., Thévenin, J.M.R., Jesus-Junior, C.P., Oliveira, R.L. & Pelição, M.C. 2008. Conservation status of ten endemic trees from the Atlantic forest in the south of Bahia-Brazil. Natureza e Conservação 6: 208-225.), como é o caso da espécie de madeira de lei D. nigra, encontrada em duas fazendas (Guedes et al. 2011Guedes, R.S., Alves, E.U., Gonçalves, E.P., França, P.R.C., Moura, M.F. & Santos, S.S. 2011. Germinação de sementes de Dalbergia nigra (Vell.) Fr. All. Maringá 33: 445-450.). Além disso, sistemas de manejo das cabrucas que otimizem seu papel de conservação da biodiversidade são desejáveis e este relevante papel desses ecossistemas manejados deve ser melhor divulgado para que possa ser reconhecido.

  • 1
    Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro Autor.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao herbário André Mauricio Vieira de Carvalho do Centro de Pesquisa do Cacau na Comissão Executiva do Planejamento da Região Cacaueira (CEPLAC), pelo auxílio na identificação do material botânico. Agradecimentos especiais aos proprietários das fazendas estudadas: José Valmir, Addya Galvão, Elandir Bezerra, José Balbino, Jaime Valverde, Eduardo Paixão, Luciana Pedreira, José Pereira de Jesus, Alaide dos Santos e Adelmo Cardoso pela permissão na realização do trabalho e auxilio nas coletas de dados, e a Raymundo José de Sá Neto pela contribuição na análise dos dados e em todo o manuscrito.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2016
  • Aceito
    01 Mar 2017
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