Áreas restauradas revelam nova ocorrência de Neofavolus subpurpurascens (Murrill) Palacio & Robledo (Basidiomycota, Polyporaceae) para o Estado de São Paulo, Brasil

Restored areas reveal a new record from São Paulo State, Brazil: Neofavolus subpurpurascens (Murrill) Palacio & Robledo (Basidiomycota, Polyporaceae)

RESUMO

A diversidade de Agaricomycetes lignícolas (Basidiomycota) foi estudada no Parque Florestal São Marcelo, localizado no município de Mogi-Guaçu, SP, Brasil, em processo de restauração desde 2002 por meio de um plantio com mais de 100 espécies arbóreas nativas. As coletas foram realizadas bimestralmente durante o período de outubro de 2015 a outubro de 2016. Os espécimes foram identificados com base na morfologia do basidioma e depositados no Herbário SP. Durante o estudo, 224 espécimes foram identificados em 41 espécies, dentre as quais um novo registro para o Estado de São Paulo: Neofavolus subpurpurascens (Murrill) Palacio & Robledo, mostrando o estabelecimento da comunidade fúngica na área restaurada e ainda que a recuperação de áreas degradadas contribui para a manutenção da diversidade fúngica do Estado.

Palavras-chave:
Basidiomycota; conservação; diversidade; Polyporaceae; reflorestamento

ABSTRACT

The diversity of wood-inhabiting Agaricomycetes (Basidiomycota) was studied in the Parque Florestal São Marcelo, Brazilian area under restoration since 2002 by the planting of more than 100 native tree species, located in the municipality of Mogi-Guaçu (São Paulo State). Collections were made bi-monthly bimonthly from October 2015 to October 2016. The identification of the samples was based on the morphological analysis of the basidiomata; the selected specimens were deposited at the SP Herbarium. During the study, a total of 224 specimens was identified as belonging to 41 distinct species, including one new record for the State of São Paulo: Neofavolus subpurpurascens (Murrill) Palacio & Robledo. The results, show the establishment of the fungal community in the restored area and corroborate the contribution of that the reforestation of degraded areas to the maintenance of the fungal diversity of the state.

Keywords:
Basidiomycota; conservation; diversity; Polyporaceae; reforestation

Introdução

O conhecimento da diversidade de macrofungos, no Estado de São Paulo, especialmente de Agaricomycetes, tem se restringido às unidades de conservação (Bononi 1984, Gugliotta & Bononi 1999, Leal & Gugliotta 2008, Gugliotta et al. 2011, Abrahão et al. 2012, Motato-Vásquez & Gugliotta 2013, Motato-Vásquez et al. 2014, Pires & Gugliotta 2016). A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Parque Florestal São Marcelo localizada no município de Mogi-Guaçu, São Paulo, foi implementada em 2002, quando uma área de 240 ha, pertencente à empresa International Paper, foi destinada à restauração (Barbosa et al. 2013).

Anteriormente à aquisição pela empresa em 1995, a propriedade de 822 ha era destinada ao plantio de culturas de ciclo anual, semi-perenes, como cana-de-açúcar, e perenes, como café, citrus, além de pastagem. Após a aquisição, a área foi destinada unicamente ao plantio de Eucalyptus sp., até o período de 2002, quando a área de 240 ha foi destinada à implantação da RPPN. As áreas circunvizinhas à RPPN são compostas por propriedades rurais, incluindo o Horto Mogi-Guaçu pertencente à empresa, destinado ao plantio comercial de Eucalyptus sp., existindo pequenos fragmentos florestais representados por faixas ciliares de vegetação nativa remanescente, o que torna a RPPN importante para o estabelecimento da conectividade da paisagem.

De acordo com Barbosa et al. (2013), foi implantada na reserva um reflorestamento heterogêneo de alta diversidade com 101 espécies arbóreas nativas (56% não pioneiras, 37% pioneiras e 7% de espécies não classificadas ou exóticas), escolhidas dentre as que ocorrem na fitofisionomia Floresta Estacional Semidecidual, que anteriormente cobria a região (Mandetta 2007).

O presente estudo está inserido em um projeto amplo desenvolvido pela Coordenação Especial para Restauração de Áreas Degradadas (CERAD) do Instituto de Botânica, que visa o monitoramento da restauração da RPPN por meio de pesquisas em parcelas permanentes.

Após nove anos de instalação, os estudos de monitoramento utilizando parâmetros como a área basal, altura média e diversidade vegetal, revelaram que a RPPN apresenta um estrato arbóreo bem desenvolvido. No entanto, por ser uma floresta recente, seu estrato arbóreo está majoritariamente caracterizado pela composição de espécies utilizadas no plantio (Mandetta 2007, Colmanetti & Barbosa 2013, Colmanetti et al. 2016).

Para verificar se o reflorestamento foi eficiente e se a área está recuperando as suas funções ecológicas, estudos de monitoramento na área são realizados, procedimento essencial na certificação da eficiência das ações restauradoras. No entanto, a grande maioria dos parâmetros utilizados como indicadores refere-se à comunidade vegetal (Colmanetti & Barbosa 2013, Gandolfi 2013) ou à presença de fauna, normalmente associada à dispersão das espécies vegetais (Silveira et al. 2011). Apesar da grande importância ecológica dos fungos lignícolas na ciclagem de nutrientes e na manutenção dos ecossistemas terrestres (Rayner 1995, Boddy et al. 2008), estes organismos não têm sido utilizados como parâmetro de monitoramento da restauração florestal.

O objetivo deste trabalho é ampliar o conhecimento e a distribuição geográfica de Neofavolus subpurpurascens (Murrill) Palacio & Robledo, até então não registrada para o Estado de São Paulo e cuja ocorrência foi verificada em uma área em restauração no Estado (Alcantara 2017).

Material e métodos

Área estudada - A Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) Parque Florestal São Marcelo (figura 1), localiza-se no município de Mogi-Guaçu, Estado de São Paulo (22º21’51”-22º23’40”S, 46º58’28”-46º59’46”W). Trata-se de uma área de 240 ha reflorestada em 2002 com alta diversidade de espécies nativas de floresta estacional semidecidual (Mandetta 2007, Barbosa et al. 2013, Comanetti et al. 2016).

Figura 1
O local do estudo, Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Parque Florestal São Marcelo. a. Localizado no município de Mogi-Guaçu. b. Estado de São Paulo, Brasil. c. (Barbosa et al. 2013).
Figure 1
The study site, Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) Parque Florestal São Marcelo. a. Located in the municipality of Mogi-Guaçu. b. São Paulo State, Brazil. c. (Barbosa et al. 2013).

O clima na região é o Cwa (inverno seco e verão úmido) segundo Köppen (1948), com temperatura média de 21^oC e precipitação anual de 1.325mm (EMBRAPA 2017).

Coleta e identificação - As coletas foram realizadas bimestralmente no período de um ano (outubro de 2015 a outubro de 2016), em dez (10) parcelas permanentes divididas em dois conjuntos amostrais (RPPN-A e RPPN-B), com duas (2) transecções (4 x 50 m) inseridas em cada parcela, sendo a comunidade de Agaricomycetes da Reserva caracterizada de acordo com riqueza, abundância e grupos funcionais (Alcantara 2017). A avaliação do estado de preservação da área estudada foi realizada por meio da comparação dos resultados com aqueles obtidos por Abrahão et al. (2019), que realizou uma análise da ocorrência e distribuição de Agaricomycetes lignícolas, em uma área considerada preservada, de mesma formação vegetal no município de Mogi-Guaçu, a Reserva Biológica de Mogi-Guaçu.

A coleta e a herborização do material foram realizadas seguindo as técnicas recomendadas por Fidalgo & Bononi (1984). A identificação dos espécimes foi baseada em caracteres macro e microscópicos dos basidiomas de acordo com Ryvarden (1991) e Teixeira (1995), como cor, tamanho, forma do píleo, forma e tamanho dos poros, em microscópio estéreoscópico Leica S6D. Para as análises microscópicas, secções transversais do basidioma foram preparadas em lâminas com solução de KOH a 5% (Teixeira 1995). Reações amiloide e dextrinoide foram testadas no reagente de Melzer seguindo Gilbertson & Ryvarden (1986). Observações e medições de estruturas microscópicas foram realizadas utilizando um microscópio óptico Leica DM 1000.

Resultados e Discussão

Durante o estudo sobre a compreensão da dinâmica da comunidade de macrofungos lignícolas e estabelecimento de parâmetros de monitoramento da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Parque Florestal São Marcelo (Alcantara 2017), um novo registro de Neofavolus subpurpurascens foi encontrado para o Estado de São Paulo.

Neste levantamento, um total de 224 espécimes de Agaricomycetes lignícolas (Basidiomycota) foi identificado em 41 espécies pertencentes a dez famílias e cinco ordens (Agaricales, Auriculariales, Gloeophyllales, Hymenochaetales e Polyporales), dos quais 11 foram de N. subpurpurascens (Alcantara 2017).

Neofavolus subpurpurascens (Murrill) Palacio & Robledo in Phytotaxa. 405(4): 184. 2019.

≡ Polyporus subpurpurascens (Murrill) Ryvarden, Mycotaxon 23: 181, 1985.

≡ Favolus subpurpurascens (Murrill) Sacc. & Trotter, Sylloge Fungorum 21: 357. 1912.

Tipo: JAMAICA, s.d.,FS. Earle s.n.(tipo NY).

Figuras 2-3

Figura 2
Neofavolus subpurpurascens, himenóforo poroide (al226).
Figure 2
Neofavolus subpurpurascens, poroid hymenophore (al226).

Figura 3
Neofavolus subpurpurascens, superfície do píleo (al226).
Figure 3
Neofavolus subpurpurascens, pilear surface (al226).

Descrição e ilustração: Palacio et al. (2019), Coelho & Silveira (2014).

Habitat: galho em decomposição; causador de podridão branca.

Material examinado selecionado: BRASIL. São Paulo: Mogi-Guaçu, Parque Florestal São Marcelo, A.A. Alcantara, 26.X.2016, AL213, AL226, AL227 (SP).

Distribuição: Jamaica (2004, localidade tipo), América do Sul. No Brasil foi citada pela primeira vez como Polyporus subpurpurascens (Murrill) Ryvarden por Coelho & Silveira (2014) para o Estado do Rio Grande do Sul.

Neofavolus subpurpurascens pode ser facilmente reconhecido em campo pelo basidioma frágil, estipitado, de coloração vinho a vermelho-escuro, himenóforo com poros favoides muito largos (Figuras 2-3). Coelho & Silveira (2014, como P. subpurpurascens) descrevem essa espécie pela primeira vez no Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul e apresentam ilustrações e descrição das principais características como: poros grandes, radialmente alongados (1/mm) ou maiores; basidiósporos subcilíndricos ca. 9,2 x 11,8 por 3,2 x 4 mm. De acordo com Trierveiler-Pereira (2019, citado como Favolus subpurpurascens) trata-se de espécie comestível, apesar de não cultivada comercialmente.

O gênero Neofavolus foi proposto por Sotome et al. (2013) com base em resultados dos estudos detalhados das principais características taxonômicas e o auxílio da biologia molecular. Recentemente, estudos moleculares revelaram que Polyporus subpurpurascens (Murrill) Ryvarden faz parte do gênero Neofavolus, resultando em uma nova combinação (Palacio et al. 2019).

De acordo com Palacio et al. (2019), a espécie é rara com poucos registros além da localidade tipo (Jamanica), tendo sido registrada na Argentina, Bolívia e Brasil. No Estado de São Paulo há um relato de sua ocorrência em Angatuba em uma publicação sobre espécies comestíveis do município (Trierveiler-Pereira 2019). Apesar de apresentar ilustrações macroscópicas do basidioma e uma descrição sucinta da espécie, este trabalho não relaciona vouchers ou material examinado. A região de Angatuba está localizada na região sudoeste do Estado de São Paulo, cujas fisionomias principais são representadas pela Floresta Estacional Semidecidual e pelo Cerrado (Monteiro et al. 2009). Diversos levantamentos foram realizados em áreas com essa cobertura vegetal no Estado, mas nenhum relatou a ocorrência de Neofavolus subpurpurascens (Abrahão et al. 2009, 2012, 2019, Gugliotta et al. 2012, Maia et al. 2015). Assim, o presente trabalho considera esta a primeira ocorrência comprovada da espécie no Estado de São Paulo e amplia a distribuição da mesma no Brasil, a qual estava restrita até o momento a dois espécimes coletados no Rio Grande do Sul (Coelho & Silveira 2014, Palacio et al. 2019).

A presença desta e demais espécies de Agaricomycetes encontradas mostram o estabelecimento da comunidade fúngica na área restaurada e que a recuperação de áreas degradadas contribui para a manutenção da diversidade fúngica do Estado.

Agradecimentos

Agradecemos à International Paper do Brasil, pelo suporte, em especial ao Miguel Magela e João Machado. Aos funcionários do CERAD/IBt, pela ajuda e realização do projeto de pesquisa, em especial à Marcia Regina Ângelo e Fernando Cirilo. Aos colegas de laboratório Viviana Motato-Vásquez e Ricardo Matheus Pires, pelo auxílio na taxonomia. Ao CNPq e ao Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente do Instituto de Botânica, pela bolsa de Mestrado concedida ao segundo Autor.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  17 Jan 2020
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  25 Jun 2019
• Aceito
  23 Out 2019