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Protocolo de Preparação de Amostras de Desmídias (Desmidiaceae, Zygnematophyceae) para Estudos Morfológicos por meio de Microscopia Eletrônica de Varredura

Protocol for Preparation of Samples of Desmids (Desmidiaceae, Zygnematophyceae) for Morphological Studies using Scanning Electron Microscopy

RESUMO

(Protocolo de Preparação de Amostras de Desmídias (Desmidiaceae, Zygnematophyceae) para Estudos Morfológicos por meio de Microscopia Eletrônica de Varredura). A microscopia eletrônica de varredura (MEV) é uma ferramenta robusta no estudo de algas microscópicas, a exemplo das desmídias (Desmidiaceae, Zygnematophyceae), auxiliando na interpretação da ornamentação na parede celular, tendo em vista o uso desta como característica taxonômica. Apesar disto, nem sempre é fácil obter um bom processamento do material para análise em MEV, devido a problemas com mucilagem presente nas células, obtenção de material representativo no stub, e tempo de desidratação. Portanto, adequamos um protocolo barato, com ausência de distorção da célula e de rápido processamento (dois dias) para análise de desmídias em MEV. O material foi obtido a partir de amostras fixadas em solução de Transeau, lavado com Brometo de cetiltrimetilamônio para remover a mucilagem das células, concentrado em lamínula tendo a Poly-L-lisina como adesivo, e desidratado em série gradual crescente de Acetona. Os resultados são comparados com outros estudos realizados para o grupo

Palavras-chave:
algas continentais; desmidiaceae; microscopia; ornamentação da parede celular; ultraestrutura

ABSTRACT

Scanning electron microscopy (SEM) is a robust tool in the study of desmids (Desmidiaceae, Zygnematophyceae), assisting in the interpretation of ornamentation on the cell wall, in view of its use as a taxonomic feature. Despite this, it is not always easy to obtain a good processing of the material for analysis in SEM, due to problems with mucilage present in the cells, obtaining representative material in the stub, and dehydration time. Therefore, we adapted an inexpensive protocol, with no cell distortion and fast processing (two days) for analysis under SEM. The material was obtained from samples fixed in Transeau solution, washed with cetyltrimethylammonium bromide to remove mucilage from the cells, concentrated in a coverslip used with Poly-L-lysine as an adhesive, and dehydrated in a gradual series of Acetone. The results are compared with other studies carried out in the group.

Keywords:
cell wall ornamentation; desmidiaceae; freshwater algae; microscopy; ultrastructure

Introdução

A família Desmidiaceae (Desmidiales, Zygnematophyceae) é caracterizada por reunir táxons com células constituídas por duas partes (semicélulas), que se encaixam na região mediana através do istmo, podendo estar envoltas por uma bainha de mucilagem (Brook 1985). Essa família é a mais representativa da ordem Desmidiales, contribuindo com cerca de 70% do número total de espécies, e inclui gêneros com alta diversidade específica como Cosmarium e Staurastrum (Gontcharov & Melkonian 2005Gontcharov, A.A. & Melkonian, M. 2005. Molecular phylogeny of Staurastrum Mayen ex Ralfs and related genera (Zygnematophyceae, Streptophyta) based on coding and noncoding rDNA sequence comparisons. Journal of Phycology 41: 887-889.).

A análise da estrutura da parede celular dos representantes dessa família é de grande importância na caracterização das espécies, pois geralmente apresentam ornamentações celulares, tais como grânulos, verrugas, espinhos, que são fundamentais na identificação taxonômica, e que são melhores observadas através da microscopia eletrônica de varredura (MEV) (Tavera & Calderon 2013Tavera, R. & Calderón, E. 2013. Use of CTAB as a cost-effective solution to an old problem: the interference of the mucilage of desmids for scanning electron microscopy. Phycologia 52 (5): 1-5.). A visualização dessas estruturas apenas em microscopia fotônica pode ser prejudicada ou mascarada por conta do conteúdo celular denso (cloroplastídios) das células, além de não ter um nível de detalhamento como o do MEV.

Vários autores têm reportado metodologias de processamento de amostras para observação da estrutura da parede em MEV, com destaque para os trabalhos de Lyon (1969)Lyon, T. 1969. Scanning electron microscopy: a new approach to the Desmidiaceae. Journal of Phycology 5: 380-382., Pickett-Heaps (1973Pickett-Heaps, J.D. 1973. Stereo-scanning electron microscopy of desmids. Journal of microscopy 99: 109-116., 1974Pickett-Heaps, J.D. 1974. Scanning electron microscopy of some cultured desmids. Transactions of the American Microscopical Society 93: 1-23.), Gough et al. (1976)Gough S.B., Garvin T.W. & Woelkerling W.J. 1976. On processing field and culture samples of desmids (Desmidiales, Chlorophyta) for scanning electron microscopy. British Phycological Journal 11: 245-250., Couté (1982)Couté, A. 1982. Gonatozygon chadefaudii ou Penium chadefaudii (Chlorophyta, Zygophyceae, Desmidiales, Closteriaceae). Protistologica 23(1): 43-52., Yinxin (1991)Yinxin, W. 1991. SEM study of cell walls of 24 desmids (Desmidiaceae, Chlorophyta) from China. Chinese Journal of Oceanology and Limnology 9: 363-276., Tavera & Calderon (2013)Tavera, R. & Calderón, E. 2013. Use of CTAB as a cost-effective solution to an old problem: the interference of the mucilage of desmids for scanning electron microscopy. Phycologia 52 (5): 1-5., Šťastný & Koltz (2012), Van Westen (2015) e Ramos et al. (2018)Ramos, G.J.P., Bicudo, C.E.M. & Moura, Carlos W.N. 2018. Some new, rare and interesting desmids from bromeliad phytotelmata in Brazil. Phytotaxa 346: 59-77., que diferem nas combinações e adequações das técnicas de fixação e processamento de retirada de mucilagem e desidratação. O processamento adequado da amostra garante o sucesso da análise (Goldstein & Newbury 1992Goldstein, J. & Newbury, D.E. 1992. Scanning Electron Microscopy and X-Ray Microanalysis- A text for biologist, Materials Scientist and Geologists., Plenum Press, New York, 2nd ed.) sendo, em parte, dependente do processo de retirada de mucilagem e da desidratação.

O presente trabalho visa a descrição detalhada do preparo de amostras de microalgas de águas continentais, principalmente desmídias (Desmidiaceae, Zygnematophyceae), para a análise da ultraestrutura em MEV.

Material e Métodos

O material analisado no presente estudo proveio de amostras de metafíton, perifíton e plâncton tombadas na coleção líquida de microalgas do HUEFS, algumas coletadas há mais de 10 anos, em diferentes ambientes do Estado da Bahia como lagoas e rios da Chapada Diamantina e da planície costeira do litoral norte do Estado.

As amostras foram fixadas em solução Transeau (6:3:1, v/v/v; água: álcool: formol) segundo Bicudo & Menezes (2017)Bicudo, C.E.M. & Menezes, M. 2017. Gêneros de algas de águas continentais do Brasil: chave para identificação e descrições. RIMA Editora, São Carlos, 552p. e acondicionadas em frasco de polietilenoglicol de 250 mL. A preparação da solução de fixação deve ser realizada em capela de exaustão, visto que o formaldeído 37-40% é um agente tóxico e cancerígeno (Gough et al. 1976Gough S.B., Garvin T.W. & Woelkerling W.J. 1976. On processing field and culture samples of desmids (Desmidiales, Chlorophyta) for scanning electron microscopy. British Phycological Journal 11: 245-250.).

1. Separação e concentração do material de microalgas - O material de microalgas foi amostrado com pipeta Pasteur, sendo depositadas 1-2 gotas entre lâmina e lamínula e em seguida realizou-se a análise taxonômica em microscópio óptico binocular, marca Olympus Model BX-43 acoplado com câmera fotográfica digital (marca QImaging 5.0 MP).

Após a análise taxonômica, que incluiu a fotografia de todos os táxons analisados, o conteúdo das lâminas foi transferido para microtubos de centrifugação do tipo Eppendorf (2,5 mL) visando concentrar o maior número possível de táxons; esse processo foi repetido diversas vezes até se obter um volume de 2 mL (figura 1 a, 2 a).

2. Pré-tratamento ao processo de desidratação

2.1. Retirada de mucilagem e desagregação de células das algas - A retirada da mucilagem das células foi realizada adicionando uma solução a 2% de Brometo de cetiltrimetilamônio (CTAB), um detergente catiônico, aos microtubos contendo as algas, durante 24 horas (figura 1 b). Para cada 1 mL da amostra foi misturado um volume igual do detergente. Posteriormente, retirou-se o CTAB e procedeu-se a lavagem com água destilada por 3 vezes. Nos dois processos, deve-se retirar as soluções com cuidado e com auxílio de pipeta para evitar a perda do material retido no fundo dos microtubos.

Procedeu-se a sonicação dos microtubos em banho de ultrassom por um período de 10-15 minutos, para desagregar as algas umas das outras e/ou dos resíduos de matéria orgânica.

2.2. Preparação das lamínulas de vidro com solução Poly-L-lisina para servir como agente adesivo das algas - Lamínulas de vidro redondas (13 mm de diâmetro), conservadas em etanol 96 °GL para retirada de gordura e outras impurezas, foram limpas com papel absorvente e separadas. Utilizou-se placa de Petri de vidro (15 cm de diâmetro), forrada com Parafilm (marca 3M), na qual foram adicionadas 10-12 gotas espaçadas (figuras 1 c, 2 b) contendo solução de Poly-L-lisina 0,1% (marca Sigma), 1:10, v/v, Poly-L-lisina: água destilada; cada gota contendo (20 µL). Sobre essas foram depositadas as lamínulas, de modo que a solução ficasse em contato com o Parafilm e pressionada pela lamínula, por um período de 30 minutos (figura 2 b). Após este período, as lamínulas foram retiradas com auxílio de pinça, uma a uma, tendo o cuidado de retirar o excesso da solução Poly-L-lisina com papel de filtro (figuras 1 c, 2 c); em seguida, as lamínulas foram transferidas para Placa para Cultura de Células de 12 poços (poliestireno cristal virgem - GPPS), com a superfície que servirá como agente adesivo voltada para cima. É necessário ter muito cuidado para não inverter o lado, caso contrário o material não irá aderir (figuras 1 d, 2 d).

2.3. Adesão das microalgas nas lamínulas de vidro com Poly-L-lisina - Após identificar a Placa para Cultura de Células com numeração sequencial, agregou-se 1-2 gotas do material pré-tratado nos microtubos para aderir nas lamínulas (figuras 1 d, 2 e), por um período de no mínimo, 60 minutos; tomar cuidado para o material não exceder a área da lamínula. Quanto maior o tempo nessa etapa, maior a probabilidade do material decantar e aderir à lamínula.

3. Desidratação em série acetônica - A desidratação gradual do material foi realizada em série crescente acetônica (30, 50, 70, 90 e duas passagens em 100%), sendo a última em acetona super seca (acetona + sulfato de cobre), durante 10 minutos cada, em temperatura ambiente.

O processo de desidratação foi iniciado na própria Placa para Cultura de Células para as concentrações de 30 a 50%, sendo a acetona vertida lentamente com pipeta Pasteur pelas extremidades das cavidades (figuras 1 e, 2 f), para evitar perda do material por lixiviação (caso seja injetado líquido de forma brusca). Para as concentrações seguintes (70, 90 e 100%) as lamínulas foram transferidas para o porta-amostra de aço inoxidável (figura 2 g), utilizado no aparelho de Ponto Crítico, para evitar problema de corrosão das placas para Cultura de Célula pela acetona. O porta-amostra foi inserido num recipiente de vidro de modo a ficar completamente imerso ao adicionar as concentrações de acetona.

Para a transferência das lamínulas do poço para o porta-amostra utilizou-se uma agulha hipodérmica (para levantar as mesmas) e uma pinça de ponta fina para segurar estas e inserir nos espaços do suporte de amostras (figura 2 g). Atentar para a posição de entrada das lamínulas no porta-amostra para não trocar a ordem/sequência, pois poderá ocorrer perda do material. No porta-amostra utilizado couberam nove lamínulas em fileira, sendo possível inserir mais três (se for o caso de otimizar tempo para desidratação), porém, estas devem ser adicionadas em diagonal, entre as fileiras, de modo a caber as 12 amostras.

Caso ocorra qualquer imprevisto durante o processo de desidratação, o material poderá ficar imerso em acetona 70%, por até 24 horas, em refrigerador, num recipiente de vidro devidamente vedado com Parafilm.

Figura 1
Esquema do protocolo de preparo de amostras de desmídias para estudo através de microscopia eletrônica de varredura. Figure 1. Scheme of the protocol for preparing samples of desmids for study using scanning electron microscopy.

Todo o processo de desidratação deve ser conduzido em capela de exaustão, para evitar o perigo de inalação de gases tóxicos.

4. Ponto Crítico - O procedimento de secagem utilizando o aparelho de ponto crítico foi realizado no equipamento da marca Leica modelo EM CPD030. O suporte de amostras foi inserido na câmara do equipamento e acrescentado acetona super seca, até a marca do menisco. Posteriormente, a câmara foi devidamente fechada e aguardou-se a temperatura atingir 9°C, sendo em seguida iniciada a substituição da acetona pelo Dióxido de Carbono (CO2) líquido. Foram realizadas 20 trocas para substituir gradualmente a acetona por CO2 líquido, com intervalo de tempo de 1 minuto a cada troca.

Ao término das trocas, procedeu-se o desligamento do resfriamento da câmara contendo CO2 líquido e ligou-se o aquecimento até atingir a temperatura de 40ºC (acima da temperatura crítica do CO2 - 31 °C) e pressão abaixo de 100 Barr. Todo o CO2 existente na câmera passou da fase líquida para a gasosa e foi liberado através da válvula de saída do gás do equipamento. Findo o processo, procedeu-se a retirada do suporte de amostras.

5. Montagem dos stubs - O processo de montagem das lamínulas nos stubs (porta amostra tipo Cambrigde, diâmetro de 15 mm, pino de 3,2 x 8 mm, figuras 2 h, i), foi realizado com os seguintes passos: a. Identificação dos stubs com caneta hidrocor, na face abaxial, conforme a sequência das amostras processadas;

Figura 2
Detalhes do processamento das desmídias. a. Eppendorf contendo desmídias e CTAB. b. Placa de Petri com lamínulas em contato com o adesivo (Poly-L-Lisina) e o Parafilm. c. Retirada do excesso de adesivo das lamínulas. d-e. Inserindo lamínulas com adesivo na placa de cultura de células para adesão das algas. f. Processo de desidratação do material, note a troca do líquido pela parede do poço da placa de cultura de células. g. Processo de transferência das lamínulas da placa de cultura de células para o suporte de amostras de aço inoxidável, utilizado no ponto crítico. h. Montagem dos stubs. i. Stubs metalizados com ouro, acondicionados dentro da placa de cultura de células, devidamente identificada.

b. Colagem da fita de dupla face de carbono nos stubs, tendo o cuidado de aparar as sobras da fita com lâmina de barbear; c. Fixação das lamínulas nos stubs realizado sob estereomicroscópio. Inicialmente retira-se a fita de proteção da cola de carbono e em seguida, com auxílio de uma pinça de ponta fina, procede-se a transferência da lamínula do suporte de amostras para o stub (verificar a posição certa para não colocar a lamínula do lado oposto). Uma vez centralizada, pressiona-se o centro dessa com a ponta da pinça para forçar a adesão ao stub (figura 2 h); d. Após montagem das lamínulas nos stubs estes foram armazenados na placa de poço, previamente identificada (figura 2 i).

6. Metalização - A metalização dos stubs foi realizada com Ouro, utilizando metalizador da marca Denton Vacuum Desk IV Standard Sputter Coater, através de uma fina camada de 20 nm de espessura, durante 20 minutos.

7. Obtenção de imagens no MEV e preparação das mesmas para publicação - As amostras foram visualizadas em microscópio eletrônico de varredura, marca JEOL JSM6390LV a aumentos variáveis, aceleração de voltagem 10-20 kV e distância de trabalho de 10-12 mm.

As imagens obtidas foram editadas quanto ao brilho, contraste e retirada do fundo, utilizando o Software GNU Image Manipulation Program (GIMP).

Resultados e discussão

O protocolo descrito possibilitou a obtenção de bons resultados das preparações de material para MEV de táxons de desmídias (Cosmarium, Euastrum, Micrasterias, Staurastrum, Staurodesmus), além de outras microalgas das classes Chlorophyceae (Scenedesmus, Stauridium), Dinophyceae (Parvodinium), Euglenophyceae (Phacus, Trachelomonas) e Bacillariophyceae (Brachysira) presentes nas amostras estudadas (figura 3).

Com relação às desmídias e demais microalgas estudadas, não foi observado perda na morfologia das células conservadas em Transeau, mesmo analisando amostras coletadas há mais de 10 anos. Gough et al. (1976)Gough S.B., Garvin T.W. & Woelkerling W.J. 1976. On processing field and culture samples of desmids (Desmidiales, Chlorophyta) for scanning electron microscopy. British Phycological Journal 11: 245-250. empregaram FAA (7:2:1:1, v/v, água, formalina, Ácido Acético glacial, Etanol 95%) como fixador, relatando bons resultados para amostras de desmídias coletadas há mais de um ano e meio. Anissimova (2014)Anissimova, O.V. 2014. Methods of processing samples of desmids (Desmidiales, Charophyta) for scanning electron microscopy. Algae: problems of taxonomy, ecology and application in monitoring. Proceedings of the 3d International scientific conference, I.D. Papanin Institute for Biology of Inland Waters, Yaroslavl, Filigran, pp. 6-10. (em russo) também relatou bons resultados usando FAA. Outros autores, como Couté (1982)Couté, A. 1982. Gonatozygon chadefaudii ou Penium chadefaudii (Chlorophyta, Zygophyceae, Desmidiales, Closteriaceae). Protistologica 23(1): 43-52., Couté & Iltis (1988)Couté, A. & Iltis, A. 1988. Etude en microscopie électronique à balayage de quelque desmidiacées (Chlorophyta, Zygophyceae) des lacs andins boliviens. Cryptogamie, Algologie 9 (1): 13-26. e Šťastný (2010)Šťastný, J. 2010. Desmids (Conjugatophyceae, Viridiplantae) from the Czech Republic: new and rare taxa, distribution, ecology. Fottea 10(1): 1-74., utilizaram formaldeído a 10%, enquanto van Western (2015)van Western, M. 2015. Taxonomic notes on desmids from the Netherlands. Phytotaxa 238(3): 230-242. procedeu a fixação das amostras com lugol (0,2 a 0,5 mL por 100 mL) e formaldeído (3 mL de solução a 37% por 100 mL), apresentando bons resultados. Os fixadores mencionados, por serem econômicos e conservarem os materiais por longos períodos, podem ser empregados em estudos de MEV com objetivo de descrever os padrões das ornamentações externas das paredes das células.

Por outro lado, há estudos que empregam outros fixadores como o Glutaraldeído e o Tetróxido de Ósmio, utilizados em técnicas mais refinadas de biologia celular (Lyon 1969Lyon, T. 1969. Scanning electron microscopy: a new approach to the Desmidiaceae. Journal of Phycology 5: 380-382., Pickett-Heaps 1973Pickett-Heaps, J.D. 1973. Stereo-scanning electron microscopy of desmids. Journal of microscopy 99: 109-116., 1974Pickett-Heaps, J.D. 1974. Scanning electron microscopy of some cultured desmids. Transactions of the American Microscopical Society 93: 1-23., Vindyavati & Dodge 1984Vidyavati & Dodge J.D. 1984. Mucilage interference in desmids under SEM. Proceedings of the Indian Academy of Sciences (Plant Sciences) 93: 561-565., Tavera & Calderón 2013Tavera, R. & Calderón, E. 2013. Use of CTAB as a cost-effective solution to an old problem: the interference of the mucilage of desmids for scanning electron microscopy. Phycologia 52 (5): 1-5.), porém são mais caros e apresentam risco à saúde do pesquisador devido à toxicidade (Anissimova 2014Anissimova, O.V. 2014. Methods of processing samples of desmids (Desmidiales, Charophyta) for scanning electron microscopy. Algae: problems of taxonomy, ecology and application in monitoring. Proceedings of the 3d International scientific conference, I.D. Papanin Institute for Biology of Inland Waters, Yaroslavl, Filigran, pp. 6-10. (em russo)).

A mucilagem presente nas células das desmídias, produzidas ao nível capsular ou extracelular (Smestad & Henriquez Vieira 1994Smestad, P. & Henriquez Vieira, A.A. 1994. Structure of the capsular and extracellular polysaccharides produced by the desmid Spondylosium panduriforme (Chlorophyta). Journal of Phycology 30: 638-641.), em muitos casos, pode atrapalhar a visualização dos detalhes da célula no MEV (figura 3 a), visto que durante o processo de desidratação essa mucilagem se condensa formando camada fibrosa ou amorfa (figuras 3 b, f) nas células (Vindyavati & Dodge 1984Vidyavati & Dodge J.D. 1984. Mucilage interference in desmids under SEM. Proceedings of the Indian Academy of Sciences (Plant Sciences) 93: 561-565., Tavera & Calderón 2013Tavera, R. & Calderón, E. 2013. Use of CTAB as a cost-effective solution to an old problem: the interference of the mucilage of desmids for scanning electron microscopy. Phycologia 52 (5): 1-5.). Esse problema tem sido relatado por vários autores os quais propuseram métodos de remoção usando reagente relativamente oneroso como a Glusulase (PerkinElmer, uma mistura de enzimas contendo β-Glucuronidase e β-Glururonide Sulfatase) (Pickett-Heaps 1973Pickett-Heaps, J.D. 1973. Stereo-scanning electron microscopy of desmids. Journal of microscopy 99: 109-116., Vindyavati & Dodge 1984Vidyavati & Dodge J.D. 1984. Mucilage interference in desmids under SEM. Proceedings of the Indian Academy of Sciences (Plant Sciences) 93: 561-565.), ou mais acessíveis e baratos como o FAA (Gough et al. 1976Gough S.B., Garvin T.W. & Woelkerling W.J. 1976. On processing field and culture samples of desmids (Desmidiales, Chlorophyta) for scanning electron microscopy. British Phycological Journal 11: 245-250., Yinxin 1991Yinxin, W. 1991. SEM study of cell walls of 24 desmids (Desmidiaceae, Chlorophyta) from China. Chinese Journal of Oceanology and Limnology 9: 363-276., Šťastný & Kouwets 2012Šťastný, J. & Kouwets, F.A.C. 2012. New and remarkable desmids (Zygnematophyceae, Streptophyta) from Europe: taxonomical notes based on LM and SEM observations. Fottea 12(2): 293-313.) ou CTAB (Tavera & Calderón 2013Tavera, R. & Calderón, E. 2013. Use of CTAB as a cost-effective solution to an old problem: the interference of the mucilage of desmids for scanning electron microscopy. Phycologia 52 (5): 1-5., Ramos et al. 2018Ramos, G.J.P., Bicudo, C.E.M. & Moura, Carlos W.N. 2018. Some new, rare and interesting desmids from bromeliad phytotelmata in Brazil. Phytotaxa 346: 59-77.). Este último reagente é empregado no processo de extração de DNA de plantas que contêm grandes quantidades de polissacarídeos (Doyle & Doyle 1987Doyle, J.J. & Doyle, J.L. 1987. A rapid DNA isolation procedure for small quantities of fresh leaf tissue. Phytochemical Bulletin 19: 11-15.). Tavera & Calderón (2013)Tavera, R. & Calderón, E. 2013. Use of CTAB as a cost-effective solution to an old problem: the interference of the mucilage of desmids for scanning electron microscopy. Phycologia 52 (5): 1-5. compararam o uso do FAA e do CTAB na remoção da mucilagem e constataram que embora não danifiquem as paredes celulares, o CTAB foi mais eficiente, além de ser menos tóxico.

O procedimento de concentrar as microalgas antes do processo da desidratação requer atenção para evitar a perda de pequenas células devido à presença de detritos nas amostras (fragmentos de raízes, folhas, etc.). Na literatura os trabalhos relatam o emprego de filtração com gaze para reter detritos (Gough et al. 1976Gough S.B., Garvin T.W. & Woelkerling W.J. 1976. On processing field and culture samples of desmids (Desmidiales, Chlorophyta) for scanning electron microscopy. British Phycological Journal 11: 245-250.), outros usam filtro de membrana de nylon com poros com tamanhos variados (10 a 45 µm) (Pickett-Heaps 1973Pickett-Heaps, J.D. 1973. Stereo-scanning electron microscopy of desmids. Journal of microscopy 99: 109-116., 1974Pickett-Heaps, J.D. 1974. Scanning electron microscopy of some cultured desmids. Transactions of the American Microscopical Society 93: 1-23., Yinxin 1991Yinxin, W. 1991. SEM study of cell walls of 24 desmids (Desmidiaceae, Chlorophyta) from China. Chinese Journal of Oceanology and Limnology 9: 363-276., Tavera & Calderón 2013Tavera, R. & Calderón, E. 2013. Use of CTAB as a cost-effective solution to an old problem: the interference of the mucilage of desmids for scanning electron microscopy. Phycologia 52 (5): 1-5.) e, alguns mais recentes, concentram o material direto em lamínula pré-tratada com solução Poly-L-lisina (Šťastný 2010Šťastný, J. 2010. Desmids (Conjugatophyceae, Viridiplantae) from the Czech Republic: new and rare taxa, distribution, ecology. Fottea 10(1): 1-74., Šťastný & Kouwets 2012Šťastný, J. & Kouwets, F.A.C. 2012. New and remarkable desmids (Zygnematophyceae, Streptophyta) from Europe: taxonomical notes based on LM and SEM observations. Fottea 12(2): 293-313., van Western 2015van Western, M. 2015. Taxonomic notes on desmids from the Netherlands. Phytotaxa 238(3): 230-242., Ramos et al 2018Ramos, G.J.P., Bicudo, C.E.M. & Moura, Carlos W.N. 2018. Some new, rare and interesting desmids from bromeliad phytotelmata in Brazil. Phytotaxa 346: 59-77.). Dentre estes, o emprego da Poly-L-lisina para aderência celular ao vidro permite recuperar grande parte do material, além de ser barato e simplificar a preparação (não requer filtração para retirada de detritos). Nesse caso, constatamos que quanto maior for o tempo de secagem do material (evaporação quase total da água presente nas lamínulas), melhor será o resultado nas análises.

Outro ponto crucial na preparação das células para análise em MEV diz respeito ao tempo de desidratação do material, refletindo diretamente na qualidade das imagens a serem obtidas. Tradicionalmente, a maioria dos autores (Pickett-Heaps 1973Pickett-Heaps, J.D. 1973. Stereo-scanning electron microscopy of desmids. Journal of microscopy 99: 109-116., 1974Pickett-Heaps, J.D. 1974. Scanning electron microscopy of some cultured desmids. Transactions of the American Microscopical Society 93: 1-23., Vindyavati & Dodge 1984Vidyavati & Dodge J.D. 1984. Mucilage interference in desmids under SEM. Proceedings of the Indian Academy of Sciences (Plant Sciences) 93: 561-565., Šťastný & Kouwets 2012Šťastný, J. & Kouwets, F.A.C. 2012. New and remarkable desmids (Zygnematophyceae, Streptophyta) from Europe: taxonomical notes based on LM and SEM observations. Fottea 12(2): 293-313., van Western 2015van Western, M. 2015. Taxonomic notes on desmids from the Netherlands. Phytotaxa 238(3): 230-242., Ramos et al 2018Ramos, G.J.P., Bicudo, C.E.M. & Moura, Carlos W.N. 2018. Some new, rare and interesting desmids from bromeliad phytotelmata in Brazil. Phytotaxa 346: 59-77.) empregam a acetona como agente desidratante, embora autores como Gough et al. (1976)Gough S.B., Garvin T.W. & Woelkerling W.J. 1976. On processing field and culture samples of desmids (Desmidiales, Chlorophyta) for scanning electron microscopy. British Phycological Journal 11: 245-250., Couté (1982)Couté, A. 1982. Gonatozygon chadefaudii ou Penium chadefaudii (Chlorophyta, Zygophyceae, Desmidiales, Closteriaceae). Protistologica 23(1): 43-52., Couté & Iltis (1988)Couté, A. & Iltis, A. 1988. Etude en microscopie électronique à balayage de quelque desmidiacées (Chlorophyta, Zygophyceae) des lacs andins boliviens. Cryptogamie, Algologie 9 (1): 13-26., Yinxin (1991)Yinxin, W. 1991. SEM study of cell walls of 24 desmids (Desmidiaceae, Chlorophyta) from China. Chinese Journal of Oceanology and Limnology 9: 363-276. e Tavera & Calderón (2013)Tavera, R. & Calderón, E. 2013. Use of CTAB as a cost-effective solution to an old problem: the interference of the mucilage of desmids for scanning electron microscopy. Phycologia 52 (5): 1-5. relatem o uso do etanol; estes diferem quanto às diluições empregadas. O processo de desidratação no presente estudo mostrou-se adequado, pois não houve colapso de células (mesmo a de menor tamanho - 5 µm) e nem perda de qualidade das estruturas de parede das desmídias analisadas.

Figura 3
Microalgas processadas para MEV. a-c. Cosmarium subdorsitruncatum Cedercreutz & Grönblad, diferentes resultados de remoção de mucilagem. a. Célula processada sem CTAB. b. Célula com tempo de limpeza ineficiente (menos de 24hs). c. Célula limpa, note poro por onde é liberada a mucilagem. d. Euastrum luetkemuellerii var. carniolicum (Lütkemüller) Willi Krieger. E. Micrasterias pinnatifida (Kützing) Ralfs. f. M. truncata var. pusilla G.S.West, note resquício de mucilagem na semicélula superior. g. Cosmarium margaritatum (P.Lundell) J.Roy & Bisset. h. Staurastrum leptocladum var. cornutum Wille. i. Staurodesmus convergens (Ehrenberg ex Ralfs) S.Lillieroth. j. Parvodinium sp. k. Phacus orbicularis Hübner. l. Trachelomonas sp. m. Stauridium tetras (Ehrenberg) E.Hegewald. n. Scenedesmus disciformis (Chodat) Fott & Komárek. o. Brachysira sp.

O processamento das amostras em ponto crítico e na metalização com ouro segue o protocolo padrão empregado na preparação de amostras para análise em MEV.

As fotos obtidas no MEV dependem de ajustes do equipamento como: o brilho, o contraste, a distância de trabalho (distâncias curtas favorecem melhor resolução) e a velocidade da varredura, pois quanto maior for essa última, melhor será a imagem gerada. Embora as imagens tenham qualidade, ainda assim precisam ser trabalhadas para obter um aspecto mais limpo, devido a mistura com outras células ou sedimentos. Dessa forma, a imagem pode ser editada, melhorando a qualidade visual, através do uso de software de edição de imagem gratuito (GIMP) ou pago (p. ex., Corel Draw, Adobe Photoshop), possibilitando retirar o fundo e outros elementos não necessários (figura 3 d), trabalhar o brilho e contraste das estruturas ou, em alguns casos, colorir imagens em preto e branco (figura 3 g). Salienta-se que a editoração das imagens seja feita com moderação, de modo a não alterar as estruturas das células, principalmente o contorno.

O baixo custo, a rapidez na preparação das amostras (dois dias) e a ausência de distorção do material possibilita a adoção deste protocolo, como rotina de trabalho para preparação de amostras de microalgas continentais através de MEV.

Agradecimentos

Este estudo foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código Financeiro 001. Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio ao Projeto Flora da Bahia (483909/ 2012-2). GJPR agradece ao CNPq, pela Bolsa de Pós-doutorado (150380 / 2019-4).

Literatura citada

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Editor Associado: Gisele Marquardt

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2020
  • Aceito
    17 Maio 2021
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