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Urbanismo neoliberal, gestão corporativa e o direito à cidade: impactos e tensões recentes nas cidades brasileiras

Neoliberal urbanism, corporate management and the right to the city: recent impacts and tensions in Brazilian cities

Resumo

No contexto dos megaeventos recentes no Brasil – Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 –, os projetos urbanos implantados indicam o fortalecimento do padrão corporativo de produção das cidades, em uma crescente hegemonia da lógica de rentabilidade, financeirização e gestão privada de bens e serviços coletivos, viabilizados por grandes investimentos públicos. Imprimem no espaço uma seletividade e exclusividade de uso e consumo de mercado, associado ao atual ciclo da globalização financeira e ao urbanismo neoliberal que se conforma. Tal processo traz notáveis mudanças na acessibilidade público-privado do espaço urbano, o que tem gerado fortes tensões na conquista social pelo direito à cidade como um bem coletivo no enfrentamento da segregação socioespacial e exclusão urbana, crescentemente ampliadas na atualidade.

produção das cidades; urbanismo neoliberal; gestão urbana corporativa; acessibilidade do espaço urbano; movimentos de resistência

Abstract

In the context of the recent mega events in Brazil – the 2014 World Cup and the 2016 Olympic Games –, the urban projects that were implemented indicate the strengthening of the corporate pattern of city production, within a growing hegemony of the logic of profitability, financialization and private management of collective goods and services, enabled by huge public investments. They imprint, on space, a selectivity and exclusivity of market use and consumption, associated with the current financial globalization cycle and the neoliberal urbanism that is configured. This process brings remarkable changes in the public-private accessibility of urban space, which has generated strong tensions in the social achievement of the right to the city as a collective good in facing today’s growing socio-spatial segregation and urban exclusion.

production of cities; neoliberal urbanism; corporate urban management; accessibility of urban space; resistance movements

Introdução

A convergência do neoliberalismo no processo de globalização com a democratização no Brasil da década de 1990 trouxe importantes transformações para a urbanização brasileira, definindo um percurso “na contramão do que acontecia nos países do primeiro mundo”, como analisa Maricato (2015MARICATO, E. (2015). Para entender a crise urbana. CaderNAU-Cadernos do Núcleo de Análises Urbanas. v. 8, n. 1, pp. 11-22. Rio Grande, Brasil., p. 16) para entender a crise urbana no Brasil atual.

Verifica-se, nas últimas décadas, um desenho promissor das políticas urbanas no Brasil, com indicações de importantes avanços em prol dos instrumentos necessários para as reformas sociais almejadas desde as manifestações esboçadas nos anos sessenta do século passado. Esses avanços, consolidados no Estatuto da Cidade, em 2001, passam a figurar, por força da lei, nos planos diretores, ainda que na prática muitos obstáculos dificultem as necessárias melhorias coletivas almejadas, sobretudo nas grandes cidades, concentradoras de mais da metade da população brasileira, com altos índices de segregação socioespacial e exclusão urbana.1 1 No Brasil, atualmente, dos mais de 206 milhões de habitantes, 84% corresponde à população urbana, metade disso morando nas grandes cidades. Varia de 20% a 60% o índice de habitantes em áreas precárias e favelas, promovidas por ocupação informal, ou seja, à revelia das legislações urbanísticas estabelecidas e excluídas dos benefícios urbanos (Gordilho-Souza, 2016).

Em uma condição econômica favorável então, como país emergente no curso de uma ampliada globalização do sistema capitalista, diante do panorama da crise financeira mundial que se estabeleceu nos países centrais em 2008, grandes investimentos urbanos foram implementados no Brasil nesse momento. Destaque para a retomada acelerada do setor da construção de moradias, infraestrutura de logística, mobilidade e, sobretudo, das obras demandadas para sediar os megaeventos internacionais – Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 –, decorrendo daí um amplo endividamento público e importantes impactos no processo de produção das cidades.

Em ritmo acelerado, esses investimentos não ocorrem de forma integrada e sustentável, condições indispensáveis para a conquista de resultados sociais e ambientais positivos, que poderiam contribuir para maiores urbanidade e cidadania. Em sentido adverso, verifica-se uma inflexão das conquistas em prol das populações de menor renda, diante dos desdobramentos mais concentradores de excedentes da produção coletiva, com impactos excludentes na produção do espaço urbano. Intensifica-se, assim, o padrão de fragmentação, tencionado pela privatização da gestão urbana e pela precarização das periferias, condições acentuadamente presentes na configuração atual das cidades brasileiras.

Nesse movimento, observa-se uma crescente inserção da ação corporativa na produção e gestão das cidades, por meio de consórcios de grandes empresas atuando em todo o processo, desde as definições dos projetos, implantação e gestão dos serviços e equipamentos coletivos, em circuitos fechados, sem a necessária discussão pública mais ampla, confrontando-se, assim, aos direitos e obrigatoriedade da participação e inclusão social, legisladas pelo Estatuto da Cidade, em prol dos interesses coletivos.

O endividamento público resultante, que contribuiu para a instabilidade política que se instalou no País, levou às drásticas mudanças recentes na condução do governo federal em 2016, aprofundando o contexto de crises econômica e social já instalado. Na produção do espaço, resultou no enfraquecimento das políticas de interesse social, com agravamento das condições de densificação precarizada nas ocupações consolidadas, abandono das áreas periféricas pobres, degradação ambiental, aumento da violência, sinalizações mais evidentes da ausência de gestão pública. Concomitantemente, é observado um crescente movimento de privatização seletiva e de exclusividade no acesso aos novos empreendimentos, aspectos que dão conteúdo ao urbanismo neoliberal instalado no País a partir dos megaeventos recentes, em detrimento da potencialização dos espaços públicos e do ambiente urbano mais inclusivo.

Analisar o desdobramento dessas tensões na produção do espaço das cidades brasileiras é o principal objetivo deste texto.2 2 Resultados preliminares da pesquisa em curso financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de mesma autoria, com bolsa de Produtividade em Pesquisa (2015-2019), “Projetos urbanos, gestão corporativa e o direito à cidade: impactos e tensões em Salvador-Metrópole”. Para isso, destaca-se como se estabelece essa nova forma de gestão corporativa dos projetos definidos a partir dos megaeventos recentes – Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 – e como ela potencializa o urbanismo neoliberal em curso, para indicar quais os seus impactos mais imediatos na configuração urbana e acessibilidade pública no uso da cidade. Confrontam-se essas práticas às conquistas do Estatuto da Cidade delineadas nas políticas implementadas na década anterior, bem como à emergência de movimentos de resistência surgidos no âmbito da sociedade civil, para o alcance de um urbanismo socialmente mais justo.

Busca-se, assim, indicar elementos que reconfiguram o espaço urbano sob essa égide, identificando as tensões espaciais entre a privatização ampliada do espaço público, os retrocessos no desmonte das conquistas sociais e as sinalizações de novos avanços em prol do direito à cidade no seu sentido mais amplo de construção coletiva e inserção social. Nesse sentido, toma-se como referência o conceito definido por Lefebvre (1991LEFEBVRE, H. (1991 [1968]). O direito à cidade. São Paulo, Moraes.[1968]):

O direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade. (p.135)

Impactos urbanos dos megaeventos internacionais em diferentes contextos

Os grandes eventos de âmbito internacional, sobretudo os esportivos, fascinam a humanidade atraída para o seu acompanhamento e envolvem atualmente grandes volumes de recursos financeiros, humanos e materiais, em um período de tempo relativamente curto nos preparativos necessários à sua realização. Muitos setores são beneficiados por esses grandes eventos, sobretudo os meios de comunicação, rede hoteleira, turismo, comércio, imobiliário, marketing, beneficiando-se do esporte como produto e negócio (Santos Jr., Gaffney e Ribeiro, 2015SANTOS JR, O.; GAFFNEY C. e RIBEIRO, L. C. Q. (2015). Metropolização e megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014 no Brasil. Rio de Janeiro, E-papers Observatório das Metrópoles.).

Essas iniciativas concentram, assim, investimentos públicos e privados, patrocínios e publicidade, movimentando a economia do planeta de forma transescalar, ainda que se realizem em um determinado lugar, com desdobramentos nem sempre mensuráveis para aqueles que sediam os grandes eventos. Quem ganha e quem perde para além dos jogos? Quais os impactos nas cidades que os acolhem? O que fica como legado para o lugar após o evento? São questões recorrentes para os países que os sediam.

Nos países de economias mais avançadas, os megaeventos mundiais ocorrem desde início do século XX, sendo disputados como as maiores competições da atualidade os Jogos Olímpicos e o Copa do Mundo de Futebol da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa). Nos países mais ricos, tais eventos se inserem em contextos urbanos nos quais as principais demandas coletivas estão atendidas, pelos investimentos pregressos do Estado de Bem-Estar Social, em infraestrutura urbana e equipamentos públicos, no desenvolvimento industrial advindo do pós-guerras mundiais do século XX. Nessas situações, busca-se, então, além da visibilidade mundial do país que os hospedam, atração de novos capitais, rentabilidades e ampliação do consumo turístico. Alinhando-se a essas estratégias, potencializam novos investimentos urbanos em áreas decadentes; mas detêm sobretudo, na imagem midiática do espetáculo e da cidade, sua principal fonte de lucros para os patrocinadores. Enfim, tempos neoliberais que levam à comercialização inter-relacionada de esportes e cidades, com legados incertos (Harvey, 1993HARVEY, D. (1993). A condição Pós-Moderna. São Paulo, Loyola., 2004HARVEY, D. (2004). Espaços de esperança. São Paulo, Loyola.; Bolsmann, 2015BOLSMANN, C. 2015 [2010]). “A Copa do Mundo de 2010 na África do Sul: um espetáculo continental?”. In: SANTOS JR, O.; GAFFNEY C. e RIBEIRO, L. C. Q. (2015). Metropolização e megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014 no Brasil. Rio de Janeiro, E-papers Observatório das Metrópoles. [2010]); Eick, 2015EICK, V. (2015). “Aumentando os lucros (com Sangue): COI e FIFA na neoliberalização global”. In: SANTOS JR, O.; GAFFNEY C. e RIBEIRO, L. C. Q. (2015). Metropolização e megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014 no Brasil. Rio de Janeiro, E-papers Observatório das Metrópoles.; Horne, 2015HORNE, J. (2015). “Notas para uma cultura política dos megaeventos esportivos: reflexõescríticas sobre os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Verão de Londres 2012. “ In: SANTOS JR, O.; GAFFNEY C. e RIBEIRO, L. C. Q. (2015). Metropolização e megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014 no Brasil. Rio de Janeiro, E-papers Observatório das Metrópoles.).

Essas práticas dão curso à forma como o ideário do neoliberalismo, advindo dos anos 1970, com a crise de endividamentos do capitalismo monopolista de estado, passa a empreender na cidade. Utilizam-se, para isso, do receituário do chamado planejamento estratégico, implantado com sucesso emblemático em Barcelona, por ocasião das Olimpíadas de 1992, sendo propagado, desde então, como incentivo de renovação urbana e atração de capitais (Borja e Castells, 1997BORJA, J. e CASTELLS, M. (1997). Local y Global. La gestión de las ciudades em la era de la información. Madrid, Grupo Santillana de Ediciones.).

Como discutido por diversos autores que se debruçam sobre o tema, essas intervenções trazem, como principais pressupostos conceituais na recuperação de áreas urbanas degradadas, o redesenho da cidade, a partir de grandes projetos-âncora, que criam novas centralidades alavancadas pelo marketing urbano e pelas parcerias público-privadas (PPPs). São iniciativas que vislumbram nichos de oportunidades de negócios no território, tendo a cidade como o principal agente econômico, mercadoria, mais do que a rentabilidade do investimento no solo urbano em si. Esses processos de renovação urbana acabam por atrair novos usos e rendas superiores às dos moradores tradicionais, elevando os preços imobiliários e provocando uma forte gentrificação nessas áreas (Harvey, 1993HARVEY, D. (1993). A condição Pós-Moderna. São Paulo, Loyola., 2004HARVEY, D. (2004). Espaços de esperança. São Paulo, Loyola.; Vainer, Maricato e Arantes, 2000VAINER, C.; MARICATO, E. e ARANTES, O. (2000). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.; Arantes, 2012ARANTES, O. (2012). Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas. São Paulo, Annablume.).

O discurso do legado e o receituário de ações que antecedem os megaeventos estandardizados têm sido amplamente replicados mundo afora, gerando um intenso debate dos reais benefícios urbanos trazidos para a coletividade. Ao atingirem os objetivos de ganhos de capital, com base em processos altamente especulativos, as avaliações dessas iniciativas assinalam que nem sempre as intervenções urbanas promovem benfeitorias duradouras para os lugares que os acolhem. Os projetos de intervenção urbana são dirigidos principalmente para áreas construídas esvaziadas de atividades econômicas dinâmicas, como os distritos industriais obsoletos, áreas portuárias deficitárias, antigas áreas centrais desocupadas, dentre outras situações decadentes, geralmente ocupadas por famílias pobres, com obstáculos fundiários ou legais de reutilização. Assim, utilizam como alavanca o tratamento de espaços públicos e a renovação imobiliária privatizada, com a intermediação do Estado, que viabiliza recursos a fundo perdido, e as mediações necessárias de (des)regulamentação, ofertando-se assim novas áreas desimpedidas para o setor da construção, mercado imobiliário e de serviços, atraindo crescentemente ativos financeiros (Harvey, 2004HARVEY, D. (2004). Espaços de esperança. São Paulo, Loyola.).

Ao analisar o caso da área portuária desativada de Baltimore, nos EUA, uma das primeiras experiências desse tipo de intervenção urbana, na década de 1960, Harvey (ibid.) acusa os investimentos públicos permanentemente aplicados de “alimentar o monstro do centro da cidade” (p. 190). Para o autor, a parceria entre o poder público e a iniciativa privada significa que o poder público entra com os riscos, e a iniciativa privada fica com os lucros, em um movimento de expansão do capital de inserção financeira. Para Arantes (2012)ARANTES, O. (2012). Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas. São Paulo, Annablume., esse é “um dos traços do urbanismo dito de última geração; vive-se à espreita, de ocasiões [...] para fazer negócios!”. O que “está à venda é um produto inédito: a própria cidade” (p. 8). Nos estudos comparativos sobre Barcelona e Berlim, destaca o papel do almejado consenso, que viabiliza celeridade sem riscos. Seguindo esse caminho, salienta, como um dos principais ingredientes empresariais, a cultura como marketing urbano: a cidade espetáculo posta à venda.

Com base nessas análises, destacam-se as principais questões de retorno coletivo pouco efetivo: prolongado endividamento público, com grandes transferências de recursos direcionados para poucas grandes empresas e instituições organizadoras; construção de grandes equipamentos obsoletos após os eventos; mercantilização das cidades; destruições desnecessárias do ambiente construído; e desestruturação de áreas urbanas consolidadas. Os impactos para as populações mais vulneráveis diretamente envolvidas, moradoras nas áreas de intervenção, são ainda mais lesivos, seja pela desapropriação de antigas moradias, seja pela expulsão indireta com o enobrecimento das áreas em que se inseriam.

Globalização financeira ampliada, urbanismo neoliberal e megaeventos

Analisando as contradições do capitalismo na produção do espaço, Harvey (2004HARVEY, D. (2004). Espaços de esperança. São Paulo, Loyola. e 2016HARVEY, D. (2016). 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo, Boitempo.) demostra o papel crucial que a urbanização desempenha na absorção de excedentes do capital, desde os seus primórdios. Na acumulação do sistema capitalista, há uma massa crescente de dinheiro à procura de algo rentável para investimento, com riscos e crises cíclicas durante o processo. A produção imobiliária de valores de troca na cidade se apresenta como uma alternativa de (re)investimento de excedentes e apropriação para o capital financeiro global, acelerando e aprofundando a especulação imobiliária e os conflitos sociais.

Com a desregulação do sistema financeiro na segunda metade da década de 1980, o financiamento imobiliário de mercado expandiu-se rapidamente por meio de hipotecas residenciais, ativos das famílias negociáveis no mercado, com inflação dos preços e estímulo à especulação. Sem controle de avaliação de riscos desses créditos no mercado hipotecário, a alta de preços resultou em uma gigantesca inadimplência e em execuções de hipotecas nas cidades dos Estados Unidos da América, além de uma profunda crise de ativos imobiliários, que resultou na “bolha imobiliária“ de 2008, sendo os bancos socorridos pelo tesouro estadunidense para evitar a quebra do sistema, com estimativas, à época, próximas a um trilhão de dólares americanos.3 3 O Fundo Monetário Internacional (FMI) calculou, à época, em US$945 bilhões o custo da crise para o sistema financeiro mundial, dos quais US$565 bilhões foram gerados pela exposição dos bancos aos subprime (créditos hipotecários de risco) (FMI..., 2008). Com os desdobramentos dessa crise, as estimativas mais atualizadas dão conta de que o Banco Central americano financiou 7,7 trilhões de dólares para os seis maiores bancos do País, que aumentaram seus lucros desde então (Bancos..., 2011). Com a integração dos mercados financeiros global essa crise acabou por atingir os demais países centrais e o rearranjo de investimentos na globalização. Para Harvey (2014)HARVEY, D. (2014). Cidades rebeldes – Do direito à Cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes., esse movimento tem um aspecto ainda mais sombrio, uma vez que implica uma grande recorrência de reestruturação urbana por meio de uma “destruição criativa”. Para esse autor, “quase sempre, isso tem uma dimensão de classe, pois em geral são os pobres, os desprivilegiados e os marginalizados do poder político os que sofrem mais que quaisquer outros com esse processo” (pp. 49 e 50).

As conexões entre os processos de neoliberalização com as transformações urbanas tornam as cidades centros estratégicos para o avanço desigual dos projetos de reestruturação neoliberal e as sequelas de crises. Neste contexto, os autores Theodore, Peck e Brenner (2009)THEODORE, N.; PECK J. e BRENNER, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudad y el império de los mercados. SUR Corporación de Estudios Sociales y Educación, Temas sociales. Santiago, Chile, n. 66. Disponível em: http://metropolitanstudies.as.nyu.edu/docs/IO/222/2009_Urbanismo_neoliberal.pdf. Acesso em: jan 2016.
http://metropolitanstudies.as.nyu.edu/do...
, que vêm se debruçando sobre o tema do urbanismo neoliberal, analisam as justificativas principais que dão sustentação a tais projetos, quais sejam: a) a desregulamentação do controle do Estado na indústria; b) a ofensiva contra o trabalho organizado; c) a redução de impostos corporativos; d) a contração e/ou a privatização dos recursos e serviços públicos; e) o desmantelamento dos programas de bem-estar social; f) a expansão da mobilidade do capital internacional; e g) a intensificação da concorrência entre locais.

Para esses autores os programas específicos da reestruturação neoliberais tendem a combinar duas tendências: o desmantelamento de formas institucionais e o lançamento de novos modos de regulamento institucional e novas formas de gerenciamento de estado. O objetivo das experiências neoliberais de política urbana é mobilizar os espaços da cidade e o crescimento orientado tanto para o mercado, quanto para as práticas de consumo das elites, garantindo, ao mesmo tempo, a ordem e o controle de populações excluídas (ibid.).

Dentre os passos criativos e destrutivos da urbanização neoliberal elencados por esses autores, para o exame dos objetivos aqui propostos em relação aos megaeventos recentemente ocorridos no Brasil, destaca-se a incorporação dos interesses das elites empresariais em políticas de desenvolvimento local, com a privatização do setor público e infraestrutura coletiva, eliminando-se os monopólios públicos para a prestação de serviços públicos, saúde, segurança pública, transporte público, etc.

No processo crescente dessa globalização financeira ampliada, com oportunidades de investimentos intensivos, os megaeventos mundiais, que recorrentemente ocorriam nos países centrais, passam a incorporar com mais alternância os países de economias emergentes, como recentemente ocorreu com Olimpíadas e Copa do Mundo, na China (2008) e África do Sul (2010), seguidos pelo Brasil (2014 e 2016) e Rússia (2014 e 2018). São situações nas quais as adversidades urbanas decorrentes do imenso passivo de déficits sociais acumulados e as novas demandas acabam por trazer outros desdobramentos quanto aos investimentos preparatórios nas cidades-sede.

Além disso, alguns países que recentemente consultaram seus habitantes sobre a possibilidade de sediarem a Olimpíada de Inverno 2022 verificaram que a maioria da população não quer receber o evento e acabaram por retiraram as candidaturas, como: Cracóvia (Polônia), Estocolmo (Suécia), Munique (Alemanha), Saint Moritz e Davos (Suíça). Ao final dessa rejeição, Pequim (China), na disputa com Almaty (Cazaquistão), foi eleita para ser a sede da Olimpíada de Inverno de 2022, em votação realizada na 128ª sessão do Comitê Olímpico Internacional (COI), em Kuala Lumpur (Malásia).4 4 Ver as indicações e as desistências de candidaturas nas publicações: Mais uma... (2014) e Pequim ... (2015).

No caso dos megaeventos recentes no Brasil, assinala-se, à época da candidatura da Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016, a condição econômica favorável que se apresentava para os preparativos, com a economia em ascensão, 7ª maior do mundo, em um panorama da crise financeira mundial instalada desde 2008. Mesmo considerando o enfrentamento de profunda desigualdade social e carências urbanas, os projetos demandados para as cidades-sede sinalizavam um campo fértil para investimentos públicos e acabaram por acionar outros projetos urbanos de grande porte, para além dos preparativos demandados por tais eventos, fortalecendo um novo ciclo de gestão urbana, como analisado a seguir.

Megaeventos como marco de gestão corporativa na produção das cidades no Brasil5 5 São apresentados, nesta análise, alguns dos resultados da pesquisa realizada no Núcleo Salvador, no âmbito da pesquisa nacional Metropolização e megaeventos: impactos dos Jogos Olímpicos/2016 e Copa do Mundo/2014 − Finep/CNPq (2011/2014), coordenada pelo Observatório das Metrópoles/Ippur-UFRJ, com núcleos de pesquisa nas doze cidades-sede. Para os resultados em Salvador, ver Gordilho-Souza (2014) e Gordilho-Souza (2015), para o Brasil, ver Santos Jr., Gaffney e Ribeiro (2015.

Seguindo o discurso internacional, com a realização da Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016 no Brasil, o argumento oficial amplamente divulgado pela imprensa em favor dos grandes investimentos públicos realizados defendia o legado que ficaria para as cidades anfitriãs. Argumentava-se que, além dos novos equipamentos e das melhorias urbanas complementares exigidas, muitos seriam os benefícios indiretos, com atração de capitais externos, investimentos privados, criação de empregos e geração de renda. Justificava-se, assim, a exigência pela agilidade de execução dos preparativos, decididos de forma centralizada, imprimindo medidas de exceção nos ajustes legais para a sua realização, com grandes volumes de recursos públicos, sobretudo do Governo Federal. A resposta veio na forma de parcerias do setor público com o setor privado, dinâmica que se estabeleceu como rotina na produção dos grandes projetos urbanos desenvolvidos.

A partir de 31 de maio de 2009, quando foram anunciadas as doze cidades selecionadas para sediar os jogos da Copa 2014, iniciaram-se os preparativos para receber o evento.6 6 Sendo o candidato único, o Brasil é anunciado pela Fifa, em 30 de outubro de 2007, como sede da Copa do Mundo de 2014, em Zurique, Suíça. Começa, então, a corrida para a seleção das cidades concorrentes para sediar os jogos (21, na época), que apresentaram seus projetos à Confederação Brasileira de Futebol (CBF). As doze cidades-sede escolhidas, entre as dezoito candidatas, foram: Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Brasília (DF), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Natal (RN), Recife (PE) e Salvador (BA) (Fifa, 2009). A partir de então, foram definidas as áreas prioritárias de investimentos, em uma Matriz de Responsabilidades firmada com os entes federativos envolvidos e a Fifa, em 2010. Esse documento trata da execução das ações governamentais necessárias à realização da Copa das Confederações Fifa 2013FIFA vai ter lucro de R$ 10 bilhões com Copa do Mundo (2013). Portal R7, São Paulo, 27 mar 2013. Disponível em: <http://esportes.r7.com/futebol/noticias/fifa-vai-ter-lucro-de-r-10-bilhoes-com-copa-do-mundo-20130327.html>. Acesso em: maio 2014.
http://esportes.r7.com/futebol/noticias/...
e da Copa do Mundo Fifa 2014FIFA Renda e Despesas (2014) [S. l.]. Disponível em: http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/income.html. Acesso em: maio 2014.
http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/in...
, definindo atribuições para a União, estados, Distrito Federal e municípios-sede (Brasil, 2010BRASIL (2010). Portal da Copa 2014 do Governo Federal – Matriz de Responsabilidades (firmada 13/1/2010). Disponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-br/brasilecopa/>. Acesso em: fev 2011.
http://www.copa2014.gov.br/pt-br/brasile...
).7 7 O documento original da Matriz de Responsabilidades, assinado em 13 de janeiro de 2010 pelo então Ministro do Esporte e por onze prefeitos e doze governadores (Brasília, como Distrito Federal, não tem prefeito), define as responsabilidades de cada ente federativo na preparação do evento. Outras resoluções do Grupo Executivo da Copa do Mundo Fifa 2014 trouxeram revisões e atualizações nas ações previstas, na forma de aditivos (Brasil, 2010). Incluem-se, na Matriz de Responsabilidades, além das atribuições legais para realização do evento, basicamente as seguintes demandas: a) um preponderante financiamento do governo federal para os novos investimentos exigidos na construção das novas arenas, mobilidade urbana, modernização de portos, aeroportos e incentivo a hotelaria e turismo; b) contrapartidas de recursos públicos locais, dos estados e dos municípios, responsáveis pela garantia de infraestrutura disponível para o evento, estrutura para treinamentos, segurança pública, facilidades e suporte para mídia e telecomunicações, com instalação de alta tecnologia da informação; c) atribuições de fiscalização, venda de ingressos e marcas para as instituições patrocinadoras; e d) para o setor empresarial diretamente envolvido, as contrapartidas estabelecidas pelas parcerias público-privadas.

Para as doze cidades-sede, foram projetados novos estádios-arenas, seguindo-se o modelo internacional de equipamento multiuso como um negócio para consumo de esportes e de shows, com projetos sofisticados, de alta tecnologia internacional e elevados custos, todos orçados inicialmente acima de R$400 milhões, somando um investimento total, previsto para os doze estádios, de R$8 bilhões. Os contratos de construção e gestão, na modalidade de PPPs, foram definidos com duração de cerca de trinta anos, ficando os consórcios vencedores responsáveis pelos projetos e por sua construção e gestão.

As demandas para as novas arenas exigiam capacidade mínima de 40 mil espectadores, atingindo-se um número próximo a 70 mil. Todas deveriam ter cadeiras individuais e numeradas, instalações sanitárias próximas e higienizadas, lojas, museus, restaurantes, camarotes, palcos para shows, instalações VIPs, estacionamentos e acessos exclusivos e seguros. Além de centro de convenções para abrigar reuniões, conferências e encontros de negócios (Conheça..., 2009CONHEÇA as exigências da Fifa para os estádios da Copa (2009). Portal 2014-Sinaeco. 17/9/2009. Disponivel em: <http://www.portal2014.org.br/noticias/1125/ CONHECA+AS+EXIGENCIAS+DA+FIFA+PARA+OS+ESTADIOS+DA+COPA.html>. Acesso em: mar 2010.
Disponivel em: <http://www.portal2014.or...
; BNDES, 2010aBNDES (2010a). ProCopa Arenas. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Programas_e_Fundos/procopaarenas.html>. Acesso em: fev 2011.
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/...
). Esse programa multiuso dificilmente se adaptaria aos antigos estádios de futebol brasileiros existentes: a maioria de gestão pública, com maior capacidade de público e vilas olímpicas anexas.

Quanto à mobilidade, governo federal, governadores e prefeitos das doze cidades-sede definiram, em março de 2011, o início das obras de transporte público prioritárias para a realização do mundial. Para tal finalidade, foi assinado, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade Urbana, programa federal com investimentos previstos em um total de R$11,48 bilhões, para 47 projetos destinados a promover maior facilidade à circulação de pessoas e veículos nos trajetos previstos para o evento, em cada uma das cidades. No âmbito dos compromissos firmados para aeroportos e portos, foram definidas obras de ampliação e reforma em 13 aeroportos, com custos de R$5,5 bilhões, e para sete terminais turísticos portuários, a um custo de R$740 milhões. Para isso, também foram assegurados recursos federais (PAC 2..., 2013PAC 2 investe R$ 472,4 bilhões e conclui ações no valor de R$ 328,2 bilhões (2013). Atualizado 22/02/2013. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/conteudo.asp?p=noticia&ler=9415. Acesso em: mar 2013.
http://www.planejamento.gov.br/conteudo....
).

Dentre as operações de mobilidade que traziam um potencial mais efetivo de melhoria urbana, considerando a complexa situação de tráfego e do transporte coletivo nas metrópoles indicadas, salientam-se a instalação e a ampliação de metrôs e Transporte Rápido por Ônibus (BRT) nas cidades-sede. Ainda que reconhecendo os limites de tempo hábil para tal sistema operar durante o evento, essas inciativas constituíram um real benefício para essas cidades.

Para o setor hoteleiro, foi definida uma modalidade de empréstimo do BNDES, o ProCopa Turismo, com orçamento de R$1 bilhão, visando financiar reforma e construção de hotéis e pousadas, para ampliação da capacidade e incremento da qualidade de hospedagem aos turistas. Como incentivo complementar para o setor hoteleiro, as prefeituras das cidades-sede buscaram aprovar novas legislações, na forma de decretos, revisando-se também os planos diretores, para viabilizar os indicativos da Matriz e novas frentes imobiliárias, estabelecendo instrumentos vantajosos para os possíveis investidores (BNDES, 2010bBNDES (2010b). ProCopa Turismo. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/internacional/bancos-dos-eua-receberam-emprestimos-secretosApoio_Financeiro/Programas_e_Fundos/ProCopaTurismo/>. Acesso em: fev 2011.
http://www.cartacapital.com.br/internaci...
).

Para a segurança, além das medidas preparatórias de treinamento policial e estabelecimento do perímetro de circulação vigiada na ocorrência das competições, foram instalados alguns equipamentos especiais nas áreas de favelas. No Rio de Janeiro, cidade-sede de jogos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016, teve início, ainda em 2008, a operação para implantação de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), experiência da política de aproximação entre polícia e comunidade idealizada pela Secretaria de Segurança desse estado, depois replicada em outras cidades-sede.

Alegando-se compromisso com as metas estabelecidas, a retórica de tempo escasso e do legado para as cidades-sede, imprimiu-se celeridade nas definições contratuais. Os primeiros grandes projetos realizados foram as arenas, seja por demolição, reforma ou construção, seguido por investimentos para mobilidade, hotelaria, reforma de aeroportos e portos e segurança, itens básicos da Matriz de Responsabilidades. Instaurou-se uma grande euforia para o cumprimento de tais metas, fiscalizadas passo a passo pela Fifa. Para acelerar os projetos e as obras, as licitações foram realizadas na modalidade “manifestação de interesse”, direcionadas à habilitação de consórcios de grandes empresas, em sistema de PPP, parcerias constituídas por “pacotes fechados” contratados pelo setor público aos consórcios indicados.

Esse conjunto de medidas, submetido a uma mesma lógica imposta pela Fifa para a realização do evento, foi implementado, ajustando-se às especificidades em cada localidade, com especial atenção para as novas arenas, com parâmetros e tecnologias predefinidas. A adoção de PPPs, na modalidade concessão administrativa, justificada pela celeridade, complexidade dos projetos e composição de recursos públicos e privados, viabilizou contratos de longa duração, por meio de consórcios de grandes empresas, com abrangência que incluía os processos de construção edilícia e urbanística. Envolve, assim, todo o planejamento físico e financeiro, adaptações normativas, definição de projetos, demolições, construção, agenciamento das áreas de influência do evento e gestão privatizada desses equipamentos, em longo termo, de mais de 30 anos.

Essas atribuições que vêm a designar a gestão urbana corporativa passam a ser replicadas em novos empreendimentos definidos para o pós-Copa. Seguindo essa lógica, a pretexto da realização do megaevento, são visualizadas outras oportunidades de negócios e aquecimento da economia, com forte ingerência de recursos públicos e de capital corporativo em parcerias público-privadas, sendo definidos vários outros projetos desvinculados dos eventos, utilizando-se dessa mesma modalidade de contratação. Ao final, são auferidos ganhos extraordinários de capital, com um significativo repasse de recursos públicos e concessões especiais para implementação da privatização do espaço urbano pelo viés da produção e da gestão corporativa.

Como ilustração desses empreendimentos, tem-se em Recife, o projeto “Cidade da Copa”, em São Lourenço da Mata, município a 19 km de Recife, em área desapropriada pelo governo estadual, de 242,6 hectares. Nesse caso, a definição de uma nova centralidade urbana – novos condomínios fechados, torres para escritórios, shoppings centers, além de uma universidade –, explorada pela mesma empresa responsável pela produção e pela gestão da nova arena (Odebrecht..., 2013ODEBRECHT rumo ao hexa (2013). Disponível em: http://www.odebrechtarenas.com.br/ odebrecht-rumo-ao-hexa. Acesso em: dez 2013.
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). No caso de Salvador, dentre várias outras propostas pós-Copa, foi lançado o projeto de uma megaponte entre Salvador e a ilha de Itaparica, com cerca de 13 km de extensão, a um custo estimado, então, de R$8 bilhões, sendo publicados decretos de utilidade pública para desapropriação de uma área de 4.841 hectares, que equivale a 33% do total de 146 km2 2 Resultados preliminares da pesquisa em curso financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de mesma autoria, com bolsa de Produtividade em Pesquisa (2015-2019), “Projetos urbanos, gestão corporativa e o direito à cidade: impactos e tensões em Salvador-Metrópole”. de superfície da ilha (Ponte..., 2009PONTE Salvador-Itaparica (2009). 25/3/2009. Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=834920>. Acesso em: mar 2010.
http://www.skyscrapercity.com/showthread...
e 2013PONTE Salvador Itaparica: debate na assembleia oscila entre ufanismo e descrença (2013). 27/3/2013. Disponível em: http://www.bahiaeconomica.com.br/noticia/67200,ponte-salvador-Itaparica-debate-na-assembleia-oscila-entre-ufanismo-e-descrenca.html. Acesso em: abr 2013.
http://www.bahiaeconomica.com.br/noticia...
). Para o projeto de renovação urbana Rio 2016, no elenco de intervenções, destaca-se, além da Cidade Olímpica, a renovação da Zona Portuária do Rio de Janeiro, em uma área de cinco milhões de metros quadrados, que abrigava, então, cerca de 30 mil habitantes; grande parte dessa população, vivendo em condições precárias de favelas aí inseridas. A meta de adensamento previa atrair 70 mil moradores nos dez anos seguintes, utilizando-se do instrumento urbanístico Operação Urbana Consorciada, conforme aprovado na lei complementar municipal n. 101 de 2009, modelo que busca garantir as obras e a prestação de serviços até 2026, conforme divulgado no site oficial do projeto (De onde vem..., 2016DE ONDE vem o dinheiro do Porto Maravilha (2016). Disponível em: <http://www.portomaravilha.com.br/artigosdetalhes/cod/10>. Acesso em: dez 2016.
http://www.portomaravilha.com.br/artigos...
).

Certamente, a marca principal da gestão privatizada desses equipamentos públicos, em contratos de baixo risco e longa duração, é o seu formato de espaços públicos privatizados, visando a patamares de consumo mais elevados e seletivos, para uma demanda de renda solvável, portanto, de uso mais exclusivo.

As primeiras projeções feitas pelo governo federal para os gastos com a Copa 2014 no Brasil indicavam uma despesa de infraestrutura da ordem de R$33 bilhões (Brasil, 2010BRASIL (2010). Portal da Copa 2014 do Governo Federal – Matriz de Responsabilidades (firmada 13/1/2010). Disponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-br/brasilecopa/>. Acesso em: fev 2011.
http://www.copa2014.gov.br/pt-br/brasile...
), mas o próprio governo, no curso das intervenções, alertava que algumas obras não estariam prontas em tempo hábil e que intervenções complementares se fariam necessárias. Valores grandiosos e forma similar foram empregados na renovação urbana e produção dos equipamentos exigidos para a realização das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, ao final atingindo um montante de R$ 38 bilhões, conforme atualizações publicadas na Matriz de Responsabilidade (Brasil, 2016BRASIL (2016). Jogos Olímpicos. Matriz de Responsabilidades (atualizada 15/8/2016). Disponível em: <http://www.brasil2016.gov.br/pt-br/legado/matriz-de-responsabilidades>. Acesso em: jan 2017.
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e Olimpíadas..., 2017OLIMPÍADAS do Rio 2016 já custaram R$ 38,67 bilhões. E o gasto vai subir (2017). (Atualizado 27/1/2017). Disponível em: http://www.huffpostbrasil.com/2015/08/21/custo-rio -2016_n_8020688.html. Acesso em: jan 2017.
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). Os investimentos dos governos locais, aí incluídos, nas contabilidades diretas ultrapassaram as estimativas de contrapartida estimada, pelos projetos complementares e pelos custos indiretos, não contabilizados.8 8 Para as arenas, maiores investimentos realizados, além dos custos de produção, incidem também o valor da contraprestação anual. No caso da Arena Fonte Nova, em Salvador, foi fixado em R$107,32 milhões anuais, a serem adimplidos durante 15 anos, a partir do início das operações da gestão privada, que podem alcançar um montante de R$1,609 bilhão a ser pago com recursos públicos no pós-Copa 2014 (Bahia, 2009). “Ou seja, somados aos valores investidos de construção da arena e vias de entorno (R$707 milhões), o valor global, ao final desse contrato, poderá chegar a R$2,316 bilhões” (Gordilho-Souza e Dias, 2015, p. 110).

As remunerações necessárias não se esgotaram com a realização dos eventos, prolongando-se por um longo tempo, no pós-evento, como demonstrado nos estudos recentes comparativos realizados para as cidades-sede no Brasil (Santos, Jr Gaffney e Ribeiro, 2015SANTOS JR, O.; GAFFNEY C. e RIBEIRO, L. C. Q. (2015). Metropolização e megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014 no Brasil. Rio de Janeiro, E-papers Observatório das Metrópoles.). Portanto, para além das possibilidades de ganhos de produção, os contratos com as grandes empresas indicadas almejavam a captura da valorização imobiliária na utilização do território e os ganhos com a concessão de serviços públicos de longo prazo, com potencial de geração de mais-valias urbanas ampliadas, na forma de concessões para a gestão privada corporativa de bens e serviços públicos (Gordilho-Souza, 2014GORDILHO-SOUZA, A. (2014). “Cidade seletiva e exclusividade urbana: megaeventos, grandes projetos e a Copa 2014 em Salvador”. In: CARVALHO, I. M.; SILVA, S. M.; GORDILHO-SOUZA, A. e PEREIRA, G. Metrópoles na atualidade brasileira transformações, tensões e desafios na região metropolitana de Salvador. Salvador, EDUFBA. e 2015).

Para a Fifa, os eventos internacionais têm sido crescentemente lucrativos, sendo esta a fonte de maior arrecadação dessa organização (venda de ingressos, direitos televisivos, direitos de marketing).9 9 Em 2006, na Copa da Alemanha, a renda foi de US$2,634 bilhões, e, em 2010, na Copa da África do Sul, passou para US$4,189 bilhões. Em média, 70% das despesas da entidade vão para reaplicação no futebol (Fifa, 2014). Na Copa Brasil 2014, atingiu um novo recorde, com renda estimada em R$10 bilhões de reais (cerca de US$4,5 bilhões). Declarações recentes indicam que a Fifa cobriu todos os custos operacionais da Copa do Mundo no Brasil no valor de cerca de US$2 bilhões, o que representa cerca de 40% da receita e, portanto, um ótimo negócio, uma vez que os riscos e os grandes investimentos ficaram com o país-sede (Fifa..., 2013FIFA vai ter lucro de R$ 10 bilhões com Copa do Mundo (2013). Portal R7, São Paulo, 27 mar 2013. Disponível em: <http://esportes.r7.com/futebol/noticias/fifa-vai-ter-lucro-de-r-10-bilhoes-com-copa-do-mundo-20130327.html>. Acesso em: maio 2014.
http://esportes.r7.com/futebol/noticias/...
e 2014FIFA Renda e Despesas (2014) [S. l.]. Disponível em: http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/income.html. Acesso em: maio 2014.
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).

Na aproximação do montante de investimentos realizados e possíveis retornos, apesar de difícil mensuração em termos dos valores reais, evidencia-se que os gastos efetivados estão muito acima dos que foram praticados em outros países que receberam a Copa do Mundo da Fifa nas últimas décadas, e que os possíveis retornos esperados são pequenos diante dos grandes endividamentos públicos, que devem perdurar por décadas futuras, comprometidas com os financiamentos e as contrapartidas dos governos locais. Certamente vieram a contribuir para os altos déficits enfrentados nas contas públicas atualmente.

Com o advento da Copa 2014 no Brasil, para além dos compromissos firmados entre o governo brasileiro e a Fifa, considerando a forma como se realizaram as intervenções propostas e os projetos anunciados, no contexto dos preparativos das cidades-sede para os megaeventos, esses projetos indicam o fortalecimento do padrão corporativo de produção das cidades brasileiras. Há, portanto, uma crescente hegemonia da lógica do empreendedorismo urbano de gestão privada de bens públicos, com grandes investimentos, que, na sua execução imprimem no espaço uma seletividade de uso e exclusividade pelo consumo de mercado, pressupostos do urbanismo neoliberal.

Esse processo de produção e gestão corporativa das cidades na política urbana recente traz notáveis mudanças na acessibilidade público-privado, o que tem gerado fortes tensões na conquista social pelo direito à cidade, como um bem coletivo, indo de encontro aos instrumentos conquistados no Brasil pelo Estatuto das Cidades no enfrentamento da segregação socioespacial e da exclusão urbana pelo direito à cidade, para além das necessidades e dos direitos individuais, mas como um direito coletivo ampliado, que demanda a formação de direitos políticos e solidariedades sociais (Lefebvre, 1991LEFEBVRE, H. (1991 [1968]). O direito à cidade. São Paulo, Moraes.[1968]; Harvey, 2013HARVEY, D. et al. (2013). Cidades rebeldes. Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo.; 2014HARVEY, D. (2014). Cidades rebeldes – Do direito à Cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes.). Seus impactos envolvem os projetos que se seguiram, praticamente todos nessa mesma modalidade de gestão corporativa, alinhada aos novos planos diretores urbanos, com a incorporação de grandes de áreas ocupadas, sujeitas a operações urbanas, indicando o início de um novo ciclo de produção das cidades no Brasil.

Novos arranjos público-privados do urbanismo neoliberal nas cidades brasileiras

Por ocasião dos festejos de inauguração da nova Arena Fonte Nova, em 5 de maio de 2013, em Salvador, uma das cidades-sede da Copa do Mundo 2014, peças publicitárias foram veiculadas na mídia e espalhadas em outdoors, seja por iniciativa do governo do estado da Bahia seja pelo consórcio OAS-Odebrecht, que venceu a concorrência para a demolição do Estádio Octávio Mangabeira, inaugurado em 28 de janeiro de 1951, popularmente chamado Fonte Nova. Assim divulgavam: com a “Arena Fonte Nova – Começa uma nova História”, anúncio do governo em sintonia com a mensagem veiculada no cartaz do consórcio executor: “para todos nós começa uma nova história” (Arena..., 2013ARENA Fonte Nova - Começa uma nova história (2013). [Peça publicitária do Governo da Bahia]. Disponível em: <http://www.portaldapropaganda.com.br/portal/component/content/ article/16-capa/35170-arena-fonte-nova-historia>. Acesso em: abr 2013.
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; O Brasil..., 2013).

De fato, pelas indicações analisadas, é possível assinalar que está em curso um novo ciclo de produção e gestão da cidade no Brasil, direcionado para a definição de grandes projetos urbanos segmentados, fortemente balizados pelas concessões para definição de projeto, implantação e administração a longo prazo das grandes corporações empresariais, com frequência transnacionais, em parcerias com os governos federal, estadual e local. Destaca-se, portanto, como principal distinção em relação a períodos anteriores que caracterizam a modernização urbana das cidades brasileiras, com a forte participação de empresas, porém em outros moldes.


Imagens de anúncios na mídia, na inauguração da Arena Fonte Nova, Salvador-BA, 2013

Comparativamente, na virada do século XIX para XX, a presença das grandes empresas estrangeiras definia as formas de produção e gestão da infraestrutura urbana de redes de abastecimento de água, de energia e dos transportes coletivos. Nesse período, as empresas nacionais emergentes ainda não detinham capital suficiente para empreendimentos dessa envergadura. Nas primeiras décadas do século XX, esse papel vai sendo incorporado crescentemente ao setor público, com o fortalecimento do Estado Previdência, no processo de desenvolvimentismo econômico que se instala no País. São criadas, então, as primeiras empresas públicas, que imprimem uma forte intervenção urbana, seja na produção do espaço, seja na viabilização dos serviços de infraestrutura. Estas passam a ser privatizadas na década de 1990, já sinalizando o início dessa nova era neoliberal de gestão privada dos espaços e equipamentos públicos.

Com o advento da Copa 2014 e das Olimpíadas 2016, percebem-se novas articulações para o início acelerado e para ampliação desse processo, abrangendo o planejamento e a gestão das cidades. Tais articulações são viabilizadas pelos novos arranjos público-privados, que repassam para as grandes corporações transnacionais o papel de definições dos projetos, além de produção e gestão de equipamentos e espaço públicos. São efetivados, então, contratos de “pacote fechado”, fortalecendo o chamado empreendedorismo urbano de interesse privado, que já se instalava mais lentamente nas negociações das primeiras operações urbanas na década passada (Fix, 2012FIX, M. (2012). A “fórmula mágica” da parceria público-privada: operação urbanas em São Paulo. [2002]. Disponível em: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/textos/fix_formulamagicaparceria.pdf. Acesso em: nov 2012.
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). Incorporam as tecnologias e os serviços avançados dos países centrais, oferecidos no mercado global, bem como o papel de gestor dos equipamentos e do espaço público, sem a destituição da sua propriedade, eliminando encargos fundiários e riscos. Vão sendo, assim, definidos os novos conteúdos de espaços coletivos, que, crescentemente privatizados, transformam o sentido de “uso público” em “coletivo privado”.

De concepção autônoma, geridos no âmbito de empresas privadas, esses novos megaprojetos sinalizam uma inserção segmentada no território, conectados a outros espaços privatizados, dando forma a uma nova reestruturação urbana. A cidade, em si, passa a ser objeto de negócios e apropriações privadas, que envolvem associações corporativas. Se, por um lado, criam novas oportunidades econômicas e equipamentos sofisticados, de outro, ao intensificarem as condições de exclusividade do consumo desses espaços e serviços inerentes, fortalecem a privatização seletiva da cidade, pelo acesso solvável restritivo, situação que intensifica a privatização do espaço coletivo, a fragmentação enclausurada nas metrópoles brasileiras, a exclusão mais intensa e maior violência urbana.

Nesse sentido, para os projetos urbanos aqui salientados, pontuamos as premissas em comum dos novos arranjos público-privados do urbanismo neoliberal que se esboça a partir dos megaeventos recentes nas cidades brasileiras:

  1. definições segmentadas, que incidem nas áreas mais valorizadas da cidade e nas áreas de expansão;

  2. planejamento empresarial de mercado e ausência de discussão sobre a definição de projetos de âmbito local e regional;

  3. empreendimentos direcionados para a recepção de visitantes e de público local de consumo solvável, de rendas média e alta;

  4. grande aporte de recursos públicos direcionado a empresas e mercado;

  5. administração e operação de serviços, equipamentos e áreas públicas associadas a uma crescente gestão empresarial, por um longo período, sem aquisição desses bens, que permanecem de propriedade pública e sem riscos de investimento;

  6. eficácia incerta, diante da complexidade urbana em que são inseridos nas cidades brasileiras.

São aspectos que agravam os conteúdos de segregação socioespacial e exclusão urbana, ao tempo em que contribuem para deseconomias indesejáveis na sustentabilidade dos lugares, suscitando amplos descontentamentos na sociedade civil.

Impactos e tensões pelo direito à cidade na metrópole corporativa fragmentada

É possível redefinir esse processo de gestão corporativa que se instala nas cidades brasileiras?

No seio da alegria que enseja o futebol no Brasil, esse cenário, desde a Copa das Confederações, em 2013, suscitou protestos e grandes manifestações sociais de insatisfações por todo o País, nas chamadas Jornadas de Junho, ocorridas naquele ano. O clamor das muitas vozes que tomaram as ruas das cidades brasileiras, nesse novo tempo de grandes investimentos para a Copa do Mundo 2014, sinalizou, entre outras tantas questões, avanços na renovação dos movimentos pela reforma urbana e pelo direito à cidade. Seus conteúdos logo aparecem como um direito mais amplo por transformações sociais. Para além do direito à mobilidade, com o movimento do Passe Livre, que gerou as primeiras manifestações, logo essa pauta se entrelaçou com outras agendas de uma nova geração de movimentos urbanos: os sem-teto e outras organizações pela moradia, coletivos ligados à produção cultural, movimentos estudantis, que logo foram se articulando em redes mais amplas como os Comitês Populares da Copa, com manifestações de resistência aos megaeventos e suas lógicas de gentrificação e limpeza urbana (Harvey et al., 2013a).

Para Rolnik (2013)ROLNIK, R. (2013). “As vozes das ruas: as revoltas de junho e suas interpretações”. In: VAINER, C. et al. Cidades rebeldes. Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo., o direito a ter direitos, que alimentou as lutas dos anos 1970 e 1980, inspirou a Constituição e a emergência de novos atores no cenário político. Para essa autora, a voz das ruas não é uníssona. “Trata-se de um concerto dissonante, múltiplo, com elementos progressistas e de liberdade, mas também de conservadorismo e brutalidade, aliás presentes na própria sociedade brasileira” (p. 12).

Maricato (2013)MARICATO, E. (2013). “É a questão urbana, estúpido!” In: VAINER, C. et al. Cidades rebeldes. Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo. identifica essas pautas e as novas agendas como fortemente constitutivas da questão urbana. Nesse sentido, verifica-se, que, nos últimos anos, muito se conquistou da reforma urbana, desde a promulgação do Estatuto da Cidade, em 2001: leis inovadoras, políticas inclusivas, instrumentos participativos, além de redes nacionais instaladas capazes de viabilizar uma gestão participativa pelos interesses da cidade, com desdobramentos mais profícuos na utilização de recursos públicos e do ambiente. Entretanto, ainda não foi possível aplicar efetivamente essas conquistas na construção democrática das cidades. Tampouco tirar o melhor proveito dessas prerrogativas mais vantajosas para investimentos sociais promissores de inclusão, na conquista de melhores condições urbanas e de habitabilidade.

Na metrópole corporativa fragmentada, tal qual estudada por Santos (1990)SANTOS, M. (1990). Metrópole corporativa fragmentada: o caso da São Paulo. São Paulo, Nobel/Secretaria de Estado da Cultura., para o caso de São Paulo, no final do século passado, as suas raízes estavam desveladas nos processos especulativos e seletivos da produção das cidades brasileiras, para despontar como realidade na maioria das metrópoles atuais. Desde então, ficava evidenciado que as intervenções públicas se mostravam muito mais voltadas para a “eliminação das deseconomias urbanas do que para a produção de serviços sociais e com o bem-estar coletivo” ( p. 94).

O que se avalia, nesse novo ciclo de acumulação da globalização financeira, é que, com essas intervenções tal qual promovidas pelos megaeventos internacionais recentes, acentuou-se o padrão corporativo de transformação das cidades no Brasil, para além da produção do espaço fragmentado pelas desigualdades sociais e de renda, instaurando uma dinâmica urbana que impõe no ambiente construído o fechamento de acessibilidade privada aos espaços públicos. Com forte ingerência de poucas grandes empresas, ao lhes serem atribuídos os encargos diretos na elaboração de projetos, construção e gestão dos equipamentos e serviços públicos, os conteúdos definidos são herméticos até a sua finalização, sem que haja a possibilidade de participação coletiva ou dos segmentos profissionais representativos, sobretudo do campo da arquitetura e do urbanismo, dando curso a um processo de definição autoritária de políticas e bens públicos.

As concessões duradouras por meio de PPPs, em média por três décadas, mantêm fechado o processo de renovação de gestão desses espaços públicos. Além disso, sem destituir a propriedade pública, as definições privatizadas de produção e gestão dessas áreas passam para o controle do setor empresarial corporativo, sem riscos quanto ao retorno financeiro dos investimentos, seja pela seletividade de consumo solvável, seja pelas garantias firmadas com do setor público. Os desdobramentos já se fazem percebidos na configuração das metrópoles brasileiras expandidas e fragmentadas, indicando um crescente movimento de privatização seletiva e exclusividade de uso e consumo do espaço urbano pelo mercado e por interesses privados transescalar. São requalificações que resultam no estreitamento da acessibilidade urbana e sua região de entorno, aprofundando os processos de segregação socioespacial e degradação ambiental fortemente presentes nas cidades brasileiras.

Nesse atual ciclo do processo de acumulação capitalista, cada vez mais centralizado em poucas e grandes corporações de empresas globalizadas, no caso dos megaeventos abordados, o ambiente construído propicia oportunidades de grandes rentabilidades momentâneas, sobressaindo os capitais financeiros, deixando, como marca principal do legado, a mudança de planejamento urbano, na forma de gestão privada dos lugares onde operam. Configura-se um “planejamento invisível”, com ganhos e investimentos públicos ambíguos. Ao se retirarem, vão deixando para traz a desconstrução do sentido de cidade de acesso público, aberta ao uso coletivo social, transformando bens públicos em espaços privados (arenas, rodovias pedagiadas, equipamentos turísticos, áreas exclusivas de moradia e de escritórios). Enfim, nesse processo de transmutação consensuada entre os capitais transescalares, o Estado nacional e o encantamento dos usuários de renda solvável pelo consumo do espetáculo e eficiência do serviço vão se configurando fragmentos de espaços mais seletivos e exclusivos na privatização promovida pelo urbanismo neoliberal, deixando as periferias pobres abandonadas às suas próprias práticas, com as sobras da cidade.

O amplo e crescente descontentamento com essa forma de reprodução de cidade exige gestões públicas mais comprometidas com os interesses coletivos e eficazes na construção permanente das cidades, o que não se realiza sem uma participação ampla e efetiva na produção e transformação da cidade. “As propostas alternativas ao modelo dominante precisarão ter seu tempo de formulação e experimentação” (Rolnik, 2013ROLNIK, R. (2013). “As vozes das ruas: as revoltas de junho e suas interpretações”. In: VAINER, C. et al. Cidades rebeldes. Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo.). As tensões geradas nos processos analisados apontam para essa complexidade, bem como a diversidade de formas de resistência, protagonistas da renovação de cidades como bem público. Nesse sentido, como analisa Harvey (2013b)HARVEY, D. et al. (2013b). “A liberdade da cidade”. In: HARVEY, D. et al. Cidades rebeldes. Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo.:

[...] A criação de novos espaços urbanos comuns [commons], de uma esfera pública de participação democrática, exige desfazer enorme onda privatizante que tem servido de mantra ao neoliberalismo destrutivo dos últimos anos. Temos de imaginar uma cidade mais inclusiva, mesmo se continuamente fracionada, baseada não apenas em uma ordenação diferente de direitos, mas em práticas político-econômicas. [...] O direito à cidade não é um presente. Ele tem de ser tomado pelo movimento político. (pp. 33 e 34)

Considerações finais

Ao final desse período de grandes investimentos e crescimento econômico brasileiro, em 2016, instala-se um novo momento nacional de profunda crise político-econômica, com impactos diretos na desaceleração dos grandes investimentos públicos e privados que estavam em curso, indicando que as demandas de logística e infraestrutura urbana, ainda não atendidas, deverão ser adiadas.

No momento atual, dentre outros tantos clamores da sociedade brasileira que perdeu amplamente e em pouco tempo, renda, emprego e conquistas sociais, analisar os resultados desses elevados investimentos públicos e seus impactos na produção do espaço exige uma discussão aberta da sociedade civil diversificada e instituições representativas de interesse público da cidade. Primeiramente rediscutindo a agenda da reforma urbana e das políticas de interesse social que foram desmontadas por esse acelerado e hegemônico urbanismo neoliberal instalado. Retomando as iniciativas mais democráticas e distributivas efetivadas, proceder ao balanço dos avanços, impasses e retrocessos nas diversas propostas das políticas implantadas. Sobretudo levar em conta o potencial da diversidade de ações dos coletivos urbanos e movimentos sociais e estar atento para as práticas de resistência propositiva na produção do espaço, que emanam das comunidades, de instituições de interesse social, dentre outras tantas formas autogestionárias, portadoras de ações sociais afirmativas.

Desvendar e debater esses processos recentes, privatistas e sem transparência, que comprometem os interesses coletivos na construção de cidades como um bem público, melhores e mais justas, é uma tarefa permanente como ação fortalecedora de resistência social, propósito a ser perseguido no movimento pelo direito à cidade. Para além da necessária crítica, é preciso também abrir novos caminhos propositivos de práticas coletivas inovadoras que viabilizem a emergência de novos saberes e a ampliação do seu reconhecimento.

Referências

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  • ARENA Fonte Nova - Começa uma nova história (2013). [Peça publicitária do Governo da Bahia]. Disponível em: <http://www.portaldapropaganda.com.br/portal/component/content/ article/16-capa/35170-arena-fonte-nova-historia>. Acesso em: abr 2013.
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  • BANCOS dos EUA receberam empréstimos secretos (2011). publicado 28/11/2011, última modificação 6/6/2015. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/internacional/bancos-dos-eua-receberam-emprestimos-secretos Acesso em: dez 2016.
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  • BNDES (2010a). ProCopa Arenas. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Programas_e_Fundos/procopaarenas.html> Acesso em: fev 2011.
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  • BNDES (2010b). ProCopa Turismo. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/internacional/bancos-dos-eua-receberam-emprestimos-secretosApoio_Financeiro/Programas_e_Fundos/ProCopaTurismo/> Acesso em: fev 2011.
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  • BRASIL (2010). Portal da Copa 2014 do Governo Federal – Matriz de Responsabilidades (firmada 13/1/2010). Disponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-br/brasilecopa/> Acesso em: fev 2011.
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    » https://br.sputniknews.com/esportes/201507311722362/>
  • PONTE Salvador-Itaparica (2009). 25/3/2009. Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=834920> Acesso em: mar 2010.
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  • PONTE Salvador Itaparica: debate na assembleia oscila entre ufanismo e descrença (2013). 27/3/2013. Disponível em: http://www.bahiaeconomica.com.br/noticia/67200,ponte-salvador-Itaparica-debate-na-assembleia-oscila-entre-ufanismo-e-descrenca.html Acesso em: abr 2013.
    » http://www.bahiaeconomica.com.br/noticia/67200,ponte-salvador-Itaparica-debate-na-assembleia-oscila-entre-ufanismo-e-descrenca.html
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  • SANTOS JR, O.; GAFFNEY C. e RIBEIRO, L. C. Q. (2015). Metropolização e megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014 no Brasil. Rio de Janeiro, E-papers Observatório das Metrópoles.
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    » http://metropolitanstudies.as.nyu.edu/docs/IO/222/2009_Urbanismo_neoliberal.pdf
  • VAINER, C.; MARICATO, E. e ARANTES, O. (2000). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos Petrópolis, Vozes.
  • 1
    No Brasil, atualmente, dos mais de 206 milhões de habitantes, 84% corresponde à população urbana, metade disso morando nas grandes cidades. Varia de 20% a 60% o índice de habitantes em áreas precárias e favelas, promovidas por ocupação informal, ou seja, à revelia das legislações urbanísticas estabelecidas e excluídas dos benefícios urbanos (Gordilho-Souza, 2016GORDILHO-SOUZA, A. (2016). “Metrópole e gestão urbana corporativa: o que muda na produção recente das cidades brasileiras? Impactos e tensões na Região Metropolita de Salvador”. In: SILVA. S. B. M.; CARVALHO, I. M e PEREIRA, G. C.(orgs.). Transformações Metropolitanas no Século XXI. Bahia, Brasil e América Latina. Salvador, EDUFBA.).
  • 2
    Resultados preliminares da pesquisa em curso financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de mesma autoria, com bolsa de Produtividade em Pesquisa (2015-2019), “Projetos urbanos, gestão corporativa e o direito à cidade: impactos e tensões em Salvador-Metrópole”.
  • 3
    O Fundo Monetário Internacional (FMI) calculou, à época, em US$945 bilhões o custo da crise para o sistema financeiro mundial, dos quais US$565 bilhões foram gerados pela exposição dos bancos aos subprime (créditos hipotecários de risco) (FMI..., 2008FMI calcula em US$945 bilhões o custo da crise financeira (2008). 8/4/08 - atualizado em 8/4/08. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL392114-9356,00FMI+CALCULA+EM+US+BILHOES+O+CUSTO+DA+CRISE+FINANCEIRA.html. Acesso em: dez 2016.
    http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Ne...
    ). Com os desdobramentos dessa crise, as estimativas mais atualizadas dão conta de que o Banco Central americano financiou 7,7 trilhões de dólares para os seis maiores bancos do País, que aumentaram seus lucros desde então (Bancos..., 2011BANCOS dos EUA receberam empréstimos secretos (2011). publicado 28/11/2011, última modificação 6/6/2015. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/internacional/bancos-dos-eua-receberam-emprestimos-secretos. Acesso em: dez 2016.
    http://www.cartacapital.com.br/internaci...
    ).
  • 4
    Ver as indicações e as desistências de candidaturas nas publicações: Mais uma... (2014)MAIS UMA cidade recusa a Olimpíada de Inverno de 2022. (2014) 29/05/2014. Disponível em: <http://blogdojuca.uol.com.br/2014/05/mais-uma-cidade-recusa-a-olimpiada-de-inverno-de-2022/>. Acesso em: jan 2017.
    http://blogdojuca.uol.com.br/2014/05/mai...
    e Pequim ... (2015)PEQUIM será a sede dos Jogos Olímpicos de Inverno (2015). Atualizado 31/7/2015. Disponível em: <https://br.sputniknews.com/esportes/201507311722362/>. Acesso em: jan 2017.
    https://br.sputniknews.com/esportes/2015...
    .
  • 5
    São apresentados, nesta análise, alguns dos resultados da pesquisa realizada no Núcleo Salvador, no âmbito da pesquisa nacional Metropolização e megaeventos: impactos dos Jogos Olímpicos/2016 e Copa do Mundo/2014 − Finep/CNPq (2011/2014), coordenada pelo Observatório das Metrópoles/Ippur-UFRJ, com núcleos de pesquisa nas doze cidades-sede. Para os resultados em Salvador, ver Gordilho-Souza (2014)GORDILHO-SOUZA, A. (2014). “Cidade seletiva e exclusividade urbana: megaeventos, grandes projetos e a Copa 2014 em Salvador”. In: CARVALHO, I. M.; SILVA, S. M.; GORDILHO-SOUZA, A. e PEREIRA, G. Metrópoles na atualidade brasileira transformações, tensões e desafios na região metropolitana de Salvador. Salvador, EDUFBA. e Gordilho-Souza (2015)GORDILHO-SOUZA, A. (org.) (2015). Metropolização e megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014 em Salvador. EDUFBA/Observatório das Metrópoles/Ippur., para o Brasil, ver Santos Jr., Gaffney e Ribeiro (2015SANTOS JR, O.; GAFFNEY C. e RIBEIRO, L. C. Q. (2015). Metropolização e megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014 no Brasil. Rio de Janeiro, E-papers Observatório das Metrópoles..
  • 6
    Sendo o candidato único, o Brasil é anunciado pela Fifa, em 30 de outubro de 2007, como sede da Copa do Mundo de 2014, em Zurique, Suíça. Começa, então, a corrida para a seleção das cidades concorrentes para sediar os jogos (21, na época), que apresentaram seus projetos à Confederação Brasileira de Futebol (CBF). As doze cidades-sede escolhidas, entre as dezoito candidatas, foram: Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Brasília (DF), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Natal (RN), Recife (PE) e Salvador (BA) (Fifa, 2009FIFA anuncia, nas Bahamas, as cidades-sede da Copa 2014 (2009). 31/5/2009. Portal da Copa – Brasil 2014. Disponível em: <http://www.portal2014.org.br/noticias/180/FIFA+ANUNCIA+NAS+BAHAMAS+AS+CIDADESSEDE+DA+COPA+2014.html>. Acesso em: abr 2013.
    http://www.portal2014.org.br/noticias/18...
    ).
  • 7
    O documento original da Matriz de Responsabilidades, assinado em 13 de janeiro de 2010 pelo então Ministro do Esporte e por onze prefeitos e doze governadores (Brasília, como Distrito Federal, não tem prefeito), define as responsabilidades de cada ente federativo na preparação do evento. Outras resoluções do Grupo Executivo da Copa do Mundo Fifa 2014FIFA Renda e Despesas (2014) [S. l.]. Disponível em: http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/income.html. Acesso em: maio 2014.
    http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/in...
    trouxeram revisões e atualizações nas ações previstas, na forma de aditivos (Brasil, 2010BRASIL (2010). Portal da Copa 2014 do Governo Federal – Matriz de Responsabilidades (firmada 13/1/2010). Disponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-br/brasilecopa/>. Acesso em: fev 2011.
    http://www.copa2014.gov.br/pt-br/brasile...
    ).
  • 8
    Para as arenas, maiores investimentos realizados, além dos custos de produção, incidem também o valor da contraprestação anual. No caso da Arena Fonte Nova, em Salvador, foi fixado em R$107,32 milhões anuais, a serem adimplidos durante 15 anos, a partir do início das operações da gestão privada, que podem alcançar um montante de R$1,609 bilhão a ser pago com recursos públicos no pós-Copa 2014 (Bahia, 2009). “Ou seja, somados aos valores investidos de construção da arena e vias de entorno (R$707 milhões), o valor global, ao final desse contrato, poderá chegar a R$2,316 bilhões” (Gordilho-Souza e Dias, 2015GORDILHO-SOUZA, A. e DIAS, M. (2015). “Quem pagou e quanto custou a Copa 2014 em Salvador e na Bahia?” In: GORDILHO-SOUZA, A. (org.). Metropolização e megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014 em Salvador. EDUFBA/Observatório das Metrópoles/Ippur., p. 110).
  • 9
    Em 2006, na Copa da Alemanha, a renda foi de US$2,634 bilhões, e, em 2010, na Copa da África do Sul, passou para US$4,189 bilhões. Em média, 70% das despesas da entidade vão para reaplicação no futebol (Fifa, 2014FIFA Renda e Despesas (2014) [S. l.]. Disponível em: http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/income.html. Acesso em: maio 2014.
    http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/in...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2017
  • Aceito
    9 Nov 2017
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