O pensamento social e a história econômica demonstram a relevância de atuação estatal para a compreensão do desenvolvimento nacional (Oliveira, 1988; Tavares, 1999, 2019; Fiori, 1998, 2004; Lopreato, 2013; Paulani, 2012), sendo o urbano uma condição e condicionado por fenômenos sociais, econômicos (Oliveira, 1979; Maricato, 1979; Cano, 2011) e também pela atuação estatal (Bolaffi, 1975; Royer, 2014; Maricato, 2015; Maricato e Royer, 2017; Arretche, 2015; Cardoso e Aragão, 2013; Cardoso, Jaenisch e Aragão, 2017). A literatura indica a relevância das finanças públicas para o entendimento de processos produtivos no País, debate mais bem situado à luz de condição periférica da economia brasileira. Desse modo, enquanto produto do campo do planejamento urbano e regional, o presente artigo estuda as relações entre urbano e atuação estatal a partir das finanças públicas.
A expansão de um regime de acumulação associa-se a formações sociais específicas, padrões produtivos, e conforma-se também de acordo com a condição centro-periferia das economias nacionais (Boyer, 2009; Oliveira, 1981 [1972], 1990, 2018 [2006]; Paulani, 2012; De Paula, Fritz e Prates, 2017; Prates, Fritz e De Paula, 2017). O debate ganha força com a crise global de 2008 (Boyer, 2012; Schäfer e Wolfgang, 2013; Streeck, 2014).
As finanças públicas não são condição única e suficiente à compreensão do urbano, certamente. Contudo, elas são condição à atuação estatal, e esta contribui à compreensão sobre o urbano, tal como será demonstrado. A articulação entre urbano, atuação estatal e finanças públicas será entendida a partir do financiamento fiscal do desenvolvimento urbano, ou seja, a partir do gasto público no Brasil. Entende-se o gasto público como a execução de recursos orçamentários, principalmente. Por financiamento, referimo-nos ao ato de prover recursos financeiros necessários à atuação estatal (recursos para a contratação de serviços e obras, categorias de despesas relativas a investimentos por parte da União), alocação e execução de recursos orçamentários.
A investigação centra-se em abordagem exploratória da execução do Orçamento Geral da União (OGU) para o período de 2000 a 2016. Essa abordagem associa-se à relevância de esfera federal em estrutura federativa brasileira, central para a compreensão de concentração e redistribuição de riqueza, políticas de crédito e fiscal, indução de capacidades administrativas subnacionais, formulação e regulação de políticas públicas (Arretche, 2012; Souza, 2005). Com isso, a pesquisa abarca universo representativo do financiamento fiscal para a consecução de programas e ações de desenvolvimento urbano na história recente do País.
No que se refere ao Orçamento Geral da União, o estudo das finanças públicas entre 2000 e 2016 demandou avaliação de banco de dados composto por 535.081 rubricas orçamentárias, a partir do qual se elaborou o recorte de pesquisa, composto por 50.710 rubricas orçamentárias. Isso significa 69 classificações programáticas, 909 ações orçamentárias, o empenho de R$352.921.324.087, a liquidação de R$204.383.935.242 e o pagamento de R$150.905.869.038. Em termos orçamentários, a classificação programática, ou programa, significa “o problema a ser resolvido por meio do gasto público” (Rezende, 2006, p. 81). A classificação programática ainda significa a associação entre peças orçamentárias e a execução dos recursos financeiros (Core, 2001, p. 23). A ação orçamentária é o projeto, atividade ou operação especial em que um programa está detalhado. Esses termos orçamentários são incorporados pelo presente trabalho. Os valores financeiros são corrigidos de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-IBGE) e adotam o ano de 2016 como referência. Os dados primários orçamentários foram obtidos junto ao governo federal, avaliados à luz da literatura relacionada, da legislação e de relatórios técnicos e orçamentários.
O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), ou peças orçamentárias, planejam e autorizam o gasto público brasileiro. Com atenção ao caráter estratégico e de médio prazo associado ao PPA, a pesquisa da qual resulta este artigo avalia o controle parlamentar sobre os projetos de lei dos PPAs, o que foi possível pela análise dos relatórios desenvolvidos pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) do Congresso Nacional entre os anos de 2004 e 2015. Esse estudo documental de relatórios parlamentares subsidia ainda, em termos qualitativos, a interpretação de execução do Orçamento Geral da União nesse período. Importante salientar que a execução orçamentária não é reflexo exato do planejamento orçamentário, ou das peças orçamentárias, de acordo com a literatura que aponta os limites à racionalização de orçamento público (Peres, 2018; Peres e Santos, 2018; Mendes, 2008; Core, 2001).
Este artigo visa contribuir empírica e teoricamente ao estudo sobre as relações entre urbano e atuação estatal a partir das finanças públicas. Objetiva-se mobilização de instrumental técnico e normativo acerca das finanças públicas, contribuindo para uma nova abordagem metodológica no campo do planejamento urbano e regional. Para compreender e precisar a relação entre o urbano e a atuação estatal por meio das finanças públicas, optamos por agregar as ações relativas a habitação, saneamento básico, transporte e mobilidade urbana, energia elétrica e planejamento e gestão pública em uma categoria analítica denominada desenvolvimento urbano, incorporada a este artigo.1
Um dos resultados da pesquisa que resultou neste artigo é caracterização e análise da execução dos recursos fiscais federais destinados ao desenvolvimento urbano brasileiro, conformando um importante levantamento para posteriores análises sobre as políticas de habitação, saneamento básico, transporte e mobilidade urbana, energia elétrica e planejamento e gestão pública executadas por meio do Orçamento Geral da União. Outro resultado é o avanço na compreensão e articulação entre a destinação de recursos financeiros ao desenvolvimento urbano e a conformação de arranjos institucionais, tanto no âmbito do planejamento orçamentário quanto da execução orçamentária.
Este artigo está organizado em três seções, para além desta. A primeira apresenta uma proposta metodológica para o estudo da execução do orçamento público a partir do campo do planejamento urbano e regional. A segunda trata da execução do Orçamento Geral da União para o período de 2000 a 2016, com atenção aos estudos parlamentares sobre o gasto federal. São debatidas a alocação dos recursos fiscais e a relevância do desenvolvimento urbano no Orçamento Geral da União, por exemplo. A terceira seção apresenta nossas considerações finais.
Metodologia para o estudo da execução do orçamento público
A avaliação da execução orçamentária demanda considerar o planejamento e a execução orçamentária, mas também as etapas desta, com destaque ao empenho, liquidação e pagamento de recursos orçamentários.2 E a pergunta de pesquisador deve ser ajustada para cada etapa da execução orçamentária.3
(1) Empenho: é uma “reserva” de recursos para determinada rubrica orçamentária dianta das demais dotações do orçamento (Garson, 2018, p. 169). O empenho também pode iluminar questões relativas ao conflito distributivo, já que demonstra o sucesso de determinada dotação orçamentária ante a disputa por recursos financeiros, que são limitados, no âmbito de uma administração.
(2) Liquidação: atende o direito de contratado em receber seu pagamento, consistindo na verificação de credor por parte da administração pública. Se o empenho é um primeiro compromisso, a liquidação está lastreada na prestação de determinado serviço ou conclusão total ou parcial de determinado contrato ou obra urbana, por exemplo.
(3) Pagamento: é a etapa final da execução orçamentária, efetuado pela tesouraria ou instituição bancária após a liquidação de recursos. O empenho de recursos é um primeiro compromisso da administração pública, contudo, não é possível deduzir que os recursos empenhados serão liquidados ou pagos.
Garson (ibid., pp. 168-169) debate os estágios de despesa. Para a autora, a apuração dos gastos públicos para posterior avaliação dos resultados deveria considerar a liquidação dos recursos, considerando que esta pode remontar ao empenho realizado em exercícios fiscais anteriores (ibid., p. 169). Essa é a estratégia adotada pela pesquisa da qual resultou este artigo. Isso, pois tratamos de debater a atuação estatal sobre o espaço, e, nesse sentido, é central a atenção à conclusão total ou parcial de determinado serviço ou obra. Estudos mais preocupados com o fluxo financeiro estatal ou privado devem dedicar atenção à etapa de pagamento, e esta associada ao entendimento dos restos a pagar.
A administração pública pode deixar de pagar despesas empenhadas e liquidadas, as quais são realocadas no orçamento do ano seguinte (próximo exercício fiscal) sob a forma de “restos a pagar”. Segundo Mendes (2008, pp. 16-18), isso acontece por (1) simular o atendimento à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) a partir do empenho de recursos, que determina a execução de despesas diante da realização de receita prevista, mas sem de fato efetuar a liquidação ou pagamento; (2) elevar o superávit primário, calculado a partir dos recursos na conta do Tesouro, e não exatamente a partir do comprometimento dos recursos (empenho e liquidação); (3) barganha entre executivo e parlamentares, que deverão seguir negociando diante da estratégia do restos a pagar. Segundo Mendes, esse fenômeno é conhecido como contingenciamento ou “limitação de empenho e movimentação financeira”, expressivo no início do ano orçamentário, com a execução de recursos realizada de acordo com a efetivação de receita.4 O banco de dados primários incorporado pela presente pesquisa não apresenta a categoria restos a pagar por uma opção metodológica, por atentar aos serviços e obras que foram feitos e não necessariamente ao fluxo financeiro desses recursos.
Em termos de execução orçamentária, o estudo das ações e atividades, nomenclatura tal como é adotada pela legislação, é fundamental. As classificações programáticas podem ser atualizadas de acordo com as peças orçamentarias, mas isso não implica necessária ruptura com as ações ou iniciativas em curso. Por exemplo, uma urbanização de favela pode ser conduzida durante anos, o que demanda a execução de recursos financeiros durante todo esse período: seja por meio do programa “A”, seja por meio do programa “B” (cf. Peres e Santos, 2018).
A avaliação sobre a execução orçamentária demanda perspectiva multicausal.5 A pesquisa, no entanto, refere-se ao desenvolvimento urbano brasileiro. Assim, propõe-se a avaliação dessa execução orçamentária em nível macro e nacional a partir das seguintes perguntas de pesquisa:
(1) a articulação da máquina estatal federal ante programas e ações relativas ao desenvolvimento urbano brasileiro: o empenho de recursos representa um compromisso assumido pela administração pública;
(2) a dimensão processual do financiamento fiscal do desenvolvimento urbano brasileiro: a relação entre liquidação e empenho ilumina a não linearidade do processo orçamentário, possibilitando o debate sobre limites e possibilidades do efetivo financiamento das infraestruturas urbana e habitacional no País;
(3) o efetivo aporte de recursos fiscais promovido a partir das finanças públicas em programas e ações de desenvolvimento urbano: a liquidação de recursos financeiros está lastreada em base material, assim, a liquidação é uma proxy de produto urbano a partir dos recursos orçamentários. Assume-se que a liquidação de recursos financeiros representa a intervenção material nas cidades brasileiras, ainda que o pagamento possa não ter sido realizado imediatamente após a liquidação desses recursos.
Esping-Andersen (1985b) aponta que, para além do quanto se gasta, é necessário compreender como se gasta, de modo a debater como determinado indivíduo alcança seu sustento ou qualidade de vida com menor dependência do mercado, por exemplo. Não resta dúvida de que a análise territorial dos gastos públicos é, portanto, fundamental para a compreensão da efetividade das políticas de desenvolvimento urbano. Por essa razão, é o estudo de caso a estratégia metodológica mais utilizada em pesquisas sobre o impacto de determinado programa ou projeto no âmbito urbano. Análises macro a partir das grandes diretrizes nacionais ou estaduais também são realizadas no campo do planejamento urbano e regional. No entanto, a análise a partir dos recursos utilizados pelos entes da federação, bem como uma comparação entre o montante desses recursos, características de sua execução, condicionantes e conflitos distributivos, são enfoques pouco utilizados e de grande valia na compreensão das questões relativas à implementação desses mesmos programas e projetos.
Desenvolvimento urbano e o Orçamento Geral da União entre 2000 e 2016
A década de 1990 é marcada pela construção de um novo regime fiscal brasileiro, ampliação do controle das contas públicas e política fiscal qualificada como austera (Lopreato, 2013; Peres, 2018; Peres e Santos, 2018; Core, 2001). As políticas habitacionais e de saneamento e meio ambiente financiadas por recursos não onerosos federais contam com histórico de contingenciamento que se estende da década de 1980 a 2002, com breve ampliação dos gastos verificada entre 1995 e 1998. A breve ampliação dos gastos é interrompida por conta de restrições fiscais decorrentes da crise cambial dos anos 1990 e das cláusulas de superávit primário negociadas com o Fundo Monetário Internacional. Esse fato seria evidência da subordinação das políticas sociais em geral, e destas, em particular, à política macroeconômica restritiva (Ipea, 2009 [2005], pp. 246 e 250). O campo do planejamento urbano e regional aponta transformações nas cidades brasileiras durante o início do século XXI, em parte impulsionadas pelo bom desempenho macroeconômico pós-crise cambial de 1999 e pelas menores taxas de juros, mas em grande medida orientadas pela atuação estatal (Cardoso, Jaenisch e Aragão 2017; Maricato e Royer, 2017). O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007, e o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), de 2009, bem como Jogos Olímpicos, o Mundial de Futebol e as manifestações de junho de 2013, assumem destaque no debate público.
Reconhece-se a permanência da centralidade dos fundos parafiscais, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), para o financiamento dessas transformações. Importante salientar que as políticas urbanas no Brasil são historicamente custeadas, em nível nacional, por esses fundos parafiscais, como o FGTS, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e mesmo o SBPE (Royer, 2014; Faustino, 2014; Cardoso, Jaenisch e Aragão, 2017). A utilização de recursos do Orçamento Geral da União é quase sempre complementar, quando necessária. No período analisado, são apontadas inovações e uma ampliação da alocação de recursos fiscais: recursos não onerosos aplicados “a fundo perdido”, no financiamento do urbano. Nosso estudo empírico demonstra que, entre 2000 e 2016, são empenhados R$352 bilhões e liquidados R$204 bilhões oriundos do Orçamento Geral da União com vistas ao financiamento do desenvolvimento urbano (Quadro 1; Gráfico 1).
Quadro 1 – Financiamento fiscal do desenvolvimento urbano, empenho e liquidação entre 2000 e 2016. Ano referência de valores: 2016. Valores em Milhões
Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.

Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.
Gráfico 1 – Financiamento fiscal do desenvolvimento urbano, empenho e liquidação entre 2000 e 2016. Ano referência de valores: 2016
Entre os anos de 2000 e 2006, os valores anuais empenhados oscilam de R$7 bilhões em 2004 até R$12 bilhões em 2001. A exceção no período é o ano de 2002, com um montante equivalente de R$28 bilhões empenhados. O ano de 2002 encontra compreensão na crise do apagão de 2001 (Filocomo, 2020). Como particularidade desse período, destaca-se que o montante de recursos empenhados é semelhante ao montante liquidado, o que mereceria ser investigado. Entre 2000 e 2006, em termos absolutos quantitativos, não há forte inflexão de alocação de recursos fiscais federais e financiamento do desenvolvimento urbano, apesar da criação do Ministério das Cidades (MCidades), em 2003, do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), em 2005, e de medidas regulatórias que impactarão no desempenho do mercado imobiliário por exemplo (Royer, 2014; Shimbo, 2010; Fix, 2011; Rufino 2012).
Debate sobre e ampliação do financiamento fiscal do desenvolvimento urbano no planejamento orçamentário nacional de 2000 a 2016
Em termos de política fiscal, o debate sobre crescimento econômico frequentemente se demonstra associado à ideia de ótimos resultados primários, ideia que ganha espaço no governo federal em 2004 (Lopreato, 2013). O Quadro Anexo 1 apresenta indicadores econômicos nacionais pertinentes ao debate aqui construído. A busca por ótimos resultados primários parece associar-se à restrição do financiamento fiscal do desenvolvimento urbano. Entre 2004 e 2006, os montantes totais anuais são inferiores aos montantes anuais apresentados entre 2000 e 2003, por exemplo. Há ainda ceticismos em relação à progressividade de atuação estatal nas ações de habitação, saneamento básico, transporte e mobilidade urbana, energia elétrica e planejamento e gestão pública, o que também orienta o controle parlamentar sobre o gasto público (cf. Congresso Nacional, 2004, p. 10).
Já, em 2004 contudo, ante o projeto de PPA 2004-2007, os parlamentares chegam a reconhecer a relevância de atuação estatal para a condução do desenvolvimento nacional, mas essa atuação deveria direcionar-se a setores específicos, pouco atrativos ao setor privado.6 Associado a isso, ante a desaceleração econômica e o aumento da taxa de juros, a proposta de endurecimento do ajuste fiscal encontra resistências intragovernamentais em 2005. Nesse ano, o regime fiscal brasileiro incorpora a possibilidade de excluir os gastos com investimentos em habitação e saneamento básico da base do cálculo do resultado primário. As relações entre execução e controle do gasto, entre desempenho econômico, expectativa dos agentes privados entre 2003 e 2006 e resistências intragovernamentais à ampliação de ajuste fiscal em 2005 auxiliam a compreensão relativa à contração dos gastos federais em desenvolvimento urbano em 2004 (R$7 bi) e o subsequente incremento desses gastos em 2005 (R$9 bi) e 2006 (R$10 bi).
A nova composição do Ministério da Fazenda em 2006 indica o redirecionamento da política fiscal, com o resgate de mecanismos de intervenção estatal na economia (ibid.). Entre 2004 e 2008, para o comércio mundial, entre 2006 e 2010, para a economia brasileira,7 o bom desempenho econômico associa-se ao empenho de R$27 bilhões em 2007 e a liquidação de R$13 bilhões em prol do desenvolvimento urbano. O projeto do PPA 2008-2011 incorpora proposta de desenvolvimento de longo prazo e aceleração do crescimento econômico com inclusão social a partir de orçamento e investimentos públicos.8 No bojo do processo orçamentário, o executivo confere centralidade às iniciativas PAC, que, apesar de prioritárias, pouco são esclarecidas pelo planejamento orçamentário.9
A partir de 2007, há crescimento dos valores empenhados em prol do desenvolvimento urbano, movimento explicado com base no desempenho macroeconômico, nas políticas públicas federais e no planejamento e controle do gasto público, como já debatido. Contudo, entre 2007 e 2013, destaca-se a dificuldade em liquidar os recursos fiscais empenhados com explicações diversas sobre esse fenômeno, que será tratado mais adiante. A grande parte dos recursos não é liquidada, ou seja, não necessariamente encontra lastro material nas cidades brasileiras. Em 2008, menos de R$4 bilhões são liquidados, o ano com mais baixa liquidação de recursos orçamentários em prol do desenvolvimento urbano entre 2000 e 2016. Entre 2007 e 2013, foram empenhados mais de R$180 bilhões e apenas R$57 bilhões foram liquidados, ou seja, cerca de 31% dos recursos empenhados foram liquidados.
Em setembro de 2008, há a falência do banco Lehman Brothers, um dos estopins da crise econômica internacional, fenômeno que contribui para afetação do crescimento econômico brasileiro em 2009, mas que não afeta os investimentos públicos federais, mesmo o financiamento do desenvolvimento urbano, que crescem entre 2008 e 2010. A análise dos anexos de meta fiscal da LDO demonstra a dedução dos investimentos e despesas PAC de resultado primário federal em 2009 e 2010, e as medidas provisórias 496 de 2010 e 487 de 2010 facilitam o acesso ao crédito por governos subnacionais com vistas ao financiamento de obras (Lopreato, 2013; Carvalho, 2018). Nos anos de 2009 e 2010 são empenhados R$26 bilhões e liquidados R$8 bilhões, o que sinaliza o esforço estatal no direcionamento de recursos fiscais ao desenvolvimento urbano, mas também as dificuldades em materializar esses investimentos.
No âmbito do planejamento orçamentário de 2012-2015, realizado em 2011, as avaliações sobre o cenário macroeconômico já não demonstram a segurança do momento anterior. O Congresso Nacional revisa a projeção de crescimento econômico nacional apresentada pelo executivo. Para o quadriênio 2012-2015, assume-se a tendência de crescimento econômico com inclusão social, orientada pela ampliação dos investimentos e atenção às metas fiscais, o que sinaliza a busca por alinhar redistribuição de renda e riqueza a uma inserção econômica internacional.10 O projeto do PPA 2012-2015 defende 26% dos recursos dos programas temáticos às políticas de infraestrutura.11 O projeto de ampliar os investimentos públicos federais a partir do orçamento público manifesta-se no financiamento fiscal do desenvolvimento urbano, o que significa um expressivo crescimento dos montantes liquidados entre 2011 (R$4 bilhões) e 2014 (R$28 bilhões). Em 2015, o montante é de R$19 bilhões. Em 2011, é iniciado o PAC 2. Destaca-se a expressiva diminuição do gap entre montantes empenhados e liquidados para os anos de 2014 a 2016, fenômeno orientado pelo modo como se dá a operação desses recursos, movimento debatido mais adiante. Cabe citar também que, em 2011, é promulgado o Regime Diferenciado de Contratações. Se entre 2007 e 2013 há a liquidação média de 31% dos recursos empenhados, entre 2014 e 2016 esse índice médio é de 72%. E os valores empenhados quase sempre superam os R$25 bilhões entre 2007 e 2015, evidenciando os esforços estatais em torno do desenvolvimento urbano.
Se, em 2011, havia incertezas sobre projeções econômicas, entre 2013 e 2015 a crise urbana, econômica e política já está em andamento,12 conformando o contexto da apresentação do planejamento orçamentário 2016-2019 pelo executivo ao parlamento. O parlamento questiona a projeção de crescimento econômico apresentada pelo executivo para o período de 2016 a 2019, dissonante das projeções apresentadas por mercado.13
A proposta do projeto PPA 2016-2019 demonstra continuidade com os anos anteriores, de crescimento com inclusão social (Congresso Nacional, 2015; pp. 1 e 5). Defende-se que a retomada do crescimento se dê a partir dos investimentos em infraestrutura,14 proposta referendada por parlamento,15 sendo os investimentos caracterizados pelo “grande volume de recursos envolvidos para sua concretização, bem como o longo prazo de maturação dos empreendimentos”. O PAC continuaria a organizar e priorizar os grandes investimentos públicos e de empresas estatais. Ao PAC propõe-se articular o Programa de Investimentos em Logísticas (PIL), organizando a ampliação de concessões e, também, da oferta de serviços no setor logístico (ibid., p. 5).
A respeito dos investimentos, o estudo parlamentar aponta as dificuldades em torno da garantia de grandes volumes de recursos orçamentários, longo prazo de maturação, capacidade de planejamento e articulação com a iniciativa privada, além de evidenciar que o PAC e o PIL não encontram correspondência nas peças ou execução orçamentária.16 As dificuldades associadas à garantia de recursos orçamentários para a realização de investimentos parece ser acirrada diante do rebaixamento de rating brasileiro para grau especulativo a partir da avaliação de risco-país, “[...] representada, por exemplo, pelo envio ao Congresso Nacional da proposta orçamentária para 2016 com um déficit primário da ordem de R$30 bilhões” (ibid., p. 17). Mesmo reconhecendo a potência em torno da promoção de investimentos públicos, apresenta-se que: “[...] o emprego da taxa positiva de crescimento real do PIB de 0,20%, embutida nas projeções para 2016, não é factível de ser obtida, diante das negativas perspectivas econômicas hoje vigentes, cuja reversão depende com destaque do ajuste sustentável das finanças públicas, sem o que não se criarão condições para a retomada da confiança dos agentes privados” (ibid., p. 17; grifos nossos).
Ante as instabilidades internas e externas e o mau desempenho de economia nacional e internacional, as restrições orçamentárias sobre despesas discricionárias são acirradas. Diante de desaceleração econômica nacional, incipiente em 2011 e já bastante clara em 2015, o gasto público busca atender parâmetros de sustentabilidade fiscal, inclusive a partir do planejamento orçamentário. O ajuste fiscal demonstra-se a agenda reforçada por parlamento brasileiro e se expressa a partir do exercício de controle do gasto público, orientado por avaliações em torno de indicadores econômicos nacionais e do resultado primário federal. São o ajuste das finanças públicas e a confiança de agentes privados os elementos que parecem predominar na prática do controle parlamentar sobre o planejamento orçamentário federal. O ajuste das finanças públicas parece contrapor a própria argumentação favorável a manutenção e ampliação de políticas públicas e do investimento público para a condução do desenvolvimento nacional com inclusão social.
Em 2016, os valores empenhados e liquidados em prol do desenvolvimento urbano caem substancialmente, atingindo os valores de R$13 bilhões e R$9 bilhões, respectivamente. Após 2016, a tendência é de uma redução ainda maior a respeito do financiamento fiscal do desenvolvimento urbano, em grande parte sinalizada pela promulgação da Emenda Constitucional 95 em 2016.
Valores empenhados e liquidados de 2000 a 2016 em projetos e atividades de desenvolvimento urbano
Apresentamos, agora, debate sobre o desempenho de valores empenhados e liquidados a partir da execução do Orçamento Geral da União em projetos e atividades de desenvolvimento urbano. É possível verificar a relevância fiscal do financiamento do desenvolvimento urbano entre 2000 e 2016 (Quadro 2; Gráfico 2). Essa relevância cai, entre 2002 (1,8%) e 2004 (0,4%), e cresce incrementalmente entre 2004 e 2007 (0,6%, liquidado). O índice cai novamente em 2008 (0,2%, liquidado), oscila, entre 2008 e 2011 (0,2%, liquidado), e cresce entre 2012 (0,3%, liquidado) e 2014 (1,08%, liquidado). Cai novamente entre 2014 e 2016 (0,37%, liquidado). Em termos relativos, 2002 foi o ano de maior relevância fiscal do financiamento do desenvolvimento urbano brasileiro. Em termos absolutos, 2002 é comparável ao ano de 2014, mas apresenta a alta oscilação, também em temos relativos, com que se dá o financiamento fiscal do desenvolvimento urbano. Ora o espaço fiscal do desenvolvimento está restringido a 0,2% em 2008, ora ocupa 1,8% em 2002. Oscila entre 0,4% e 0,6%, e apenas ocasionalmente supera o 1% da execução do Orçamento Geral da União. Verifica-se baixa correlação entre crescimento econômico e crescimento dos gastos em desenvolvimento urbano. Porém é necessário estudos mais aprofundados para avançar nesse resultado de pesquisa, pois os gastos dos fundings relativos ao FGTS, FAT e SBPE impactarão certamente essa correlação.
Quadro 2 – Relação entre financiamento do desenvolvimento urbano e execução total do OGU. Ano referência de valores: 2016
Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.

Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.
Gráfico 2 – Relação entre financiamento do desenvolvimento urbano e execução total do OGU. Ano referência de valores: 2016
A não vinculação de receitas prejudica a regularidade da alocação dos recursos fiscais em prol do desenvolvimento urbano, de modo que os recursos orçamentários devem ser disputados ano a ano.17 O orçamento público é permeado por impasses distributivos, e essas tensões são acirradas em cenário de desaceleração e recessão econômica (Schick, 1976; Peres, 2018). Assim sendo, também o debate sobre ajustes e saúde fiscal do governo, gastos com a previdência social e sua crescente demanda por financiamento, desonerações e subsídios fiscais, vinculação de recursos públicos e a rigidez orçamentária, despesas financeiras e a garantia da solvência pública, bem como a importância da reforma tributária para o financiamento de políticas públicas demonstram-se pertinentes aos estudos sobre financiamento do desenvolvimento urbano, mesmo que não tratados pelo presente estudo.
Em associação à disputa por recursos orçamentários, é necessário o debate sobre a liquidação dos recursos empenhados. No caso das cooperações entre entes federados, o valor financeiro da contrapartida subnacional; a capacidade de endividamento financeiro e fiscal subnacional; licenciamento da obra financiada; titularidade do território sobre o qual se dará a intervenção estatal; qualidade do projeto de intervenção; regularidade da concessão de serviços, nos casos pertinentes, a exemplo do saneamento básico; repasses financeiros em acordo com as etapas de obras, o que demanda inteligência de gestão, por exemplo, podem tornar dificultosa a liquidação dos recursos (cf. Kuhn, 2018).
Com atenção à execução do Orçamento Geral da União, a liquidação oscila de acordo com a modalidade de aplicação: aplicações diretas realizadas pela União; transferências a estados e distrito federal; transferências a municípios (Tabela 1; Gráfico 3). No caso das aplicações diretas da União, a taxa de liquidação dos recursos empenhados em desenvolvimento urbano é de 66%. No caso das transferências realizadas a estados e ao distrito federal, essa taxa cai para 43% e, no caso das transferências para municípios, essa taxa é cerca de 40%.
Tabela 1 – Modalidade de aplicação dos recursos orçamentários destinados ao desenvolvimento urbano – Empenho. Ano referência de valores: 2016. Valores em Milhões
Outros | ||||||||
75% |
Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.

Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.
Gráfico 3 – Modalidade de aplicação dos recursos orçamentários destinados ao desenvolvimento urbano – Empenho. Ano referência de valores: 2016
A criação do Ministério das Cidades, em 2003, do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), em 2005, e do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), em 2005 não está associada a uma forte ampliação dos recursos fiscais destinados ao desenvolvimento urbano. Contudo, há uma relação temporal entre a construção de institucionalidades e a modalidade de aplicação dos recursos fiscais. No que se refere ao desenvolvimento urbano, entre 2003 e 2008 verifica-se esforço federal em descentralizar a execução dos recursos oriundos do Orçamento Geral da União, em especial por meio de transferências a municípios. No ano de 2008, apenas 22% dos recursos empenhados em prol do desenvolvimento urbano seriam executados pela União, quase 50% pelos municípios e cerca de 30% pelos estados e Distrito Federal. Trata-se, em certa medida, do atendimento dos preceitos apresentados pela Constituição de 1988, que amplia as responsabilidades de esfera local.
O que parece ter ficado claro dessa experiência histórica são os desafios em torno da construção de capacidades subnacionais com relação às políticas urbanas e habitacionais. Sobre isso, a esfera federal desempenha papel central na formulação, regulação, financiamento de políticas públicas no País, o que acaba por induzir a construção de capacidades subnacionais, orientada pela captação de recursos, e a execução descentralizada de políticas públicas nacionais (cf. CEM/Cebrap; Ministério das Cidades, 2012).
É corrente dedicar centralidade às fragilidades administrativas e financeiras de entes subnacionais diante do desempenho do SNHIS e FNHIS. A execução do Orçamento Geral da União demonstra, contudo, que há uma importante redução dos recursos destinados ou sob supervisão do FNHIS, mesmo antes do PMCMV. É relevante entender que apenas a criação de um fundo de natureza contábil não garante a alocação de recursos orçamentários. Mesmo em 2006, o total de recursos destinados ao FNHIS pouco superou a marca dos R$2 bilhões de reais (Tabela 2; Gráfico 4).
Tabela 2 – Recursos não onerosos federais destinados ou sob supervisão do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) entre 2006 e 2016 (Unidades orçamentárias 56902; 74911). Ano referência de valores: 2016. Valores em Milhões
Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.

Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.
Gráfico 4 – Recursos não onerosos federais destinados ou sob supervisão do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) entre 2006 e 2016 (Unidades orçamentárias 56902; 74911). Ano referência de valores: 2016
Articular as observações apresentadas permite a apresentação de uma hipótese que precisa ser aprofundada. A associação entre o resgate de mecanismos de intervenção federal na economia, a construção de uma importância política e econômica dos investimentos na manutenção e dinamização do crescimento econômico com inclusão social, as dificuldades na liquidação de recursos a partir da cooperação entre entes federados, por exemplo, podem ter subsidiado a opção federal por centralizar a execução dos recursos fiscais ante a crise econômica de 2009. Em 2008 cerca de 20% dos recursos destinados ao desenvolvimento urbano seriam aplicados diretamente pela União, taxa que cresceu consistentemente entre 2008 e 2016, atingindo a marca de 80% em 2015. Observar a destinação de recursos orçamentários ao PMCMV ilustra esse debate (Tabela 3; Gráfico 5).
Tabela 3 – Recursos não onerosos federais destinados às diferentes modalidades do Programa Minha Casa Minha Vida, inclusive a Rural (Ações orçamentárias: 00AF; 00CW; 00CX; 00CY; 0E64). Ano referência de valores: 2016. Valores em Milhões
Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.

Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.
Gráfico 5 – Recursos não onerosos federais destinados às diferentes modalidades do Programa Minha Casa Minha Vida, inclusive a Rural (Ações orçamentárias: 00AF; 00CW; 00CX; 00CY; 0E64). Ano referência de valores: 2016
Se o FNHIS chega a liquidar R$2,9 bilhões entre 2006 e 2016, o PMCMV liquida um total de R$52,6 bilhões de recursos oriundos do Orçamento Geral da União. É preciso, no entanto, compreender regionalmente quais projetos financiados, as capacidades administrativas e a modalidade de aplicação dos recursos para compreender não apenas a efetividade desses programas, mas também a racionalidade (rationale) por trás dessa opção de política pública.
O SNHIS dedicou importância à operacionalização do financiamento de urbanizações de assentamentos precários (Cardoso, Jaenisch e Aragão, 2017), um tipo de intervenção urbana complexa, em termos econômicos, políticos ou sociais (Cardoso e Denaldi, 2018). Operacionalizar os recursos do Orçamento Geral da União, com destaque ao papel desempenhado pela Caixa Econômica Federal (CEF), a partir da atuação de agentes privados do subsetor produtivo imobiliário habitacional com vistas à produção de novas unidades habitacionais, implica parcialmente18 excluir da equação as fragilidades administrativas e financeiras subnacionais, mas também escapar da complexidade dos assentamentos precários. Em termos de política pública, essa escolha apresenta ganhos e perdas, mas certamente os ganhos sociais estão relacionados ao subsídio à população de mais baixa renda no acesso à casa própria, sendo esse papel desempenhado pelos recursos orçamentários federais aplicados a “fundo perdido”.
O acirramento dos ajustes fiscais exerce influência sobre a operacionalização do PMCMV, uma vez que a destinação de recursos orçamentários esteve descompassada em relação à contratação de financiamento imobiliário operacionalizada pela CEF, o que gera atraso ou inviabilização das obras de novas unidades habitacionais por todo o País desde 2015. Certamente as questões urbanas, econômicas, sociais e políticas do PMCMV não se resumem ao subsídio direto às famílias, debate que perpassa a compreensão de uma política habitacional enquanto atendimento das necessidades habitacionais, e não necessariamente à construção de novas unidades.
Por fim, cabe avaliar os órgãos federais responsáveis pelos recursos orçamentários (Tabela 4; Gráfico 6). A empiria demonstra que uma série de órgãos federais é responsável por articular recursos que, em algum momento, manifestam-se em prol do desenvolvimento urbano. Destes, quatro órgãos são centrais: Ministério das Cidades, Ministério da Saúde, Ministério da Fazenda e Ministério da Integração Nacional, além de Encargos Financeiros da União, também entendido como órgão orçamentário.
Tabela 4 – Operação recursos orçamentários destinados ao desenvolvimento urbano (Órgão orçamentário) – Empenho e Liquidação. Ano referência de valores: 2016. Valores em Milhões
Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.

Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal. Elaboração nossa.
Gráfico 6 – Responsabilidade pelos recursos orçamentários destinados ao desenvolvimento urbano (Órgão orçamentário) – Empenho. Ano referência de valores: 2016
O Ministério das Cidades demonstra crescente capacidade na articulação entre políticas e recursos financeiros, assumindo centralidade também no empenho de recursos orçamentários das políticas urbanas e habitacionais federais. Isso representa a importância desse ministério para a construção de institucionalidades relativas ao desenvolvimento urbano, mas também para realização de planos e estudos técnicos, a exemplo dos planos nacionais de habitação, saneamento básico e mobilidade urbana, por exemplo. Isso está em acordo com a criação do Ministério, proposto como um órgão de planejamento na esfera federal, central para a articulação federativa e a construção de capacidades governamentais, inclusive subnacionais, em torno das políticas urbanas e habitacionais.
De acordo com o Manual Técnico do Orçamento do Governo Federal versão 2016 (pp. 312-313),19 os Encargos Financeiros da União podem: estar sob supervisão do Ministério da Fazenda; sob supervisão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; destinados ao pagamento de sentenças judiciais; à remuneração de agentes financeiros e sob supervisão do Ministério da Fazenda; sob supervisão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; sob supervisão do Ministério de Minas e Energia; destinados ao Fundo Contingente da extinta RFFSA e sob supervisão do Ministério da Fazenda; destinados ao Fundo Soberano do Brasil e sob supervisão do Ministério da Fazenda; e destinados ao Fundo Social. Os Encargos Financeiros da União relativos ao desenvolvimento urbano são especialmente expressivos nos anos de 2002, 2007 e 2014.
Considerações finais
A atuação estatal é elemento de compreensão do desenvolvimento urbano. Os recursos oriundos do Orçamento Geral da União desempenharam um papel, seja em termos de articulação de investimentos, projetos e obras; seja em termos do apoio à política de crédito imobiliário habitacional em forma de subsídio direto à família como alternativa de acesso à casa própria pelos mais pobres; seja, ainda, em termos da ativação e construção de capacidades e institucionalidades em torno das políticas urbanas e habitacionais e por meio do sistema federativo brasileiro. O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social estabelece regras para a articulação entre os entes federados. Para acessar os recursos do FNHIS, estados e municípios precisam de fundo, plano e conselho setorial específico, por exemplo.
Se a atuação estatal é relevante à compreensão do urbano, certamente há importância em pesquisar e compreender essa atuação também a partir do campo do planejamento urbano e regional. A partir de uma abordagem regulacionista (Boyer, 2009), a atuação estatal é tanto condição ao regime de acumulação, como é expressão social, também determinada pelas trajetórias econômicas, políticas e históricas. Isso implica reconhecer a complexidade de atuação estatal, relacionada às dinâmicas de regime de acumulação contemporâneo (ou flexível), assim como em acordo com instituições historicamente construídas.
Tratamos de iluminar a tensão entre o Estado articulador de investimentos e projetos, condutor de processos econômicos e sociais, em relação ao Estado garantidor da agência privada nacional e internacional, regulador, organizado em torno da concessão da provisão de infraestruturas e serviços. Essa tensão está sempre presente, mas é evidenciada adiante da desaceleração econômica nacional e internacional, de tal modo que a continuidade do financiamento fiscal do desenvolvimento urbano é diminuta, em especial se considerada a implementação de política de austeridade fiscal ainda mais restritiva a partir de 2016.
Os fenômenos macroeconômicos são fundamentais para a compreensão do desempenho das finanças públicas e do Orçamento Geral da União, especialmente em relação ao desenvolvimento urbano, que não possui nenhuma vinculação de recursos constitucional. Contudo, em parte devido à regulação do orçamento público e a essa discricionariedade dos recursos orçamentários destinados a programas e ações de desenvolvimento urbano, não se verifica forte correlação entre bom desempenho macroeconômico e ampliação em termos relativos do financiamento fiscal do desenvolvimento urbano. Se, entre 2004 e 2010, nossa economia cresceu, não podemos dizer o mesmo, nas mesmas proporções ou ritmo, sobre os recursos orçamentários federais destinados ao desenvolvimento urbano. O inverso ocorre entre 2011 e 2014.
O volume de dados aqui apresentado, buscando uma visualização conjunta de ações de habitação, saneamento básico, transporte e mobilidade urbana, energia elétrica e planejamento e gestão pública, reforça a necessidade de um enfoque metodológico a partir dos recursos utilizados para a execução desses programas e ações, as características de sua execução, condicionantes e conflitos distributivos. Para além da simplificação de explicações baseadas em vontades políticas e categorias totalizantes, é a partir dessa abordagem que é possível compreender constrangimentos e possibilidades para a universalização, de maneira integrada, dos serviços de habitação, de saneamento básico, de transporte e mobilidade urbana e de energia elétrica.
Quadro Anexo 1 – Indicadores econômicos nacionais Ano referência: 2016
Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo Federal; Secretaria do Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda do Governo Federal; Banco Central do Brasil; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Elaboração nossa.