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Coleta seletiva na cidade de São Paulo: serviços públicos urbanos sob a lógica neoliberal

Resumo

É objetivo deste trabalho analisar a influência da lógica neoliberal no programa municipal de coleta seletiva paulistano. O trabalho analisou um conjunto de audiências públicas e eventos relacionados que discutiam a gestão de resíduos em São Paulo, de forma a entender os discursos, as visões e as ações empreendidas pelos atores que compõem esse sistema. O que se percebe é que a lógica neoliberal está presente na agenda programática de todas as gestões municipais paulistanas desde o início do programa de coleta seletiva, sejam elas de centro-direita ou de centro-esquerda. A consequência disso é a tendência a escolhas tecnocráticas que, sob os argumentos de “modernidade” e da necessidade de “soluções tecnológicas”, acabam sendo centralizadoras em tecnologia, excludentes e ineficientes.

neoliberalismo; coleta seletiva; serviço público urbano; lógica institucional

Abstract

The aim of this study is to analyze the influence of the neoliberal logic on São Paulo’s municipal selective waste collection program. The study analyzed a set of public hearings and events that discussed waste management in São Paulo to understand the discourses, views and actions undertaken by the actors that form the system. Results showed that the neoliberal logic has been present in the agenda of all the municipal administrations since the beginning of the selective collection program in the city, whether they assume center-right or center-left positions. The consequence of this is a tendency to make technocratic choices that, under the arguments of “modernity” and need for “technological solutions”, end up being centralized in technology, socially exclusionary, and inefficient.

neoliberalism; selective collection; urban public service; institutional logic

Introdução

É objetivo deste artigo analisar a influência da lógica neoliberal no programa municipal de coleta seletiva de São Paulo-SP entre 1989 e 2020. Para cumprir o objetivo proposto, fundamentou-se no conceito de lógica institucional. Lógicas institucionais são “padrões supraorganizacionais” pelos quais indivíduos e organizações produzem e reproduzem sua subsistência material, organizam o tempo e o espaço, dando sentido à sua atividade cotidiana ( Glynn e Lounsbury, 2005GLYNN, M. A.; LOUNSBURY, M. (2005). From the critics’ corner: logic blending, discursive change and authenticity in a cultural production system. Journal of Management Studies, v. 42, n. 5. ; Thornton, Ocasio e Lounsbury, 2012). Esse conceito passou a ser adotado pelos sociólogos em abordagens de sistemas de crenças de ordem superior que influenciam o entendimento e a ação. As lógicas institucionais, dessa forma, interferem diretamente no processo de tomada de decisão, uma vez que moldam a percepção dos tomadores de decisão sobre a prioridade das questões a serem atendidas. Esse arcabouço teórico é relevante para se entender as formas variadas assumidas pelo neoliberalismo no contexto atual como lógica dominante.

Nessa perspectiva, considera-se a lógica neoliberal como, antes de tudo, uma racionalidade que tem como característica principal “a generalização da concorrência como norma de conduta e da empresa como modelo de subjetivação” ( Dardot e Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo. , p. 17). Essa racionalidade – que passa a ser hegemônica – tem reflexos concretos nos territórios urbanos. Destaca-se, aqui, a mercantilização, tanto de serviços quanto de espaços públicos, sustentada pela visão concorrencial que anseia acumulação de capital cada vez maior. Tonucci Filho e Magalhães (2017) chamam a atenção para o imperativo neoliberal em escala local com base nas vantagens comparativas. Nesse contexto, o planejamento e a gestão estão sempre baseados em uma suposta eficiência “pautada pelos padrões do mercado, logo, abrindo terreno para sua expansão e predomínio” (p. 434).

Dardot e Laval (2016)DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo. dizem que o neoliberalismo não se trata de uma forma de governo ou de gestão econômica – estas, em última instância, são reflexo da lógica neoliberal. A racionalidade neoliberal na gestão pública tem impactos severos na dinâmica das metrópoles. Os contratos de gestão assinados entre Estado e empresas privadas, por exemplo,

[...] contêm mensuradores de eficiência, eficácia e efetividade provindos do setor privado, e que não são acordados com as populações às quais os serviços se destinam. Representam o locus tecnocrático/gerencial – espécie de “insulamento burocrático” – cujos “instrumentos de gestão” são tomados como inquestionáveis. ( Fonseca, 2019FONSECA, F. C. P. (2019). A “governança empresarial” das metrópoles sob o predomínio neoliberal: o papel da gestão pública gerencial e da privatização do sistema político. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 21, n. 45, pp. 393-415. , p. 405)

Portanto, a escolha do município de São Paulo como objeto de estudo justifica-se tanto por sua importância socioeconômica no contexto brasileiro e latino, como pelo histórico de seu programa de coleta seletiva. É em São Paulo onde se deu a primeira experiência brasileira de cessão de espaços públicos para uma organização de catadores, na gestão Erundina, no final dos anos 1980. Ao mesmo tempo, também é em São Paulo onde a primeira iniciativa latino-americana de “modernização” da coleta seletiva foi implementada, com a instalação das “megacentrais” de triagem mecanizadas com alta capacidade de processamento, durante a gestão Haddad em 2014.

As complexidades de São Paulo em relação à coleta seletiva são consideradas, portanto, uma experiência empírica bastante oportuna para se analisar a influência do neoliberalismo na tomada de decisão dos serviços público urbanos. Quando se pensa especificamente no campo dos resíduos sólidos e da coleta seletiva, na delegação dos serviços para a iniciativa privada, “a lucratividade do serviço passa a ser o seu objetivo principal, submetendo as escolhas tecnológicas, as decisões que afetam o meio ambiente e as condições de trabalho a este imperativo” ( Wirth e Oliveira, 2016WIRTH, I. G.; OLIVEIRA, C. B. (2016). “A Política Nacional de Resíduos Sólidos e os modelos de gestão”. In: PEREIRA, B. C. J.; GOES, F. L. (orgs.). Catadores de materiais recicláveis: um encontro nacional. Rio de Janeiro, Ipea. , p. 223). Um aspecto importante para a coleta seletiva é a heterogeneidade de atores envolvidos nos serviços. Se, no início da prestação desses serviços pelas municipalidades, era comum a internalização da operação pela prefeitura, o que se observa, atualmente, é uma tendência cada vez maior da delegação. A delegação se dá principalmente à iniciativa privada e a organizações de catadores de materiais recicláveis. Esse movimento se consolida como fruto das reformas neoliberais do Estado que acontecem desde os anos 1990 no Brasil. Acrescente, ainda, a forte pressão do movimento dos catadores de materiais recicláveis com apoio da sociedade civil organizada reivindicando sua legitimidade como protagonistas na prestação dos serviços de coleta seletiva municipal.

Importante ressaltar que o ponto principal da legitimação da atuação dos catadores em programas de coleta seletiva municipal é a essencialidade da atuação desses atores para a indústria brasileira de reciclagem ( Gonçalves-Dias, 2009GONÇALVES-DIAS, S. L. F. (2009). Catadores: uma perspectiva de sua inserção no campo da indústria de reciclagem. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Burgos, 2008BURGOS, R. (2008). Periferias urbanas da metrópole de São Paulo: territórios da base da indústria da reciclagem no urbano periférico. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ). Os catadores, através da catação de rua, foram e ainda são o grupo de atores que mais contribui para a indústria de reciclagem de materiais, como alumínio, plástico e papelão ( Campos, 2014CAMPOS, H. K. T. (2014). Recycling in Brazil: challenges and prospects. Resources, Conservation & Recycling , v. 85, pp. 130-138. ; Gutberlet, 2015GUTBERLET, J. (2015). Cooperative urban mining in Brazil: collective practices in selective household waste collection and recycling. Waste Management , v. 45, pp. 22-31. ). A partir disso se estruturou uma coalizão que defendia a formação de cooperativas de catadores e sua inclusão nos sistemas de coleta seletiva municipais; nesta coalizão se destaca a atuação do Fórum Lixo & Cidadania ( Santos et al., 2011SANTOS, M. C. L.; GONÇALVES-DIAS, S. L. F.; MENDONCA, P.; TEODOSIO, A. S. S. (2011). “Frames de ação coletiva: uma análise da organização do Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis no Brasil – MNCR”. In: SCHERER-WARREN, I.; LUCHMANN, L. H. H. (orgs.). Movimentos Sociais e participação: abordagens e experiências no Brasil e na América Latina. Florianópolis, Editora da UFSC. ). Essa visão comum ficou conhecida como “reciclagem solidária” (Candido, Soulé e Neto, 2019) ou “coleta seletiva solidária” (Gutberlet, Besen e Morais, 2020). Destaca-se, nessa coalizão – além dos catadores – técnicos, ambientalistas, ONGs, acadêmicos, movimentos sociais, comunidades eclesiais de base e até empresas multinacionais.1 1 Candido, Soulé e Neto (2019, pp. 378-379) afirmam que multinacionais como Ambev, Coca-Cola e Nestlé, através da organização Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), deram suporte à organização das cooperativas e associações de catadores, “como uma forma de reduzir custos e evitar a responsabilidade sobre os resíduos das embalagens geradas”.

Nesse sentido, as lógicas institucionais providenciam um quadro interpretativo pertinente para entender as formas nas quais essa visão, assumida como uma “lógica” neoliberal, alcança um papel de dominância. As lógicas institucionais são vistas como fornecedoras dos princípios organizadores de um campo, uma vez que orientam o comportamento dos atores por meio de sistemas de crenças e práticas adotadas. Pode-se dizer, portanto, que as lógicas institucionais são também criadoras de senso comum e unidade dentro dos campos. Acredita-se que a análise em profundidade da história do programa de coleta seletiva na cidade de São Paulo bem como das escolhas tecnológicas e de arranjos para a prestação dos serviços são bons objetos para colocar essa suposta neutralidade neoliberal em xeque. Essa premissa é de grande relevância nos tempos atuais, nos quais a racionalidade neoliberal ganha um lugar de consenso, de neutralidade ideológica e mesmo de senso comum ( Dardot e Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo. ). Para isso, contestamos a eficiência do programa municipal de coleta seletiva de São Paulo e buscamos desvelar as disputas e os conflitos entre os atores envolvidos nessas dinâmicas, muitas vezes encobertas pela racionalidade neoliberal.

Neoliberalismo, as cidades e os serviços públicos

A ascensão do neoliberalismo se dá como resposta às crises econômicas atribuídas ao keynesianismo, em um processo que Dardot e Laval (ibid.) chamam de A Grande Virada. Em relação à alta inflação e à desaceleração do crescimento econômico na década de 1980, as críticas – ancoradas em ideólogos como Hayek, von Mises e Friedman e capitaneados por políticos como Reagan e Thatcher – voltaram-se contra as taxações, os programas sociais e as regulações estatais à economia. Diferentemente das concepções que apontam o neoliberalismo como uma volta ao laissez-faire e à ausência do Estado, Dardot e Laval (ibid.) assinalam o neoliberalismo como uma visão de mundo que preza pela concorrência em um modelo que extrapola a visão empresarial oriunda do mercado para toda a sociedade. Através dessa racionalidade, o neoliberalismo perpassa a economia e os governos, ocupando, inclusive, as subjetividades dos indivíduos.

Essa perspectiva reforça a visão do neoliberalismo não como a ausência do Estado, mas como a instauração de uma nova lógica institucional dominante. Nesse sentido, ao contrário de concepções correntes de Estado Mínimo, “foram antes os Estados e os mais poderosos em primeiro lugar que introduziram e universalizaram na economia, na sociedade e até neles próprios a lógica da concorrência e o modelo de empresa” (ibid., 2016, p. 19). Esse ponto de vista desperta atenção para as chamadas “lógicas institucionais dominantes”, aquelas com maior poder de influência de indivíduos e organizações ( Reay e Hinings, 2009REAY, T.; HININGS, C. R. (2009). Managing the rivalry of competing institutional logics. Organization Studies , v. 30, n. 6, pp. 629-652. ).

O Estado, portanto, ao invés de estar ausente no neoliberalismo, ocupa papel-chave na garantia à reprodução desse sistema e, antes disso, dessa “racionalidade” neoliberal. Há um caráter disciplinar no Estado, o qual possui

[...] um papel de guardião das regras jurídicas, monetárias, comportamentais, atribui-lhe [ao caráter disciplinar baseado no Estado] a função oficial de vigia das regras de concorrência no contexto de um conluio oficioso com grandes oligopólios e, talvez mais ainda, confere-lhe o objetivo de criar situações de mercado e formar indivíduos adaptados às lógicas de mercado. ( Dardot e Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo. , p. 191)

Portanto, o neoliberalismo mais do que uma corrente econômica, possui uma estratégia de reprodução, munida de discursos, práticas e dispositivos para instaurar e manter sua visão internalizada na sociedade.

Dardot e Laval (ibid.) sintetizam essa estratégia através de três aspectos: a ideologia, a disciplina e a racionalidade. Quanto à ideologia, destaca-se a visão do Estado como fonte de desperdício de recursos, ao passo que os mercados são vistos como fonte de qualidade técnica, “eficiência” e “eficácia”. Somam-se a isso as críticas ao Estado de bem-estar social, em que programas sociais providos pelo Estado atuam em eximir os indivíduos de suas responsabilidades e incitam o ócio ao trabalho.

Um dos reflexos da lógica neoliberal de governança de especial importância para os objetivos deste estudo é a reforma do Estado realizada no governo Fernando Henrique (PSDB) na década de 1990. Essa reforma preconizou a adoção de padrões empresariais à gestão pública, abarcando concorrência, eficiência e eficácia no contexto da “nova gestão pública”. Para Dardot e Laval (ibid., p. 302), essa nova gestão “consiste em fazer com que os agentes públicos não ajam mais por simples conformidade com as regras burocráticas, mas procurem maximizar os resultados e respeitar as expectativas dos clientes”.

Essa lógica favorece a delegação dos serviços para empresas privadas, o que traz consequências para a forma como os serviços são prestados. Quanto aos serviços de interesse da iniciativa privada, a mercantilização dos serviços públicos “se articula ao sistema político privatizado e antipopular voltado às elites, impedindo a ‘radicalização’ da democracia, isto é, seu aprofundamento participativo e redistributivo em termos políticos e sociais” ( Fonseca, 2019FONSECA, F. C. P. (2019). A “governança empresarial” das metrópoles sob o predomínio neoliberal: o papel da gestão pública gerencial e da privatização do sistema político. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 21, n. 45, pp. 393-415. , p. 411). Ao mesmo tempo, esse sistema acarreta outras consequências negativas para as cidades, destacando-se

[...] desindustrialização, gentrificação, financeirização, endividamento, onipresença do etos da competição, enfraquecimento e sucateamento de estruturas coletivas e o imperativo das soluções privadas e individuais para problemas de ordem pública, privatização dos espaços e infraestruturas públicas, dentre inúmeros outros. (Tonucci Filho e Magalhães, 2017, p. 451)

No que tange à disciplina, os autores apontam para uma “conduta das condutas”, segundo a qual as regras do jogo são impostas e incorporadas pelos indivíduos, não necessariamente por coerção, mas através de um sistema de recompensas e punições individuais. Nesse contexto, o Estado disciplinou novas possibilidades de vínculos com agentes privados através de “lógicas, técnicas e ferramentas gerenciais advindas da administração privada e transpostas à administração pública que vêm implicando a ‘contratualização’ da administração e dos serviços públicos com agentes privados” ( Fonseca, 2019FONSECA, F. C. P. (2019). A “governança empresarial” das metrópoles sob o predomínio neoliberal: o papel da gestão pública gerencial e da privatização do sistema político. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 21, n. 45, pp. 393-415. , p. 394).

Além das OSs, das Oscips e das Parcerias Público-Privadas (PPPs), os regimes de concessão (de equipamentos e de serviços públicos), as infindáveis “consultorias” e “assessorias” privadas, que majoritariamente inserem visões/instrumentos privatistas à esfera pública, e as diversas formas de atuação do setor privado – seja com ou sem fins lucrativos –, denominados genérica e ideologicamente “terceiro setor”, vêm solidificando o caráter híbrido da administração pública. Nesta, há predomínio privado e, particularmente, na governança das metrópoles impõe-se a “gestão por resultados”, cujas métricas são vigorosamente advindas do setor privado. (Ibid., p. 394)

Dessa maneira, a racionalidade é incorporada de forma orgânica por administradores e especialistas, ou mesmo por políticos, inclusive do espectro à esquerda. Essa racionalidade neoliberal, portanto, é dada como “neutra” ou “natural”:

[...] todo discurso “responsável”, “moderno” e “realista”, isto é, que participa dessa racionalidade, caracteriza-se pela aceitação prévia da economia de mercado, das virtudes da concorrência, das vantagens da globalização dos mercados e das exigências inelutáveis da “modernização” financeira e tecnológica. A prática do neoliberalismo impôs-se como um dado de fato, uma realidade diante da qual não se pode fazer nada, a não ser adaptar-se. ( Dardot e Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo. , p. 234)

Nessa lógica, foi promulgada a lei nacional n. 8.987/1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Baseada nessa lei nacional, o município de São Paulo viria a promulgar a lei que reformou o sistema de limpeza urbana paulistano (lei municipal n. 12.378/2002), que disciplinou as concessões e permissões no sistema municipal e influenciou diretamente a forma como o programa de coleta seletiva vem sendo desenvolvido no município. A próxima seção traz uma breve contextualização do serviço de coleta seletiva.

O serviço de coleta seletiva: breve contextualização

A reciclagem vem recebendo destaque como uma forma de mitigar os impactos da crescente geração de resíduos pela população global nos últimos anos. A reciclagem é um processo industrial intrinsecamente operado por agentes privados, mas, para que o processo de reciclagem seja efetivado, é primordial a estruturação de programas públicos de coleta seletiva ( Besen et al., 2014BESEN, G. R.; RIBEIRO, H.; GUNTHER, W. M. R.; JACOBI, P. R. (2014). Coleta seletiva na Região Metropolitana de São Paulo: impactos da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ambiente & Sociedade . São Paulo, v. 17, n. 3, pp. 259-278. ; Godoy, 2016GODOY, S. R. (2016). A economia política da limpeza urbana em São Paulo. Novos estudos CEBRAP . São Paulo, v. 35, n. 2, pp. 55-76. ). Mais do que a segregação dos materiais recicláveis para a comercialização para a indústria de reciclagem, a coleta seletiva também abarca as etapas de segregação dos materiais pela população em seus domicílios e a coleta e transporte dos materiais ( Bringhenti, 2004BRINGHENTI, J. (2004). Coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos: aspectos operacionais e da participação da população . Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ). E, para garantir a segregação adequada, também é fundamental a estruturação de programas de educação ambiental e de comunicação.

Os temas coleta seletiva e reciclagem começam a crescer no Brasil e a ganhar atenção e apoio da mídia e da população, a partir do fim da década de 1980. Porém, de lá para cá, o que se avalia é que os programas municipais de coleta seletiva ainda são incipientes. Em 2019, apenas 38,7% dos municípios brasileiros declararam possuir algum tipo de serviço de coleta seletiva (Brasil, 2020). Quando se fala em serviço de coleta seletiva porta a porta, ou seja, aquele no qual um veículo passa coletando os materiais recicláveis nos domicílios, esse número cai para 33%. E mesmo essa minoria de municípios que disponibilizam o serviço de coleta porta a porta ainda possui uma cobertura média bastante deficitária: apenas 41,4% da população total (ibid.).

Além disso, nas décadas de 2000 e 2010, políticas públicas e leis nacionais contribuíram para a consolidação do espaço institucional das organizações de catadores ( Besen et al., 2014BESEN, G. R.; RIBEIRO, H.; GUNTHER, W. M. R.; JACOBI, P. R. (2014). Coleta seletiva na Região Metropolitana de São Paulo: impactos da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ambiente & Sociedade . São Paulo, v. 17, n. 3, pp. 259-278. ; Candido, Soulé e Neto, 2019; Gutberlet, 2015GUTBERLET, J. (2015). Cooperative urban mining in Brazil: collective practices in selective household waste collection and recycling. Waste Management , v. 45, pp. 22-31. ), o que pode ser ilustrado pelo aumento na quantidade de organizações de catadores. Em pesquisa na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), Besen et al. (2014)BESEN, G. R.; RIBEIRO, H.; GUNTHER, W. M. R.; JACOBI, P. R. (2014). Coleta seletiva na Região Metropolitana de São Paulo: impactos da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ambiente & Sociedade . São Paulo, v. 17, n. 3, pp. 259-278. aferem que, de 30 municípios com o serviço de coleta, 28 tinham parcerias com organizações de catadores. Porém, em geral, as organizações de catadores não realizam o serviço de coletar os materiais recicláveis nos domicílios dos cidadãos, ficando esse serviço sob a responsabilidade de empresas privadas. As organizações de catadores geralmente atuam nos galpões de triagem, recebendo o material coletado e realizando a segregação por tipos de material.

A atuação das organizações restrita à triagem dos materiais recicláveis nos galpões é reflexo do avanço das empresas de limpeza urbana nos serviços de coleta seletiva, especialmente nas metrópoles. O Gráfico 1 explicita as diferenças na prestação dos serviços de coleta seletiva pelo número de habitantes.

Gráfico 1
Executor da prestação de serviços de coleta seletiva em municípios brasileiros

Os grupos de municípios com população de até 250 mil habitantes têm as organizações de catadores como o principal prestador de serviços. Em contraste, os municípios com mais de um milhão de habitantes, em sua maioria, não possuem vínculos formalizados com catadores para a prestação de serviços de coleta seletiva. Convém destacar que, durante a década de 1990, a participação das empresas privadas nos serviços de limpeza urbana é fortalecida com o movimento influenciado pela “nova gestão pública” no Governo FHC ( Godoy, 2015GODOY, S. R. (2015). Muito além da lata de lixo: a construção da política pública e a organização do mercado de limpeza urbana no município de São Paulo . Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ), materializado na lei n. 8.987/1995, que dispõe sobre os contratos de permissão e concessão. Esse movimento é complementado durante o Governo Lula pela lei n. 11.079/2004, que institui normas para contratação em Parcerias Público-Privadas (PPP) no âmbito da administração pública ( Gambi, 2018GAMBI, R. F. R. (2018). A gestão dos resíduos sólidos no Brasil: uma análise crítica das Parcerias Público-Privadas como arranjo emergente. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. ).

Ainda cabe destacar que o confinamento das organizações de catadores à triagem no galpão, chamado de “inclusão confinada” por Campos (2020)CAMPOS, L. S. (2020). Inclusão ampliada de catadores como estratégia para a integração do sistema municipal de gestão de resíduos sólidos. Tese de doutorado. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais. , é prejudicial para a sustentabilidade econômico-financeira desses empreendimentos. A remuneração pelo serviço de triagem raramente é concedida pelo município, ficando a receita das organizações de catadores restrita à comercialização dos materiais recicláveis selecionados. Com a baixa remuneração, as organizações de catadores enfrentam desafios para sua saúde financeira, tais como alta rotatividade de trabalhadores e falta de infraestrutura adequada ( Gutberlet, 2015GUTBERLET, J. (2015). Cooperative urban mining in Brazil: collective practices in selective household waste collection and recycling. Waste Management , v. 45, pp. 22-31. ). Essas contradições e dilemas são analisados em profundidade no que tange à inserção dos catadores na indústria da reciclagem, conforme segue.

[...] O trabalho do catador alimenta vários segmentos de reciclagem que estão ligados a cadeias produtivas muito diferentes, de vários setores da economia. Eles trabalham para a indústria de reciclagem de plástico, de PET, de papel, de metais. Mas nenhuma destas se sente mínima ou remotamente responsável pelo que está se passando na ponta. E nenhuma dessas empresas se sente responsável, porque o catador não trabalha só para a indústria de PET. A relação é remota, marginal, nas “franjas” do mercado. ( Gonçalves-Dias, 2009GONÇALVES-DIAS, S. L. F. (2009). Catadores: uma perspectiva de sua inserção no campo da indústria de reciclagem. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. , p. 259)

Então, há uma contradição da “imersão” de organizações guiadas pela solidariedade e pelo cooperativismo em uma estrutura capitalista (ibid.; Gonçalves-Dias, Santos, 2012), que também é revelada a seguir:

[...] se o objetivo dessas formas não capitalistas de organização do trabalho é ainda a produção de valores de troca, por exemplo, e se a capacidade das pessoas privadas de se apropriar do poder social do trabalho permanece incontrolada, então os trabalhadores associados, as economias solidárias e os regimes de produção planificada fracassam ou se tornam cúmplices da sua própria exploração. O esforço para estabelecer as condições para o trabalho não alienado se frustra. ( Harvey, 2016HARVEY, D. (2016). 17 contradições e o fim do capitalismo . São Paulo, Boitempo. , pp. 70-71)

Constata-se, portanto, que “a coleta seletiva no Brasil é indubitavelmente baseada em flagrante exploração da força de trabalho dos catadores pelos governos locais e pela indústria de reciclagem” ( Campos, 2014CAMPOS, H. K. T. (2014). Recycling in Brazil: challenges and prospects. Resources, Conservation & Recycling , v. 85, pp. 130-138. , p. 134). Dessa maneira, o presente artigo baseou-se nos resultados de uma pesquisa sobre as disputas relacionadas à coleta seletiva no município de São Paulo, cujos procedimentos metodológicos estão apresentados na próxima seção.

Metodologia

A pesquisa realizada teve caráter exploratório, caracterizada como qualitativa, descritiva e documental. Utilizaram-se dois principais tipos de documentos: (1) audiências públicas e (2) eventos on-line com participação de atores-chave da coleta seletiva em São Paulo. Foram identificadas e selecionadas 16 audiências públicas com relação direta ou indireta ao tema, cobrindo um horizonte de tempo de 2010 a 2020. Dos 16 documentos selecionados, 14 foram em formato de texto (708 páginas) e 2 foram em formato de vídeo (5 horas e 20 minutos). As audiências em formato de vídeo foram transcritas, resultando em um total de 796 páginas. As audiências públicas foram uma fonte de dados relevante para acompanhar a implementação da coleta seletiva ao longo da última década, assim como para acompanhar os discursos dos atores para justificar a lógica institucional nas escolhas tecnológicas e a prestação do serviço para a cidade. Os atores relevantes identificados foram: membros do poder legislativo municipal, representados pelos vereadores, membros do poder executivo (secretaria de serviços e obras, autarquia de limpeza urbana), organizações da sociedade civil (OSC), organizações de catadores e representantes das empresas de serviços de limpeza urbana.

Ainda, foram selecionados 16 eventos on-line , todos ocorridos no ano de 2020 e em formato de vídeo. Os critérios para a escolha desses eventos foram dois: o envolvimento direto ou indireto da pauta “coleta seletiva em São Paulo” e a participação de atores considerados chave identificados na revisão bibliográfica (a saber, organizações de catadores, movimento social dos catadores, empresas de limpeza urbana ou associações representativas, funcionários públicos da prefeitura envolvidos no sistema de limpeza urbana e na coleta seletiva). Os 16 eventos identificados foram transcritos, totalizando 521 páginas. O corpus da pesquisa baseou-se, portanto, em 32 documentos que totalizaram 1317 páginas.

Após a transcrição dos materiais, foi realizada análise temática do corpus de pesquisa, conforme diretrizes de Braun e Clarke (2006)BRAUN, V.; CLARKE, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology , v. 3, pp. 77-91. . Para o presente artigo foram utilizados os dados que concernem a dois temas-chave: o histórico político-institucional do programa municipal de coleta seletiva e as diferentes visões dos atores presentes na coleta seletiva do município.

Os 20 anos de programa municipal de coleta seletiva de São Paulo

Para apresentar o panorama do programa municipal de coleta seletiva de São Paulo é preciso rememorar as regulações e as políticas criadas no ano de 2002. No fim daquele ano, no contexto da “nova gestão pública”, foi promulgada a lei n. 13.478/2002, que dispunha sobre o novo sistema de limpeza urbana de São Paulo (São Paulo, 2002a). Uma das principais mudanças oriundas dessa reforma administrativa foi o disciplinamento dos contratos de concessão e permissão para os serviços de limpeza urbana. Para regular as delegações dos serviços públicos, a lei acrescenta a criação de um órgão regulador do sistema de limpeza urbana, a Amlurb – Autarquia Municipal de Limpeza Urbana. A lei também discrimina diferenças na natureza dos serviços públicos de limpeza urbana: os serviços indivisíveis (varrição de áreas públicas, desobstrução de bueiros, entre outros) e os divisíveis (coleta, transporte, tratamento e destinação final dos resíduos).

Essa divisão da natureza dos serviços foi criada para viabilizar os contratos de concessão, que “se aplicam somente quando os serviços são divisíveis, ou seja, quando é possível individualizar a sua fruição e cobrar por ela” ( Gambi, 2018GAMBI, R. F. R. (2018). A gestão dos resíduos sólidos no Brasil: uma análise crítica das Parcerias Público-Privadas como arranjo emergente. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. , p. 49). Dentro desse arranjo, foram elaborados os contratos de concessão, que incluíram os serviços de coleta seletiva e educação ambiental. Ao final do processo, já no ano de 2004, foram fixados dois contratos de concessão, de duração de 20 anos, com duas empresas diferentes, baseados em uma divisão geográfica do município em dois agrupamentos: a EcoUrbis Ambiental (Zonas Sul e Leste da cidade) e a Loga Ambiental (Zonas Norte, Oeste e Centro).

Antes da promulgação da lei do novo sistema de limpeza urbana que desencadearia nos contratos de concessão, ainda no ano de 2002 foi promulgado o decreto municipal n. 42.290/2002 (São Paulo, 2002b), que dispõe sobre a criação e as regras do programa municipal de coleta seletiva. Em suma, o programa tinha como objetivo a formação de novas cooperativas constituídas por catadores de materiais recicláveis para operar nos galpões de triagem. O decreto veio como resposta às demandas crescentes da sociedade civil organizada, que foram atendidas parcialmente. Ele viria a ser alterado em 2007 pelo decreto municipal n. 48.799/2007 ( São Paulo, 2007SÃO PAULO (2007). Decreto n. 48.799, de 9 de outubro. Confere nova normatização ao Programa Socioambiental Cooperativa de Catadores de Material Reciclável, altera a sua denominação para Programa Socioambiental de Coleta Seletiva de Resíduos Recicláveis e revoga o decreto n. 42.290, de 15 de agosto de 2002. ), que mantém parcialmente o texto original, modificando apenas o papel deliberativo do programa, que antes era compartilhado com as organizações da sociedade civil e catadores e, após, passa a ser centralizado pela burocracia da prefeitura.

No âmbito desse contrato, no que tange à coleta seletiva, as empresas concessionárias ficaram incumbidas de realizar a coleta e o transporte dos resíduos domiciliar, a educação ambiental e a construção de centrais de triagem a serem operadas pelas cooperativas de catadores ( Santos e Gonçalves-Dias, 2012SANTOS, M. C. L.; GONÇALVES-DIAS, S. L. F. (2012). “Gestão de Resíduos na cidade de São Paulo: um problema, múltiplas soluções”. In: PADOVANO, B. R.; NAMUR, M.; SALA, P. B. (orgs.). São Paulo: em busca da sustentabilidade . São Paulo, Edusp/Pini. ; Godoy, 2015GODOY, S. R. (2015). Muito além da lata de lixo: a construção da política pública e a organização do mercado de limpeza urbana no município de São Paulo . Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ). O contrato de concessão originalmente seria custeado pela Taxa de Resíduos Sólidos Domiciliares (TRSD), conhecida informalmente como “Taxa do Lixo”, que viria a ser descontinuada em 2005 pela gestão seguinte de José Serra. Gambi (2018)GAMBI, R. F. R. (2018). A gestão dos resíduos sólidos no Brasil: uma análise crítica das Parcerias Público-Privadas como arranjo emergente. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. aponta para a contradição desse contrato de concessão, posto que, com o cancelamento da taxa, descaracterizam-se completamente seu enquadramento e mecanismos de governança, ficando os contratos com formato semelhante a Parcerias Público-Privadas, nos quais há contraprestação pública no lugar de tarifas individualizadas aos usuários. A Figura 1 sintetiza a história do programa municipal de coleta seletiva através das gestões.

Figura 1
Programa municipal de coleta seletiva ao longo dos anos

Ao analisar as gestões municipais de São Paulo desde a redemocratização, percebe-se um movimento pendular, que segue o padrão de alternância de um mandato de gestões de orientação de centro-esquerda e dois mandatos de orientação de centro-direita. Os mandatos de centro-esquerda sempre foram assumidos pelo Partido dos Trabalhadores (PT), enquanto os mandatos de centro-direita foram assumidos por diversos partidos: PSDB, PSD, PFL/DEM e PPB (atual PP).

Quanto às ações implementadas, constata-se que as iniciativas mais efetivas em prol da coleta seletiva – sendo estas exitosas ou não – são oriundas das gestões do PT. Na gestão Luiza Erundina (1989-1992) se destaca a cessão de um imóvel para uma cooperativa de catadores, ação inovadora à época e que serviu de inspiração para diversas outras municipalidades, bem como o primeiro projeto-piloto de coleta seletiva na cidade. Na gestão Marta Suplicy (2001-2004), o Programa Socioambiental de Coleta Seletiva de Resíduos Recicláveis (PSCS)2 2 O programa municipal de coleta seletiva já teve mais de um nome. Para fins de padronização, adotou-se Programa Socioambiental de Coleta Seletiva de Resíduos Recicláveis (PCSC), posto que é o nome utilizado na norma mais recente, o decreto municipal n. 42.799/2007 ( São Paulo, 2007 ). foi implementado – em um modelo que se mantém bastante semelhante em seu formato de atuação até os dias atuais. Já, na gestão Fernando Haddad (2013-2016), os números do Programa Municipal cresceram de forma expressiva, mais do que dobrando os números da gestão anterior – o que se deve à maior cobertura da coleta seletiva domiciliar bem como à expansão das centrais de triagem, incluindo 12 novas cooperativas para o programa e instalando as centrais mecanizadas de triagem. Ainda, percebe-se maior viés de participação social nas ações implementadas por esses mandatos. Isso pode ser exemplificado na construção do próprio programa municipal de coleta seletiva, que teve participação efetiva da rede de organizações da sociedade civil que compunha o Fórum Lixo e Cidadania, o Fórum para o Desenvolvimento da Zona Leste e o Fórum Recicla São Paulo, bem como a construção do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, instrumento de política pública elaborado com ampla participação da sociedade civil, publicado em 2014.

Já, os mandatos de centro-direita em geral tendem a descontinuar as ações implementadas pelos mandatos de centro-esquerda. Isso se observa na gestão Paulo Maluf, com a tentativa de extinguir o projeto de coleta seletiva e reaver o terreno cedido à cooperativa Coopamare. No período de gestão José Serra e Gilberto Kassab, destaca-se a alteração do funcionamento do PSCS através de um novo decreto que tirou o poder deliberativo das cooperativas e da sociedade civil e o concentrou no Estado ( São Paulo, 2007SÃO PAULO (2007). Decreto n. 48.799, de 9 de outubro. Confere nova normatização ao Programa Socioambiental Cooperativa de Catadores de Material Reciclável, altera a sua denominação para Programa Socioambiental de Coleta Seletiva de Resíduos Recicláveis e revoga o decreto n. 42.290, de 15 de agosto de 2002. ) e alterações no contrato de concessão. Episódio semelhante aconteceu no período de gestão João Dória e Bruno Covas, quando a gestão retirou o poder deliberativo das cooperativas de catadores participantes do PSCS sobre o fundo contábil financeiro oriundo da comercialização das CMTs e concentrou essa atribuição ao Estado.3 3 Na gestão Fernando Haddad, existia o Conselho Gestor do Fundo Contábil, composto por 3 órgãos da administração municipal, 3 representantes das cooperativas de catadores parceiras, 1 entidade da sociedade civil, 1 instituição de ensino e pesquisa de nível superior e ainda um Grupo Técnico de Monitoramento composto por 6 órgãos da administração municipal. Esses espaços foram extintos na Gestão João Doria/Bruno Covas, sendo substituídos pelo Conselho de Acompanhamento, composto por 4 órgãos da administração municipal, 1 representante da gerenciadora da CMT Ponte Pequena e outro CMT da Carolina Maria de Jesus e 1 representante das cooperativas parceiras. Em geral, a relação entre prefeitura-cooperativas nas gestões de direita é marcada pela falta de diálogo e por truculência, sendo vários os casos de tentativa de retirada das cooperativas de espaços públicos e deliberativos cedidos previamente a elas.

Essa dicotomia “centro-esquerda versus centro-direita” influencia de forma marcante o andamento do PSCS, principalmente pela falta de continuidade das ações implementadas. No entanto, quando se pensa na influência do neoliberalismo nessa dinâmica de alternância, percebe-se que a lógica se encontra em ambos os espectros. Isso se dá pelo fato de que o neoliberalismo não se trata de uma forma de governo específica, mas de uma lógica. O neoliberalismo assume, portanto, o que Laval e Dardot (2016) chamam de “neutralização ideológica”, estando seu conceito acima de discussões político-ideológicas. Nesse sentido, “a aceitação prévia da economia de mercado, das virtudes da concorrência [...], e das exigências inelutáveis da ‘modernização financeira’ e tecnológica” (p. 234) assume ar de senso comum.

Essa visão afeta os programas políticos de centro-esquerda, que historicamente se aproximavam da social-democracia:

Nada ilustra melhor a virada neoliberal da esquerda do que a mudança de significado da política social, rompendo com toda a tradição social-democrata que tinha como linha diretriz um modo de partilha de bens sociais indispensáveis à plena cidadania. A luta contra as desigualdades, que era central no antigo projeto social-democrata, foi substituída pela “luta contra a pobreza ”, segundo uma ideologia de “equidade” e “responsabilidade individual” [...]. ( Dardot e Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo. , p. 233; grifos nossos)

Esse tipo de visão da centro-esquerda com influência neoliberal é refletido, por exemplo, na política econômica de conciliação de classes implementada pelo Partido dos Trabalhadores em nível federal – impactando positivamente as populações mais pobres, porém mantendo o quadro de desigualdade crônica do País (Marques, Ximenes e Ugino, 2018). Guardadas as devidas proporções, pode-se fazer um paralelo entre essa estratégia e as ações tomadas pelos governos petistas no âmbito da coleta seletiva paulistana. Como já apresentado, as gestões petistas claramente representaram ganhos sociais e ambientais para o município. Porém, esses ganhos vêm constantemente acompanhados de estratégias de “modernização” junto ao setor privado de limpeza urbana, como em uma espécie de conciliação entre a inclusão social e a lógica de competição neoliberal. Enquanto isso, as ambiguidades na agenda de governo permanecem. Na gestão Marta Suplicy, o município implementa o PSCS de forma participativa com os catadores e a sociedade civil organizada e, na mesma gestão, é instituído o novo marco regulatório e contratos de concessão robustos delegados à iniciativa privada. Já na gestão Fernando Haddad, evidencia-se a instalação das duas centrais mecanizadas de triagem que centralizam através da automatização do trabalho a etapa de triagem dos materiais recicláveis. Ao mesmo tempo, a gestão aumentou efetivamente o apoio às organizações de catadores, ampliando de 20 para 32 as cooperativas vinculadas ao programa e incluindo-as em serviços de coleta seletiva e, inclusive, na própria operação das etapas manuais das CMTs. Também houve a construção participativa do Plano Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos de São Paulo (São Paulo, 2014).

Dentro dessa dinâmica ambígua e contraditória, destacam-se as diferenças políticas e estratégicas das gestões de centro-esquerda e de centro-direita – que de fato existem. Entretanto, há claramente um elemento comum: a racionalidade neoliberal. Essa racionalidade funciona como “uma espécie de novo regime de evidências que se impôs aos governantes de todas as linhas como único quadro de inteligibilidade da conduta humana” ( Dardot e Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo. , p. 193).

Levando esses fatores em conta, o que se percebe é que, mesmo com as alternâncias de gestão, ao longo dos anos, há aumento progressivo na massa de resíduos coletada. No entanto, há que se fazer algumas ressalvas. Mesmo com a gradual evolução da massa de resíduo sólido urbano (RSU) coletada seletivamente, o patamar da coleta seletiva continua baixíssimo quando comparado com a quantidade de RSU enviado para o aterro. Se analisarmos o que representa a coleta seletiva em comparação à coleta domiciliar total (coleta regular + coleta seletiva), chegaremos à taxa de 2,04%, 2,14% e 2,54% do total de resíduos coletados, respectivamente, em 2018, 2019 e 2020, pelo programa municipal de resíduos sólidos ( São Paulo, 2021SÃO PAULO (2021). Quantitativos: resíduos coletados no município. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/amlurb/index.php?p=185375. Data de acesso: 20 abr 2021.
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
). Muitos dos fatores que justificam esses números baixos têm como origem, em última análise, a visão neoliberal da gestão da coleta seletiva municipal. De forma a aprofundar a discussão entre o neoliberalismo e a gestão e operação do programa municipal de coleta seletiva, a próxima seção analisa as escolhas tecnológicas feitas pela municipalidade.

Opções de rotas tecnológicas na coleta seletiva: escolhas racionais ou disputas sociotécnicas?

Como argumentam Dardot e Laval (2016DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo. , p. 231), “o mais importante na virada neoliberal não foi tanto a ‘retirada do Estado””, mas a modificação de suas modalidades de intervenção em nome da ‘racionalização’ e da ‘modernização’ das empresas e da administração pública”. No campo da gestão de resíduos sólidos, isso se reflete no uso do conceito de “gestão integrada de resíduos sólidos” por municipalidades e empresas de limpeza urbana para sustentar tomadas de decisão sociotécnicas das rotas tecnológicas implementadas. A gestão integrada de resíduos sólidos (GIRS) pode ser definida como “a seleção e aplicação de técnicas, tecnologias e programas de gestão adequados a atingir metas e objetivos específicos na gestão de resíduos” (Tchobanoglous, Kreith e Williams, 2002, cap. 1, p. 8; tradução nossa).

Munidas do conceito da GIRS, municipalidades e empresas discursivamente incitam uma racionalidade na qual todas as alternativas tecnológicas são importantes e não podem ser descartadas. Porém, quando esse discurso se coloca na prática, as alternativas em questão são, quase sempre, restritas a empreendimentos centralizadores, modernos, intensivos em capital e tecnologia e que demandam um pequeno contingente de pessoas. Esse discurso é ilustrado em trecho de representante da Abrelpe em uma discussão sobre soluções para a gestão de resíduos sólidos no município de São Paulo:

[...] qualquer sistema de sucesso na gestão de resíduos sólidos urbanos são as soluções integradas para dar conta desse resíduo sólido urbano. Não podemos partir de um cenário em que escolhemos que esta solução não pode, aquela alternativa eu não quero, aquilo lá não vai poder, porque eu não vou aceitar... Nós não vamos conseguir realmente ter um sistema adequado se nós não incorporarmos todas essas alternativas. (C.S., representante Abrelpe, 2020; grifos nossos)4 4 Retirado de evento público realizado em 2 de junho de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vuz6fOPUKDo&t=94s .

O que se constata neste estudo é que as rotas tecnológicas aplicadas pela municipalidade para a coleta seletiva municipal são totalmente submetidas a essa racionalidade, às custas do próprio êxito da coleta seletiva e, consequentemente, da recuperação e reciclagem dos materiais recicláveis coletados. Para aprofundar a análise desses aspectos, vejamos o Quadro 1 .

Quadro 1
Rotas tecnológicas adotadas no sistema de coleta seletiva, seus respectivos agentes operadores e tipo de contrato (em 2020)

Entre as três etapas da coleta seletiva – comunicação e educação ambiental, coleta e triagem – observa-se como característica comum a centralização: informações sobre a coleta seletiva centralizadas em um site, coleta e transporte centralizados em caminhões de alta capacidade e triagem centralizada em centrais automatizadas. Assim, a centralização é a tendência comum entre as rotas tecnológicas nas diferentes etapas da coleta seletiva – principalmente quando há participação das empresas de limpeza urbana. Quanto à comunicação e à educação ambiental, percebe-se que as estratégias se centralizam no Recicla Sampa, uma plataforma on-line com matérias jornalísticas, materiais comunicativos com instruções sobre como participar da coleta seletiva, entre outras informações. Não há, portanto, ações diversificadas de comunicação para coleta seletiva de maneira a se adequar aos diferentes territórios paulistanos de comunicação para a coleta seletiva. O argumento adotado por representantes da Amlurb é de que essa diversidade está contemplada pelo conteúdo do site .

A gente vai subir um site, e é muito simples, um site muito bem elaborado, com esse dinheiro, e dirigido para aquela diversidade, que alguém colocou aqui, que existe na cidade de São Paulo: a linguagem para o Campo Limpo, a linguagem para o Campo Belo, a linguagem para São Miguel Paulista. Como é que a gente faz esse trabalho? Estamos muito contentes. (E.T., representante Amlurb, 2018)5 5 Retirado de audiência pública realizada em 30 de outubro de 2018.

Segundo esses representantes, a plataforma consegue ser efetiva em engajar a população a aderir à participação no programa de coleta seletiva. Sem apresentar dados e indicadores, o representante da Amlurb avalia o Recicla Sampa:

Olha, se eu não tiver o envolvimento da sociedade civil organizada, ações firmes de educação ambiental, comunicação, como Recicla Sampa, gente... O trabalho do Recicla Sampa foi muito bom. Foi muito bem-feito. Entendeu? E efetivamente tá surtindo efeito. As pessoas tão reciclando mais e pensando mais em termos de resíduo. (M.D., representante da Amlurb, 2020)6 6 Retirado de evento público realizado em 2 de junho de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vuz6fOPUKDo&t=94s .

A escolha desse formato de comunicação como a principal estratégia para o engajamento da população revela uma visão dessa população como um conjunto de atores atomizados, que, ao receber as informações específicas sobre a coleta seletiva, de pronto participarão segregando seus materiais recicláveis. A partir dessa visão, os “cidadãos-consumidores” podem exercer seu poder individual de escolha, engajando e participando da coleta seletiva motivados pelas peças de comunicação on-line do Recicla Sampa. Essa visão ignora, portanto, as manifestações coletivas e políticas que os cidadãos podem ter com o programa municipal de coleta seletiva, bem como a falta de acesso à internet ou mesmo de interesse em procurar por esses conteúdos on-line .

As escolhas tecnológicas para a triagem do material são igualmente emblemáticas para pensar a lógica à qual o programa municipal de coleta seletiva vem operando. Para isso, convém retomar o histórico do programa. Originalmente, a gestão Marta Suplicy teve como concepção e, posteriormente, como meta a instalação de 32 centrais manuais de triagem operadas por organizações de catadores. A ideia com isso era contemplar cada uma das 32 subprefeituras do município com uma central de triagem para a segregação dos resíduos. A gestão terminou o mandato em 2004 com 15 centrais em operação e inseriu no contrato de concessão firmado naquele mesmo ano a obrigação das empresas concessionárias em construírem 17 novas centrais de triagem para as organizações de catadores operarem. Dessas 17, 5 eram de responsabilidade da concessionária Loga e 12 eram de responsabilidade da concessionária EcoUrbis. A construção dessas novas centrais se arrastou ao longo dos anos e, inclusive, foram pauta de discussão em audiências públicas.

Quando convidamos o Sr. E.A.C. [...] é para entender por que a Empresa A não cumpriu ainda cláusula que entrou em seu contrato, firmado em 2003, que teria de construir cinco galpões, com infraestrutura, como esteira, compactador, caminhões, dando condições e criando centros de triagem para o próprio material que ela recolhe. Mas até, 2011, não vimos as cooperativas em funcionamento. De público, gostaríamos que explicassem o porquê uma vez que está no contrato que a Empresa A assinou. Por que não foi viabilizado? Qual o motivo? Faltou dinheiro, área, vontade política, o que faltou? É grave. (I.C., vereador de São Paulo, 2011)7 7 Retirado de audiência pública realizada em 4 de maio de 2011.

O argumento sobre a não construção dos galpões de triagem foi de que a construção não havia sido realizada por conta de uma alteração contratual ainda na gestão José Serra (2005-2006), sucessor de Marta Suplicy, que prorrogou os prazos para a construção dos galpões. Mesmo com o dinheiro em caixa, oriundo de transferências federais (Klein, Gonçalves-Dias e Olivieri, 2020), a construção dos galpões não se concretizou nas gestões posteriores.

Estamos denunciando, presidente, há mais de três anos – e os catadores há ainda mais tempo – sobre um dinheiro que há no Governo Federal para a cidade de São Paulo construir dez centrais de recolhimento de lixo, e não faz porque não se destinam terrenos. Ah, não tem terreno ? O prefeito Kassab criou um departamento pilotado pelo então Secretário Rodrigo Garcia, hoje deputado federal, e logo, logo Secretário de Estado, se não me engano, ele fez o mapeamento de todas as áreas públicas disponíveis na cidade de São Paulo. Eu não preciso ir à subprefeitura e perguntar ao subprefeito se tem porque ele quer fazer pracinha bonita! Ele quer tirar o povo do meio da rua para dizer que a região dele é bonita. Ele não vai repassar área pública para fazer galpão de reciclagem. (I. C., vereador de São Paulo, 2011; grifo nosso)8 8 Retirado de audiência pública realizada em 4 de maio de 2011.

O argumento do trecho acima é bastante simbólico por explicitar a gentrificação na metrópole. A mesma lógica com que algumas gestões municipais buscaram “transportar” cooperativas instaladas em regiões centrais para regiões periféricas, é a que impõe barreiras para a instalação de galpões para a operação de cooperativas de catadores. Trata-se da lógica de mercantilização do espaço, na qual “[...] em todos os lugares, o valor de troca é o mestre e o de uso, o escravo” ( Harvey, 2016HARVEY, D. (2016). 17 contradições e o fim do capitalismo . São Paulo, Boitempo. , p. 65). Dito em outras palavras, o mercado habitacional estabelecido nas cidades faz com que políticas de gentrificação valorizem os imóveis da região (valor de troca), na mesma medida que a instalação de empreendimentos “indesejados” acarretará o contrário.

O fato é que as barreiras impostas à construção dos galpões para as cooperativas de catadores permaneceram e a estratégia da municipalidade quanto a isso foi a centralização da triagem nas Centrais Mecanizadas de Triagem (CMTs, empreendimentos mecanizados). Essa substituição é explicitamente configurada em um aditivo nos contratos de concessão retirado do Tribunal de Contas Municipal:

[...] a Amlurb optou por substituir as 12 (doze) centrais manuais por centrais totalmente mecanizadas, com produção estimada de 250 t/dia por central. A Amlurb informou que, em face da autorização para a execução das novas centrais de triagem mecanizadas em substituição às centrais previstas no TCA de 2012, a concessionária estaria desobrigada do cumprimento desse marco contratual. ( São Paulo, 2016SÃO PAULO (2016). TCM suspende reajustes de contratos de lixo da Amlurb. Disponível em: https://portal.tcm.sp.gov.br/Noticia/89. Data de acesso: 20 jun 2016.
https://portal.tcm.sp.gov.br/Noticia/89...
)

Com isso, duas CMTs foram instaladas na cidade em 2014, sendo São Paulo o primeiro município da América Latina a dispor desse tipo de empreendimento de triagem. Esse fato, por si, foi bastante divulgado pelo governo petista à época, de forma a ressaltar o quão “moderna” se tornava a operação da coleta seletiva paulistana. Se, por um lado, se ressaltam a modernidade e os avanços tecnológicos oriundos das CMTs, por outro os resultados mostraram baixa eficiência e inadequação. Também Souza, Lima e Varella (2021), ao analisarem uma das CMTs, chegam à conclusão de que a operação das centrais gera alta quantidade de rejeitos, baixa qualidade do produto final e precarização do trabalho dos catadores que lá atuam. A CMT em questão não possui fluxos específicos para a separação de materiais, como o vidro: esse material, embora coletado, não é triado pela CMT e é descartado. Mesmo os materiais como papel ou plásticos, que possuem fluxos reversos específicos na triagem mecanizada, são mal segregados, resultando em um produto final com materiais recicláveis misturados, o que impacta negativamente em seu valor de venda. Por exemplo, estima-se que a taxa de rejeitos do material que chega às CMTs é de cerca de 50% (ibid.; Haddad et al., 2020HADDAD, F. R.; SILVA, D. P.; MASSOLA, MORAES, S. L.; BERGERMAN. M. G. (2020). “Métodos de triagem de materiais recicláveis: análise comparativa de cooperativas do município de São Paulo”. In: GONÇALVES-DIAS. S. L. F.; SAKURAI, T.; ZIGLIO, L. A. I. (orgs.) Catadores e espaços de (in)visibilidades . São Paulo, Blucher. ). Ou seja, metade do que é coletado seletivamente chega às CMTs é triado e enviado como rejeito em aterros sanitários, caracterizando um trabalho desperdiçado (conforme Silva e Gonçalves-Dias, 2019SILVA, J. G. M.; GONÇALVES-DIAS, S. L. F. (2019). O ‘Trabalho desperdiçado': estudo em uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis no município de São Paulo”. Terra – Habitats Urbanos e Rurais . Ituitaba, Barlavento, v. 3, pp. 1370-1385. ).

Nesse sentido, apesar de taxadas como “modernas” ou “avançadas”, essas escolhas tecnológicas são realmente eficientes? Os números respondem que não. Como apresentado, em perspectiva quantitativa, o patamar de coleta seletiva é muito baixo, representando ainda 2% da massa total coletada. Quando se analisa qualitativamente, também ficam claras as deficiências desse sistema.

O discurso da municipalidade reconhece que os resultados da coleta seletiva são insatisfatórios. Porém, as escolhas tecnológicas aqui citadas em nenhum momento são postas em debate. Ao contrário, o prognóstico da municipalidade em relação a isso tende ao investimento em mais tecnologias centralizadas. Nisso, destaca-se a parceria com a Abrelpe (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Urbana e Resíduos Especiais) que vem trabalhando com proximidade com a prefeitura de São Paulo em soluções tecnológicas:

[...] e, nesse sentido, de pensar o futuro, de que a maior cidade da América Latina, que é a maior cidade do Brasil, possa se estruturar e dar esse exemplo. E, no nosso entendimento, isso vai em dois caminhos: um caminho é justamente incorporando novas tecnologias para a valorização dos resíduos sólidos , para um maior aproveitamento dos resíduos sólidos, na fração orgânica, na fração reciclável e até mesmo do rejeito com a produção de Combustível Derivado de Resíduo – de CDR – com a produção de energia e, também, na questão de assegurar a sustentabilidade econômico-financeira. (C.S., representante Abrelpe, 2020; grifo nosso)9 9 Retirado de evento público realizado em 2 de junho de 2020. Link: https://www.youtube.com/watch?v=vuz6fOPUKDo&t=94s

Convém destacar que a tecnologia de coprocessamento para produção de combustível derivado de resíduos (CDR), que envolve a queima dos resíduos, é uma rota tecnológica que não é prevista no Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos – que privilegia a valorização através da coleta seletiva, compostagem e biodigestão ( São Paulo, 2014SÃO PAULO (2014). Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Cidade de São Paulo. ). Mas, mesmo assim, estudos em parceria entre Amlurb, Abrelpe e Iswa vem sendo feitos quanto à implantação de uma unidade de coprocessamento em um ecoparque ( São Paulo, 2018SÃO PAULO (2018). Prefeitura lança parceria para viabilizar ecoparque na Zona Sul. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/amlurb /noticias/? p=255509. Data de acesso: 20 abr 2021.
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
).

Um contraponto aos rumos que a cidade de São Paulo vem tomando são outras soluções alternativas para coleta seletiva solidária apresentadas por Rutkowski e Rutkowski (2015)RUTKOWSKI, J. E.; RUTKOWSKI E. W. (2015). Expanding worldwide urban solid waste recycling: the Brazilian social technology in waste pickers inclusion. Waste Management & Research, v. 33, n. 12, pp. 1084-1093. . As autoras apresentam estudos de caso de municipalidades que estruturaram seus programas de coleta seletiva sob a visão da coleta seletiva solidária (mesma perspectiva reivindicada pela sociedade civil organizada nas primeiras discussões a respeito do programa municipal de São Paulo). Em síntese, nessas municipalidades, a coleta é realizada pelas cooperativas de catadores com caminhões de menor capacidade, em fluxos que aumentam a eficiência da coleta.10 10 Esse tipo de coleta, conhecido como “bandeiras”, consiste na coleta porta a porta, com veículos de baixa capacidade, que depositam os materiais recicláveis coletados em pontos estratégicos para que, posteriormente, um caminhão de maior capacidade (sem compactação) passe apenas nesses pontos, diminuindo com isso seu percurso ( Rutkowski e Rutkowski, 2015) . A educação ambiental é realizada presencialmente em todos os domicílios pelos catadores das cooperativas ou por funcionários da prefeitura como também no próprio momento da coleta – podendo incluir a entrega de panfletos. As autoras destacam a importância do que chamam de “contato pessoal regular” entre moradores e coletores. Por fim, a triagem é realizada nos galpões das cooperativas com o benefício de que, como os mesmos atores que realizaram a coleta são os que realizam a triagem, há uma otimização no processo.

Em síntese, Rutkowski e Rutkowski (ibid.) apontam que esse sistema com interface humana é muito mais eficiente do que os sistemas centralizados e mecanizados de coleta seletiva: as taxas de coleta e recuperação dos materiais são maiores, a um custo operacional e de instalação consideravelmente menor. Além disso, os sistemas integram de forma assertiva os catadores, pagando pelos serviços prestados e garantindo repasse acima do salário-mínimo. Essa eficiência também foi exemplificada em estudo de caso realizado por Lima (2006)LIMA, R. M. S. R. (2006). Implantação de um programa de coleta seletiva porta a porta com inclusão de catadores: estudo de caso em Londrina – PR . Dissertação de mestrado. Londrina, Universidade Estadual de Londrina. no município de Londrina, no qual, através da coleta seletiva solidária em 2005, a municipalidade atingiu cobertura de 100% dos domicílios, índice de rejeitos de 4% e taxa de recuperação de 18,69% (já subtraído o rejeito coletado). Esses sistemas de coleta seletiva solidários que incluem os catadores e engajam a participação da sociedade podem ser considerados a antítese das configurações que o programa paulistano de coleta seletiva vem tomando, prezando por soluções tecnocráticas em detrimento do atendimento à população e da recuperação de materiais recicláveis.

Considerações finais

A análise do programa municipal de coleta seletiva da cidade de São Paulo demonstra que a racionalidade da lógica neoliberal se faz presente desde a origem do programa municipal de coleta seletiva com a concessão dos serviços para a iniciativa privada, o que se mantém até os dias atuais. Isso atesta que o neoliberalismo, enquanto lógica institucional, assumiu de fato um caráter dominante, influenciando a ordem social vigente e as práticas cotidianas no âmbito da coleta seletiva em suas formas, modelos, contornos e características. Essa lógica influencia diretamente as escolhas tecnológicas assumidas pela municipalidade, que tendem a soluções centralizadoras e intensivas em capital e tecnologias. No pano de fundo dessa lógica neoliberal, está a visão atomizada da população, que não leva em conta soluções coletivas que valorizam a importância da participação e do controle social para o engajamento do cidadão no programa municipal de coleta seletiva. Ao mesmo tempo, as organizações de catadores participantes do programa de coleta seletiva solidária ficam confinadas aos galpões de triagem, o que implica redução das atividades e do faturamento para as organizações de catadores. Já, para a prefeitura, essa restrição implica o não aproveitamento do potencial que as organizações de catadores têm em relação ao engajamento da população, ao desempenhar serviços de coleta, comunicação e educação ambiental.

Teoricamente, o que se constata é um “padrão supraorganizacional” em que a lógica neoliberal é produzida e reproduzida na gestão de resíduos do município de São Paulo. Assim, com o argumento de “não poder descartar as ‘soluções’ para a gestão de resíduos”, essa lógica se direciona apenas a soluções centralizadoras, envolvendo, inclusive a queima dos resíduos sólidos urbanos em fornos de coprocessamento. Faz-se, então, um paralelo à “liberdade para escolher” defendida pelos neoliberais, revelando-se como uma coerção para escolher. No campo da coleta seletiva, soluções que demonstram resultados por estarem alheias à lógica neoliberal, tais como soluções descentralizadas, coletivas e autogestionárias, não entram no espectro de opções tecnocêntricas selecionadas pela burocracia estatal para o município.

Nota de agradecimento

O estudo que fundamentou este artigo foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Os autores também agradecem aos membros do Núcleo de Pesquisa em Organizações, Sociedade e Sustentabilidade (NOSS) da USP pelas inúmeras reflexões em torno da problemática dos resíduos sólidos urbanos.

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Notas

  • 1
    Candido, Soulé e Neto (2019, pp. 378-379) afirmam que multinacionais como Ambev, Coca-Cola e Nestlé, através da organização Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), deram suporte à organização das cooperativas e associações de catadores, “como uma forma de reduzir custos e evitar a responsabilidade sobre os resíduos das embalagens geradas”.
  • 2
    O programa municipal de coleta seletiva já teve mais de um nome. Para fins de padronização, adotou-se Programa Socioambiental de Coleta Seletiva de Resíduos Recicláveis (PCSC), posto que é o nome utilizado na norma mais recente, o decreto municipal n. 42.799/2007 ( São Paulo, 2007SÃO PAULO (2007). Decreto n. 48.799, de 9 de outubro. Confere nova normatização ao Programa Socioambiental Cooperativa de Catadores de Material Reciclável, altera a sua denominação para Programa Socioambiental de Coleta Seletiva de Resíduos Recicláveis e revoga o decreto n. 42.290, de 15 de agosto de 2002. ).
  • 3
    Na gestão Fernando Haddad, existia o Conselho Gestor do Fundo Contábil, composto por 3 órgãos da administração municipal, 3 representantes das cooperativas de catadores parceiras, 1 entidade da sociedade civil, 1 instituição de ensino e pesquisa de nível superior e ainda um Grupo Técnico de Monitoramento composto por 6 órgãos da administração municipal. Esses espaços foram extintos na Gestão João Doria/Bruno Covas, sendo substituídos pelo Conselho de Acompanhamento, composto por 4 órgãos da administração municipal, 1 representante da gerenciadora da CMT Ponte Pequena e outro CMT da Carolina Maria de Jesus e 1 representante das cooperativas parceiras.
  • 4
    Retirado de evento público realizado em 2 de junho de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vuz6fOPUKDo&t=94s .
  • 5
    Retirado de audiência pública realizada em 30 de outubro de 2018.
  • 6
    Retirado de evento público realizado em 2 de junho de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vuz6fOPUKDo&t=94s .
  • 7
    Retirado de audiência pública realizada em 4 de maio de 2011.
  • 8
    Retirado de audiência pública realizada em 4 de maio de 2011.
  • 9
    Retirado de evento público realizado em 2 de junho de 2020. Link: https://www.youtube.com/watch?v=vuz6fOPUKDo&t=94s
  • 10
    Esse tipo de coleta, conhecido como “bandeiras”, consiste na coleta porta a porta, com veículos de baixa capacidade, que depositam os materiais recicláveis coletados em pontos estratégicos para que, posteriormente, um caminhão de maior capacidade (sem compactação) passe apenas nesses pontos, diminuindo com isso seu percurso ( Rutkowski e Rutkowski, 2015)RUTKOWSKI, J. E.; RUTKOWSKI E. W. (2015). Expanding worldwide urban solid waste recycling: the Brazilian social technology in waste pickers inclusion. Waste Management & Research, v. 33, n. 12, pp. 1084-1093. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2021
  • Aceito
    2 Mar 2022
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