Acessibilidade / Reportar erro

Minimização de resíduos sólidos na Suécia: proposições para gestão em municípios brasileiros

Solid waste minimization in Sweden: management proposals for Brazilian municipalities

Resumo

Para que a reciclagem aconteça, são necessárias normas, participação social e infraestrutura adequada para a coleta do material descartado. As estruturas e as normas internacionais e nacionais que norteiam o gerenciamento dos resíduos sólidos na Suécia favorecem a redução do volume descartado. Nesse contexto, este artigo objetiva examinar os arranjos institucionais dos serviços de manejo dos resíduos sólidos da Região Metropolitana de Estocolmo e seus efeitos sobre a diminuição do volume encaminhado para destinação final. A metodologia utilizada tem natureza exploratória, do tipo descritiva, com análise qualitativa. Os arranjos institucionais aplicados na Suécia vêm contribuindo para o alcance de objetivos nacionais e internacionais propostos para o país e podem inspirar o aperfeiçoamento do gerenciamento desses serviços no Brasil.

Suécia; Brasil; arranjos institucionais; marco legal; gestão de resíduos sólidos

Abstract

Recycling waste require rules, social participation, and adequate infrastructure for collection of discarded material. The international and national structures and rules that govern solid waste management in Sweden enable to reduce the discarded volume. In this context, the article aims to examine the institutional arrangements for solid waste management services in the Stockholm Metropolitan Area and their minimization effects on the volume sent to final disposal. The methodology used in the study is exploratory and descriptive, with a qualitative analysis. The institutional arrangements implemented by Sweden have contributed to the fulfilment of national and international objectives proposed for the country and can inspire an improvement in the management of these services in Brazil.

Sweden; Brazil; institutional arrangements; legal framework; solid waste management

Introdução

Considera-se que ações de reciclagem e tecnologias de reuso exigem comportamento cívico, infraestrutura adequada e parceria entre organizações e Estado, que provoquem saúde e bem-estar à população e proteção à natureza. Essas atividades requerem maior avaliação das políticas públicas e dos arranjos para a provisão de serviços de Resíduos Sólidos Urbanos – RSU.

Apesar de o Brasil possuir aparato legal inovador no âmbito social dos serviços de resíduos sólidos, já que a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS insere o trabalho das associações de catadores de materiais recicláveis como um bem econômico e de valor social e incorpora a existência legal de órgãos colegiados municipais destinados ao controle social dos serviços (Brasil, 2010), os resultados da gestão municipal brasileira ainda são decepcionantes.

A décima sétima publicação do Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos, de dezembro de 2019 (Brasil, 2019BRASIL (2019). Ministério do Desenvolvimento Regional. Secretaria Nacional de Saneamento – SNIS. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos – 2017 – Brasília, MDR SNS. Disponível em: http://snis.gov.br/diagnostico-residuos-solidos/diagnostico-rs-2017. Acesso em: 18 mar 2020.
http://snis.gov.br/diagnostico-residuos-...
), divulga que 2.329 milhões de brasileiros não possuem atendimento do serviço regular de coleta de resíduos domiciliares em todo o território nacional (ibid., p.58). Essa base de dados, que se encontra no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS, está respaldada em informações voluntárias dos municípios. Na edição de 2019, 37,7% dos municípios brasileiros não participaram do levantamento. Dos municípios participantes, 61,9% declaram não possuir serviços para apoiar a coleta seletiva, e 30,7% do total das toneladas coletadas seletivamente, em 2018, tiveram a participação formal de catadores em parceria com o poder público. O cenário revelado por esse levantamento pode se tornar mais preocupante, quando surgem informações como: 24,4% dos municípios encaminham seus resíduos para unidades de disposição final consideradas inadequadas (aterros controlados e lixões) e, para cada 10 kg de resíduos descartados, somente 411 gramas são coletadas de forma seletiva (ibid.).

Em 2018, informações relevantes sobre o setor foram apresentadas pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – Abrelpe, por meio do relatório Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil. Esse relatório expõe a fragilidade das ações de gerenciamento municipais, já que, em 2017, 40,9% dos resíduos coletados em todas as regiões brasileiras foram despejados em unidades de tratamento inadequadas (Abrelpe, 2019ABRELPE – Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (2019). Os descaminhos do Lixo. Disponível em: http://abrelpe.org.br/brasil-produz-mais-lixo-mas-nao-avanca-em-coleta-seletiva/. Acesso em: 20 abr 2020.
http://abrelpe.org.br/brasil-produz-mais...
). Esse mesmo relatório apresenta uma pesquisa publicada pelo Ibope, em 2018, sobre a percepção dos brasileiros sobre os resíduos e sobre a forma como colaboram para a adequada gestão.

Os resultados revelam que 98% dos entrevistados acreditam que a reciclagem é uma atividade importante para o desenvolvimento ambiental futuro do Brasil e 94% dos participantes da enquete concordam que a separação de resíduos é a atitude correta para o sucesso da reciclagem. Entretanto, 75% não separam resíduos domiciliares e 66% desconhecem como descartar corretamente os resíduos e pouco ou nada sabem sobre coleta seletiva (ibid.).

Diante do quadro inquietante apresentado acima, o caso sueco é emblemático. A Suécia possui uma população de 10.207 milhões de pessoas (Statistics Sweden, 2018STATISTICS SWEDEN (2018). Population in the country, counties and municipalities on September 30, 2018 and population change in July–September 2018. Disponível em: https://www.scb.se/en/finding-statistics/statistics-by-subject-area/population/population-composition/population-statistics/pong/tables-and-graphs/quarterly-population-statistics--municipalities-counties-and-the-whole-country/quarter-3-2018/. Acesso em: 14 fev 2019.
https://www.scb.se/en/finding-statistics...
), que são estimuladas a adotar comportamento social voltado para a minimização e o reuso dos resíduos, que são as maiores prioridades no gerenciamento dos resíduos do país (Avfall Sverige, 2018AVFALL SVERIGE (2018). Swedish Waste Management. Disponível em: https://www.avfallsverige.se/fileadmin/user_upload/Publikationer/Avfallshantering_2018-en.pdf. Acesso em: 30 jan 2019.
https://www.avfallsverige.se/fileadmin/u...
).

A Constituição sueca, como a brasileira, define o governo local para o gerenciamento dos resíduos. Em 2017, as organizações responsáveis pelos serviços trataram 4.783.000 toneladas de resíduos domésticos, aumento de 2,5% em relação a 2016. Cada cidadão sueco produziu 473 kg de resíduos em 2017, aproximadamente 35% a mais que o cidadão brasileiro. A reciclagem doméstica representa 33,8% ou 1.617.640 toneladas. Esse valor corresponde a 160 kg/hab./ano (ibid.), ou seja, quase 22 vezes o volume reciclado pelos brasileiros, 7,37 kg/hab./ano (Brasil, 2019).

Neste artigo, três elementos essenciais para o sucesso da reciclagem são considerados prioritários: a existência de normas, a participação do cidadão impulsionada pela educação ambiental e infraestrutura adequada para a coleta do material descartado. Na Suécia, a infraestrutura instalada para a coleta e para o transporte de resíduos domésticos oportuniza o reuso e a reciclagem (Avfall Sverige, 2018AVFALL SVERIGE (2018). Swedish Waste Management. Disponível em: https://www.avfallsverige.se/fileadmin/user_upload/Publikationer/Avfallshantering_2018-en.pdf. Acesso em: 30 jan 2019.
https://www.avfallsverige.se/fileadmin/u...
). Os suecos descartam os resíduos não recicláveis domésticos separando orgânicos dos rejeitos, e a maior parte desse material é conduzida para incineração, com o propósito de gerar energia. O material reciclável é depositado em contêineres apropriados em locais de fácil acesso. As famílias podem entregar resíduos volumosos e especiais em centros municipais de coleta (IVL, [2017IVL – Swedish Environmental Research Institute Recycling and Reuse (2017). By hook or by crook. Disponível em: https://www.ivl.se/english/startpage/top-menu/pressroom/in-focus/recycling-and-reuse---by-hook-or-by-crook.html. Acesso em: 25 fev 2019.
https://www.ivl.se/english/startpage/top...
]).

Do ponto de vista de infraestrutura para o descarte e para a coleta dos resíduos sólidos domiciliares, fica evidente a necessidade de novas reflexões a respeito da gestão das políticas públicas de saneamento no Brasil, e, nesse contexto, é possível aprender pela prospecção de experiências de gestão bem-sucedidas, que apoiam o gerenciamento e promovem o aumento das taxas de reciclagem, como é o caso do manejo dos serviços de resíduos sólidos na Suécia.

A opção por examinar os arranjos institucionais implementados para os serviços de reciclagem da Suécia, o sexto país europeu que mais recicla e reutiliza material descartado (EEA, 2017EEA – European Environment Agency (2017). Waste recycling. Disponível em: https://www.eea.europa.eu/data-and-maps/indicators/waste-recycling-1/assessment. Acesso em: 21 fev 2019.
https://www.eea.europa.eu/data-and-maps/...
), pode se constituir como alternativa para a promoção de políticas, de planejamento, de planos e projetos para esse componente do saneamento básico no Brasil. Esses dois países possuem realidades bastante específicas e práticas voltadas para o gerenciamento ainda em desenvolvimento. Mas, ainda assim, a investigação pode ser justificada como contribuição à difusão de experiências exitosas para o setor.

Com esse propósito, este artigo busca examinar os arranjos institucionais aplicados nos serviços de manejo dos resíduos sólidos da Suécia e seus efeitos sobre a diminuição do volume encaminhado para destinação final e suscitar a reflexão de gestores municipais brasileiros sobre a importância de adoção de práticas gerenciais que aprimorem os serviços do setor.

O texto está organizado da seguinte forma; a primeira seção aborda temas como a importância da governança dos resíduos sólidos urbanos para a preservação ambiental, conceitos e características de arranjos institucionais; a seguir, discorre-se sobre a metodologia empregada. Na sequência, apresentam-se os arranjos institucionais empregados na Suécia, quando se buscou ilustrar e discutir como esses arranjos vêm gradativamente incentivando o aprimoramento do manejo dos serviços, a fim de reduzir a geração de rejeitos. Paralelos com a realidade brasileira são desenvolvidos. Por fim, uma síntese do que foi observado é delineada e são traçadas as compatibilidades e as divergências entre os modelos de gestão adotados para a minimização dos resíduos sólidos na Suécia e no Brasil.

A importância da adequação de arranjos institucionais para o manejo de resíduos sólidos urbanos

A formulação de políticas que enfoquem a preservação do meio ambiente se encontra ancorada em projetos sob diversas perspectivas, como aquelas que emergem dos anseios sociais, as oriundas da lógica do poder e da política e as relativas às decisões organizacionais que visam a manter ou a melhorar a posição dos negócios no mercado. A perspectiva proveniente dos anseios sociais voltados para a preservação ambiental acha-se apoiada no conceito de governança.

Jacobi, Gunther e Giatti, (2012) concebem o termo governança como mais inclusivo que o de governo, por abranger a vinculação entre sociedade, Estado, mercado, direito, instituições, políticas e ações governamentais. A governança está atrelada à interposição entre Estado e sociedade civil, transcende a abordagem “[...] técnico-institucional e se insere no plano das relações de poder e do fortalecimento de práticas de controle social e constituição de públicos participativos” (ibid., p. 335).

A superação dos desafios no atendimento às diversas demandas de serviços públicos, inclusive de valoração da natureza e do meio ambiente, perpassa pela governança e pelos arranjos institucionais que lhe dão suporte.

O estudo de Silva e Lapa (2019)SILVA, M. do N.; LAPA, T. de A. (2019). O transporte público coletivo sob a lógica da produção capitalista do espaço: uma análise do serviço de ônibus na Região Metropolitana do Recife. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 21, n. 45, pp. 511-530. DOI: https://doi.org/10.1590/2236-9996.2019-4507.
https://doi.org/10.1590/2236-9996.2019-4...
indica que, a partir da década 1960, o processo de provisão de serviços públicos das grandes aglomerações metropolitanas brasileiras ocorreu sustentado por estruturas especializadas em cada área de atuação governamental (educação, saúde, habitação, transportes). A provisão de serviços públicos ocorrida a partir de então abriu espaço para “uma dinâmica de setorialidade das funções e atribuição dos serviços prestados ” (ibid., pp. 517-518). A dinâmica relacionada à setorialidade das funções e à atribuição dos serviços prestados pode ser entendida como arranjos institucionais.

Lotta e Vaz (2015)LOTTA, G. S.; VAZ, J. C. (2015). Arranjos institucionais de políticas públicas: aprendizados a partir de casos de arranjos institucionais complexos no Brasil. Revista do Serviço Público, n. 66, pp. 171-194. Disponível em: http://seer.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/409/698. Acesso em: 26 fev 2020.
http://seer.enap.gov.br/index.php/RSP/ar...
explicam que arranjos institucionais podem ser entendidos como “[...] regras e instâncias específicas estabelecidas para definir a forma de coordenação das políticas envolvendo um número significativo e heterogêneo de agentes públicos e privados, abrangendo diferentes etapas do ciclo das políticas públicas” (ibid., p. 173). Eles afirmam que os arranjos institucionais na América Latina e no Brasil começaram a ser delineados a partir da descentralização das políticas públicas para a reforma do Estado, quando foram construídas políticas mais aderentes e próximas às necessidades sociais, embora os entes envolvidos nem sempre tenham tido capacidades de gestão e recursos compatíveis para implementá-las.

O estudo desenvolvido por Lotta e Favareto (2016)LOTTA, G.; FAVARETO, A. (2016). Desafios da integração nos novos arranjos institucionais de políticas públicas no Brasil. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 57, pp. 49-65. DOI: https://doi.org/10.1590/1678-987316245704
https://doi.org/10.1590/1678-98731624570...
, que analisa como novos arranjos institucionais consideram o papel dos territórios, compreende essa dinâmica como “[...] regras específicas que os agentes estabelecem para suas transações econômicas ou nas relações políticas e sociais e que definem a forma de coordenação de processos em campos específicos” (ibid., p. 54). Para os autores, a análise de arranjos institucionais permite explorar variáveis centrais para a compreensão e a definição de atores envolvidos, como a governança é exercida, assim como os processos decisórios e os graus de autonomia são praticados. O Quadro 1 apresenta alguns critérios de avaliação sugeridos pelos autores para análise de arranjos institucionais.

Quadro 1
– Descrição e definição de critérios de avaliação para análise de arranjos institucionais

Lotta e Favareto (ibid.) destacam a noção de dimensão territorial associada diretamente à gestão e implementação de políticas públicas. Afirmam que a implementação de políticas nacionais em diferentes territórios pode dar origem a indicadores diferenciados, sugerindo que o êxito da consecução de políticas está associado aos fatores locais, além de articulação intermunicipal e mobilização social.

O papel do território também é mencionado no trabalho de Chau, Choy e Lee (2018), que afirmam existir diversas tentativas no mundo para desenvolver arranjos institucionais que incorporem incentivos, interesses sociais e custos financeiros estatais e privados para a conservação urbana. Citam, como exemplo, o arranjo institucional para inclusão de locais ou manifestações culturais na lista de Patrimônio Mundial da Humanidade. O pedido é submetido por governos locais junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Caso o pleito seja aceito, os solicitantes devem aderir às regras da Unesco, e os locais aprovados serão conservados e protegidos por regulamentos locais e nacionais, monitorados por todas as nações inscritas na lista de Patrimônio Mundial da Humanidade. Surge, dessa forma, a noção de relação confederativa: como diferentes Estados soberanos ou sistemas de instituições supranacionais com interesses comuns interagem e se responsabilizam no processo de formulação e execução das políticas públicas.

Em plano nacional, o estudo de Coutinho e Pires (2014)COUTINHO, J. O.; PIRES, R. R. C. (2014). O papel dos arranjos institucionais no êxito das políticas ambientais: o exemplo do Programa Bolsa Verde (2011-2014). Trabalho de Conclusão de Curso. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/1831. Acesso em: 3 mar 2020.
https://repositorio.enap.gov.br/handle/1...
sobre arranjos institucionais discute as regras e os desenhos de instituições e processos que envolvem a temática ambiental. Especificamente, arranjos institucionais de um programa do governo federal que concede benefícios financeiros a famílias em situação de extrema pobreza. Os autores citam as divergências sobre o entendimento de pobreza versus a conservação ambiental existente entre sociedade civil, academia e agentes governamentais. Alertam para contratempos causados por arranjos que são implementados por diversos agentes, com diferentes procedimentos organizacionais. Concluem que esse formato, no caso estudado, resulta em atrasos das ações de desenvolvimento do território.

Arranjos institucionais contribuem para a geração de distintos processos de tomada de decisão, colaborando, de modo geral, para maior flexibilização das decisões estatais junto às demandas da sociedade, incitando o desenvolvimento sustentável. Importante tomar conhecimento sobre esses arranjos voltados para a conservação ambiental em centros urbanos. O setor de serviços voltados para o manejo de RSU tem historicamente desempenhado um papel importante na preservação ambiental, inclusive interagindo com outros setores-chave para atendimento das necessidades básicas dos cidadãos, como: moradia, saúde, educação e lazer.

A Política Nacional de Saneamento Básico, lei n. 11.445/2007 – PNSB, estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Determina princípios fundamentais, dentre eles a universalização do acesso e os serviços de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente. Essa Política se refere à limpeza urbana e ao manejo de RSU, como conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final dos resíduos sólidos (Brasil, 2007a).

As instâncias que conduzem para intervenções adequadas de manejo de RSU, ou seja, da triagem, da coleta, do transporte, do tratamento e da disposição final, colaboram de forma significativa para a diminuição dos impactos ambientais nocivos, causados pelo descarte e tratamento inapropriados.

Após o ano de 2007, quando a Política Nacional de Saneamento Básico enfatiza a criação de apoio institucional e cogestão nos serviços de saneamento, espaços decisórios de compartilhamento do poder se inserem no contexto das políticas de saneamento básico, fortalecendo um processo democrático do setor.

Para Marchi (2015)MARCHI, C. M. D. F. (2015). Novas perspectivas na gestão do saneamento: apresentação de um modelo de destinação final de resíduos sólidos urbanos. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 7, n. 1, pp. 91-105. DOI: https://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.007.001.AO06.
https://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.007...
, diferentes instrumentos de gestão participativa vêm sendo tomados no processo de estruturação dos serviços de saneamento básico, que apresentam graus de adesão diferentes, a depender da compreensão dos atores envolvidos, das respostas às demandas e da predisposição dos governos locais em compartilhar suas decisões. O compartilhamento das decisões do setor possui o apoio de normas, procedimentos e rotinas que conduzem o manejo de RSU e que, consequentemente, necessitam de arranjos institucionais para orientação e implementação de ações. A lei n. 12.305, de 2 de agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, é o exemplo mais significativo de marco regulatório que estabelece princípios, objetivos e instrumentos e especifica as diretrizes relacionadas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, dispondo sobre os instrumentos econômicos aplicáveis e sobre as responsabilidades dos geradores e do poder público (Brasil, 2010BRASIL (2010). Política Nacional de Resíduos Sólidos. Lei nº 12.305, de 2 de agosto. Brasília, Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2017 (Série legislação n. 229).).

No Brasil, apesar da existência de norma cabível, as instituições que efetuam procedimentos e rotinas de gerenciamento de RSU ainda não conseguiram desempenho adequado para refletir uma melhoria da prestação desses serviços. Marchi (2015)MARCHI, C. M. D. F. (2015). Novas perspectivas na gestão do saneamento: apresentação de um modelo de destinação final de resíduos sólidos urbanos. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 7, n. 1, pp. 91-105. DOI: https://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.007.001.AO06.
https://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.007...
aponta para alguns processos que interferem na condução das ações ligadas ao manejo de RSU, como: planejamento técnico, operacional e gerencial dos serviços, administração dos recursos humanos, patrimoniais e financeiros, organização das tarefas, direção das atividades e controle de todo o sistema de limpeza urbana, necessitando, para isso, a elaboração de Planos de Gestão de Limpeza Urbana (PGLU), programas de educação ambiental, construção de aterros sanitários, recuperação de áreas degradadas, capacitação de pessoal operacional e projetos de ressocialização dos catadores de materiais recicláveis (ibid.).

Os decepcionantes dados estatísticos relativos ao gerenciamento da minimização dos resíduos sólidos no Brasil, apresentados pelo Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (Brasil, 2019), revelam a frágil configuração dos arranjos institucionais voltados para esse serviço e apontam para urgente aperfeiçoamento. Nesse sentido, é importante considerar e dar destaque também aos marcos, estruturas, procedimentos e rotinas bem-sucedidas de processos que são adotados em outros países.

Metodologia

A metodologia adotada para atender ao objetivo deste trabalho foi o estudo de caso descritivo e exploratório. O estudo exploratório teve como finalidade buscar ampliar o conhecimento sobre características estruturais de serviços de manejo de RSU, principalmente em relação ao despejo e à coleta voltados para atividades de reuso e reciclagem. A interlocução específica com os serviços ligados aos RSUs na Suécia, país que se encontra entre os dez primeiros que mais desenvolvem atividades de reciclagem e compostagem dentre os 28 países-membros da União Europeia (EEA, 2017EEA – European Environment Agency (2017). Waste recycling. Disponível em: https://www.eea.europa.eu/data-and-maps/indicators/waste-recycling-1/assessment. Acesso em: 21 fev 2019.
https://www.eea.europa.eu/data-and-maps/...
), é proposital, em função da necessária e urgente modernização do setor no Brasil, que depende de investimento em novas plantas e contínuos recursos financeiros para a sua operação (Aprelpe, 2017).

O delineamento utilizado deu-se por meio de pesquisa bibliográfica/documental e de campo. O levantamento bibliográfico e documental foi realizado na Biblioteca Virtual da Universidade de Estocolmo, junto às produções científicas e aos marcos legais relativos ao manejo e aos arranjos institucionais dos serviços de RSU no âmbito da União Europeia, do Conselho Nórdico e da Suécia, utilizando-se descritores como redução e reciclagem, pontos de entrega voluntária e transporte e destinação de resíduos sólidos. Para o estudo de caso, optou-se por descrever a dinâmica implementada para o atendimento de serviços de RSU inserido em um contexto representativo como a Região Metropolitana de Estocolmo – RME, que registra, aproximadamente, 23% do total da população da Suécia, ou seja, 2.336 mil/hab. (Statistics Sweden, 2018STATISTICS SWEDEN (2018). Population in the country, counties and municipalities on September 30, 2018 and population change in July–September 2018. Disponível em: https://www.scb.se/en/finding-statistics/statistics-by-subject-area/population/population-composition/population-statistics/pong/tables-and-graphs/quarterly-population-statistics--municipalities-counties-and-the-whole-country/quarter-3-2018/. Acesso em: 14 fev 2019.
https://www.scb.se/en/finding-statistics...
). Para tal, as técnicas empregadas foram: a) registro fotográfico e b) anotações de campo que demonstrassem evidência empírica para replicação. Ocorreram entre os meses de janeiro e fevereiro de 2019.

Quanto aos procedimentos sistemáticos para a descrição e explicação dos eventos encontrados, o estudo desenvolveu-se em um ambiente que preconizou a abordagem qualitativa junto às estruturas públicas visitadas, como pontos de entrega voluntária, que apresentassem gestão própria ou terceirizada e que recebessem descarte de material reutilizável ou reciclável dos usuários.

Para apoiar a análise das práticas que sustentam a minimização dos RSUs na Suécia, foram adotadas e adaptadas as variáveis centrais para análise de arranjos institucionais sugeridas por Lotta e Favareto (2016)LOTTA, G.; FAVARETO, A. (2016). Desafios da integração nos novos arranjos institucionais de políticas públicas no Brasil. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 57, pp. 49-65. DOI: https://doi.org/10.1590/1678-987316245704
https://doi.org/10.1590/1678-98731624570...
, tais como: intersetorialidade, relações federativas, territorialidade e participação social. No propósito de examinar os arranjos institucionais voltados para os serviços de RSU na Suécia, das quatro variáveis centrais de avaliação sugeridas, três foram tomadas: (1) as relações confederativas e federativas; (2) a intersetorialidade; e (3) a participação da sociedade. O critério da territorialidade, também indicado por Lotta e Favareto (ibid.), não foi tratado, nesta pesquisa, devido à dificuldade de se traçar uma relação entre os papeis conferidos aos territórios suecos e brasileiros, cujos aspectos sociais, culturais e políticos são muito distintos, assim como o são as estruturas de governança dos serviços municipais de resíduos sólidos urbanos.

Nessa perspectiva, a narrativa empregada no texto procurou desenvolver uma cadeia de evidências para explicitar os arranjos institucionais que propiciam o adequado manejo dos RSUs e que promovem a minimização de rejeitos no território sueco.

Resultados

Minimização de RSU na Suécia: relações confederativas e federativas, intersetorialidade e participação social

O artigo publicado por Lindqvist (2012)LINDQVIST, K. (2012). Hybrid Governance: the case of household solid waste management in Sweden. XVI ANNUAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL RESEARCH SOCIETY FOR PUBLIC MANAGEMENT - IRSPM. Roma, Itália. Disponível em: https://lucris.lub.lu.se/ws/portalfiles/portal/5496604/3055409.pdf Acesso em: 26 nov 2022.
https://lucris.lub.lu.se/ws/portalfiles/...
, resultado de pesquisa direta (entrevistas com políticos e servidores públicos municipais) e indireta (exame de atas de reunião de conselhos, planos municipais formais e site institucionais), buscou analisar a governança dos serviços públicos de resíduos sólidos domiciliares na Suécia, usando, como estudo de caso, a cidade de Helsingborg. O autor aponta que a governança desses serviços, entendida como desenho e implementação de políticas públicas e entrega de serviços, caracteriza-se como híbrida. Conceitua governança híbrida como processo de desconcentração, ou seja, pluralidade de formas organizacionais, na qual a gestão se dá pelo poder municipal com a contribuição de serviços terceirizados; de normas legislativas nacionais e internacionais; e de partes interessadas, municípios, empresas públicas e privadas e demais stakeholders. Uma das principais conclusões da pesquisa é que as legislações nacionais e europeias indicam a esfera municipal para a gestão dos resíduos, porém o poder público municipal sueco é autônomo para estabelecimento de metas para o aprimoramento da oferta, assim como para decidir o modelo organizacional de prestação ou entrega dos serviços.

Com o panorama geral de arranjos institucionais para os serviços de resíduos sólidos da Suécia apresentado por Lindqvist (ibid.), os resultados encontrados para este trabalho são apresentados e discutidos com base em três dos quatro critérios para exame de arranjos institucionais, indicados por Lotta e Favareto (2016)LOTTA, G.; FAVARETO, A. (2016). Desafios da integração nos novos arranjos institucionais de políticas públicas no Brasil. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 57, pp. 49-65. DOI: https://doi.org/10.1590/1678-987316245704
https://doi.org/10.1590/1678-98731624570...
. Vale ressaltar que a análise crítica proposta pelos autores se baseia em um processo de julgamento, o qual busca entender a definição de atores envolvidos para como se procedem a governança, os processos decisórios e os graus de autonomia dos arranjos investigados.

Diante de tal decisão de análise, a utilidade da teoria para a prática do presente estudo de caso permitiu a seguinte sequência de apresentação dos resultados: 1) relações confederativas e federativas; 2) intersetorialidade; e 3) participação social.

As relações confederativas e federativas

O estreitamento das relações e interações entre distintas instituições supranacionais na América do Sul poderia ser protagonizado pelo Mercosul. Todavia, a ausência de debate político, legal, econômico e social nos países-membros impede avanços para uma efetiva visão comum das diversas instâncias vinculadas ao desenvolvimento da região.

No Brasil, as relações federativas do setor de resíduos sólidos possuem marco regulatório que estimulam a gestão integrada e compartilhada por diversos setores e entre entes federados. Apesar da legislação, a dinâmica entre esses entes ainda é frágil. Um aspecto sobre a relação federativa do saneamento no Brasil é discutido no estudo de Souza e Gomes (2020). Os autores discorrem sobre o desempenho do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Ministério das Cidades, até 2015, que buscou financiar a expansão dos serviços de água e esgoto em municípios com mais de 50 mil habitantes. O estudo aponta que somente 20% dos recursos empenhados foram efetivamente gastos no prazo devido e considera que a desarticulação entre as ações das esferas federal, estadual e municipal nos maiores empreendimentos executados foi uma das “[...] causas de atraso ou suspensão temporária das obras mais frequentemente observadas nos relatórios das auditorias realizadas no órgão gestor dos programas” (ibid., p. 40). Os autores consideram que a organização de uma estrutura mínima e eficaz de governança para o setor do saneamento básico no Brasil é imprescindível para se “[...] repensar novos arranjos de colaboração federativa que sejam mais eficazes em reduzir os custos da implementação para os entes envolvidos ” (ibid., p. 46).

Desde 2010, com a promulgação da PNRS, arranjos de colaboração federativa para incentivo à reciclagem no Brasil são concebidos e incentivados mediante regulamentações específicas. Em especial, os anos de 2021 e 2022 tiveram papel importante para o surgimento e implementação de normas que direcionassem o gerenciamento dos resíduos no Brasil. Em 2021, foi sancionada a lei n. 14.260/2021, que criou o Fundo de Apoio para Ações Voltadas à Reciclagem (Favorecicle) e Fundos de Investimentos para Projetos de Reciclagem (ProRecicle), objetivando incentivar indústrias e entidades dedicadas à reutilização, ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos (Brasil, 2021BRASIL (2021). Lei n. 14.260/2021 de 8 de dezembro. Estabelece incentivos à indústria da reciclagem; e cria o Fundo de Apoio para Ações Voltadas à Reciclagem (Favorecicle) e Fundos de Investimentos para Projetos de Reciclagem (ProRecicle). Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, Poder Executivo.).

Em janeiro de 2022, o decreto federal n. 10.936/2022 regulamentou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela lei federal n. 12.305 de 2010, destacando a importância da Logística Reversa (Brasil, 2022a). Em abril, foram publicados no Diário Oficial da União dois decretos, o n. 11.043/2022, que instituiu o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Brasil, 2022b), e o n. 11.044/2022, que trouxe mudanças importantes para o setor de reciclagem, por meio do Programa Recicla+, que introduziu o Certificado de Crédito de Reciclagem, incentivo de investimentos privados na reciclagem de produtos e embalagens descartados pelo consumidor (Brasil, 2022c).

A Suécia, no âmbito das relações confederativas, participa de dois importantes sistemas supranacionais: o Conselho Nórdico e a União Europeia. Redução de riscos, harmonização de normas, relações com a comunidade são procedimentos que o Conselho Nórdico aspira para a interação de diferentes Estados soberanos no processo de formulação de políticas públicas para a diminuição da geração dos resíduos.

Esse Conselho, com sede em Copenhagen, foi criado, em 1952, para proporcionar aos habitantes dos países nórdicos espaços aprazíveis e para discutir sobre o aproveitamento de recursos e de novas oportunidades econômicas (Nordic Council, [201?]). Os representantes da região nórdica aquiescem o trabalho conjunto como o mais apropriado para o alcance do desenvolvimento sustentável.

Na atualidade, o Conselho Nórdico, composto por 87 representantes de Estados soberanos e territórios autônomos, como a Suécia, possui diversas atribuições, como: recomendar certificações para setores que contribuam para a sustentabilidade; delinear diretrizes para a melhoria da qualidade de vida, por meio de relatórios; sugerir mudanças e promover premiações anuais, como o Prêmio do Meio Ambiente. O tema do prêmio de 2019 esteve ligado às iniciativas que requeriam o consumo e a produção sustentáveis, fazendo mais e melhor com menos (ibid.).

A indicação para a minimização e para a reutilização não poderia ser mais apropriada, já que alguns países que fazem parte do Conselho Nórdico, segundo o relatório da WWF de 2018WWF (2018). Living Planet Report: Aiming higher. A Snapshot of Consumption Worldwide. Disponível em: https://www.wwf.org.uk/sites/default/files/2018-10/LPR2018_Full%20Report.pdf. Acesso em: 27 fev 2019.
https://www.wwf.org.uk/sites/default/fil...
, possuem alta pegada ecológica (WWF, 2018WWF (2018). Living Planet Report: Aiming higher. A Snapshot of Consumption Worldwide. Disponível em: https://www.wwf.org.uk/sites/default/files/2018-10/LPR2018_Full%20Report.pdf. Acesso em: 27 fev 2019.
https://www.wwf.org.uk/sites/default/fil...
). O consumo excessivo é uma das preocupações de Dagfinn Høybråten, Secretário Geral do Conselho Nórdico de Desenvolvimento, que adverte sobre a necessidade de quatro planetas para sustentar o atual estilo de vida dos seus habitantes, colocando em perigo a liderança da Região Nórdica no ranking mundial de desenvolvimento sustentável (Nordic Council, [201?]).

Outra estrutura confederativa, da qual a Suécia participa, é a União Europeia. O gerenciamento dos RSUs adotado pela Suécia busca o alcance dos elementos indicados pela Hierarquia dos RSU recomendada pela União Europeia (Figura 1), que evidencia os níveis mais desejáveis para as atividades de manejo deles.

Figura 1
– Hierarquia dos resíduos sólidos da União Europeia

Essa hierarquia, inicialmente estabelecida pela Diretiva 2008/98/CE (UE, 2008UE – União Europeia (2008). Legislação da UE em matéria de gestão de resíduos. Síntese de: Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=legissum%3Aev0010. Acesso em: 12 fev 2019.
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/...
), enquadrou legalmente o tratamento dos RSUs na região e indicou como iniciativas mais desejáveis a redução na fonte e a reutilização. O propósito dessa hierarquia é evidenciar a importância da gestão dos resíduos, que deve ser empreendida sem riscos para o meio ambiente. Um destaque deve ser dado à necessidade de elaboração de planos de gestão de resíduos e programas de prevenção de resíduos pelas autoridades nacionais competentes (ibid.). Nos últimos anos, na Suécia, planos de gestão e normas específicas foram elaborados para alguns tipos de resíduos, como os eletroeletrônicos e os têxteis, para responder aos interesses e particularidades do território, seguindo os princípios estabelecidos pela EU (Avfall Sverige, 2018AVFALL SVERIGE (2018). Swedish Waste Management. Disponível em: https://www.avfallsverige.se/fileadmin/user_upload/Publikationer/Avfallshantering_2018-en.pdf. Acesso em: 30 jan 2019.
https://www.avfallsverige.se/fileadmin/u...
).

A Diretiva 2008/98/CE (ibid.) vem produzindo efeitos positivos na UE. No ano de 2000, a geração de resíduos por pessoa na região era de 521 kg/hab. Em 2017, essa média diminuiu 10%, 487 kg/hab. Os cinco países que geraram mais de 600 kg/hab foram: Dinamarca, Cyprus, Alemanha, Luxemburgo e Malta. O volume de resíduos urbanos reciclado na região vem aumentando anualmente, de 25,1%, em 2000, para 47%, em 2017 (Eurostat, 201?).

Tendo em vista acelerar as atividades que beneficiam as condições socioambientais nesse território, em maio de 2018, o Parlamento Europeu deliberou a Diretiva (UE) 2018UE – União Europeia (2018). Jornal Oficial da União. Diretiva 2018/851 do Parlamento Europeu e do Conselho de 30 de maio de 2018 que altera a Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32018L0851&from=PT. Acesso em: 12 fev 2019.
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/...
/851, ampliando as metas estabelecidas na Diretiva 2008/98/CE. Os objetivos pretendidos por essa regulação são desafiadores para o gerenciamento dos RSUs. O que se propõe é preparar os países-membros para ampliar as atividades de reutilização e reciclagem na busca da “gestão sustentável dos materiais, a fim de proteger, preservar e melhorar a qualidade do ambiente, proteger a saúde humana, assegurar uma utilização prudente, eficiente e racional dos recursos naturais” (UE, 2018, p. 1), objetivando alcançar a economia circular, na qual os resíduos são progressivamente utilizados como recursos e são criadas novas oportunidades econômicas.

Coleta seletiva é base para a economia circular. A coleta seletiva pressupõe a separação doméstica apropriada e uma infraestrutura pública adequada para o descarte dos recicláveis. As ações de gestão necessitam de uma variedade de estímulos capazes de subsidiar planejamento e inovação suficientes para transformar o atual modelo de economia linear para o alcance da economia circular. De acordo com Stahel (2016)STAHEL, W. R. (2016). Circular economy. Nature, n. 531, pp. 435-438. DOI: https://doi.org/10.1038/531435a.
https://doi.org/10.1038/531435a...
, a economia circular destaca-se como um modelo inovador, já que transforma bens que estão no final de sua vida útil em recursos para outros processos, fechando ciclos em ecossistemas industriais e minimizando resíduos. Conceitos e procedimentos abrangidos pela economia circular são consolidados à medida que se expandam iniciativas voltadas para o desenvolvimento de novos processos, conhecimentos e comportamentos.

Uma resposta sueca, no contexto metropolitano de Estocolmo, para o chamamento da União Europeia no alcance da economia circular, foi a concepção do plano intitulado Waste management plan for Stockholm 2017-2020: Together for the world's most sustainable city, que busca o aprimoramento de parcerias para a coleta, tanto por atores privados quanto por organizações sociais que atuam na região. Assim, torna-se um grande desafio, para o final do ano de 2020, a redução do volume de resíduos domésticos de 500 kg para 250 kg, per capita anual (Stockholm Vatten Och Avfall, [2017STOCKHOLM VATTEN OCH AVFALL ([2017?]). Waste management plan for Stockholm 2017–2020: Together for the world's most sustainable city. Disponível em: http://www.stockholmvattenochavfall.se/globalassets/pdf1/riktlinjer/avfall/avfallsplan/sva072-avfallsplan-en.pdf. Acesso em: 12 jan 2019.
http://www.stockholmvattenochavfall.se/g...
?]). No esforço para a minimização dos resíduos, percebe-se cooperação em escala supranacional.

Entretanto, essa não é tarefa fácil. As discussões relacionadas ao gerenciamento dos RSUs e os impactos ambientais vêm se ampliando nos municípios suecos, devido às dificuldades no cumprimento de algumas das diretrizes estabelecidas pelos países que compõem a União Europeia. Apesar do esforço e da cooperação entre sociedade, empresas e governo, a geração dos resíduos no país tende a aumentar, já que possui alto poder de consumo. Exemplo significativo para a dificuldade dos gestores de RSU para minimizar resíduos é o alto poder de compra de bens de consumo do consumidor sueco, principalmente de produtos oriundos da cadeia têxtil. Segundo o Swedish Environmental Research Institute – IVL, a partir da primeira década dos anos 2000, compram-se anualmente, em média, 13 kg de roupas por pessoa, 30% a mais que em 2000. Pequeno percentual é reutilizado ou reciclado, a maior parte das roupas descartadas vai para a incineração (IVL, [2017IVL – Swedish Environmental Research Institute Recycling and Reuse (2017). By hook or by crook. Disponível em: https://www.ivl.se/english/startpage/top-menu/pressroom/in-focus/recycling-and-reuse---by-hook-or-by-crook.html. Acesso em: 25 fev 2019.
https://www.ivl.se/english/startpage/top...
]). O estudo de Zamani, Sandin e Peters (2017) mapeia o ciclo de vida de roupas relacionadas à moda de consumo rápido da Suécia e conclui que é preocupante o volume de descarte de roupas antes do fim de sua vida útil.

Na esfera das relações federativas, um componente básico para nortear a integração de iniciativas de redução e reciclagem é a legislação. O Brasil possui uma legislação inovadora e desafiante, voltada para os resíduos sólidos, a lei n. 12.305 de 2010. Entretanto, as dificuldades para o manejo dos resíduos sólidos persistem. Dentre outros graves problemas no setor de RSU brasileiro e que vão de encontro ao determinado por lei, destacam-se: destinação final ainda direcionada para “lixões” em boa parte dos municípios, frágil implementação dos acordos setoriais assinados pelos representantes das cadeias prioritárias para implantação da logística reversa, deficiente infraestrutura pública para descarte de material reciclável na maior parte do território nacional e ausência de um panorama que apresente dados estatísticos confiáveis sobre coleta seletiva e reciclagem.

A Suécia, diferentemente do Brasil, não possui legislação específica para o manejo dos resíduos sólidos. As diretrizes normativas encontram-se inseridas no Código Ambiental Sueco, que estabelece os objetivos e as áreas para a sua aplicação e articulação, norteia a promoção do desenvolvimento sustentável fincado na gestão inteligente dos recursos naturais e incentiva a reutilização e a reciclagem, bem como outras formas de gestão de materiais, matérias-primas e energia, com vistas ao estabelecimento e à manutenção dos ciclos da natureza (Sweden Government, 1999SWEDEN GOVERNMENT (1999). The Ministry of the Environment and Energy. The Swedish Environmental Code. Disponível em: https://www.government.se/legal-documents/2000/08/ds-200061/. Acesso em: 28 fev 2019.
https://www.government.se/legal-document...
).

Como forma de condensar os aspectos desse marco regulatório, considerados relevantes para a gestão e o manejo dos resíduos sólidos, foi elaborado o Quadro 2, contendo as principais definições das ações voltadas para os serviços de manejo dos resíduos sólidos na Lei do Meio Ambiente sueca.

Quadro 2
– Principais aspectos do Marco Regulatório Sueco para os RSUs

Normas legais são dispositivos que norteiam ações sociais. Contudo, são incapazes de impedir o padrão de consumo e de geração de resíduos adotado pela coletividade. Segundo reportagem do jornal europeu The Local, em 2016, os suecos possuíam um estilo de vida que exigiria o equivalente a quatro planetas para o sustento do consumo, principalmente nos setores de alimentação e de transporte. A reportagem informa que o governo, nesse mesmo ano de 2016, propôs destinar 12,9 bilhões de coroas suecas para iniciativas focadas no meio ambiente e na mudança climática (The Local, 201?). A matéria baseou-se no Relatório Living Planet Report 2016, da WWF, que apresentou os suecos como portadores de uma das maiores pegadas ecológica do planeta, fazendo parte dos países com indicadores de hectares globais maiores que 7 ha, ao lado dos Estados Unidos, da China, dos Emirados Árabes, do Canadá e da Austrália (WWF, 2016). A destinação de fundos do orçamento governamental para meio ambiente e mudanças climáticas contribuiu para a melhoria no indicador de hectares globais que a Suécia alcançou em 2018, entre 5,25 e 7 ha (WWF, 2018WWF (2018). Living Planet Report: Aiming higher. A Snapshot of Consumption Worldwide. Disponível em: https://www.wwf.org.uk/sites/default/files/2018-10/LPR2018_Full%20Report.pdf. Acesso em: 27 fev 2019.
https://www.wwf.org.uk/sites/default/fil...
).

Responsabilidade municipal, terceirização dos serviços, plano municipal consoante o plano governamental, consultas e transparência, parcerias, consonância com as regras da União e estabelecimento de normas para tarifas são processos gerenciais que permitem o diálogo entre as diferentes esferas federativas sobre o manejo dos resíduos e que não necessitam de políticas públicas exclusivas para esses fins.

Em 1947, para o fortalecimento da articulação desses processos gerenciais, foi criada a Associação Avfall Sverige, que é o principal negociador e executor de regras políticas, sociais e legais voltadas para o manejo dos resíduos sólidos, coordenando 400 membros dos setores público e privado, que representam 99,9% da população sueca e que formam, conjuntamente, uma dinâmica que possui como requisito a prática da sustentabilidade.

Essa Associação objetiva o “desperdício zero” e, para isso, monitora o gerenciamento dos municípios associados e trata dos interesses dos membros, por meio de troca de experiências, de pesquisa e investigações, de educação e disseminação dos resultados encontrados com o propósito de facilitar a transição das atuais práticas de manejo para níveis maiores de redução e de reutilização dos RSUs (Avfall Sverige, 2018AVFALL SVERIGE (2018). Swedish Waste Management. Disponível em: https://www.avfallsverige.se/fileadmin/user_upload/Publikationer/Avfallshantering_2018-en.pdf. Acesso em: 30 jan 2019.
https://www.avfallsverige.se/fileadmin/u...
). A Avfall Sverige também representa seus membros internacionalmente em negociações com políticos, outros tomadores de decisão, por meio de comitês de desenvolvimento para a gestão dos resíduos no país.

A intersetorialidade

Lotta e Favareto (2016)LOTTA, G.; FAVARETO, A. (2016). Desafios da integração nos novos arranjos institucionais de políticas públicas no Brasil. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 57, pp. 49-65. DOI: https://doi.org/10.1590/1678-987316245704
https://doi.org/10.1590/1678-98731624570...
apontam a intersetorialidade como um critério de análise de arranjos institucionais “pela medida em que diferentes programas ou temas de políticas públicas são organizados horizontalmente permitindo integração entre eles ” (ibid., p. 54).

A integração horizontal pode envolver compartilhamento de informações em fonte de recursos, tecnologias, parcerias, planejamento e mudança de procedimentos. No Brasil, a PNRS estabelece, no art. 3º, inciso XVII, a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, por meio de atribuições individualizadas e encadeadas por diferentes setores e entes e, no art. 11º, inciso I, determina integração da organização, do planejamento e da execução das funções públicas de interesse comum relacionadas à gestão dos resíduos sólidos nas regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (Brasil, 2010). Apesar das recomendações legais, o planejamento e a gestão compartilhada dos resíduos nas diferentes esferas brasileiras enfrentam, na prática, impasses para a concretização de ações partilhadas.

O estudo realizado por Silveira, Figueiredo e Almeida (2018) discute a problemática do planejamento e da gestão ambiental no território metropolitano do Rio Grande do Norte, sob a perspectiva da gestão compartilhada dos RSUs. Uma das constatações apontada pelos dados levantados foi o tímido papel de indutor das políticas de resíduos do governo estadual, restrita à destinação final dos materiais ao aterro sanitário, com ausência de diálogo sobre outros aspectos que formam uma gestão integrada dos RSUs. Os autores consideram que,

A despeito da instituição de uma governança interfederativa entre entes que compõem arranjos metropolitanos – a partir do regramento do Estatuto da Metrópole, as diretrizes presentes na Política Nacional de Resíduos Sólidos permanecem sendo descumpridas na Região Metropolitana de Natal em virtude da ausência de colaboração por parte dos entes municipais e de coordenação pelo governo estadual. (Ibid., p. 527)

A maioria das condições descritas no estudo sobre o compartilhamento intersetorial dos serviços de RSU é recorrente em diversos municípios brasileiros. Os percentuais retratados pelas estatísticas oficiais no atendimento dos serviços públicos de resíduos ainda se encontram decepcionantes, principalmente quanto às atividades de reciclagem.

Na Suécia, o aparato legal contribui para sustentar ações impetradas para o êxito da redução e da reciclagem e as articulações para o alcance de soluções socioambientais são amparadas pelo encadeamento dos diversos setores públicos e privados. Exemplo é a taxa cobrada pelo manejo dos resíduos sólidos, que se destina à remuneração dos serviços prestados, assim como para atingir os objetivos municipais propostos pelas normas nacionais e internacionais do setor. A pluralidade política e organizacional na tomada de decisões pode ser benéfica à redução e à reciclagem.

Em 2004, a Suécia reciclava 44% dos resíduos gerados pelos usuários dos serviços. Após uma década, esse quadro foi alterado para 50% (EEA, 2017EEA – European Environment Agency (2017). Waste recycling. Disponível em: https://www.eea.europa.eu/data-and-maps/indicators/waste-recycling-1/assessment. Acesso em: 21 fev 2019.
https://www.eea.europa.eu/data-and-maps/...
). Em 2017, os dados informados pela Avfall Sverige (2018)AVFALL SVERIGE (2018). Swedish Waste Management. Disponível em: https://www.avfallsverige.se/fileadmin/user_upload/Publikationer/Avfallshantering_2018-en.pdf. Acesso em: 30 jan 2019.
https://www.avfallsverige.se/fileadmin/u...
sinalizam percentual menos robusto, que pode ser justificado pela adoção de diferentes metodologias. A reciclagem doméstica representou 1.617.640 toneladas (160 kg/hab.) ou 33,8% do total dos resíduos gerados, que foi de 4.783.000 toneladas (473 kg/hab.).

Apesar de percentuais díspares, diversos estudos acadêmicos e técnicos apontam para dados positivos e ações conjuntas para o aprimoramento da reciclagem. Os resultados do estudo de Hage, Söderholm e Berglund (2009) sobre quais determinantes contribuiriam para os suecos reciclarem papel, vidro, plástico e metal indicaram, mais uma vez, que motivos econômicos e morais influenciavam o comportamento dos entrevistados. Econômicos porque as taxas cobradas pelo serviço de coleta são minimizadas pelo esforço de redução dos rejeitos, e essa redução depende de infraestrutura pública para o descarte. A motivação moral estava associada à preservação ambiental. Entretanto, segundo os autores, os motivos morais atrelavam-se à facilidade da infraestrutura para o despejo de resíduos recicláveis (ibid.). Dessa forma, a importância de observância das normas legais e morais (autoimpostas) diminui se não houver uma conjuntura que favoreça ações de cooperação e parceria. Andersson e Stage (2018)ANDERSSON, C.; STAGE, J. (2018). Direct and indirect effects of waste management policies on household waste behavior: the case of Sweden. Waste Management, v. 76, pp. 19-27. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0956053X18301806?via%3Dihub. Acesso em: 15 fev 2019.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
, ao discutirem reciclagem, observaram que a disposição de contêineres para o descarte de resíduos orgânicos propiciava maior facilidade para o transporte, para o tratamento e para a reciclagem dos outros tipos de resíduos e era mais efetiva que a imposição de tarifas baseadas no peso dos resíduos.

Para manejar tal quantidade de resíduos, os municípios possuem diversos modelos de gerenciamento direcionados para articulações intersetoriais e normativas. Um dos modelos mais utilizados é a administração direta. Em 2014, 25% dos municípios suecos a possuíam. Em 2017, passou para 44% (Avfall Sverige, 2018AVFALL SVERIGE (2018). Swedish Waste Management. Disponível em: https://www.avfallsverige.se/fileadmin/user_upload/Publikationer/Avfallshantering_2018-en.pdf. Acesso em: 30 jan 2019.
https://www.avfallsverige.se/fileadmin/u...
). Os usuários dos serviços geralmente descartam os resíduos não recicláveis domésticos, separando orgânicos dos rejeitos, e a maior parte desse material (50%) é conduzida para incineração, para geração de energia (ibid.).

A geração de energia exige responsabilidade compartilhada entre diferentes setores que atuam desde a separação de rejeitos até o controle das emissões dos gases. A produção energética por meio de incineração de resíduos é tema do estudo de Ek e Plepiene (2018)EK, C.; PLEPIENE, J. M. (2018). Behavioral spillovers from food-waste collection in Swedish municipalities. Journal of Environmental Economics and Management, v. 89. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0095069617303881?via%3Dihub. Acesso em: 25 fev 2019.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
. Eles observam que, desde 2015, menos de 1% dos resíduos domésticos na Suécia era depositado em aterros e que a política de redirecionamento dos resíduos de aterros sanitários para a produção de energia vem sendo aprimorada. Os autores anunciam que a meta principal da Suécia é a prevenção e o aumento da recuperação de material, em detrimento das soluções de geração energética, e exemplificam práticas de gerenciamento em nível local, como a coleta seletiva de resíduos orgânicos em mais da metade dos municípios. Ainda segundo eles, em alguns municípios, a introdução da separação dos resíduos orgânicos coincidiu com redução de resíduos domésticos e melhor qualidade da triagem dos resíduos de embalagens.

Aparentemente, a conscientização exercida pelo governo para a prevenção e o aumento de recuperação de material vem ajudando a compor um quadro de infraestrutura mais integrada entre diferentes setores para o descarte de RSU em centros urbanos. Um modelo de estrutura a ser ilustrado é o da Região Metropolitana de Estocolmo – RME, área de grande crescimento populacional e alto nível de renda. A RME possui aproximadamente de 2.336 milhões de habitantes (Statistics Sweden, 2018STATISTICS SWEDEN (2018). Population in the country, counties and municipalities on September 30, 2018 and population change in July–September 2018. Disponível em: https://www.scb.se/en/finding-statistics/statistics-by-subject-area/population/population-composition/population-statistics/pong/tables-and-graphs/quarterly-population-statistics--municipalities-counties-and-the-whole-country/quarter-3-2018/. Acesso em: 14 fev 2019.
https://www.scb.se/en/finding-statistics...
).

Redução de resíduos domésticos e melhor qualidade da triagem, além de destinação ambientalmente adequada, são os propósitos da associação que presta serviços municipais para a Região Metropolitana de Estocolmo, a Stockholm Vatten Och Avfall. Essa prestadora de serviços de RSU possui o desafio de assegurar a aplicação do Regulamento Municipal, que, dentre outras atribuições, autoriza a cobrança de taxa para o manejo dos serviços.

O relatório intitulado Waste management plan for Stockholm 2017-2020: Together for the world's most sustainable city relata que a RME é uma das cinco regiões que mais cresce na Europa, estimula a reutilização e a recuperação dos resíduos e divulga o propósito de reduzir metade dos resíduos gerados (500 kg/ano/hab.) (Stockholm Vatten Och Avfall, [2017STOCKHOLM VATTEN OCH AVFALL ([2017?]). Waste management plan for Stockholm 2017–2020: Together for the world's most sustainable city. Disponível em: http://www.stockholmvattenochavfall.se/globalassets/pdf1/riktlinjer/avfall/avfallsplan/sva072-avfallsplan-en.pdf. Acesso em: 12 jan 2019.
http://www.stockholmvattenochavfall.se/g...
?]). A Stockholm Vatten Och Avfall reconheceu que o sistema de coleta, que disponibiliza contêineres para descarte de recicláveis em áreas de grande movimento de pedestres, deveria ser aprimorado por meio de parcerias, tanto com atores privados quanto com organizações sem fins lucrativos. Essa resolução resultou na instalação de vários centros de entrega voluntária (ibid.). Desde 2015, sete grandes centros municipais de entrega voluntária foram inaugurados na RME (Stockholm Vatten Och Avfall [2019STOCKHOLM VATTEN OCH AVFALL [2019?]. Hitta på sidan. Disponível em: http://www.stockholmvattenochavfall.se/avfall-och-atervinning/har-lamnar-du-dina-sopor/privatkund/har-lamnar-du-sopor/atervinningscentral/#!/foranmal-privatbesok-med-firmabil?list=har-kommunen-ansvar-for-insamling-av-elavfall_2033. Acesso em: 19 jan 2019.
http://www.stockholmvattenochavfall.se/a...
?]). Esses centros são exclusivos para o descarte de pessoas físicas.

A Stockholm Vatten Och Avfall gerencia esses centros por meio de parcerias com empresas voltadas para reúso, reciclagem ou incineração, propiciando chances para a integração entre atores. No Centro de Descarte Municipal de Roslagstulls återbruk, o usuário encontra os locais apropriados para o descarte de acordo com cartazes que divulgam a destinação a ser dada aos resíduos recolhidos (Figura 2). Após o descarte, o material é transportado por empresa terceirizada e distribuído conforme a sua utilização (Figura 3).

Figura 2
– Estocolmo – Roslagstulls återbruk – Área de coleta e triagem e cartaz de divulgação

Figura 3
– Estocolmo – Roslagstulls återbruk – Veículo de empresa terceirizada para transporte

As infraestruturas instaladas na RME incentivam os usuários a se deslocarem e descartarem apropriadamente seus resíduos, equilibrando a relação entre sociedade e práticas de separação e de descarte, para diminuição do volume de rejeitos encaminhados para destinação final.

Quando se trata especificamente da participação social, uma vez configurado o ambiente propício para a melhoria de comportamento pró-ambiental da sociedade, outro ponto que merece atenção se refere ao esforço em atenuar as tensões sociais e institucionais criadas entre a relação dualística Desenvolvimento e Preservação, que ainda persiste e requer mudanças inovadoras para o setor dos resíduos sólidos.

A participação da sociedade

O texto produzido para esta análise se fundamenta no entendimento sobre a capacidade de “mobilizar uma pluralidade de forças sociais, cada uma delas portadoras de interesses ou de habilidades sociais necessárias à consecução desses projetos” (Lotta e Favareto, 2016LOTTA, G.; FAVARETO, A. (2016). Desafios da integração nos novos arranjos institucionais de políticas públicas no Brasil. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 57, pp. 49-65. DOI: https://doi.org/10.1590/1678-987316245704
https://doi.org/10.1590/1678-98731624570...
, p. 55).

No Brasil, a mobilização de forças sociais é tratada em diversas partes da PNRS. O Capítulo II – Princípios e objetivos, o princípio X ao art. 6º proclama “o direito da sociedade à informação e ao controle social” (Brasil, 2010). Entretanto, a legitimidade da participação social imposta pela legislação é continuadamente questionada.

Esse assunto é discutido no estudo de Souza (2017)SOUZA, C. M. N. (2017). Gestão da água e saneamento básico: reflexões sobre a participação social. Saúde e Sociedade, v. 26, n. 4, pp. 1058-1070. DOI: https://doi.org/10.1590/s0104-12902017170556.
https://doi.org/10.1590/s0104-1290201717...
, que pretendeu analisar a participação social na gestão dos recursos hídricos no Brasil e contribuir também para avaliar a área de saneamento básico. Os resultados apresentados, que identificam existência de diversos mecanismos de participação na forma de controle social junto às políticas públicas, revelam a existência de dificuldades para funcionamento de procedimentos participativos. A autora considera que,

[...] saneamento já dispõe, em seu marco legal, de mecanismos de participação, instituídos na perspectiva do controle social. Contudo, levando em conta os fatores limitantes supramencionados, pode-se afirmar que, se a existência da legislação é importante, não é suficiente. É importante, posto que organiza as relações entre os atores sociais envolvidos, definindo seus direitos e deveres; não é suficiente, pois não assegura que as práticas decorrentes sejam empreendidas de modo a concretizar os objetivos propostos. (Ibid., p. 1067)

Na Suécia, a sociedade é responsável por separar e descartar seus resíduos nos pontos de coleta disponibilizados pelo município, seguindo as normas prescritas (Avfall Sverige, 2018AVFALL SVERIGE (2018). Swedish Waste Management. Disponível em: https://www.avfallsverige.se/fileadmin/user_upload/Publikationer/Avfallshantering_2018-en.pdf. Acesso em: 30 jan 2019.
https://www.avfallsverige.se/fileadmin/u...
). A atividade de reciclagem demanda um sistema participativo de gestão que compreende conscientização e disposição por parte do cidadão e desempenho gerencial compatível com o deliberado pelas normas vigentes, principalmente no que se refere à existência de infraestrutura física voltada para a coleta seletiva. Avanços tecnológicos e processuais são observados nas instalações destinadas à coleta seletiva. Anualmente, esses avanços vêm se refletindo em maiores índices de minimização dos resíduos no país.

Essa questão pode ser ilustrada pela pesquisa de Andersson e Stage (2018)ANDERSSON, C.; STAGE, J. (2018). Direct and indirect effects of waste management policies on household waste behavior: the case of Sweden. Waste Management, v. 76, pp. 19-27. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0956053X18301806?via%3Dihub. Acesso em: 15 fev 2019.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
aplicada junto a usuários suecos. Para esses pesquisadores, os municípios desempenham um papel importante para estimular a sociedade a participar dos objetivos de desperdício zero traçados pelos gestores. A pesquisa averiguou como os arranjos das políticas municipais afetam os volumes dos resíduos, especificamente em dois instrumentos: tarifas baseadas no peso e coleta especial para resíduos alimentares. Os autores afirmam que, desde o início da década de 1990 até o ano de 2014, período do estudo, 190 dos 290 municípios suecos possuíam diferentes tipos de sistemas especiais para a coleta de resíduos alimentares; coleta que podia ser obrigatória ou opcional. Observa-se que os resultados encontrados têm como base articulações que envolvem princípios normativos para a promoção da qualidade ambiental, princípios sociais relacionados ao bem-estar coletivo e princípios econômicos originados pela minimização do descarte e consequente redução de tarifação.

Talvez essas articulações justifiquem o exíguo percentual de 0,5% de resíduos domésticos enviados para aterros sanitários no ano de 2017, resultando na diminuição de 24% do volume encaminhado para esses equipamentos em relação ao ano anterior (Avfall Sverige, 2018AVFALL SVERIGE (2018). Swedish Waste Management. Disponível em: https://www.avfallsverige.se/fileadmin/user_upload/Publikationer/Avfallshantering_2018-en.pdf. Acesso em: 30 jan 2019.
https://www.avfallsverige.se/fileadmin/u...
).

Um dos desafios nos serviços de RSU de tornar o espaço urbano equilibrado e sustentável perpassa pela existência de centros de coleta voluntária de fácil acesso, com infraestrutura adequada para despejo de material reciclável. Esses equipamentos públicos contribuem significativamente para o alcance do desperdício zero.

O Centro de Descarte Municipal de Roslagstulls återbruk localiza-se no bairro central de Odenplan, em Estocolmo, onde circulam, em dias úteis, aproximadamente 100 pessoas, que descartam 50 toneladas de material. Segundo informações obtidas durante as visitas realizadas no local, nos finais de semana, entre 600 e 800 pessoas descartam material no referido Centro. Os fatores facilitadores para a maior entrega é a localização e o amplo espaço, que frequentemente passa por melhorias e dispõe de contêineres e de sinalização diferenciados, iluminação e até jardins suspensos, proporcionando conforto e segurança aos usuários (Figuras 4 e 5).

Figura 4
– Estocolmo – Roslagstulls återbruk – Iluminação e distribuição do espaço

Figura 5
– Estocolmo – Roslagstulls återbruk – Jardim suspenso

Os materiais são encaminhados para três instituições parceiras, que revendem as doações e utilizam os resultados obtidos para filantropia.

Para promover maior facilidade para a coleta seletiva, os gestores do Centro de Descarte Municipal de Roslagstulls återbruk disponibilizam para os usuários bicicletas adaptadas com caixas coletoras, que facilitam o carreto desde o domicílio até as instalações do Centro (Figura 6). Outro exemplo de facilidade são equipamentos automáticos instalados em supermercados e lojas de departamentos em todo o território sueco, como o ilustrado a seguir, que recolhe embalagens de bebidas e remunera o usuário pelo item descartado (Figura 7).

Figura 6
– Estocolmo – Roslagstulls återbruk – Bicicletas coletoras para os usuários

Figura 7
– Subúrbio RME – Jarfalla – Coleta de embalagens de bebidas com retorno financeiro

Nas áreas públicas reservadas para coleta seletiva dos subúrbios de Kalhall e de Bro, na RME, as estruturas instaladas apresentam contêineres específicos para cada tipo de resíduos, promovendo a autotriagem e facilitando as etapas de manejo subsequentes (Figuras 8 e 9).

Figura 8
– Subúrbio RME – Bro – Área para descarte na estação de trem

Figura 9
– Subúrbio RME – Kalhall – Área para descarte, com veículo coletor

Veículos apropriados recolhem o material, que segue para centrais de distribuição ou para indústrias interessadas na reciclagem. A adequada infraestrutura pública é essencial para aperfeiçoar a segregação, triagem e destinação. Essa dialética entre poder público e cidadãos, aprimorada pela participação de organizações privadas e do terceiro setor, assinala ocorrências progressivas que aproximam atitudes sociais para minimização de resíduos pretendida pelas normas supranacionais e nacionais.

Considerações finais

O estudo permitiu descrever os arranjos institucionais dos serviços de manejo dos resíduos sólidos urbanos na Suécia e os efeitos sobre o volume encaminhado para destinação final. Diante dos resultados relatados, é perceptível que os procedimentos adotados pelo arranjo institucional estabelecido pela Suécia para os serviços de RSU servem como referências para serem utilizados pelos serviços municipais brasileiros.

Foram encontradas algumas compatibilidades entre o arcabouço legal sueco e brasileiro, seja para a importância da hierarquia dos RSUs, seja para o valor atribuído à preservação ambiental no alcance do desenvolvimento sustentável. As principais divergências inserem-se no prescrito pela lei para gerenciamento dos RSUs, particularmente, para a quantidade e qualidade de equipamentos disponíveis para coleta seletiva nos municípios brasileiros. O atual cenário é desanimador e provoca grande prejuízo para o funcionamento da cadeia do manejo dos RSUs, já que apresenta infraestrutura pública inexistente ou inapropriada e não permite, ao cidadão, exercer seus deveres.

Foi mencionado, na Introdução deste artigo, que o Brasil e a Suécia possuem realidades bastante específicas e práticas voltadas para o gerenciamento ainda em desenvolvimento. O gerenciamento de RSU na Suécia, cujo modelo assertivo em procedimentos para redução de riscos ambientais ocasionados por descarte inadequado, pode servir de inspiração para municípios brasileiros. Regulamentações no Brasil são diversas e norteiam quais práticas o poder público e a sociedade devem adotar para aprimorar os serviços voltados para os resíduos sólidos. Entretanto, o que o cidadão apreende da prestação de serviços do setor de saneamento brasileiro, marcado por tantas desigualdades na prestação dos serviços, é a necessidade de o legislador e o poder público assumirem o compromisso de analisar e fiscalizar a efetividade e o impacto prático que regulações trazem à sociedade.

Ante outros aspectos que merecem enfoque, além do controle de legalidade das leis, alguns arranjos institucionais suecos mencionados podem servir de inspiração, desde que sofram adaptações necessárias, para a melhoria da efetividade do setor de RSU em municípios brasileiros. Serão exemplificadas, a seguir, duas experiências que podem favorecer o avanço da gestão municipal no Brasil e consequente melhoria do atendimento dos serviços junto à população. A primeira experiência se encontra focada na imposição do poder público sueco para a separação dos resíduos: orgânicos, rejeitos e recicláveis, envolvendo aplicação de sanções formais por não adequação, inclusive taxação de multas. Na Suécia cada material reciclável é depositado em contêineres apropriados em locais de fácil acesso. As famílias podem entregar resíduos volumosos e especiais em centros municipais de coleta. Alguns municípios brasileiros já procedem dessa maneira. Necessária e impreterível é a instalação de Pontos de Entrega Voluntária Municipais – PEV, infraestrutura menos onerosa e mais sustentável que a manutenção ou a instalação de aterros sanitários. O decreto n. 11.044/2022, que institui o Certificado de Crédito de Reciclagem – Recicla+ (Brasil, 2022c), é paradigma normativo brasileiro que respalda novo comportamento gerencial municipal. Outro exemplo europeu e que a Suécia empreende de forma exemplar é a elaboração de planos de gestão de resíduos e programas de prevenção de resíduos pelas autoridades nacionais competentes junto à população (UE, 2008). No Brasil, dentro do arcabouço da lei n. 11.445/2007, o artigo 52 estabelece a elaboração de instrumentos de implementação das políticas de saneamento básico, dentre eles, o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (Brasil, 2007a). Em 2022, o decreto n. 11.043 aprovou o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, publicado no site do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos – Sinir. Esse Decreto fornece diretrizes desafiadoras e possibilidades de apoio para a melhoria da gestão e instaura, no art. 3º, que os planos das diferentes esferas do poder público devem estar em conformidade com a Política Nacional de Resíduos Sólidos e com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Brasil, 2022b). Este é o fundamento de que municipalidades no Brasil devem se valer para dar consecução a um planejamento mais eficaz e efetivo na gestão municipal. Chegar ao patamar de efetividade dos planos suecos depende do cumprimento da regulação posta e da persistência do poder público municipal na adoção de uma lógica de planejamento que enfatize uma visão estratégica de futuro, que desloque o tradicional foco dos planejamentos clássicos, pautados na hegemonia de investimentos em obras físicas, para a aplicação de medidas estruturantes, que modifiquem os padrões de produção e o consumo insustentáveis da atualidade.

Novos estudos nessa mesma perspectiva são valorosos, fornecem subsídios para o desenvolvimento de práticas bem-sucedidas inseridas na governança desses serviços, ou seja, nas relações de poder e fortalecimento de práticas de controle social e constituição de públicos participativos para a diminuição dos impactos ambientais nocivos, causados pelo descarte e tratamento inapropriados dos resíduos sólidos no Brasil.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Aceito
    5 Jul 2021
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Rua Ministro de Godói, 969 - 4° andar - sala 4E20 - Perdizes, 05015-001 - São Paulo - SP - Brasil , Telefone: (55-11) 94148.9100 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadernosmetropole@outlook.com