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Subjetivação e riscos psicossociais da uberização do trabalho nas dinâmicas territoriais

Resumo

Diante das mudanças econômicas, políticas e tecnológicas do mundo do trabalho no território urbano, enfrentamos hoje novas informalidades que precarizam as relações e condições de trabalho de forma global. O objetivo deste ensaio é tecer reflexões críticas sobre os processos de novas subjetivações e riscos psicossociais da uberização do trabalho e seus impactos nas dinâmicas territoriais, destacando as empresas-plataforma que oferecem serviços de táxi e entrega, fazendo um panorama que desloca do cenário internacional para o nacional. Os trabalhadores uberizados enfrentam situações singulares de violências das empresas-plataforma e urbana, agravando os riscos psicossociais, a dignidade, a saúde e a qualidade de vida dos trabalhadores. As práticas, gestão e contradições dessas empresas denotam a privação do direito à cidade e a captura da subjetividade dos trabalhadores.

precarização e uberização do trabalho; saúde mental; território urbano; subjetivação; riscos psicossociais

Abstract

In view of the economic, political, and technological changes in the world of work within the urban territory, nowadays we are facing new informalities that increase the precariousness of work relationships and conditions in a global level. This essay aims to reflect critically on new subjectivations and on psychosocial risks related to the uberization of work, analyzing their impacts on territorial dynamics. We highlight platform companies that offer taxi and delivery services, and we provide a panorama that shifts from the international to the national scenario. Uberized workers face unique episodes of violence committed by platform companies and urban violence, which intensify psychosocial risks and harm workers' dignity, health, and quality of life. The practices of platform companies, as well as their management and contradictions, reveal a deprivation of the right to the city and the capture of workers' subjectivity.

precarization and uberization of work; mental health; urban territory; subjectivation; psychosocial risks

Introdução

Através do discurso sobre melhorias e modernização do mercado global e os novos avanços tecnológicos e sociais, o sistema capitalista desenvolve novas estratégias de gestão e modalidades trabalhistas que impactam as dinâmicas territoriais, condicionam os trabalhadores a construírem novas formas de subjetivação e os submetem a riscos psicossociais. Corroborando diversos autores (Pereira et al., 2020PEREIRA, A. C. L.; SOUZA, H. A.; LUCCA, S. R. de; IGUTI, A. M. (2020). Fatores de riscos psicossociais no trabalho: limitações para uma abordagem integral da saúde mental relacionada ao trabalho. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 45, n. e18, pp. 1-9. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbso/a/Yj4VrBQcQ3tgQgHcnnGkC6F/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 31 jan 2023.
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; Rodrigues, Faiad e Facas, 2020), adotamos, neste ensaio, a noção de riscos psicossociais como fatores físicos, psicológicos e sociais decorrentes da organização e gestão adversas do trabalho, que agravam as condições de saúde do trabalhador, podendo desencadear adoecimento mental e outros impactos negativos, dentro e fora do contexto de trabalho.

A pressão do mercado financeiro internacional incita mundialmente a adoção de outras modalidades de trabalho em processos neoliberais de produção de cidades, enquanto projeto de Estado (Seixas e Bordignon, 2022SEIXAS, L. P.; BORDIGNON, I. M. (2022). O ideário de smart city como elemento do capitalismo neoliberal: razão subjetiva e tecnificação do território. In: XVII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA URBANA. Anais, pp. 1-15.). No Brasil, essa pressão se legitima através das leis n. 13.429/2017 (Brasil, 2017a) e 13.467/2017 (Brasil, 2017b), que ampliam o contrato de terceirização de mão de obra, e da Emenda Constitucional n. 103/2019 (Brasil, 2019BRASIL (2019). Presidência da República. Casa Civil. Emenda Constitucional n. 103, de 12 de novembro, Brasília. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em: 15 jan 2023.
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). Juntas, elas flexibilizam e fragilizam os laços contratuais (Alves, 2011b), favorecem e embasam novas informalidades de trabalho, como aquelas estribadas em plataformas digitais, de propriedade das chamadas empresas-plataforma, precarizando as condições e relações de trabalho, bem como reduzindo a proteção e as garantias sociais trabalhistas.

Essas leis estão relacionadas com o fenômeno da plataformização, que marca o surgimento de um novo proletariado da era digital, impulsionado pela forma como o capital tem se utilizado das novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e ancorado na integração entre as TICs mediadoras da relação entre serviços urbanos, cidadãos e cidades. Seu escopo principal, ao menos no discurso por parte das empresas, é o desenvolvimento sustentável e a elevação da qualidade de vida da população, sendo o lucro, secundário. O uso dessas tecnologias requer, em geral, conexão com a internet e a posse de um telefone celular do tipo smartphone por parte dos trabalhadores. No Brasil, a mais popular das empresas-plataforma é, possivelmente, a Uber, o que torna os processos de trabalho mediado por plataformas também conhecidos como uberização do trabalho (Abílio, 2019ABÍLIO, L. C. (2019). Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, v. 18, n. 3, pp. 41-51., 2020ABÍLIO, L. C. (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, pp. 111-126. e 2021; Antunes, 2020ANTUNES, R. (2020). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo, Boitempo.).

Dentre as várias empresas-plataforma atuantes hoje no mercado, enfatizaremos aqui os trabalhadores uberizados (Abílio, 2020ABÍLIO, L. C. (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, pp. 111-126.) que exercem atividades de transporte de pessoas e entrega de encomendas pelas empresas 99, Uber, UberEats, iFood e Rappi, devido à sua popularidade e seu destaque no cenário nacional e internacional (Antunes, 2020ANTUNES, R. (2020). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo, Boitempo.; Slee, 2019SLEE, T. (2019). Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo, Elefante.). Aprofundaremos os fenômenos de exclusão social, privatização do espaço urbano e privação dos direitos dos trabalhadores enquanto cidadãos, decorrentes da flexibilização e superexploração do trabalho a partir da lógica neoliberal, expressa pelo neologismo flexploração (Bourdieu, 1998BOURDIEU, P. (1998). Contrafogos, tática para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro, Zahar., p. 125; Areosa, 2020AREOSA, J. (2020). Uberização do trabalho: o determinismo do algoritmo. Proteção ao trabalhador, v. e9, pp. 1-6.), e da privação do direito à cidade (Carlos, 2014CARLOS, A. F. A. (2014). O poder do corpo no espaço público: o urbano como privação e o direito à cidade. GEOUSP Espaço e Tempo (on-line), v. 18, n. 3, pp. 472-486.; Harvey, 2014HARVEY, D. (2014). Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes.). Destacaremos as missões – termo jurídico-administrativo que designa as identidades, a razão de ser e os propósitos que, por lei, toda empresa deve declarar (Scorsolini-Comin, 2012SCORSOLINI-COMIN, F. (2012). Missão, visão e valores como marcas do discurso nas organizações de trabalho. Psico, v. 43, n. 3, pp. 325-333.) – que a 99, a Uber, a UberEats, a iFood e a Rappi defendem, buscando revelar contradições entre suas narrativas e discurso e suas práticas de controle das atividades dos trabalhadores no território urbano (Cardoso, 2022CARDOSO, A. C. M. (2022). “Empresas-plataforma e seus tempos laborais incertos, controlados, intensos, insuficientes, longos, não pagos e heterônomos”. In: DAL ROSSO, S.; CARDOSO, A. C. M.; CALVETE, C. da S.; KREIN, J. D. (orgs.). O futuro é a redução da jornada de trabalho. Porto Alegre, Cirkula.), por meio dos algoritmos das plataformas.

Notamos, assim, alterações de ordem não apenas econômica, mas também política no mundo do trabalho, que influenciam dinâmicas territoriais e impactam negativamente na qualidade de vida da população. É nesse cenário que buscamos entender as peculiaridades dos processos de subjetivação dos trabalhadores internamente ao trabalho uberizado, bem como as singularidades dos riscos psicossociais a que tais trabalhadores estão suscetíveis, em seu cotidiano no território urbano.

Entendemos, aqui, por subjetivação o processo de formação da subjetividade que constitui o sujeito (Aita e Facci, 2011AITA, E. B.; FACCI, M. G. D. (2011). Subjetividade: uma análise pautada na Psicologia histórico-cultural. Psicologia em revista, v. 17, n. 1, pp. 32-47.; Rey, 2002REY, F. G. (2002). Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São Paulo, Pioneira Thomsom Learning. e 2007). É o fenômeno no qual os sujeitos constroem, reconstroem, organizam e manifestam, de forma singular, seus pensamentos, afetos, sentimentos e emoções, produzidos socialmente na interação com o outro, em dado contexto histórico e cultural, nos diferentes espaços que atuam e atuarão ao longo da vida (Mitjáns Martínez, 2005MITJÁNS MARTÍNEZ, A. (2005). “A teoria da subjetividade do González Rey: uma expressão do paradigma da complexidade na Psicologia”. In: REY, F. G. (org.). Subjetividade, complexidade e pesquisa em Psicologia. São Paulo, Pioneira Thomson Learning.; Rey, 2002REY, F. G. (2002). Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São Paulo, Pioneira Thomsom Learning.). Discorrer, portanto, sobre novas subjetivações exige assumir a constituição de novos sujeitos. Particularmente sobre os sujeitos trabalhadores, interessa-nos indagar como a organização e gestão do trabalho integram e modificam seu processo de subjetivação.

O principal objetivo do presente ensaio é tecer reflexões críticas sobre os processos de novas subjetivações e riscos psicossociais da uberização do trabalho e seus impactos nas dinâmicas territoriais. O ensaio busca desvelar paradoxos e contradições, tanto das cidades neoliberais, quanto do discurso das empresas-plataforma, em que contrastam uma narrativa promotora de desenvolvimento sustentável e qualidade de vida para as pessoas nas cidades, com suas práticas de gestão e controle, que revelam um cenário violento e perverso de precarização, bem como prejuízos psicológicos, sociais e políticos aos trabalhadores.

Empregamos os procedimentos metodológicos de busca e consulta a fontes secundárias – documentos acadêmicos impressos e eletrônicos –, submetendo-os ao método de leitura científica sistematizado por Cervo e Bervian (2002)CERVO, A. l.; BERVIAN, P. A. (2002). Metodologia científica. São Paulo, Prentice., que consiste em localizar as fontes que se aproximam dos propósitos do estudo pretendido, compreender e produzir leitura crítico-reflexiva dos materiais selecionados e suas respectivas redes de sentidos e significados, para, finalmente, concretizar a leitura interpretativa.

Capital global no mundo do trabalho

Observando as transformações ocorridas no universo laboral nos últimos quarenta anos, é clara a preocupação das empresas em desenvolver estratégias de atração e adesão dos trabalhadores, a fim de alimentar a constante ampliação da geração de lucro do sistema econômico-financeiro, através da exploração da força de trabalho (Silva Resende, Mata e Paiva Castro, 2015). Divulgam, nesse esforço, um discurso no qual haveria, supostamente, um jogo em que todos ganham. Ou seja, a empresa, por sua parte, estaria disposta a se organizar para atender, de forma atraente, a demandas, desejos e necessidades do trabalhador. Em troca, o trabalhador faria o mesmo pela empresa, somando-se à defesa de projetos sociais e ambientais mantidos por ela. Ambos, a princípio, sairiam ganhando nesse jogo, o que resultaria em uma imagem social positiva de uma empresa que considera as demandas do trabalhador, induzindo-o a ter orgulho de trabalhar em um ambiente no qual se sente acolhido.

É igualmente clara, nos últimos anos, a transmutação dessas preocupações, substituídas, resumidas e acentuadamente reduzidas ao aumento do lucro das empresas (Galhardo, 2020GALHARDO, P. B. (2020). Subjetividade e saúde mental nos modelos flexíveis de trabalho. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 10, pp. 83786-83797.; Secco e Kovaleski, 2022SECCO, A. C.; KOVALESKI, D. F. (2022). Do empreendedor de si mesmo à medicalização da performance: reflexões sobre a flexibilização no mundo do trabalho. Ciência & Saúde Coletiva, v. 27, pp. 1911-1918.; Silva e Neto, 2021SILVA, J. A. da; NETO, G. H. (2021). A crise estrutural do capital e a proletarização do trabalho. Revista Desenvolvimento & Civilização, v. 2, n, 2, pp. 58-73.). Esse processo se ancora na desregulação dos mercados financeiros, que enfatiza a mundialização do capital, sem o controle estatal. Aqui, o sistema dominante é, primeira e essencialmente, econômico. A lógica dos meios de produção de diferentes mercadorias e serviços está embasada, de forma dialógica e complexa, em benefícios financeiros, regulando, ditando, oprimindo, desafiando, constituindo, controlando e impactando o mundo do trabalho. Por isso, trata-se não somente de um sistema neoliberal, mas de um sistema político-econômico neoliberal globalizante, porque impacta na forma como é concebida toda a rede de direitos das pessoas, portanto sua dimensão política, para além da dimensão econômica (Alves, 2011a e 2011b).

Esses aspectos foram cruciais para a consolidação da globalização, permitindo que o capital financeiro se tornasse o determinante fundamental da economia. Assim, pontua Gaulejac, em entrevista a Braz e Silva (2020BRAZ, M. V.; SILVA, G. E. da (2020). Entrevista com Vincent de Gaulejac. Psicologia em Estudo, v. 25, pp. 1-10. Disponível em: https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.48212. Acesso em: 31 jan 2023.
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, pp. 3-4), “a economia real, isto é, a economia da produção, a economia territorializada, a economia industrial, se transformou completamente pelas exigências de rentabilidade e produtividade do share holder value”. O autor argumenta, ainda, que, em períodos anteriores, havia ao menos a preocupação em se equilibrar capital e trabalho nas organizações, mesmo que, na prática, o capital suprimisse as preocupações com o trabalho. Na atualidade hipermoderna, essa preocupação é enfraquecida ao ponto de ver-se apagada e substituída pelo valor capital-financeiro.

Assim, a economia da produção territorializada torna o mercado onipotente, criando estratégias de gestão para acelerar a produtividade e fiscalizar, mensurar e avaliar o trabalho através de indicadores quantitativos de performance e avaliação, passíveis de serem transformados em indicadores financeiros. O valor do trabalho humano passa a ser o valor financeiro gerado sem preocupação social ou de sustentabilidade. O sentido do trabalho é deslocado para outras dimensões, de caráter econômico-financeiro, extinguindo a valorização e o reconhecimento da lide das pessoas. O desenho do sistema de gestão visa estabelecer formas de controle que garantam crescente retorno financeiro, de modo a se produzir mais com menos recursos, menos processos, em menor tempo, com menos pessoas e menos desperdícios (Garcia, 2019GARCIA, I. S. (2019). As novas tecnologias no capitalismo global: impactos da “uberização” no território urbano. Revista de Direito da Cidade, v. 11, n. 2, pp. 712-740.; Thomaz Júnior, 2019).

São essas reduções que, nos processos de redesenho de modos de produção, aplicação de paradigmas de gestão e gerenciamento dos trabalhadores e produtividade, o Lean Production atua, com o argumento de que aumentar a produtividade com menor inversão de recursos conduz a níveis elevados de excelência. Essa lógica é preocupante porque, historicamente, ela tem resultado no aumento de riscos psicossociais, como diferentes casos de estresse, crises de ansiedade e mal-estar, psicossomatizações, depressão, assédios, burnout e suicídio no trabalho (Chagas, 2015CHAGAS, D. (2015). Riscos psicossociais no trabalho: causas e consequências. Revista INFAD de Psicología. International Journal of Developmental and Educational Psychology, v. 2, n. 1, pp. 439-446.; Pereira et al., 2020PEREIRA, A. C. L.; SOUZA, H. A.; LUCCA, S. R. de; IGUTI, A. M. (2020). Fatores de riscos psicossociais no trabalho: limitações para uma abordagem integral da saúde mental relacionada ao trabalho. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 45, n. e18, pp. 1-9. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbso/a/Yj4VrBQcQ3tgQgHcnnGkC6F/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 31 jan 2023.
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; Rodrigues, Faiad e Facas, 2020).

A identificação desses sintomas psicopatológicos evidencia como o sentido e o valor no mundo laboral foram modificados, degradando a dignidade e a saúde mental do trabalhador (Braz e Silva, 2020BRAZ, M. V.; SILVA, G. E. da (2020). Entrevista com Vincent de Gaulejac. Psicologia em Estudo, v. 25, pp. 1-10. Disponível em: https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.48212. Acesso em: 31 jan 2023.
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). A estratégia de gestão embasada no sistema político-econômico capitalista abstém as organizações e o Estado de se corresponsabilizarem pelos riscos psicossociais que impactam negativamente na saúde mental dos trabalhadores, legitimando e fortalecendo suas origens e efeitos globalizantes (Franco e Ferraz, 2019FRANCO, D. S.; FERRAZ, D. L. da S. (2019). Uberização do trabalho e acumulação capitalista. Cadernos Ebape BR, v. 17, pp. 844-856.; Monteiro et al., 2022MONTEIRO, J. K. et al. (2022). “Os sentidos do trabalho em tempos de capitalismo neoliberal: como fica a saúde mental do trabalhador?”. In: CARVALHO-FREITAS, M. N. de et al. (orgs.). Psicologia organizacional e do trabalho: perspectivas teórico-práticas. São Paulo, Vetor.; Nascimento e Borges, 2022NASCIMENTO, V. A. do; BORGES, S. M. (2022). A precarização do trabalho e a saúde mental dos trabalhadores por aplicativo. Disciplinarum Scientia| Ciências Humanas, v. 23, n. 1, pp. 133-157.). A saúde mental passa, assim, a ocupar uma posição central na discussão sobre o mundo do trabalho, uma vez que seu conceito perpassa o esforço empreendido pelo trabalhador em conciliar, lidar e equilibrar os desafios, as adversidades e as tensões cotidianas no trabalho. Nesse processo, o trabalhador precisa de uma gestão e de uma organização do trabalho que favoreçam a autonomia e a cooperação, que permitam o diálogo e ofereçam um espaço de fala-escuta para que as fontes de sofrimento e adoecimento possam manifestar-se. No coletivo, é necessário que se negociem formas mais criativas, democráticas e saudáveis de resolver adversidades, constrangimentos, angústias e demais problemas no trabalho, ressignificando as experiências laborais em fontes de prazer e melhor qualidade de vida (Galhardo, 2020GALHARDO, P. B. (2020). Subjetividade e saúde mental nos modelos flexíveis de trabalho. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 10, pp. 83786-83797.; Goulart, 2013GOULART, D. M. (2013). Autonomia, saúde mental e subjetividade no contexto assistencial brasileiro. Revista Guillermo de Ockham, v. 11, n. 1, pp. 21-33.; Monteiro et al., 2022MONTEIRO, J. K. et al. (2022). “Os sentidos do trabalho em tempos de capitalismo neoliberal: como fica a saúde mental do trabalhador?”. In: CARVALHO-FREITAS, M. N. de et al. (orgs.). Psicologia organizacional e do trabalho: perspectivas teórico-práticas. São Paulo, Vetor.; Pereira et al., 2020PEREIRA, A. C. L.; SOUZA, H. A.; LUCCA, S. R. de; IGUTI, A. M. (2020). Fatores de riscos psicossociais no trabalho: limitações para uma abordagem integral da saúde mental relacionada ao trabalho. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 45, n. e18, pp. 1-9. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbso/a/Yj4VrBQcQ3tgQgHcnnGkC6F/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 31 jan 2023.
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; Silva Resende, Mata e Paiva Castro, 2015). Esse diálogo requer uma aproximação constante com os sindicatos, objetivando o reconhecimento do nexo de causalidade entre adoecimento e trabalho.

De fato, décadas passaram-se até que as organizações se responsabilizassem e reconhecessem que há riscos psicossociais no trabalho e que eles podem prejudicar a saúde dos trabalhadores (Franco e Ferraz, 2019FRANCO, D. S.; FERRAZ, D. L. da S. (2019). Uberização do trabalho e acumulação capitalista. Cadernos Ebape BR, v. 17, pp. 844-856.; Monteiro et al., 2022MONTEIRO, J. K. et al. (2022). “Os sentidos do trabalho em tempos de capitalismo neoliberal: como fica a saúde mental do trabalhador?”. In: CARVALHO-FREITAS, M. N. de et al. (orgs.). Psicologia organizacional e do trabalho: perspectivas teórico-práticas. São Paulo, Vetor.). O que se discute, hoje, são novas formas de alienação e exploração que mobilizam intervenções sindicais e estatais para melhorias no que diz respeito à saúde e aos direitos trabalhistas. Não se deve, portanto, individualizar os problemas advindos da atividade laboral e culpabilizar os trabalhadores. É preciso manter o processo de luta que, na atualidade, ganha uma nova configuração: a luta por lugares em substituição à concepção de luta de classes típica do capitalismo industrial. A disputa passa a ser pela conquista de um espaço no mundo para sobreviver e existir na sociedade. Aqueles que não entram nessa luta inexistem. E aqueles que perdem a disputa são ignorados, descartados, excluídos (Silva e Pacheco, 2017SILVA, T. J. A.; PACHECO, T. P. (2017). As consequências psicossociais do desemprego. Ciência Amazônida, v. 1, n. 2, pp. 1-12.).

Diante disso, as empresas veem a necessidade, tanto de se reinventar constantemente para acompanhar as transformações tecnológicas (Dias, Fernandes e Silva, 2022), sociais e econômicas do mundo, criando regras, normas e metas para os seus trabalhadores; quanto de se valer das tecnologias disponíveis em prol do aumento de produtividade e da competitividade. Contraditoriamente, porém, as exigências impostas pelas empresas para atender às expectativas de instituições internacionais acerca do controle de qualidade e excelência (Gaulejac, 2007GAULEJAC, V. (2007). Gestão como doença social. São Paulo, Ideias e Letras.) dos produtos e serviços não correspondem aos recursos que elas próprias disponibilizam aos trabalhadores para que eles cumpram suas atribuições, gerando alienação, insatisfação, sofrimento e adoecimento. Criam-se, assim, paradoxos (Gaulejac, 2021GAULEJAC, V. (2021). “A NGP: a nova gestão paradoxal”. In: BENDASSOLLI, P. F.; SOBOLL, L. A. P. (orgs.). Clínicas do trabalho. Belo Horizonte, Artesã.) no contexto laboral, em que as prescrições se desalinham das condições reais de trabalho, desencadeando um sentimento de desamparo e culpa nos trabalhadores quando não conseguem adaptar-se, aceitar ou flexibilizar-se suficientemente no esforço de “vestir a camisa” e “dar o sangue” pelo sucesso da organização (Gaulejac, Braz e Silva, 2020BRAZ, M. V.; SILVA, G. E. da (2020). Entrevista com Vincent de Gaulejac. Psicologia em Estudo, v. 25, pp. 1-10. Disponível em: https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.48212. Acesso em: 31 jan 2023.
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; Linhares e Siqueira, 2014LINHARES, A. R. P.; SIQUEIRA, M. V. S. (2014). Vivências depressivas e relações de trabalho: uma análise sob a ótica da psicodinâmica do trabalho e da sociologia clínica. Cadernos Ebape BR, v. 12, pp. 719-740.; Viana Braz, 2019VIANA BRAZ, M. (2019). Paradoxos do trabalho: as faces da insegurança, da performance e da competição. Curitiba, Appris.).

Há uma relação direta entre a flexibilização que apenas atende aos interesses do capital e à precarização do trabalho, pois, à medida que o Estado se submete a imposições neoliberais, determinando que os trabalhadores precisam ser flexíveis, multifuncionais, multidisciplinares, possuir múltiplas habilidades e competências que atravessam diferentes responsabilidades para atender às demandas organizacionais, instaura-se a precarização, advinda da flexploração dos trabalhadores (Areosa, 2020AREOSA, J. (2020). Uberização do trabalho: o determinismo do algoritmo. Proteção ao trabalhador, v. e9, pp. 1-6.; Bourdieu, 1998BOURDIEU, P. (1998). Contrafogos, tática para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro, Zahar., p. 125). Articulando flexibilidade e superexploração, a flexploração opera através da exigência crescente de excelência na produtividade e nos resultados organizacionais exibidos pelos trabalhadores, sem que suas condições e garantias de proteção social e trabalhistas sejam melhoradas ou mesmo mantidas.

André, Silva e Nascimento (2019) observam que há diferença entre precariedade e precarização. Precariedade diz respeito à organização do trabalho embasada em fins econômico-financeiros que colonizam os trabalhadores e os condicionam a realizar suas atividades em contextos de risco e degradação, tornando-os vulneráveis, desprotegidos legal, social e psicologicamente, gerando neles sentimento de insegurança e impotência. Já a precarização ocorre quando, a partir dos mecanismos de precariedade, o trabalho deteriora-se e o trabalhador perde a estabilidade e os direitos trabalhistas historicamente construídos (Alves, 2011b; Galvão et al., 2019GALVÃO, A.; CASTRO, B.; KREIN, J. D.; TEIXEIRA, M. O. (2019). Reforma trabalhista: precarização do trabalho e os desafios para o sindicalismo. Caderno CRH, v. 32, pp. 253-270.).

A precarização é, assim, concebida como um fenômeno multifacetado no qual os trabalhadores têm seus direitos e reconhecimentos negados (Franco, Druck e Seligmann-Silva, 2010) e paulatinamente suprimidos. Confrontados à precarização, os trabalhadores desenvolvem estratégias para suportar as fontes de sofrimento e sobreviver nas disputas de território. Quando essas estratégias falham, os trabalhadores adoecem, sem ter consciência de todo esse processo que impacta suas dimensões não somente físicas e econômicas, mas também psíquicas e sociais e que lhes impõe novas formas de subjetivação (Alves, 2011a; Franco, Druck e Seligmann-Silva, 2010; Nascimento e Muniz, 2019NASCIMENTO, B. M. F. do; MUNIZ, H. P. (2019). Mobilização subjetiva: do sofrimento ao viver criativo no trabalho. ECOS-Estudos Contemporâneos da Subjetividade, v. 9, n. 1, pp. 40-52.). É nesse contexto de flexibilização e precarização que se situa a uberização do trabalho por ação das empresas-plataforma.

Precarização do trabalho, uberização e dinâmicas territoriais

Nas dinâmicas de reprodução espacial do sistema político-econômico neoliberal globalizante, que evidencia as desigualdades e exclusões sociais, os trabalhadores buscam oportunidades de sobrevivência em áreas urbanas, especialmente em regiões metropolitanas, metrópoles e cidades médias. Assim, a relação entre capital e trabalho atinge dimensões territoriais, acentuando a manifestação, no espaço, dos processos de superexploração.

Com a submissão dos avanços científicos e tecnológicos dos últimos anos (Dias, 2022DIAS, M. F. G. (2022). “O que será, que será?” Precarização, uberização e o futuro do trabalho. Boletim de Conjuntura (BOCA), v. 12, n. 35, pp. 77-86.) aos interesses do mercado financeiro, as regras neoliberais fortalecem-se, gerando novos modelos produtivos e de gestão e um consequente cenário de precarização do trabalho, em escala global. Assim, a fórmula da uberização (Abílio, 2020ABÍLIO, L. C. (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, pp. 111-126.) consolida-se em um mundo do trabalho que vive uma fragilização histórica, marcada pela desregulamentação que favorece o surgimento de novas informalidades e a desagregação da classe trabalhadora pelo enfraquecimento dos movimentos sindicais. Uberização e precarização passam, assim, a compor um par conceitual em relação de íntima interdependência (Abílio, 2021ABÍLIO, L. C. (2021). Uberização e juventude periférica: desigualdades, autogerenciamento e novas formas de controle do trabalho. Novos estudos CEBRAP, v. 39, pp. 579-597.; Mendonça Azevedo e Oliveira, 2022MENDONÇA AZEVEDO, I. de; OLIVEIRA, H. C. de (2022). Relações de poder e dominação nas plataformas: reflexão crítica sobre a trama da uberização. Administração de Empresas em Revista, v. 3, n. 29, pp. 40-59.).

Em sua obra intitulada Uberização: a nova onda do trabalho precarizado, Slee (2019)SLEE, T. (2019). Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo, Elefante. enfatiza que o fenômeno da uberização foi originalmente concebido e articulado visando compor uma economia de compartilhamento. Oitaven, Carelli e Casagrande (2018) argumentam que, na realidade, a uberização constituiria, antes, uma economia informal – designada pelos autores como “economia do bico” (p. 11) ou gigeconomy – categorizada em crowdwork, work on demand e caracterizada até mesmo como non-standard work. Esses termos designam trabalhos sob demanda, executados inteiramente de forma eletrônica, mediado por plataformas on-line que conectam empresas, clientes e trabalhadores cadastrados, os quais devem estar ativos, aceitando submeter-se a controles, normas e regras dos algoritmos das empresas-plataforma (Cardoso, 2022CARDOSO, A. C. M. (2022). “Empresas-plataforma e seus tempos laborais incertos, controlados, intensos, insuficientes, longos, não pagos e heterônomos”. In: DAL ROSSO, S.; CARDOSO, A. C. M.; CALVETE, C. da S.; KREIN, J. D. (orgs.). O futuro é a redução da jornada de trabalho. Porto Alegre, Cirkula.; Rauber et al., 2022RAUBER, A. O.; BITENCOURT, R. G.; GALLON, S.; PAULI, J. (2022). Proposição de uma agenda de pesquisa sobre uberização do trabalho e economia GIG. Gestão & Planejamento-G&P, v. 23, n. 1, pp. 109-124.). Os algoritmos executam buscas e alimentam bancos de dados com base no perfil dos clientes, prevendo seu comportamento e condições gerais (Slee, 2019SLEE, T. (2019). Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo, Elefante.).

Mas o sistema algorítmico definido pela empresa-plataforma opera também um esquema de avaliação que atribui notas ao serviço prestado, além de outras medidas dúbias e obnubiladas de gamificação, fiscalização, bonificação e punição (Braz et al., 2020BRAZ, M. V. et al. (2020). Turkerização e gestão algorítmica do trabalho em plataformas de microtarefas. Conversas em Psicologia, v. 1, n. 1, pp. 1-15.; Cardoso et al., 2022CARDOSO, A. C. M.; PARADELA, V. C.; GOLIATT, L.; SILVA A. C. E. P.; SIQUEIRA, R. de A. (2022). A pandemia da covid-19 e o agravamento da precariedade do trabalho dos motoristas em empresas-plataforma de transporte individual em uma cidade brasileira de médio porte. Revista da ABET, v. 21, n. 1, pp. 33-51.). O sistema cria padrões de qualidade para a existência e a manutenção da empresa-plataforma, exigindo dos trabalhadores o alcance desses padrões. Diante de tais expedientes, a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2006OIT – Organização Internacional do Trabalho (2006). Recomendação de Relações de Trabalho (nº 198 – R198). Disponível em: https://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:55:0::NO::P55_TYPE,P55_LANG,P55_DOCUMENT,P55_NODE:REC,es,R198,%2FDocument. Acesso em: 15 jan 2023.
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), na recomendação 198, incentivou, de forma global, os estados a intervirem nos contextos em que falsos vínculos empregatícios sejam identificados. Outrossim, o Estado deve criar leis e políticas de proteção, humanização e garantia dos direitos trabalhistas, fiscalizando e punindo empresas que atuem de forma falaciosa, sustentando um discurso em que oferecem uma oportunidade de trabalho disfarçada de emprego. Para problematizar o incentivo da OIT e contrastar discursos e práticas das empresas-plataforma, destacamos, no Quadro 1, algumas das missões expressas pelas empresas.

Quadro 1
– Missões de empresas-plataforma com serviços de táxi urbano e entregas de mercadorias, nos quais são utilizados veículo automotor, bicicleta ou motocicleta

Com o discurso de conferir maior fluidez aos deslocamentos urbanos, com preços mais acessíveis, mais mobilidade e mobilização, somado à suposta comodidade de buscar e deixar o cliente no local selecionado (táxi) ou de enviar os produtos selecionados e comprados pelo cliente (entrega) com mais conforto e segurança, essas empresas acabam atraindo certa clientela que prefere recorrer aos aplicativos ao invés de se arriscar à eventual superlotação, desconforto e insegurança no transporte público, acrescidos do tempo de deslocamento até os pontos, nem sempre de fácil acesso. Porém, para além das comodidades oferecidas ao cliente, é importante considerar a que preço tais serviços são mantidos, enfatizando-se a perspectiva dos trabalhadores e as consequências psicossociais e trabalhistas por eles sofridas.

Essa espacialização do individualismo como marca de uma nova realidade do território (Seixas e Bordignon, 2022SEIXAS, L. P.; BORDIGNON, I. M. (2022). O ideário de smart city como elemento do capitalismo neoliberal: razão subjetiva e tecnificação do território. In: XVII SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA URBANA. Anais, pp. 1-15.) coaduna-se com uma significativa perda de sentimento de coletividade e de luta para melhoria do bem público, descumprindo a função política da cidade. Se a urbanização é fundamental para a acumulação do capital, permitir a uberização é assumir um projeto de Estado que subalterniza sistemática e cotidianamente a vida urbana. Essa questão permeia a prática das próprias empresas-plataforma e constitui uma de suas preocupações: incansavelmente, elas planejam e executam estratégias para se manter no mercado e permanecer lucrando, mesmo que suas estratégias precarizem as relações de trabalho, as relações interpessoais, a saúde mental e todas as outras dimensões importantes das vidas dos sujeitos trabalhadores uberizados (Barreira, 2021BARREIRA, T. H. de C. (2021). Aspectos psicossociais do trabalho para a saúde do trabalhador em empresas-plataforma. Revista Ciências do Trabalho, v. 20, pp. 1-11.).

O relatório da OIT (2018)OIT – Organização Internacional do Trabalho (2018). International Labour Organization: digital labour platforms and the future of work: towards decent work in the online world. Geneva, International Labour Office. Disponível em: https://www.ilo.org/global/publications/books/WCMS_645337/lang--en/index.htm. Acesso em: 15 jan 2023.
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confirma que o trabalho realizado por plataformas digitais é tipicamente urbano, ao evidenciar que quatro de cada cinco trabalhadores atuam nas cidades. Esse dado se encontra particularizado em pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea (Góes, Firmino e Martins, 2021), que estimou em 1,4 milhão o número de trabalhadores em atividade no setor de transporte de passageiros e de mercadorias, no Brasil, em relações laborais entre trabalhadores “e empresas que contratam mão de obra para realizar serviços esporádicos e sem vínculo empregatício, principalmente por meio de aplicativos" (ibid., p. 1).

Há, portanto, um discurso gerencial de dominação fundado em um paradoxo: as empresas-plataforma não praticam o que defendem. A contradição está entre as finalidades das empresas e os meios que elas efetivamente empregam para se manter no mercado, à custa da superexploração dos trabalhadores. Tal paradoxo é invisibilizado, a partir de uma ordem gerencial embasada em uma racionalidade instrumental soberana: o trabalhador existe para manter a organização funcionando. Esta não é outra, senão, a base da acumulação de capital, segundo a qual o trabalhador vende sua mais-valia a um empregador que lucra e também reinveste na empresa o capital auferido pela exploração da mão de obra. As empresas-plataforma utilizam-se desse expediente, apresentando-se como inofensivas e preocupadas com o bem-estar socioambiental de trabalhadores e clientes, mas sua prática é violenta: apesar de autoras das imposições, são percebidas como legítimas, enquanto aqueles que as sofrem desenvolvem sentimento de culpa. A uberização é, assim, promovida à heroína porque, simbolicamente, retira o sujeito trabalhador da situação de vergonha social de estar desempregado.

A uberização manifesta-se, portanto, não apenas como uma nova informalidade advinda das mudanças estruturais político-econômicas que precarizaram as relações de trabalho de forma global, mas também como uma forma de organização do trabalho, comandada por algoritmos computacionais elaborados pelas empresas (Antunes, 2020ANTUNES, R. (2020). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo, Boitempo.; Areosa, 2020AREOSA, J. (2020). Uberização do trabalho: o determinismo do algoritmo. Proteção ao trabalhador, v. e9, pp. 1-6.; Uchôa-de-Oliveira, 2020UCHÔA-DE-OLIVEIRA, F. M. (2020). Saúde do trabalhador e o aprofundamento da uberização do trabalho em tempos de pandemia. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 45, n. e22, pp. 1-8.), alterando de modo nocivo a relação saúde-doença no trabalho (Barreira, 2021BARREIRA, T. H. de C. (2021). Aspectos psicossociais do trabalho para a saúde do trabalhador em empresas-plataforma. Revista Ciências do Trabalho, v. 20, pp. 1-11.; Barreira e Nogueira, 2022BARREIRA, T. H. de C.; NOGUEIRA, L. S. M. (2022). “O trabalho do entregador ciclista em tempos de pandemia: pistas para compreender a saúde mental do trabalhador uberizado/plataformizado”. In: ANDRADE, C. de J. (org.). Saúde mental e trabalho no tempo de pandemia da COVID-19. São Paulo, Gênio Criador.; Masson e Christo, 2021MASSON, L. P.; CHRISTO, C. de S. (2021). Gerenciamento, consumo e (des)valor do trabalho por aplicativos: implicações à saúde de entregadores. Revista Rosa, v. 4, n. 1, pp. 1-9.).

Revelam-se, aqui, oportunas as reflexões de Sato (2017)SATO L. (2017). “Diferentes faces do trabalho no contexto urbano”. In: COUTINHO, M. C.; BERNARDO, M. H.; SATO, L. (orgs.). Psicologia social do trabalho. Petrópolis, Vozes. sobre diferentes fases do trabalho no contexto urbano e sobre o intenso e constante deslocamento dos trabalhadores entre áreas urbanas centrais e periféricas. Analisando o contexto brasileiro, a autora identifica a existência do fenômeno da polimorfia do trabalho, que consiste na complexa movimentação que os trabalhadores se veem obrigados a fazer no intuito de atuar em várias atividades ao mesmo tempo, migrando entre mercados e criando trabalhos. Nessa ótica, Uchôa-de-Oliveira (2022) situa a precarização que atravessa a polimorfia do trabalho no Brasil, movimentando e reconfigurando os trabalhadores brasileiros no curso da história.

A partir da coleta e análise de narrativas de trabalhadores de serviço uberizado de táxi no Rio de Janeiro, André, Silva e Nascimento (2019) ressaltam: a) episódios de gamificação nos quais o motorista deveria passar seu código para outro trabalhador e, se o outro trabalhador aderisse à empresa-aplicativo, o motorista seria bonificado; b) as contradições nas quais a empresa tem os trabalhadores como parceiros, mas são eles que arcam com todas as despesas e com a manutenção dos veículos, incluindo a situação em que, eventualmente, sofram algum acidente com eles próprios ou com terceiros ou haja avarias no veículo; c) descontos com que eles são bonificados para serviços estratégicos, como a limpeza dos carros, para beneficiar a imagem da empresa e não a do trabalhador uberizado; d) carga horária excessiva: foram relatadas jornadas de 8 a 20 horas, e os entrevistados argumentaram ser comum trabalhar, em média, 10 horas por dia, realizando, muitas vezes, corridas todos os dias da semana; e) remuneração: os entrevistados registraram que era preciso aceitar fazer mais corridas na cidade porque, quanto mais corridas, maior a remuneração, principalmente porque o retorno financeiro de cada corrida para o motorista é pequeno, após a subtração automática e não muito clara da empresa-plataforma em que estão cadastrados (podendo ser mais de uma), à qual se reserva em torno de 25% do valor de cada corrida; f) sentimento de insegurança, ao transitar em certas regiões da cidade, e também devido ao fato de, eventualmente, a empresa-plataforma não ter atividade regulamentada no município, gerando medo, estresse e ansiedade por não saber se poderá continuar contando com esse trabalho, já que, a qualquer momento, a plataforma pode cessar sua operação; g) os riscos psicossociais, precariedade subjetiva e o impacto do trabalho na saúde dos motoristas, principalmente na saúde mental, por sentirem-se vigiados, cobrados e avaliados cotidianamente, podendo ser penalizados com a exclusão (André, Silva e Nascimento, 2019; Barreira, 2021BARREIRA, T. H. de C. (2021). Aspectos psicossociais do trabalho para a saúde do trabalhador em empresas-plataforma. Revista Ciências do Trabalho, v. 20, pp. 1-11.; Barreira e Nogueira, 2022BARREIRA, T. H. de C.; NOGUEIRA, L. S. M. (2022). “O trabalho do entregador ciclista em tempos de pandemia: pistas para compreender a saúde mental do trabalhador uberizado/plataformizado”. In: ANDRADE, C. de J. (org.). Saúde mental e trabalho no tempo de pandemia da COVID-19. São Paulo, Gênio Criador.; Masson e Christo, 2021MASSON, L. P.; CHRISTO, C. de S. (2021). Gerenciamento, consumo e (des)valor do trabalho por aplicativos: implicações à saúde de entregadores. Revista Rosa, v. 4, n. 1, pp. 1-9.).

Mais que um contexto de exploração, as narrativas exemplificam uma superexploração que se constitui na prática predatória e degradante que fragiliza as relações e condições de trabalho, capturando e sequestrando a subjetividade (Ferraz, 2019FERRAZ, D. (2019). Sequestro da subjetividade: revisitar o conceito e apreender o real. REAd – Revista Eletrônica de Administração. Porto Alegre, v. 25, pp. 238-268.; Viapiana, Gomes e; Albuquerque, 2018) e dignidade dos trabalhadores uberizados, contradizendo, assim, as missões anunciadas pelas empresas-plataforma. Os motoristas também compartilharam experiências negativas de punição, como o relato de um trabalhador que permaneceu on-line durante 10 horas em um dia e obteve somente uma corrida; a constante falta de treinamento e suporte organizacional; a falta de vínculo e garantias legais, concretas e simbólicas/subjetivas. Todo esse cenário foi interpretado pelos motoristas como uma condição análoga à escravidão, prevista na lei n. 10.803 (Brasil, 2003BRASIL (2003). Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 10.803, de 11 de dezembro. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.803.htm. Acesso em: 15 jan 2023.
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). Entretanto, alguns entrevistados não reconhecem que ser um trabalhador uberizado é ser, necessariamente, um trabalhador precarizado (André, Silva e Nascimento, 2019).

Em uma pesquisa na Região Metropolitana de Belo Horizonte com entregadores de mercadorias que usam motocicletas e bicicletas, Rocha, Pistolato e Diniz (2021) corroboram e complementam o fenômeno de uberização e precarização dos motoristas do Rio de Janeiro entrevistados por André, Silva e Nascimento (2019). Nos relatos dos entregadores belo-horizontinos, podemos perceber que, assim como motoristas da Uber e 99, eles já foram punidos (bloqueados na plataforma) por recusarem uma rota e/ou corrida (serviço solicitado pelo usuário, via aplicativo) quando a plataforma lhes repassou a demanda de clientes. O algoritmo também estipula um limite de tempo para que cada entrega seja finalizada. Se o trabalhador ultrapassa esse limite, ele deixa de receber chamadas. Assim, ele comete imprudências no trânsito para permanecer como prioridade para o algoritmo e continuar recebendo chamadas. De fato, esses entregadores narraram que cometem imprudências no trânsito ao realizar entregas para não serem punidos: desrespeitam semáforos fechados (vermelhos), desenvolvem atalhos para entregar mais rapidamente, “costurando” (ultrapassando ilegalmente) os demais veículos para agilizar a entrega e poder realizar mais corridas ou entregas. Também relataram situações de constrangimento ao entrar em condomínios com as bolsas térmicas, às vezes com roupas de chuva e/ou molhados. Há o depoimento sobre uma situação em que o entregador foi avisado pelo porteiro do prédio que o cliente estava com covid, em um contexto em que ainda não havia vacina, e se negou a ir até o cliente com medo de ser contaminado. O cliente reclamou que não recebeu a entrega no seu apartamento e registrou uma má avaliação do entregador na plataforma. Em outra entrevista, o entregador revelou não ter feito o registro correto de uma entrega de comida no aplicativo, tendo consumido os alimentos porque tinha fome durante sua jornada de trabalho e não podia parar para alimentar-se. Os autores leem essa estratégia como uma busca dos trabalhadores de compensarem as injustiças que sofrem cotidianamente (Rocha, Pistolato e Diniz, 2021).

Ao entrevistar os moto-entregadores na Região Metropolitana de Belém (RMB), Carvalho (2022)CARVALHO, R. S. de C. (2022). Uberização e/ou bolha da servidão: uma verificação através dos moto--entregadores no espaço metropolitano de Belém-RMB. PEGADA-A Revista da Geografia do Trabalho, v. 23, n. 1, pp. 83-112. ressalta a importância de entender as dinâmicas territoriais, uma vez que elas exteriorizam relações sociais específicas advindas desses trabalhadores, caracterizando uma realidade excludente e de precarização gerada pelo capital. Carvalho explica que

Nessa trajetória, o trabalho dos moto-entregadores necessita de compreensão, por meio da dimensão do espaço, que perpassa o vivido na sua determinação histórica, o concebido e a realidade percebida, definida pela sua inserção como classe social e seu compromisso como grupo social. Dessa forma, o território é a categoria fundamental, pois permite observar que a espacialização da miséria do trabalho precário se territorializa a partir das relações de poder, de domínio dos fluxos de mercado, que são controlados por quem domina os afluxos de capitais através da exploração e pilhagem possibilitados pela uberização. (Ibid., pp. 92-93)

Assim, a plasticidade do trabalho, no âmbito do território, implica novos processos de subjetivação e novas formas de mobilização coletiva dos trabalhadores uberizados. É a partir da categoria território que é possível enxergar, nas entrelinhas do sistema político-econômico neoliberal globalizante, as evidências de injustiças sociais, da espacialização da miséria, das relações de poder, bem como os movimentos de dominação, exploração e controle constituintes do trabalho uberizado, que impactam nas dimensões sobre territorialidade, desterritorialidade e reterritorialidade (Thomaz Júnior, 2019).

O neoliberalismo articula estratégias para enfraquecer o sentimento de coletividade e de classe dos trabalhadores uberizados, para subalternizar, ainda mais, os mais pobres, garantindo seu poder e existência pela superexploração. Observando as rotinas e dinâmicas do trabalho na Região Metropolitana de Belém, Carvalho (2022)CARVALHO, R. S. de C. (2022). Uberização e/ou bolha da servidão: uma verificação através dos moto--entregadores no espaço metropolitano de Belém-RMB. PEGADA-A Revista da Geografia do Trabalho, v. 23, n. 1, pp. 83-112. destaca a base da estratégia de superexploração, a partir do número de corridas diárias (variando de 0 a 30, com média em torno de 15 por dia); a distância percorrida (variando de 30 a 200 km por dia, a maioria registrando em torno de 100 km por dia); a quantidade de horas trabalhadas (0 a 19 horas: a grande maioria afirmou que trabalha mais de 13 horas por dia), com retorno financeiro mensal entre R$1.000,00 e R$1.500,00, variando em função da quantidade de corridas por dia. Esses números, constantes dos estudos de Carvalho (ibid.) na RM de Belém, corroboram as pesquisas de Cardoso et al. (2022)CARDOSO, A. C. M.; PARADELA, V. C.; GOLIATT, L.; SILVA A. C. E. P.; SIQUEIRA, R. de A. (2022). A pandemia da covid-19 e o agravamento da precariedade do trabalho dos motoristas em empresas-plataforma de transporte individual em uma cidade brasileira de médio porte. Revista da ABET, v. 21, n. 1, pp. 33-51. em Juiz de Fora; Rocha, Pistolato e Diniz (2021) na RM de Belo Horizonte; Salvagni, Valentina e Colomby (2022) na RM de Porto Alegre; André, Silva e Nascimento (2019) na RM do Rio de Janeiro; e Souza Moraes, Oliveira e Accorsi (2019) na RM de São Paulo.

A ação das empresas-plataforma incide nas dinâmicas territoriais de diferentes maneiras. Primeiro, porque seus algoritmos mapeiam todo o território onde circulam motoristas e entregadores, atribuindo valores numéricos para cada localização e evento, inculcando, portanto, em trabalhadores e clientes, um novo modo de se relacionar com o espaço urbano, ou seja, através de sua representação cartográfica. Essa representação, não é demais lembrar, exibe unicamente informações selecionadas e controladas pelas empresas, visando proporcionar leituras de seu interesse. Segundo, porque os trabalhadores e clientes usuários dos mapas são os principais fornecedores das informações neles representadas, sem terem plena consciência disso. O cliente, por exemplo, é identificado e caracterizado não apenas através dos dados coletados no momento de sua interação com o aplicativo, mas também pelas informações acumuladas pela plataforma sobre si e sobre outros usuários com perfil semelhante, em termos estatísticos e demográficos (Gillespie, 2018GILLESPIE, T. (2018). A relevância dos algoritmos. Revista Parágrafo. São Paulo, v. 6, n. 1, pp. 95-121.). Além de disponibilizadas na interface gráfica dos aplicativos, boa parte das informações extraídas sem pleno consentimento permanece oculta nos metadados do sistema, sendo monetizadas em benefício exclusivo das empresas. Ao extrair, minerar, processar e analisar dados georreferenciados da cidade, as empresas-plataforma identificam as áreas com maior demanda qualificada e manipulam o fluxo de trabalhadores com tarifas dinâmicas atraentes. Terceiro, porque um dos principais objetivos das empresas é expandir continuamente o território onde o trabalho se realiza, juntamente com a expansão do número de usuários. Para isso, o sistema computacional de mapeamento e georreferenciamento amplia e atualiza permanentemente sua base de dados, aumentando e aperfeiçoando sua capacidade de gestão algorítmica do território (Langley e Leyshon, 2017LANGLEY, P.; LEYSHON, A. (2017). Platform capitalism: the intermediation and capitalization of digital economic circulation. Finance and Society, v. 3, n. 1, pp. 11-31.).

Temos, então, o que a Geografia denomina processos geográficos de Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (Chelotti, 2010CHELOTTI, M. (2010). Reterritorialização e identidade territorial. Sociedade e Natureza, v. 22, n. 1. pp. 165-180.), que constituem uma inseparável trinca conceitual em contínuo dinamismo. Parafraseando Chelotti, os nexos existentes entre motoristas e clientes e o território urbano corresponderiam à territorialização, enquanto a destruição – inclusive temporária – desses nexos pela lógica computacional das plataformas consistiria na desterritorialização, e sua contínua recriação pelos algoritmos presidiria os processos de reterritorialização dos sujeitos. Dessa forma, as empresas-plataforma adicionam, à compreensão do espaço urbano, uma camada informacional integralmente controlada por elas, manipulando em permanência a relação entre os trabalhadores e a cidade, segundo interesses empresariais. Carvalho (2022)CARVALHO, R. S. de C. (2022). Uberização e/ou bolha da servidão: uma verificação através dos moto--entregadores no espaço metropolitano de Belém-RMB. PEGADA-A Revista da Geografia do Trabalho, v. 23, n. 1, pp. 83-112. acrescenta que

[...] esses trabalhadores sofrem com a insegurança provocada pela lógica algorítmica que se reproduz no território, utiliza-se da lógica neoliberal e mesmo da globalização, provocando altas taxas de desemprego, viabilizando a desterritorialização dos trabalhadores, passando a controlar as reterritorialidades nos processos de trabalho, a partir dos crescentes números de desempregados, os quais têm o trabalho plataformizado como único meio de garantir sua reprodução socioespacial. (pp. 106-107)

A urbanização vem, segundo Garcia (2019)GARCIA, I. S. (2019). As novas tecnologias no capitalismo global: impactos da “uberização” no território urbano. Revista de Direito da Cidade, v. 11, n. 2, pp. 712-740., expressando, cada vez mais, as complexas contradições das relações humanas nos territórios, especialmente urbanos, enfatizando as dinâmicas do trabalho. A reterritorialização, fundada nos interesses das empresas e imposta de forma velada aos trabalhadores, sobrepõe-se às lógicas já perversas de ocupação urbana polarizada entre centro e periferia, com graves consequências na vida dos trabalhadores, como argumenta Garcia (ibid.):

O próprio deslocamento urbano passa a ser também ele um prolongamento da alienação no trabalho. A trajetória inacabável entre a periferia inacessível e o trabalho precário ou os locais de consumo reforça o estorvo cotidiano da vida dos trabalhadores. O custo de reprodução da força de trabalho inclui o valor extraído do aluguel, da tarifa do transporte, do preço do remédio, da mensalidade da escola. A exploração se materializa também no preço da água, esgoto, telefone e energia elétrica. Mas, pior do que isso, a vida alienada se converte numa vida sem sentido, numa vida brutalizada pela desumanização e pela violência. O dinheiro é o único significado que parece importar, e serve apenas para manter a sobrevivência biológica, animal. Esse processo de urbanização vai finalmente colher os influxos das inovações tecnológicas na informática e na telemática. A capacidade enorme de processamento, o armazenamento e a manipulação de dados (big data), organizados por algoritmos que dispõem de cada vez mais inteligência artificial; a capacidade de gerenciamento de informações e processos decisórios em tempo real superam o tradicional papel do espaço físico e remodelam não só a reprodução do capital, senão também a reprodução da vida, considerada numa nova concepção de território, (pp. 733-734)

Rolnik (2019)ROLNIK, R. (2019). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo. e Antunes (2020)ANTUNES, R. (2020). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo, Boitempo. corroboram essa leitura, pontuando que o processo de industrialização e urbanização promove a privatização e financeirização de recursos básicos, como saneamento, água e energia, e direitos sociais, como saúde, educação e segurança. A condição de precarização do trabalho uberizado impacta, assim, diretamente o território urbano em relação a um dos principais direitos à cidade que é a mobilidade urbana, quando as empresas-plataforma se apresentam como um negócio para “conectar pessoas”, supostamente facilitando serviços de transporte.

Motta Júnior (2019) destaca que, nos primórdios da cidade industrial, a lógica organizacional espacial era embasada na atração e na concentração de muitos trabalhadores para manter os interesses do capital e o acúmulo de riquezas. É importante lembrar que os administradores públicos eram, eles próprios, parte da burguesia industrial e comercial local, tendo sido, portanto, partícipes da formulação desse projeto de cidade; e que essa promiscuidade entre interesses públicos e econômicos de grupos gera, até hoje, tensões na administração pública, agravando a ocupação desigual do território urbano. As novas formas de relação de trabalho praticadas pelas empresas-plataforma instituem uma lógica de organização do espaço urbano, em especial por aquelas que trabalham com motoristas com serviços de táxi e entregas, cujos algoritmos ressignificam a compreensão do território através do uso de recursos de inteligência artificial, conforme expõe o autor:

O poder das redes amplia a escala de atuação dessas empresas, permitindo um alcance global e viabilizando uma expropriação em massa do valor gerado pelo trabalho. Essa tecnologia permite um controle amplo do trabalhador e do território das grandes cidades. (Ibid., p. 1913)

Por trabalhar com estratégias de metas, gamificação e bonificação, as empresas-plataforma controlam áreas da cidade e o ritmo dos deslocamentos dos trabalhadores, configurando um controle territorial deles e de seus veículos no espaço urbano. Ao valorizar algumas áreas em detrimento de outras, elas incentivam os trabalhadores a concorrerem por essas áreas, levando-os a se deslocarem às mais estratégicas no intuito de receber solicitações de corridas por proximidade. Em outras situações, as empresas podem bonificá-los para iniciar uma corrida em um local mais distante da cidade, majorando algumas tarifas em função do local e das condições de trabalho (tarifa flexível, quando está chovendo ou dependendo dos horários/dias de alto fluxo ou de madrugada). Nessas ações, também há estratégias de punição. Quando os trabalhadores recusam corridas ou não seguem os protocolos – explícitos ou velados – da gamificação/bonificação, os algoritmos, que monitoram, fiscalizam e avaliam todos os trabalhadores, minimizam a quantidade e a frequência diárias de corridas, diminuindo também as vantagens e regalias de se realizar corridas em áreas mais valorizadas ou atrativas. Percebe-se, assim, que

[...] a análise do espaço urbano contemporâneo passa, significativamente, pela compreensão da nova lógica do capital transnacional e os rebatimentos dessa nova lógica para os trabalhadores, suas organizações políticas e ações contra as novas investidas do capital e a leitura do território-rede dessas empresas, como o Uber, é fundamental para se pensar as transformações na relação capital x trabalho provocadas pelo processo de reestruturação produtiva. (Ibid., p. 1914)

O destaque da mobilidade urbana nos estudos de Moreira (2021)MOREIRA, A. B. (2021). Está nascendo um novo líder: uberização do trabalho e mobilidade urbana no brasil. Boletim de Conjuntura (BOCA), v. 8, n. 22, pp. 127-140. evidencia as dinâmicas do histórico interesse do capital pelos sistemas de transporte e deslocamento nas cidades, uma vez que tais sistemas são essenciais para a prestação de serviços para toda a cadeia produtiva. Aqui, o coletivo vê-se, novamente, mais e mais enfraquecido, abrindo espaço para ações e investimentos de segregação do que é público e estimulando o individualismo. Ao invés de incentivar melhorias do transporte público para atender a todos, incentiva-se o uso dos veículos privados para atender demandas de mercado. O transporte público foi, sim, estimulado, mas para atender também às demandas do capital, garantindo deslocamentos dos trabalhadores desde as suas casas até o trabalho e vice-versa. Essas demandas, que também são sociais e coletivas, articulam-se, porém, ao estímulo à produção de veículos movidos com combustível fóssil e de poluentes, dificultando a mobilidade urbana ao provocar congestionamentos e aprofundando a segregação espacial e a desigualdade social (ibid.).

A uberização, segundo Moreira (ibid.), entra na pauta do debate sobre mobilidade urbana por ser um setor econômico que revela as disputas e os conflitos de interesse dos setores públicos e privados, ao representar o deslocamento do trabalhador ao local de trabalho, seu acesso aos serviços urbanos e também por impactar a circulação de mercadorias. O autor destaca que “a uberização e a mobilidade urbana se percebem como práxis das relações de trabalho. São objetos que sumarizam as disputas travadas, seja por mais direitos, ou seja por maior lucro” (ibid., p. 132).

Novas subjetivações em face das violências das empresas- -plataforma e da cidade

Merecem ser destacadas algumas singularidades com as quais as empresas-plataforma induzem os trabalhadores a conceberem novos modos de agir, sentir e pensar para lidarem com as diferentes formas de violência da própria organização do trabalho e da cidade. Antunes (2018ANTUNES, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, Boitempo. e 2020) conclui que a submissão dos trabalhadores às plataformas se configura como uma escravidão digital, pois não estamos necessariamente perdendo postos de trabalho na era digital, e sim ganhando, em diferentes espaços, de forma global, novas modalidades de trabalho informal, pautadas na flexibilização das leis trabalhistas e perdas de direitos. Consequentemente, a nova precarização travestida de trabalho uberizado (Antunes, 2018ANTUNES, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, Boitempo.; Moreira, 2021MOREIRA, A. B. (2021). Está nascendo um novo líder: uberização do trabalho e mobilidade urbana no brasil. Boletim de Conjuntura (BOCA), v. 8, n. 22, pp. 127-140.) consiste, na verdade, em uma nova face da velha precarização.

Carvalho (2022CARVALHO, R. S. de C. (2022). Uberização e/ou bolha da servidão: uma verificação através dos moto--entregadores no espaço metropolitano de Belém-RMB. PEGADA-A Revista da Geografia do Trabalho, v. 23, n. 1, pp. 83-112., p. 89) ressalta a importância de acompanharmos essas novas informalidades porque elas impactam “[...] as relações desregulamentadas e precarizadas que se dão em meio à produção do espaço”. O autor reforça que

[...] a partir do novo regime de produção capitalista, a classe de trabalhadores assume uma nova morfologia, passando a ser composta tanto pelo proletariado industrial urbano e rural clássicos, como pelos novos trabalhadores subcontratados, terceirizados e informalizados, aqui incorporados os trabalhadores plataformizados ou uberizados. (Ibid., p. 89)

As plataformas desenvolvem mecanismos quase onipresentes, invisíveis ou não, personificados (Motta Júnior, 2019), pelos quais os trabalhadores têm a ilusão de deter o controle dos seus próprios trabalhos, como se eles fossem “os capitalistas”, empreendedores, “donos de si”, autossuficientes, com suas próprias metas e objetivos (Abílio, 2019ABÍLIO, L. C. (2019). Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, v. 18, n. 3, pp. 41-51.; Cardoso, 2022CARDOSO, A. C. M. (2022). “Empresas-plataforma e seus tempos laborais incertos, controlados, intensos, insuficientes, longos, não pagos e heterônomos”. In: DAL ROSSO, S.; CARDOSO, A. C. M.; CALVETE, C. da S.; KREIN, J. D. (orgs.). O futuro é a redução da jornada de trabalho. Porto Alegre, Cirkula.; Moreira, 2021MOREIRA, A. B. (2021). Está nascendo um novo líder: uberização do trabalho e mobilidade urbana no brasil. Boletim de Conjuntura (BOCA), v. 8, n. 22, pp. 127-140.), e controlassem quantidade, ritmo, frequência e qualidade do trabalho realizado. Na realidade, é a plataforma que, travestida de economia do compartilhamento (Slee, 2019SLEE, T. (2019). Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo, Elefante., controla a vida dos sujeitos trabalhadores que se submetem ao usufruto dos aplicativos. As TICs vêm sendo, assim, empregadas para configurar novas formas de subjetivação dos sujeitos trabalhadores, com reflexos claros na organização territorial da cidade. Harvey (2014)HARVEY, D. (2014). Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes. defende que as novas informalidades, como a uberização (Abílio, 2020ABÍLIO, L. C. (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, pp. 111-126.), são pautadas por instituições financeiras (Motta Júnior, 2019), através de investimentos de alta rentabilidade e mantidas por grandes indústrias automobilísticas, de petróleo, telecomunicações e construção civil.

Sob a ótica da precarização do trabalho, André, Silva e Nascimento (2019) argumentam que os trabalhadores uberizados se expõem igualmente a uma precariedade subjetiva. Trata-se dos sentimentos negativos gerados e construídos no cotidiano do trabalho, advindos de um quadro de cobranças, pressões e tensões constantes para a manutenção do padrão de qualidade exigido pela empresa por meio da gamificação e metas, sendo avaliados, fiscalizados e assombrados pelo temor de perderem sua fonte de renda. Assim, o medo e o desânimo invadem os pensamentos dos trabalhadores uberizados (Areosa, 2020AREOSA, J. (2020). Uberização do trabalho: o determinismo do algoritmo. Proteção ao trabalhador, v. e9, pp. 1-6.), e as empresas-plataforma buscam capturar sua subjetividade (Viapiana, Gomes e Albuquerque, 2018), na medida em que a plataforma passa a ser o epicentro das suas vidas. Cotidianamente, suas ações e energia estão concentradas em acompanhar as demandas e os fluxos dos aplicativos, sequestrando seu tempo, privando-os dos seus direitos de ir e vir e de ocupar outros espaços e papéis sociais.

Os autores lidos também observam um fenômeno de autoconvencimento, segundo o qual trabalhar nas empresas-plataforma é bom, pois o trabalhador está ganhando dinheiro, tem liberdade, é gerente de si, não tem um superior imediato regulando seu trabalho, decide o seu horário, o que consolida seu engajamento com a empresa, o seu desejo de manter-se trabalhando e esforçando-se para produzir mais para ela e sentindo-se bem por isso (Siqueira e Gomide Júnior, 2014SIQUEIRA, M. M. M.; GOMIDE JÚNIOR, S. (2014). “Vínculos do indivíduo com o trabalho e com a organização”. In: ZANELLI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J. E.; BASTOS, A. V. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre, Artmed.). Sentem-se assim produtivos, pois, sem esse trabalho, não estariam gerando renda. Portanto, travestido de modernização do trabalho (Rocha, Pistolato e Diniz, 2021), há também um mecanismo perverso no discurso das empresas-plataforma, a partir do qual os trabalhadores desenvolvem estratégias psicológicas para lidar com as violências das empresas, alimentando a relação de subordinação e superexploração por elas imposta.

Além disso, os trabalhadores uberizados precisam criar cotidianamente diversas estratégias de enfrentamento. Salvagni, Valentina e Colomby (2022) enfatizam a estratégia de serem simpáticos o tempo todo, com todos os clientes, independentemente do contexto, com medo de represálias nas avaliações e de consequências punitivas por parte da empresa. Os mesmos autores mencionam registros de violência simbólica e assédio sexual, segundo os quais os trabalhadores precisam induzir ou reprimir certos sentimentos para corresponder aos padrões de qualidade esperados e impostos pela empresa. Em tais situações, para reelaborar possíveis situações constrangedoras dessas naturezas, os motoristas “levam na brincadeira”, fazem-se de desentendidos, esforçam-se para manter a calma e a paciência e se mostrar simpáticos.

Esse modo de desenvolver estratégias cotidianas para o enfrentamento de adversidades e constrangimentos no trabalho é chamado de trabalho emocional (ibid.), que designa o gerenciamento das emoções pelos trabalhadores para lidar com as diferentes fontes de sofrimento do cotidiano de trabalho, no esforço de manterem o equilíbrio e serem cordiais com os clientes. Na pesquisa com motoristas da Região Metropolitana de Porto Alegre, os principais sentimentos relatados foram: a) medo da violência urbana; b) obrigação de serem simpáticos com todos os clientes, o tempo todo, com receio de serem mal-avaliados na plataforma pelos passageiros-vigilantes (que são sensíveis a qualquer possível conotação de falta de cordialidade por parte do motorista que justifique uma nota baixa, a qual diminui o ranqueamento) e de receberem eventuais punições, como menor oferta de corridas; c) sentimento de angústia por depender do aplicativo para sobreviver na cidade, sem garantias de remuneração e sem saberem quanto ganharão no dia de trabalho, mesmo estando disponíveis durante horas (ibid.). Os relatórios de avaliação das corridas emitidos pelas empresas-plataforma não são claros, o que dificulta a obtenção de precisões sobre as más avaliações, o que permitiria corrigir ou melhorar o trabalho mal-avaliado e, assim, criar oportunidades de aprendizagem e poder de fala para os trabalhadores. O não retorno e a falta de informação constituem, em si, mais um mecanismo de controle.

Além dos paradoxos apontados até aqui, Gaulejac (2021)GAULEJAC, V. (2021). “A NGP: a nova gestão paradoxal”. In: BENDASSOLLI, P. F.; SOBOLL, L. A. P. (orgs.). Clínicas do trabalho. Belo Horizonte, Artesã. acrescenta que, perversa, irônica e contraditoriamente, a precarização advinda da gestão do trabalho uberizado aloja-se na consciência de se ter um trabalho (por ser remunerado por essa atividade), mas que esse trabalho não é reconhecido enquanto um vínculo empregatício legal, com direitos trabalhistas. Como sabemos, o trabalho uberizado não constitui um emprego. As empresas-plataforma geram oportunidades de trabalho remunerado, mas não admitem estabelecer uma relação de emprego com os trabalhadores. Estar desempregado pressupõe que a pessoa não mantenha um vínculo empregatício legal através do qual possa usufruir de direitos trabalhistas. O fenômeno da uberização possui, assim, uma força simbólica segundo a qual os trabalhadores se sentem empregados, sem terem um emprego. Eles não se sentem necessariamente desempregados, porque estão gerando renda ao reproduzir o discurso das empresas-plataforma de que eles não têm patrões e são seus próprios gerentes. Cardoso (2022)CARDOSO, A. C. M. (2022). “Empresas-plataforma e seus tempos laborais incertos, controlados, intensos, insuficientes, longos, não pagos e heterônomos”. In: DAL ROSSO, S.; CARDOSO, A. C. M.; CALVETE, C. da S.; KREIN, J. D. (orgs.). O futuro é a redução da jornada de trabalho. Porto Alegre, Cirkula. pontua que o que mais chama a atenção não é o fato de os trabalhadores uberizados não se sentirem desempregados, mas sim de se sentirem empresários/autônomos. Ao se perceberem como seus próprios gerentes, usando os seus próprios recursos, controlando seus horários e ganhando por isso, os trabalhadores se convencem de que não estão desempregados porque estão trabalhando. Ao ponto de responderem, quando questionados sobre sua ocupação, que são motoristas ou entregadores de/por aplicativo/plataforma. De fato, eles estão, de alguma forma, contribuindo socialmente com a sua força de trabalho, atuando nas dinâmicas territoriais e desempenhando um papel social, mas, na verdade, estão desempregados, do ponto de vista jurídico/legal, ainda que trabalhando e gerando renda.

Estar desocupado possui um atributo social negativo, designando aquele que é inútil e fracassado e, portanto, sem valor. Como, no âmbito da convivência social capitalista, é insuportável estar nessa posição, parece preferível ocupar-se, mesmo com baixo retorno financeiro e com todas as precarizações que abordamos neste ensaio, a ser confundido com um “ninguém”. O contraditório assim se revela: ser uberizado é trabalhar sem estar empregado. É ser um desempregado que ganha dinheiro na cidade. Na lógica neoliberal, vale mais ser um desempregado ocupado, que aufere retorno financeiro, a ser um desempregado sem renda.

Essa dinâmica simbólica é atravessada e reforçada pela ideologia da vergonha, na qual o trabalhador evita demonstrar qualquer possível sinal de fraqueza, de adoecimento ou de outro comportamento que afaste seu corpo das atividades laborais, evitando, assim, a miséria (Dejours, 2018DEJOURS, C. (2018). A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo, Cortez-Oboré.). Uma vez que o trabalho é a fonte de sua sobrevivência/subsistência, não trabalhar possui implicações não somente econômico-financeiras, mas, como vimos, também psicológicas e sociais. Não garantir seu próprio sustento ou de sua família é motivo de vergonha. Por isso, a ideologia da vergonha é acionada como defesa para negar a suposta fraqueza, o adoecimento, o cansaço, a sobrecarga, as violências cotidianas, para que, no fim, ele possa prover algumas necessidades suas e de sua família.

Alienado, o trabalhador tem dificuldade em atribuir a fonte do adoecimento às práticas da organização do trabalho e se culpabiliza pelo próprio adoecimento. Admitir que está doente é admitir suas fragilidades, suas incapacidades e improdutividade perante si mesmo e a sociedade. Uma vez que assumir seu fracasso é inadmissível, os trabalhadores uberizados silenciam suas frustrações e angústias e se submetem à manipulação e a todas as estratégias de controle das empresas-plataforma que garantem remuneração pelo trabalho executado. Assim, o medo de perder o retorno financeiro da empresa-plataforma é intensificado, porque a consequência pode ser ainda pior: não existir na cidade, ser um “ninguém”, não ter acesso ao consumo. Eles curvam-se, então, às injunções, entram nesse jogo conformando-se com as regras, já que é a empresa que acaba tendo o controle (Cardoso, 2022CARDOSO, A. C. M. (2022). “Empresas-plataforma e seus tempos laborais incertos, controlados, intensos, insuficientes, longos, não pagos e heterônomos”. In: DAL ROSSO, S.; CARDOSO, A. C. M.; CALVETE, C. da S.; KREIN, J. D. (orgs.). O futuro é a redução da jornada de trabalho. Porto Alegre, Cirkula.) sobre suas vidas, permitindo-lhes existir e sobreviver na cidade e não serem excluídos pela sociedade neoliberal.

Resta-nos, assim, assumir a coisificação dos trabalhadores uberizados, pois as empresas-plataforma os instrumentalizam para seus propósitos financeiros, operacionais e técnicos. As empresas-plataforma concebem-nos como recursos e, ao fazer isso, apagam a possibilidade de eles serem concebidos enquanto sujeitos, uma vez que “ser sujeito é resistir ao que não tem sentido para si. Ser sujeito é existir sem se curvar às injunções” (Gaulejac, 2021GAULEJAC, V. (2021). “A NGP: a nova gestão paradoxal”. In: BENDASSOLLI, P. F.; SOBOLL, L. A. P. (orgs.). Clínicas do trabalho. Belo Horizonte, Artesã., p. 102).

Considerações finais

Apontamos críticas e reflexões sobre como os trabalhadores uberizados de serviços de táxi e entregas vivenciam novos processos de subjetivação a partir da flexploração neoliberal, precarização do trabalho e contradições das empresas-plataforma, e também sobre como eles são vulneráveis a riscos psicossociais diários ao transitarem pela cidade, modificando as dinâmicas territoriais urbanas e sendo por elas modificados. Abordamos os artifícios pelos quais, segundo os seus interesses, as empresas-plataforma manipulam permanentemente a relação entre os trabalhadores e o espaço urbano, em processos contínuos de territorialização-desterritorialização-reterritorialização, através de aplicativos que compõem uma camada informacional integralmente controlada por elas.

Notamos que esses trabalhadores lidam cotidianamente com desafios singulares: o sentimento de insegurança por estarem suscetíveis a diversas violências urbanas, simbólicas e interpessoais, ora no trânsito, ora nas interações com clientes, ora na gestão do controle da plataforma; o sentimento de impotência por não ter domínio sobre o seu próprio trabalho no que diz respeito à quantidade de viagens e locais da cidade onde executar os serviços solicitados na plataforma; o autocontrole constante para fazer mais corridas e, consequentemente, para deslocar-se mais vezes e em maiores distâncias, visando conseguir mais dinheiro ao final do dia, em péssimas condições de trabalho, sem suporte, nem garantias, entre outros; a captura da subjetividade e as privações dos direitos à cidade, como o direito de ir e vir ou relativo à mobilidade, outrossim o direito de ocupar outros espaços e papéis sociais; o desenvolvimento de estratégias psicológicas e sociais para lidar com as angústias, desamparos e constrangimentos advindos da gestão e organização do trabalho das empresas-plataforma e da interação com clientes.

Toda essa dinâmica constitui a subjetividade e impacta na saúde de modo geral desses trabalhadores, e principalmente em questões psíquicas: a saúde mental. Devido à sobrecarga de atividades, a exposição a situações de estresse, sem nenhuma mediação ou estratégia saudável para enfrentar tais desafios psicossociais, o trabalhador uberizado pode ficar mais propenso a desencadear adoecimentos mais severos, como depressão, burnout e até o suicídio. Nesse contexto, os trabalhadores estão sujeitos a vários tipos de acidente, principalmente de trânsito, que podem ser fatais, são vítimas de assalto e de diferentes violências, sem direito a folgas ou férias, geralmente tendo retorno financeiro mensal abaixo do salário-mínimo e permanecendo reféns dos algoritmos.

Apesar de mudanças nas práticas e benefícios empregatícios de trabalhos uberizados em outros países, bem como sinais de resistências no Brasil (Moreira, 2021MOREIRA, A. B. (2021). Está nascendo um novo líder: uberização do trabalho e mobilidade urbana no brasil. Boletim de Conjuntura (BOCA), v. 8, n. 22, pp. 127-140.; Motta Júnior, 2019), evidenciamos, neste ensaio, a importância de avançar nos estudos, programas e políticas que inter-relacionem novas informalidades de trabalho, saúde mental e direito à cidade.

Recomendamos a criação de espaços de fala-escuta dos sujeitos trabalhadores para que possam ser negociadas estratégias de direitos trabalhistas e direito à cidade como política de Estado, para além do controle unilateral, padronizado e rígido dos algoritmos das plataformas. Examinando a precarização do trabalho uberizado dos serviços de táxi e entregas, dentro da lógica da economia territorializada e neoliberal, demonstramos que espaços que não criam condições para diálogo e cooperação aumentam os riscos psicossociais e constituem formas não saudáveis de subjetivação dos trabalhadores. Essa organização do trabalho que não promove espaços de fala-escuta conduz, portanto, à morte do sujeito e legitima, no caso das empresas-plataforma, o termo escravidão digital (Antunes, 2018ANTUNES, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, Boitempo. e 2020).

Ao favorecer espaços democráticos de fala-escuta, as empresas-plataforma, as demais organizações e o Estado poderão mobilizar, com os coletivos de trabalhadores, práticas mais criativas e participativas que estimulem, exercitem e garantam mais dignidade, saúde mental e qualidade de vida ao integrar serviços urbanos, cidadãos e cidade, fazendo jus às missões das empresas-plataforma. Tais espaços também se revelam potentes para a abertura de novos caminhos de resistência, organização social e do trabalho, assim como de acesso, construção e reconstrução do direito à cidade.

Nota de agradecimento

O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2023
  • Aceito
    17 Jul 2023
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