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Outra face da interação: coletivos de comunicação das periferias e o Estado

Resumo

Este artigo dá visibilidade a formas de ação coletiva nas periferias urbanas pouco presentes nos estudos sobre participação no Brasil: os coletivos de comunicação. Sugere uma interpretação histórico-processual para compreensão de quem são esses atores e por que são críticos à interação com o Estado. A pesquisa baseia-se na análise de conteúdo e caracterização temática exaustiva de 14.315 postagens nas páginas do Twitter e Facebook de 8 coletivos, de 4 regiões do País, durante a pandemia de covid-19, coletadas da API das plataformas de mídias sociais. Os resultados revelam a percepção dos atores de que as periferias há muito tempo atuam na base do “nóis por nóis” e a face diferenciada e, por vezes, violenta da interação do Estado com as periferias.

pandemia; periferias; coletivos de comunicação; interação; Estado

Abstract

This article sheds light on forms of collective action in urban peripheries that are rarely addressed in studies on participation in Brazil: the communication collectives. It proposes a history – and process based interpretation to understand who these actors are and why they criticize the interaction with the State. The research is based on content analysis and on an exhaustive thematic characterization of 14,315 posts on Twitter and Facebook pages of 8 collectives from four Brazilian regions, during the Covid-19 pandemic, collected from the social media platforms' APIs. The findings reveal the actors' perception that peripheries have long operated on the basis of "we for us" and disclose the differential and sometimes violent face of the State's interaction with peripheries.

pandemic; peripheries; communication collectives; interaction; State

Introdução

Sem partido !” e “ O protesto é apartidário ” bradava, de um lado, um bloco de manifestantes nos protestos de Junho de 2013, em São Paulo. Do outro lado, ativistas partidários e de movimentos sociais reivindicavam: “ Bandeiras ao alto ” e “ Sem partidos não há democracia ”. Essas cenas iniciais não dão conta da diversidade de repertórios, atores e demandas ( Alonso e Mische, 2017ALONSO, A.; MISCHE, A. (2017). Changing repertoires and partisan ambivalence in the new Brazilian protests. Bullet of Latin American Research . Oxford, v. 36, n. 2, pp. 1-16. ) do que ficou conhecido como um dos maiores ciclos de protestos no Brasil ( Tatagiba, 2014TATAGIBA, L. (2014). 1984, 1992 e 2013. Sobre ciclos de protestos e democracia no Brasil. Política e Sociedade . Florianópolis, v. 13, n. 28, pp. 35-62. ). Contudo, em sua diversidade, os protestos revelaram uma forte rejeição aos partidos políticos e à política institucional e abriram as portas para uma agenda de pesquisa voltada a compreender os reclamos de autonomia e horizontalidade de "novos" movimentos sociais e coletivos ( Gohn, 2016GOHN, M. (2016). Manifestações de protesto nas ruas no Brasil a partir de Junho de 2013: novíssimos sujeitos em cena. Revista Diálogo Educacional. Curitiba, v. 16, n. 47, pp. 125-146. ; Gohn, Penteado e Marques, 2020). Entretanto, a premissa da autonomia como negação e separação do sistema político é questionada por pesquisas que mostram a relação dos coletivos com os partidos políticos ( Perez, 2019)PEREZ, O. (2019). Relações entre coletivos com as Jornadas de Junho. Opinião Pública. Campinas, v. 25, n. 3, pp. 577-596. e a reprodução de algumas hierarquias internas, por exemplo, de gênero (Sarmento, Reis e Mendonça, 2017).

Neste artigo, introduzimos uma camada de complexidade ao debate da “novidade” dos coletivos e sua rejeição ao sistema político, a partir de um olhar para a periferia. Primeiro, perguntamos: quem são esses atores? Para além do efeito geracional – coletivos formados por uma maioria de jovens ativistas –, argumentamos, na linha proposta por Gurza Lavalle, Bichir e Castello (2004), que é necessário atentar para o viés analítico que, com frequência, produz um efeito de novidade sobre fenômenos preexistentes. Enquanto os autores destacaram o ocultamento dos movimentos sociais na literatura que adotou como lente analítica a categoria de sociedade civil e sua atuação nas instituições participativas, neste artigo chamamos a atenção para a invisibilização dos atores coletivos das periferias. Vale lembrar que nesse caso a ausência não é apenas analítica, mas também de facto e de jure. Tanto os estudos políticos deixaram de mapear a ação coletiva e a interação desses atores com o Estado e as políticas públicas, com raras exceções (Amâncio, Dowbor e Serafim, 2011), quanto os atores periféricos em geral foram excluídos dos espaços participativos abertos com a democratização.

O segundo objetivo é avaliar por que são críticos à interação com o Estado ou o que está subjacente ao discurso de autonomia. De acordo com a literatura, a crítica dos "novos" movimentos e coletivos à relação com o sistema político seria resultado seja da avaliação negativa sobre os parcos resultados ou efeitos produzidos na interação com os governos petistas, seja da emergência de novos movimentos sociais e coletivos que não apenas veem com maus olhos o Estado como optam por outros repertórios de ação (Perez e Silva Filho, 2017; Gohn, Penteado e Marques, 2020).

O olhar para a periferia indica-nos uma leitura complementar. Sem negar o discurso nativo dos atores políticos de distanciamento do Estado, busca-se compreender, na linha proposta por Pereira e Medeiros (2022)PEREIRA, M. M.; MEDEIROS, J. (2022). “Os coletivos sob um olhar culturalista: deslocamentos analíticos”. In: TATAGIBA, L. et al. (orgs.). Participação e Ativismos: entre retrocessos e resistências. Porto Alegre, Zouk. , a autonomia ou reclamo de distância como uma construção simbólica, discursiva, multifacetada e, acrescentamos, histórico-processual dos atores. Autonomia esta que não surge, ao menos não exclusivamente, pelo desejo de não interação ou ausência de relação. Ao contrário, os discursos que negam o Estado são resultado de outra forma de convivência entre os agentes e instituições estatais e o território e a população periféricos, muito distinta daquela analisada pela literatura nos últimos anos. As formas de ação coletiva observadas atualmente nas periferias são produto das interações e marcadas por um Estado que é, ao mesmo tempo, presente e ausente, pois age sobre o território periférico, mas pouco inter(age) com sua população e atores organizados.

Essa relação conflituosa e ambígua continua sendo elemento que perpassa as lutas e identidades nas periferias, a organização e ação coletiva nas comunidades, tal qual proposto por Sader (1988)SADER, E. (1988). Quando novos personagens entraram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo 1970-1980 . São Paulo, Paz e Terra. . Contudo, onde antes Sader (ibid.) e Doimo (1995)DOIMO, A. M. (1995). A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70 . Rio de Janeiro, Relume-Dumará. analisaram a formação de organizações e matrizes discursivas nas periferias – então chamadas movimentos populares – ante um Estado autoritário; hoje, estão coletivos e movimentos sociais que trazem denúncias e demandas não tão distintas daquelas, mas agora sim diante de um Estado que passou por um aprofundamento democrático nas últimas três décadas e, ainda assim, tem dificuldades de incluí-los nas mesas de discussão e como sujeitos de direitos.

Esta pesquisa se pauta por diferentes técnicas de coleta de dados e pela análise de conteúdo temática. Para a seleção dos casos, foram anteriormente mapeados coletivos de comunicação das periferias participantes do manifesto,1 1 Disponível em: < http://periferiaemmovimento.com.br/comunicadores-perifericos-se-unem-em-coalizao-nacional-pra-enfrentar-pandemia/ . Acesso em: 22 mar 2020. lançado em março de 2020 pelos coletivos das periferias, com o objetivo de criar uma coalizão nacional de enfrentamento ao novo coronavírus nas periferias urbanas. Do universo de 70 coletivos, priorizamos a diversidade regional e escolhemos entre aqueles que tinham páginas mais curtidas e que aparentaram ser mais ativos nas mídias sociais no período de coleta, já que esta seria a principal fonte de dados. São eles: Periferia em Foco e Tela Firme (Belém-PA); Força Tururu (Recife-PE); Agência Mural e Periferia em Movimento (São Paulo-SP); Coletivo Papo Reto e Voz das Comunidades (Rio de Janeiro-RJ); e Ruas (Ceilândia-DF). Destes, apenas o coletivo Força Tururu não aparece no manifesto, mas foi incluído na pesquisa por ser expressivo no território e com o intuito de ampliar a regionalização e ir além do eixo Sudeste, privilegiado de análises.

Todos esses coletivos já estavam organizados antes da pandemia e, portanto, com forte conhecimento da realidade local e experiência prévia de atuação em situações de emergência, tais quais deslizamentos de terra, enchentes e alagamentos. É preciso considerar, contudo, que os resultados não podem ser diretamente extrapolados para outros contextos e cidades, haja vista a seleção de casos circunscrita a regiões metropolitanas e capitais. Ademais, os coletivos de comunicação são apenas uma das formas de organização social presentes nas periferias e envolvidas na produção de respostas à pandemia.

Optou-se por trabalhar com esses coletivos pelo seu papel central na comunicação/transmissão de ideias e denúncias sobre a situação periférica. É justamente porque os coletivos das periferias partilham visões, vivências e a linguagem do público central ao qual se dirigiam (os moradores das periferias) que eles conseguiram passar a sua visão. Além disso, por serem formados nesses territórios que oferecem tantas contradições, os coletivos de comunicação colaboram para a construção e a disseminação dos saberes e do orgulho de ser periférico. Ao mesmo tempo que evidenciavam a centralidade das ações da comunidade, denunciavam o descaso estatal e chamavam o Estado à responsabilidade.

Os dados analisados foram obtidos por meio de extração da API do Twitter e do Facebook a partir de três coletas. A primeira, feita de 16/3/2020 a 30/6/ 2020, foi uma coleta streaming das publicações no Twitter com as hashtags #CoronaNasPeriferias e #Covid19NasFavelas, entre outras. Dessa coleta, foi extraída uma amostra simples de 10% dos posts , totalizando 4.559. Também foi feita uma coleta, no Twitter, em modalidade search das mesmas hashtags , no período de 16/3/2020 a 24/3/2020 e de 8/4/2020 a 16/4/2020, totalizando 1.257 posts . Além disso, entre março e junho de 2020, foram coletados dados dos perfis de 6 coletivos no Twitter (Agência Mural, Papo Reto, Periferia em Foco, Periferia em Movimento, Ruas e Voz das Comunidades) e 8 no Facebook (além dos 6 anteriores, Coletivo Tela Firme e Coletivo Força Tururu). Essa coleta contabilizou mais 2.463 publicações.

No segundo período de coleta, entre 1º/7/2020 a 30/9/2021, deparamo-nos com a limitação ainda maior para a extração de dados via Facebook, o que inviabilizou a coleta nessa plataforma, e com a redução da mobilização pelas hashtags selecionadas. Em razão disso, no segundo período de coleta, extraímos dados apenas dos 6 coletivos com perfis no Twitter. Essa coleta adicionou mais 6.036 posts ao corpus analisado. Ou seja, ao final, o banco de dados analisado, neste artigo, totalizou 14.315 publicações.

Os dois períodos de análise compreendem fases distintas da pandemia: o primeiro momento mais crítico, em razão da novidade do fenômeno, da dificuldade organizativa e do escalonamento do número de mortes; e o segundo, contemplando tanto o período de aumento exorbitante das mortes quanto o início e a ampliação da vacinação. Assim, buscou-se perceber em que medida há alterações e/ou semelhanças em relação às percepções sobre a ação do Estado e sobre as necessidades periféricas ao longo do tempo.

Após a coleta das publicações, realizamos análise de conteúdo, por meio de categorização temática exaustiva dos assuntos abordados pelos coletivos, diferenciando as percepções com relação a si e com relação ao Estado, utilizando o software de análise qualitativa Atlas.ti versão 8.0. Buscamos compreender as percepções dos coletivos de comunicação das periferias sobre si, sobre o Estado e sobre a pandemia da covid-19, a partir da criação de códigos que conformam os temas dos quadros interpretativos. Para este artigo, apresentamos a agregação de dois quadros que respondem diretamente aos nossos dois objetivos: a) os que retratavam a atuação dos coletivos e impressões sobre si próprios e b) aqueles que apresentavam a percepção sobre o Estado.

Na categorização, um mesmo trecho de texto poderia ser identificado em mais de uma categoria temática, a depender dos temas anunciados. No Quadro 1 , há um exemplo de codificação.

Quadro 1
– Codificação temática

Nesse caso, todo o trecho em rosa foi categorizado como “Divulgação dos casos e mortes”, porque se trata de uma informação sobre os casos e as mortes por coronavírus nas periferias. O trecho em verde foi categorizado como “Atuação dos coletivos” e “Apoio a medidas de prevenção", porque relata a atuação do Gabinete de Crise do Alemão, ressaltando a atenção aos cuidados necessários. O trecho em amarelo foi categorizado como “Conscientização”, caracterizando a atuação do coletivo. E o trecho em laranja, como “Fome”, porque se refere à fome como demanda/pauta na pandemia.

Ainda, o estudo foi realizado durante os momentos mais críticos da pandemia, em termos de números de casos e mortes. Assim, o material on-line foi mais propício para análise de conteúdo sobre as visões dos atores e suas ações, a partir de seus discursos, ao invés de observação in loco e entrevistas. Posteriormente, utilizamos as ferramentas do mesmo software para extrair alguns dados quantitativos da amostra analisada: quantidade de citações de determinado quadro e agrupamento dos quadros conforme o tema de referência.

Optamos por focar na pandemia, compreendida como um momento crítico ( Boltanski e Thévenot, 1999BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. (1999). The sociology of critical capacity. European Journal of Social Theory , v. 2, n. 3, pp. 359–377. ) ou situação problemática ( Cefai, 2017CEFAI, D. (2017). Públicos, problemas públicos, arenas públicas: o que nos ensina o pragmatismo (parte I). Novos Estudos. São Paulo, v. 36, n. 1, pp. 187-213. ), pois ela tende a ativar a reflexão crítica e contestação dos atores envolvidos na crise, incluindo identificação de vítimas e culpados, e a gerar novos cursos de ação com vistas à resolução de problemas (ibid.). Ela interpela a relação entre os coletivos e o Estado e permite observar a denúncia e a resposta dos atores, a forma de se ver – como agente que reflete e é instado a agir – e a de ver o Estado – pois a pandemia demandava direta ação estatal. Além disso, a pandemia chega em um momento de crise política e social no Brasil, marcada por um esgarçamento das relações entre Estado e sociedade e esvaziamento dos espaços de participação, além do aumento da desigualdade social e do desmonte de políticas públicas ( Bezerra et al., 2022BEZERRA, C.; ALMEIDA, D.; LAVALLE, A.; DOWBOR, M. (2022). Desinstitucionalização e resiliência dos conselhos no Governo Bolsonaro. In: Scielo Preprints. Disponível em: < https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/4218/version/4466>.
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). Nesse cenário de incertezas, no qual soluções, ideias e propostas não estão bem cristalizadas (Abers e von Bülow, 2020b), há muitas disputas de narrativas na tentativa de tornar mais nítidas quais as necessidades, o que está em jogo e possíveis rumos de ação.

No caso das periferias, a identificação do Estado como culpado ou incapaz de dar solução para a crise e a menção a experiências prévias de inação ou ação estatal, como veremos a seguir, parecem colaborar para conformar as formas de ação, interação e demandas periféricas. A pandemia também lançou luz sobre o associativismo local e as ações e inovações no território e na ação coletiva (Abers e von Bülow, 2020a e 2020b; Castro, 2020CASTRO, B. (2020). Covid-19 e sociedade: ensaios sobre a a experiência social da pandemia. Campinas, Unicamp, IFCH. ; Della Porta, 2020DELLA PORTA, D. (2020). How progressive social movements can save democracy in pandemic times. Interface: a journal for and about social movements, v. 12, n. 1. ; Franco et al., 2020FRANCO, I. et al. (2020). Mapping repertoires of collective action facing the COVID-19 pandemic in informal settlements in Latin American cities. Environment & Urbanization , v. 32, n. 2, pp. 523-546. ), abrindo novo flanco de perguntas para os estudos da interação entre Estado e sociedade.

Este artigo está dividido em duas seções, além desta introdução e da conclusão. Na primeira seção, apresentamos brevemente uma perspectiva histórica sobre ação coletiva nas periferias urbanas, desde a década de 1970, com o objetivo de compreender as transformações (ou não) nas práticas cotidianas nesses territórios e a conformação de discursos e repertórios recentes que destacam o agir por si, “nóis por nóis”, sem a interferência do Estado. Na segunda seção, apresentamos a identificação e a análise sobre o que são os coletivos de jovens das periferias, em especial os coletivos de comunicação periférica. Em diálogo com a literatura atual sobre coletivos, apresentamos duas características centrais nesses formatos organizativos: a centralidade da atuação artístico-cultural e do papel das plataformas digitais para "passarem a visão" do que "tá rolando na quebrada".

Nessa seção também analisamos as percepções sobre si e as críticas das periferias à (inter)ação com o Estado durante a pandemia de covid-19. A pandemia exigiu ampla ação do Estado no seu combate e prevenção, o que variou muito no Brasil a depender dos níveis de governo, formas de gestão e territórios alcançados ( Barberia et al., 2020BARBERIA, L. et al. (2020). BOLETIM 4 - Falta de coordenação entre governo Federal e estados enfraquece a política de distanciamento social. A flexibilização sem critério pode agravar a pandemia: Covid-19: políticas públicas e as respostas da sociedade. Rede de Pesquisa Solidária, 30 abr. Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/boletins/boletim-4/falta-de-coordenacao-entre-o-governo-federal-e-estados-enfraquece-a-politica-de-distanciamento-social-a-flexibilizacao-sem-criterios-pode-agravar-a-pandemia/.
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). Ao mesmo tempo, as favelas e os territórios periféricos foram os mais afetados pelo vírus diante da precariedade de infraestrutura urbana e sanitária, alta densidade populacional e presença majoritária de trabalhadores informais ou em ocupações laborais que se mantiveram presenciais. Sendo assim, a pandemia deu visibilidade às contradições vividas nas periferias e à fragilidade da ação estatal na provisão de bens e serviços, favorecendo a emergência de – e/ou visibilidade – velhas e novas formas de organização da sociedade e perspectivas críticas sobre a realidade dos territórios e a face perversa da interação com o Estado.

Essa visão permaneceu a mesma nos dois períodos analisados. Por seu turno, os enquadramentos construídos durante a pandemia afirmam a autopercepção da centralidade dos coletivos de comunicação das periferias para o enfrentamento da covid-19 nesses territórios, os quais, nos termos de Cefai (2017)CEFAI, D. (2017). Públicos, problemas públicos, arenas públicas: o que nos ensina o pragmatismo (parte I). Novos Estudos. São Paulo, v. 36, n. 1, pp. 187-213. , podem ser vistos ao mesmo tempo como vítimas e reparadores. Não obstante a ausência de dados históricos para analisar a percepção estatal fora desse momento crítico, os atores avaliam retrospectivamente a interação, oferecendo pistas sobre os possíveis motivos da não aposta no Estado ou em instituições políticas. Entre eles, destaca-se a ideia de que as periferias há muito tempo atuam na base do “nóis por nóis” e a percepção da interação diferenciada e, por vezes, violenta do Estado.

Ação coletiva nas periferias em perspectiva histórica

No período entre 1970 e 1980, o Brasil passou por um intenso processo de urbanização que resultou na expansão progressiva das cidades, no aumento do desemprego e da demanda por acesso a serviços públicos em um contexto de ditadura militar. Desse cenário, despontaram os movimentos populares periféricos ( Sader, 1988SADER, E. (1988). Quando novos personagens entraram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo 1970-1980 . São Paulo, Paz e Terra. ), organizados principalmente em associações de bairro em várias cidades do País e cujas demandas se expressavam por meio de matrizes discursivas – modos de abordar a realidade, com base na cultura, linguagem e local de pertencimento – e com vistas à transformação social.

As mudanças ocorridas no cotidiano da vida nas periferias – estrutura física, composição populacional, condições de vida e cultivo de vínculos interpessoais –, acompanhadas das limitações impostas pela ditadura militar, favoreceram a aproximação desses sujeitos na sua condição de trabalhadores e moradores de bairros periféricos. É a partir daí que eles se organizaram, formaram redes de sociabilidade, localizaram suas demandas e formularam visões políticas de mundo e do cenário vivenciado ( Kowarick e Bonduki, 1988KOWARICK, L.; BONDUKI, N. (1988). “Espaço urbano e espaço político: do populismo à redemocratização”. In: KOWARICK, L. (ed.). As lutas sociais e a cidade: São Paulo passado e presente . Rio de Janeiro, Paz e Terra. ; Sader, 1988SADER, E. (1988). Quando novos personagens entraram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo 1970-1980 . São Paulo, Paz e Terra. ). Além das carências e vivências comuns, a organização coletiva foi motivada pela percepção de que o Estado fazia mais pelos bairros centrais do que pelos periféricos ( Durham, 1988DURHAM, E. (1988). “A sociedade vista da periferia”. In: KOWARICK, L. (ed.). As lutas sociais e a cidade: São Paulo, passado e presente . Rio de Janeiro, Paz e Terra. ; Telles, 1988TELLES, V. (1988). “Anos 70: Experiências, práticas e espaços políticos”. In: KOWARICK, L. (ed.). As lutas sociais e a cidade: São Paulo passado e presente . São Paulo, Paz e Terra. ). Os movimentos fundados a partir de então foram centrais para o enfrentamento do contexto autoritário que impedia a sociabilidade política e não reconhecia a ação coletiva como participação social ( Doimo, 1995DOIMO, A. M. (1995). A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70 . Rio de Janeiro, Relume-Dumará. ; Sader, 1988SADER, E. (1988). Quando novos personagens entraram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo 1970-1980 . São Paulo, Paz e Terra. ).

O discurso de autonomia dos atores e a ênfase na potência inovadora e democratizante dos movimentos sociais eram centrais, em função da maneira como o Estado se aproximou das periferias – tanto por meio de ações clientelistas como repressoras, durante o período militar ( Kowarick e Bonduki, 1988KOWARICK, L.; BONDUKI, N. (1988). “Espaço urbano e espaço político: do populismo à redemocratização”. In: KOWARICK, L. (ed.). As lutas sociais e a cidade: São Paulo passado e presente . Rio de Janeiro, Paz e Terra. ). Mas, ao fim e ao cabo, os movimentos mais expressivos sempre tentaram influenciar a tomada de decisão e se relacionaram com o Estado e os partidos políticos, inclusive com papel extremamente mobilizador, apesar dos efeitos de fragmentação e cisão nos movimentos sociais ( Boschi e Valladares, 1983BOSCHI, R.; VALLADARES, L. (1983). “Movimentos associativos de camadas populares urbanas: análise comparativa de seis casos”. In: BOSCHI, R. (ed.). Movimentos coletivos no Brasil urbano . Rio de Janeiro, Zahar. , p. 140).

A transição democrática abriu espaço para uma negociação mais direta com o Estado e teve a década de 1990 como marco de uma época de transformações nas formas de interação e, concomitantemente, no olhar acadêmico sobre as relações entre Estado e sociedade. A conquista de espaços institucionalizados de participação, inscritos, mas não só, na Constituição de 1988 (como conselhos de políticas e orçamentos participativos), direcionou os estudos para os espaços de formação das vontades coletivas com vistas a incidir nas decisões políticas e projetos sociais ( Almeida e Dowbor, 2021ALMEIDA, D.; DOWBOR, M. (2021). Para além das fronteiras da especialização: pontes analítico-teóricas dentre movimentos sociais e instituições participativas no Brasil em contexto de mudanças. In: BATISTA, M.; RIBEIRO, E.; ARANTES, R. (orgs.). As teorias e o caso . Santo André, UFABC. ).

Ao mesmo tempo, houve um deslocamento analítico, por parte da literatura da ciência política, para a categoria da sociedade civil, dando centralidade a um conjunto de novos atores, notadamente ONGs e organizações civis (Gurza Lavalle, Bichir e Castello, 2004). Nesse processo, alguns atores populares e periféricos foram suprimidos dos estudos políticos. A razão disso é que a transição democrática inseriu apenas subalternamente os movimentos de periferias na política e no ambiente institucional. A “entrada” no Estado demandava determinado tipo de organização e nível de institucionalização, o que fez com que apenas alguns movimentos populares, com o apoio de ONGs e igrejas, fossem se transformando em associações e redes formalizadas.

Os atores que fizeram esse movimento para tentar se inserir nas dinâmicas de interação com o Estado foram centrais para a realização de convênios e parcerias na execução de políticas nas comunidades, além de atuarem na mediação por novos canais, tais como os conselhos locais ( Correia, 2015CORREIA, A. P. (2015). Mulheres da periferia em movimentos: um estudo sobre outras trajetórias do feminismo . Dissertação de mestrado. Guarulhos, Universidade Federal de São Paulo. ; Doimo, 1995DOIMO, A. M. (1995). A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70 . Rio de Janeiro, Relume-Dumará. ; Medeiros, 2017MEDEIROS, J. (2017). Movimentos de mulheres periféricas na Zona Leste de São Paulo: ciclos políticos, redes discursivas e contrapúblicos . Tese de Doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. ). Entretanto, isso não quer dizer que todos os movimentos populares fizeram essa migração, tampouco que ingressaram nos espaços institucionais. Seja porque não quiseram, seja porque não puderam, é certo que boa parte dos movimentos populares surgidos nas periferias não fez a transição para os espaços participativos.

Um estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo mostra que, entre as organizações e os movimentos de periferias mapeados, de várias áreas de atuação, 27% das ONGs e 23% dos coletivos declararam já ter participado de alguma instituição participativa em qualquer nível federativo. E esse número é bastante afetado pelo ano de criação da entidade: entre aquelas que foram criadas até os anos 2000, 74% declararam que já estiveram em fóruns participativos, a maioria deles no âmbito municipal; esse número cai para 44% entre as que foram criadas após o ano 2000, período no qual se inserem e foram criados os coletivos aqui analisados ( Santos et al., 2021SANTOS, J.; BRAGA, V.; BOKANY, V.; TOLEDO, M. (2021) Um panorama sobre os coletivos e movimentos sociais periféricos a partir do mapeamento nacional do projeto Reconexão Periferias. Trabalho apresentado no 45º Encontro Anual da ANPOCS, GT Movimentos Sociais: protesto e participação. ).

Se, por um lado, os anos 1990 permitiram a alguns movimentos populares ganharem acesso a espaços participativos e institucionais, por outro lado, essa década marcou um período em que os atores periférios foram expostos a políticas públicas que exacerbaram as desigualdades e afetaram sua ação coletiva. Nesse período, as periferias urbanas brasileiras viveram a implementação de políticas econômicas neoliberais aliadas ao surgimento do crime organizado e incremento da violência nos seus territórios, além da precarização do trabalho, levando boa parte dos seus moradores para a irregularidade ( D’Andrea, 2013D’ANDREA, T. (2013). A formação dos sujeitos periféricos: Cultura e política na periferia de São Paulo . Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Feltran, 2008FELTRAN, G. (2008). Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e violência nas periferias de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Telles, 2010TELLES, V. (2010). A cidade nas fronteiras do legal e ilegal . Belo Horizonte, Argumentum. ). Paralelamente, o crescimento do comércio de drogas e bens ilícitos criou redes capilarizadas por todo o território urbano. Isso trouxe um contexto em que problemas sociais ultrapassaram as formas como eram vistas a exclusão, a segregação e a pobreza até então.

A situação indicava a presença de outros jogos de poder – entre as facções do crime organizado e os embates delas com o Estado – que redefiniram a questão das periferias para além da dimensão urbana, como era tratada até então, e fomentaram, ainda mais, o que se caracteriza como Estado de exceção ( Agamben, 2004AGAMBEN, G. (2004). O Estado De Exceção . São Paulo, Boitempo. ; Das e Poole, 2004DAS, V.; POOLE, D. (2004). Anthropology in the Margins of the State . Nova Delhi, Oxford. ), que age ao mesmo tempo dentro e fora da lei, nas margens. Ou seja, registra-se a presença de práticas que criam zonas de indeterminação entre o legal e o ilegal, terrenos de fronteiras incertas, que produzem a vida matável – majoritariamente negras – em situações que permeiam o cotidiano e o trabalho das pessoas que habitam ou transitam nesses territórios ( Brito, 2017BRITO, M. (2017). História de vida de mães que perderam os filhos assassinados: “uma dor que não cicatriza” . Dissertação de Mestrado. Brasília, Universidade de Brasília. ; Flauzina, 2019FLAUZINA, A. L. (2019). “Democracia genocida”. In: PINHEIRO-MACHADO, R.; FREIXO, A. (eds.). Brasil em Transe: Bolsonarismo, nova direita e desdemocratização. Rio de Janeiro, Oficina Raquel. ; Pereira, 2019PEREIRA, A. (2019). Medalha pra quem metralhou você: necropolítica e o corpo que não entra em exceção. Monografia de graduação. Brasília, Universidade de Brasília. ).

Diante desse cenário, a parcela minoritária da literatura que mostra as formas de ação coletiva que (re)existem nas periferias aponta em dois sentidos: primeiro, como a interação “cooperativa” nos territórios se limitou à dinâmica dos projetos e parcerias com organizações não governamentais, que são ações pontuais e não políticas públicas articuladas como um conjunto orgânico ( Machado e Leite, 2004MACHADO, L.; LEITE, M. (2004). Favelas e democracia: temas e problemas da ação coletiva nas favelas cariocas. In: Rio: A Democracia Vista de Baixo. Rio de Janeiro, IBASE. ). Segundo, observa-se a formação de novas organizações e movimentos sociais em resposta à ação estatal violenta nos territórios. Um dos exemplos são os movimentos de mães, que se constituíram isoladamente em uma periferia e outra, ao longo dos anos 2000, e atualmente formam grandes redes de apoio, solidariedade e ação contra a violência ( Almeida, 2019ALMEIDA, B. (2019). Quando é na favela e quando é no asfalto: controle social repressivo e mobilizações entre lugares de luta . Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ; Brito, 2017BRITO, M. (2017). História de vida de mães que perderam os filhos assassinados: “uma dor que não cicatriza” . Dissertação de Mestrado. Brasília, Universidade de Brasília. ).

A literatura mais voltada para o campo de políticas públicas também acompanhou o desenvolvimento de políticas como o Juventude Viva e o Programa Pontos de Cultura, as quais, de diferentes maneiras, contribuíram para a organização de movimentos sociais e associações nas periferias ( Braga, 2022BRAGA, V. (2022). Movimentos Sociais e Políticas Públicas: as periferias na agenda institucional. Projeto Qualificação Mestrado Ciência Política. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; Gomes, Moura e Alves, 2019; Medeiros, 2013MEDEIROS, A. (2013). Políticas públicas e organizações culturais: o caso do programa Cultura Viva. Dissertação de mestrado. São Paulo, Fundação Getúlio Vargas. ). Nesse caso, o envolvimento da comunidade deu-se em torno da realização de uma política pública nos territórios: a primeira, uma demanda da juventude negra relacionada ao problema da violência policial nos territórios; e a segunda, um modo de envolver grupos culturais na promoção da cultura local. Também em Amâncio, Serafim e Dowbor (2011) observa-se a ação das associações nas periferias em prol do controle social em políticas de saúde e assistência social, no sentido de fiscalização e busca por melhoria da qualidade dos serviços ofertados nas comunidades.

Em comum, essas diferentes lentes analíticas parecem indicar que as interações dos movimentos e associações de periferias com o Estado se deram mais no sentido de reagir ou coibir a ação violenta estatal e de fiscalizar a realização ou não de políticas nos territórios, ao invés de ativamente participar da construção conjunta de políticas públicas com foco na realidade desses espaços. O padrão histórico de interações violentas e intermitentes entre periferias e o Estado – o outro, menos explorado, lado da interação sociedade Estado – molda a forma como as periferias enxergam as ações estatais desenvolvidas nessas áreas, como veremos nas seções seguintes.

Desse modo, não se trata de uma ausência de Estado na periferia – ainda que haja críticas quanto à sua capacidade de atender às demandas da comunidade – ou mesmo de falta de interação dos movimentos com ele. A relação entre as partes se dá por meio de modos diferentes de interação, intercalando entre estes dois momentos de intervenção: reconhecimento versus negação ( Magalhães, 2019MAGALHÃES, A. (2019). Remoções de favelas no Rio de Janeiro: entre formas de controle e resistências. Curitiba, Editora Appris. ). Ademais, os reclamos de autonomia ou distância do Estado precisam ser compreendidos a partir desse histórico de interação que afeta diretamente o cotidiano das pessoas que moram nesses territórios e a organização da ação coletiva nas periferias, refletindo na maneira em que percebem a si mesmos e o Estado.

Emergências às margens: os coletivos de comunicação da periferia na pandemia de covid-19

A ação dos coletivos de comunicação das periferias na pandemia de covid-19 foi notória tanto no papel de informar as comunidades sobre os riscos do novo coronavírus e formas de prevenção como no de arrecadar e distribuir as doações nos seus territórios. Vale destacar que periferias, nesta pesquisa, são entendidas não apenas numa perspectiva territorial – aqueles territórios que estão distantes do centro –, mas aqueles que, sob um ponto de vista político, estão às margens de políticas, serviços e garantias sociais. Podem ser favelas, bairros, setores ou, simplesmente, quebradas . As subseções a seguir são dedicadas a compreender quem são e quais são os coletivos de comunicação das periferias aqui estudados e, em seguida, analisar os enquadramentos interpretativos construídos por eles durante a pandemia de covid-19 sobre si e sobre o Estado.

Tudo que “nois tem é nois”: a percepção dos coletivos de comunicação sobre sua atuação

A literatura sobre coletivos não apresenta, ainda, uma definição clara sobre o fenômeno, mas alguns autores nos dão pistas importantes. Coletivos geralmente são identificados como grupos majoritariamente formados por jovens que compartilham ideias e valores e enxergam, no coletivo, o seu meio de atuação política. Ademais, destacam a centralidade das plataformas de mídias digitais para organização, atuação, mobilização e divulgação das suas ações e a importância da dimensão territorial cotidiana para identificação comum e definição do seu escopo de atuação política ( Maia, 2013MAIA, G. (2013). A juventude e os coletivos: omo se articulam novas formas de expressão política. Revista Eletrônica do Curso de Direito - UFSM. Santa Maria, v. 8, n. 1, pp. 58-73. ; Penteado e Oliveira, 2019PENTEADO, C.; OLIVEIRA, M. (2019). Autodenominação "Coletivo": o que essa escolha pode nos informar. 19o Congresso Brasileiro de Sociologia 9 a 12 de julho. UFSC - Florianópolis, SC Grupo de Trabalho 22 - Movimentos Sociais Contemporâneos Novos. ; Perez, 2019PEREZ, O. (2019). Relações entre coletivos com as Jornadas de Junho. Opinião Pública. Campinas, v. 25, n. 3, pp. 577-596. ; Rios, Perez e Ricoldi, 2018). Os coletivos parecem utilizar essas tecnologias digitais não só como instrumento para divulgar suas ações, mas como meio para se organizarem e também como forma de ação e expressão de vozes marginalizadas ( Medeiros, 2017MEDEIROS, J. (2017). Movimentos de mulheres periféricas na Zona Leste de São Paulo: ciclos políticos, redes discursivas e contrapúblicos . Tese de Doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. e 2019). No que tange à periferia, destacam-se igualmente as diferenças com os movimentos populares da década de 1980, que nasceram umbilicalmente ligados às lutas urbanas. Atualmente, é cada vez mais central a presença de movimentos culturais que propiciam espaços de convivência e identificação coletiva nesses territórios.

Os movimentos voltados para a cultura e a comunicação periférica, que têm se consolidado ao longo dos últimos vinte anos, apresentam algumas semelhanças, tais como a centralidade da atuação artístico-cultural e do papel das plataformas digitais. São movimentos e coletivos de jovens que nasceram e cresceram em territórios periféricos e que encontram na arte a sua forma de expressão política e social. A cultura periférica é a junção do modo de vida, comportamentos, valores, práticas, linguajares e vestimentas que geram identificação entre as pessoas. Como meios de troca e interação, a cultura e a comunicação são centrais para o duplo processo de, simultaneamente, agregar elementos às identidades e visões de mundo; e viabilizar a expressão deles ( D’Andrea, 2013D’ANDREA, T. (2013). A formação dos sujeitos periféricos: Cultura e política na periferia de São Paulo . Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. e 2020).

A identificação de elementos comuns colabora para a constituição e a manutenção desses espaços, bem como para a definição dos interesses e problemas compartilhados ( Aderaldo, 2013ADERALDO, G. (2013). Reinventando a “cidade”: disputas simbólicas em torno da produção e exibição audiovisual de “coletivos culturais” em São Paulo . Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. ; D’Andrea, 2013D’ANDREA, T. (2013). A formação dos sujeitos periféricos: Cultura e política na periferia de São Paulo . Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. e 2020). Os coletivos de comunicação estão inseridos em todo o contexto de violações, convivendo cotidianamente com os “ilegalismos” e o crime organizado; o descaso estatal com as comunidades das periferias; a falta de reconhecimento da sua condição, sem dar vazão as suas demandas nem instituir políticas públicas efetivas e continuadas para esses territórios. Esses coletivos vêm surgindo ao longo dos últimos anos, com foco na produção de conteúdo, a partir da perspectiva das periferias. Os jovens que compõem os coletivos são pessoas cuja vida foi atravessada em vários momentos por um Estado que não lhes garantiu direitos e acesso adequado e de qualidade a serviços básicos; além de, muitas vezes, ter sido responsável por tristezas e violências perpetradas sobre as comunidades, como mostram as postagens do Quadro 2 .

Quadro 2
– Postagens sobre situação das periferias

Os coletivos envolvidos no enfrentamento da covid-19 nas periferias já atuavam por meio das mídias sociais, contudo, num momento de isolamento social, elas se tornaram ainda mais relevantes. Por intermédio dos canais virtuais, os coletivos organizaram-se; divulgaram informações; solicitaram apoio e doações; instruíram a comunidade bem como denunciaram a negligência do Estado com a sua situação. Ademais, foram os principais responsáveis pelas ações presenciais (Abers e von Bülow, 2020a e 2020b; Abers, Rossi e von Bülow, 2021; Franco et al., 2020FRANCO, I. et al. (2020). Mapping repertoires of collective action facing the COVID-19 pandemic in informal settlements in Latin American cities. Environment & Urbanization , v. 32, n. 2, pp. 523-546. ), distribuindo as doações coletadas, panfletos e cartilhas e, por vezes, até mesmo realizando a limpeza da comunidade.

Observando as categorias criadas, a partir da análise dos dados, o papel dado aos coletivos e às ações da própria comunidade durante a pandemia fica bem evidente. Ressaltam a perspectiva de que a favela sempre fez por si própria e a importância disso para garantir a segurança dos seus moradores nesse momento. A atuação dos coletivos, da própria comunidade (não organizada) e a relevância da fonte de informação comunitária ganham bastante destaque, para além de temas que têm permeado o cotidiano dos moradores de periferias na pandemia: a mobilização por doações, a divulgação dos casos, o processo de conscientização, as dificuldades em cumprir o isolamento, o aumento da fome, entre outros.

As afirmações sobre a importância da atuação das periferias por si próprias (categoria “atuação dos coletivos”) e as postagens que indicam como se deu essa atuação na pandemia (por exemplo, doações, conscientização, apoio à prevenção, atuação da comunidade e postagens que visam à conscientização), por um lado, mostram tanto a falta de expectativa de que algo seja feito para essa população quanto a necessidade de agir diante das parcas e até inadequadas soluções apresentadas pelo Estado. Por outro lado, as postagem revelam uma visão positiva da periferia, marcada pela potência e capacidade de pensar iniciativas criativas para contornar as adversidades.

“Pega a visão”: que Estado para qual sociedade?

Uma vez evidenciados quem são os atores, os fatores importantes no seu processo de formação e as contribuições e objetivos aventados por eles, passamos ao segundo objetivo: compreender a perspectiva dos coletivos das periferias sobre o Estado e a interação entre eles.

O Gráfico 1 revela que a maneira como o Estado se apresenta nas periferias tem um impacto muito grande no seu cotidiano. A violência policial é uma categoria que representa como os coletivos percebem o Estado e é a segunda mais presente nas publicações. Ela também aparece subsumida nas postagens classificadas como críticas ao governo estadual. A violência policial aparece com frequência entre os críticos da ação dos estados, a despeito de, em geral, governos estaduais terem tido mais responsabilidade com a condução da pandemia do que o governo federal ( Barberia et al., 2020BARBERIA, L. et al. (2020). BOLETIM 4 - Falta de coordenação entre governo Federal e estados enfraquece a política de distanciamento social. A flexibilização sem critério pode agravar a pandemia: Covid-19: políticas públicas e as respostas da sociedade. Rede de Pesquisa Solidária, 30 abr. Disponível em: https://redepesquisasolidaria.org/boletins/boletim-4/falta-de-coordenacao-entre-o-governo-federal-e-estados-enfraquece-a-politica-de-distanciamento-social-a-flexibilizacao-sem-criterios-pode-agravar-a-pandemia/.
https://redepesquisasolidaria.org/boleti...
).

Gráfico 1
– Principais temas abordados pelos coletivos

A ausência de garantias estatais, seja na prevenção seja na contenção de danos, especialmente em contextos de emergência nos territórios (como enchentes, deslizamentos de terra, remoções e invasões), é força motriz para que os moradores aprendam a "se virar", como ocorreu durante a pandemia. Evidentemente que o conhecimento do território e da sua população, aliado a esse acúmulo de expertise , contribuiu para a visão dos atores de que a periferia é quem sabe atuar em prol dela mesma – o nóis por nóis – e, mais do que isso, que ela atende melhor às demandas da população do que o Estado.

Isso ficou evidente durante a pandemia de covid-19. Enquanto o Estado, especialmente nas esferas estadual e municipal, tentou chegar à população com informações sobre as formas de conter o novo coronavírus e realizar algumas ações que viabilizassem o isolamento e protegessem a população, os coletivos que estavam nos territórios (somados a outras inúmeras ações realizadas pelos próprios moradores) apontavam o que avaliaram como atos falhos do Estado e sua incapacidade de compreender a sua realidade.

Ainda, no âmbito das categorias que evidenciam as visões relativas ao Estado, estão as críticas à maneira como o governo geriu a crise da pandemia e sua dificuldade em se atentar às questões que tocavam a realidade das periferias, especialmente no início da crise sanitária – como falta de água, saneamento básico, condições trabalhistas e condições de moradia –, as quais se misturaram a outras críticas relacionadas à manutenção de um modo violento de agir do Estado nos territórios. Nos primeiros meses da pandemia, os coletivos chamaram a atenção para as várias questões que tangenciam a vida dos moradores, que os impossibilitavam de tomar as medidas preventivas e que não estavam sendo endereçadas pelo poder público. Contudo, o fator que mais mobilizou as críticas foi a permanência das ações violentas das forças policiais nas favelas mesmo durante a pandemia.

O aparecimento desses temas fica bem menos expressivo quando inserimos os dados relativos à violência policial ( Gráfico 3 ). Nesse caso, o dia 15/5/2020 está destacado, porque foi um momento em que as hashtags analisadas na pesquisa foram muito utilizadas para denunciar a chacina no morro do Alemão, evento que foi fundamental para a posterior proibição, pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 635), da realização de operações policiais durante a pandemia.

Gráfico 3
– Violência policial nos primeiros meses de 2020

Mesmo quando analisamos o segundo período de coleta ( Gráfico 4 ), o qual contempla outro importante momento da pandemia: a vacinação, a expressividade da violência policial e seu impacto no cotidiano é notada. Além disso, fica claro que, apesar da proibição das operações, elas continuaram a acontecer e a levar medo e insegurança para as periferias.

Gráfico 4
– Principais temas após a primeira onda e em 2021

O Gráfico 4 mostra que, mesmo com o início da vacinação contra covid-19 no Brasil, em janeiro de 2021, tema de extrema relevância pública, o número de comentários sobre a vacina nesse mês é superado pelas postagens sobre violência, diante das várias operações policiais deflagradas no período. O mesmo ocorreu em maio de 2021, quando a vacinação começou a se expandir para um público além dos profissionais de saúde e idosos; mas concorreu com a chacina no Jacarezinho, Rio de Janeiro, responsável pelo assassinato de 27 civis e 1 policial.

O único momento em que as denúncias de violência policial têm uma queda é durante o período eleitoral em 2020, como fica evidente no Gráfico 5 .

Gráfico 5
– Violência policial versus eleições 2020

Ainda que a interferência do evento crítico, pandemia, e a presença de um governo no nível federal de extrema-direita possam ter contribuído para exacerbar a visão negativa do poder público e mesmo ofuscar o reconhecimento de suas ações no território, os dados apontam para um fator que não pode ser negligenciado na compreensão da demanda de distanciamento em relação às periferias. Ao invés de entender os discursos como desejo de não interação ou ausência de relação, é importante compreendê-los como historicamente situados, resultado de outra forma de convivência entre os agentes e instituições estatais e os moradores de periferias. A interação entre Estado e sociedade nas periferias, marcada por violência e informalidade, difere significativamente da interação estudada na literatura recente, a qual esteve prioritariamente focada em espaços institucionais e em parcerias com ONGs. A percepção de que o Estado não só não ajudou e protegeu os moradores das periferias no passado, mas que seguiu violando seus direitos na pandemia, fica evidente nas falas ( Quadro 5 ).

Quadro 5
– Percepção sobre ação violenta do Estado

Outro fator importante a ser apontado é que, nos primeiros meses, a falta de acesso a serviços públicos, como água e saneamento básico, vinha muito acompanhada dos impactos disso para a proteção contra o coronavírus. A segunda etapa da coleta mostrou que, passado esse período, esse tipo de narrativa ainda acontecia; mas os coletivos passaram a usar a visibilidade que ganharam para demonstrar a falta de acesso a políticas públicas de maneira generalizada. Ou seja, não só as comunidades não estavam sendo atendidas naquele momento, como existe uma série de ausências do poder público e desigualdades anteriores.

A questão da fome é um tema que foi bastante mobilizado nos primeiros meses, como fica evidente no Gráfico 2 , e foi sendo menos mobilizado com o passar dos meses, à medida que as doações eram arrecadadas e o auxílio emergencial foi sendo liberado para a população. No início da pandemia, a maioria das publicações chamava a atenção para a necessidade de doações para que as pessoas pudessem ficar em casa, mesmo que perdessem seu trabalho. Esse discurso, no entanto, mudou sutilmente, quando se percebeu que a fome e a insegurança alimentar se tornavam, cada dia mais, uma realidade. Os chamados de doação vinham não mais atrelados à necessidade de viabilizar o isolamento social, mas sim de combater a fome. Essas mobilizações podem ser vistas no Gráfico 6 , o qual mostra que o pico maior de publicações relacionadas à fome é durante a campanha mobilizada nas mídias sociais por meio das hashtags #PratodasComunidades e #TemGenteComFome.

Gráfico 2
– Principais temas ao longo dos primeiros meses de 2020

Gráfico 6
– Comparativo da mobilização contra a fome

As publicações relacionadas à fome chamam a atenção para fatores como o isolamento social, a insuficiência do auxílio emergencial, a alta dos preços, o desemprego e a responsabilização do Estado por deixar as pessoas chegarem nessa condição de precariedade, que não é apenas situacional, mas indica problemas que são mais estruturais e históricos.

Considerações finais

Este artigo teve o duplo objetivo de trazer à visibilidade os coletivos de comunicação da periferia e compreender as razões por trás dos discursos de distanciamento do Estado, muitas vezes interpretados, na literatura sobre coletivos, como demanda por autonomia ou não interação com o sistema político. Desse modo, trazemos à luz tanto os atores como a outra face de interação com o Estado, caracterizada pela violência, baixa capacidade de influência na tomada de decisão e baixo acesso a espaços institucionais. Esses aspectos ficaram ausentes dos estudos sobre participação social no País e mesmo em outras áreas temáticas da Ciência Política.

Focar nossa análise no período da pandemia de covid-19 nos ajudou a pensar essas relações a partir de um momento extremo de carência de ação estatal, identificação de problemas e prospecção de soluções, deixando visíveis os discursos acerca do papel dos próprios coletivos e do que esperam do Estado. Ainda que se possa argumentar que o período pode contribuir para enviesar os argumentos contrários ao Estado, haja vista a urgência do momento, são nos momentos de crise que emergem discursos que buscam claramente enquadrar problemas e soluções, culpados e vítimas, deixando nítidas as disputas narrativas que são prioritárias para os atores. Ademais, as postagens repetidamente demonstram que esse não é um problema que emerge em março de 2020, quando a pandemia chegou a nosso território, mas que, na perspectiva dos atores de coletivos de comunicação, o descaso estatal repete-se historicamente. Outras pesquisas precisam ser feitas em coletivos e organizações periféricas de outra natureza e em outras localidades, a fim de testar a importância do histórico de interação entre Estado e periferia nas formas de ação coletiva.

No que tange aos coletivos de comunicação, sugerimos, como forma de se aproximar das periferias, analisar o contexto histórico e processual da relação entre Estado e movimentos populares, destacando algumas diferenças com os coletivos na atualidade. Primeiro, vale lembrar que os atores periféricos não foram contemplados em sua totalidade nos espaços institucionais abertos nas décadas de 1990 adiante e que as formas de ação coletiva na periferia foram duplamente afetadas, tanto pelo crescimento do crime organizado nos territórios como pela violência imposta por agentes de segurança pública. Segundo, mesmo semelhantes do ponto de vista da carência de serviços públicos no território, os coletivos atuais diferenciam-se das formas de ação coletiva nos anos 1980 por sua ênfase no aspecto artístico-cultural, para além da dimensão associativa focada na atuação urbana, e também pela importância das plataformas de mídias digitais de comunicação.

Os dados revelam o papel dos coletivos de comunicação da periferia na construção da identidade coletiva do ser periférico, que engloba tanto espaço de carência, como potência e criatividade. As mídias sociais que ganharam centralidade na ação coletiva de movimentos sociais diversos, durante a pandemia, foram fundamentais para que os coletivos pudessem coordenar e divulgar ações presenciais e também para passar a visão sobre si e sobre a repetida necessidade de agir por si, enquanto sujeitos não prioritários da ação estatal. Assim, embora distintos do ponto de vista organizativo e com atuação especialmente artístico-cultural, é possível ver um entrelaçamento com formas de ação coletiva passada, pois, além de espaços de construção de identidade coletiva, denúncias e demandas, também se constroem como espaços de ação que incidem sobre os problemas urbanos.

Os quadros relativos à forma como os coletivos veem a si próprios indicam que tomaram para si a responsabilidade de adotar medidas para o combate à pandemia, seja porque não esperavam que o Estado tomasse as medidas necessárias, seja porque cotidianamente as ações estatais foram se mostrando insuficientes e inadequadas. Ao afirmarem que o “ Estado nunca olhou por nós ”, apontam um histórico de ausências de políticas públicas incompletas ou insuficientes e de ações violentas nas comunidades que parecem transpor, para esses atores, o momento da pandemia. Assim como reconhecem que sabiam agir nos contextos de emergência, porque já o tinham feito outras vezes, como em situações de alagamentos, deslizamentos de terra, remoções e chacinas.

Em relação à visão sobre o Estado, argumentamos que, ao prestar atenção no clamor por distanciamento do aparato estatal, é preciso trazer à compreensão o histórico dessa interação. A pandemia foi um momento que jogou luz sobre a presença distinta do Estado nos territórios periféricos. Isso fica nítido desde as iniciativas que foram tomadas sem esperar qualquer posicionamento dos governos federal, estaduais e municipais para as periferias; até nas publicações que denunciam a falta de acesso à água e ao saneamento básico, num momento em que limpeza e higiene são essenciais, o aumento do desemprego e da insegurança alimentar e, principalmente, a violência policial.

O Estado aqui, no discurso nativo dos atores, é visto como esse agente monolítico, sem diferenciação na forma de agir, mesmo considerando os distintos níveis da federação. Certamente com isso não se quer negar a heterogeneidade do Estado e de sua permeabilidade no território e nas políticas públicas, apenas realçar que a percepção distinta de sua ausência/presença é forte elemento de identificação coletiva, de construção das narrativas e da ação conjunta nos coletivos de comunicação da periferia, o que talvez ajude a explicar reclamos de autonomia também identificados em outros coletivos.

As iniciativas dos coletivos e outras realizadas pelas próprias comunidades para tentar viabilizar o isolamento social nas periferias foram, sem dúvidas, demonstração de muita criatividade, organização e comprometimento por parte deles. Há que se ressaltar que por diversas vezes e sobre diferentes temáticas o Estado foi chamado à responsabilidade. Os coletivos enfatizam que estão realizando um trabalho que deveria ser feito pelo Estado.

A atitude de iniciar as ações e o conhecimento e expertise demonstrados pelos coletivos, como eles afirmam, com mais capacidade e "mais bem-feito" do que se realizadas pelo Estado, podem ser vistos como afirmações de um posicionamento autônomo por parte dos coletivos, no sentido de que eles buscaram soluções independentemente de qualquer via estatal. Contudo, as recorrentes afirmações de que o Estado não se faz presente – ou quando o faz é somente por meio da violência –, mas que ele deveria garantir uma série de direitos e serviços para as comunidades, além de ouvir suas demandas, demonstram que existe uma expectativa de que o Estado tome esse lugar e construa um outra forma de interação.

Essas mesmas afirmações suscitam reflexões acerca da profundidade dos impactos desse contato frequente com a violência estatal nas periferias. A redemocratização trouxe certos avanços, inclusive para os territórios periféricos. Mas, como essas políticas precisaram ser constantemente fiscalizadas para sua manutenção e controle de qualidade e ainda competiram com a presença de uma política de segurança pública violenta, a perspectiva dos atores com relação ao Estado traz reiteradamente termos como abandono e descaso.

Para os coletivos, a pandemia tem sido mais um momento, ainda que bastante agravado, em que as periferias não tiveram seus direitos garantidos e em que foram corriqueiramente aterrorizadas com a violência policial. Mas as ações desenvolvidas durante a pandemia não podem ser compreendidas olhando somente para esse cenário. As questões levantadas nesta pesquisa indicam a necessidade de compreender, de maneira mais aprofundada, os reflexos da violência crescente nos territórios e a escassez no acesso a bens e serviços públicos na organização coletiva. É esse histórico de interação que nos permitirá entender o que está por trás dos discursos e das formas de interação desses atores que parecem buscar soluções para além do Estado.

Quadro 3
– Perspectivas sobre as periferias
Quadro 4
– Perspectivas sobre ação estatal
Quadro 6
– Falta de acesso a serviços básicos
Quadro 7
– Percepção sobre a questão da fome

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2023
  • Aceito
    15 Jul 2023
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