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Peregrinação e alegoria: uma leitura do Compêndio Narrativo do Peregrino da América

Resumo:

A obra de Nuno Marques Pereira, Compêndio narrativo do peregrino da América, publicada em 1728, pertence ao vasto repertório da literatura de cunho moralizante produzida entre os séculos XVI e XVIII. Trata-se da narrativa de viagem que um suposto "peregrino" faz da Baía de Todos os Santos à Capitania das Minas, na qual discorre sobre os costumes religiosos no Brasil e aborda temas diversos, analisados à luz de uma teologia moral. Este artigo propõe analisar como Nuno Marques Pereira articula elementos discursivos disponíveis na tradição, como é o caso da alegoria e do diálogo, e o exame dos costumes e das práticas religiosas que observa na sociedade da América Portuguesa no século XVIII, que atuam como elementos decisivos na construção do texto.

Palavras-chave:
Alegoria; teologia moral; práticas religiosas.

Abstract:

The Work of Nuno Marques Pereira, Compêndio narrativo do peregrino da América, published in 1728, belongs to a vast repertoire of the literature of morality produced between the sixteenth and sevententh centuries. His Works deal with the voyage narrative that a supposed "pilgrim" takes from Baía de Todos os Santos to the Minas, and discusses the religious customs in Brazil and approach to different themes analyzed in the light of a moral theology. This article proposes an analysis of how Nuno Marques Pereira works with discoursive elements present in tradition, such as the allegory of the dialogue, as well as the analysis of the custom and religious practices observed in the American Portuguese society of the eighteenth century, which act as fundamental elements in the construction of the text.

Key Words:
Allegory; moral theology; religious practices.

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  • ALCIDES, Sérgio. Estes Penhascos. Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas17531773 São Paulo: Hucitec, 2003.
  • DRUMMOND, Maria Francelina. Brasil peregrino na alegoria de Nuno Marques Pereira Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras em Estudos Literários da Faculdade de Letras da UFMG. Belo Horizonte, 2000.
  • HANSEN, João Adolfo Alegoria: construção e interpretação da metáfora São Paulo: Atual, 1986.
  • HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso São Paulo: Brasiliense, 1996.
  • HOLANDA, Sérgio Buarque de.O ideal arcádico. In: Capítulos de literatura colonial ., São Paulo: Brasiliense1991.
  • PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio narrativo do peregrino da América (1728). Rio de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1939. v.2, 6 ed.
  • VILELA, Magno.Uma questão de igualdade: Antônio Vieira e a escravidão negra na Bahia do século XVII Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.
  • SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico: demonologia e colononização, séculos XVI-XVIII São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
  • SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. Feitiçaria e religiosidade no Brasil Colonial, São Paulo: Companhia das Letras 1986, pp. 144-145.
  • VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados. Moral, sexualidade e inquisição no BrasilRio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
  • 1
    PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio narrativo do peregrino da América (1728). 6 ed. Rio de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1939. 2 vol.
  • 2
    Consta que a publicação da obra de Nuno Marques Pereira só foi possível mediante o apoio de Manoel Nunes Viana que teria custeado a sua impressão. A essa edição, seguiram-se outras quatro edições no século XVIII, sugerindo a considerável aceitação da obra: 1731, 1752, 1760 e 1765. DRUMMOND, Maria Francelina. Brasil peregrino na alegoria de Nuno Marques Pereira. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras em Estudos Literários da Faculdade de Letras da UFMG. Belo Horizonte, 2000.
  • 3
    Sobre a associação da obra de Nuno Marques Pereira com as reflexões demonizadoras acerca da América, ver: SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico: demonologia e colonização, séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, particularmente o primeiro capítulo "O conjunto - América diabólica", pp. 21-46.
  • 4
    VARNHAGEN, O peregrino da América e o seu autor, natural de Cairú. Juízo crítico In: PEREIRA, Nuno Marques. Op.cit, p. IX.
  • 5
    Sobre este aspecto, ver o estudo que prefacia a edição de 1939: VASCONCELOS, José Leite de. O "Peregrino da América" de Nuno Marques, como fonte de investigação etnográfica. In: PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit, v.2, pp. XIX-XXIX.
  • 6
    Sobre este aspecto, ver a observação acerca dos Calundus, rituais africanos exorcizados pelo Peregrino. SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. Feitiçaria e religiosidade no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, pp. 144-145 e VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados. Moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
  • 7
    PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros. São Paulo: Edusp, 2001, p. 16.
  • 8
    Ibidem, p. 14.
  • 9
    PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit, v. 2, p. 6.
  • 10
    Ibidem, v. 2, p. 4
  • 11
    Ibidem, p. 5.
  • 12
    Sobre a importância do estilo humilde e da preocupação que tinha Vieira com o sentidodas palavras ver: VILELA, Magno. Uma questão de igualdade: Antônio Vieira e a escravidão negra na Bahia do século XVII. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997, pp. 66-67.
  • 13
    PEREIRA, Nuno Marqeus. Op. cit, v. 2, p. 192
  • 14
    Sermões, I, p. 49 Apud: PÉCORA, Alcir, op. cit, pp. 137-138.
  • 15
    PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit,v. 2, p. 57.
  • 16
    PÉCORA, Alcir. Op. cit, p. 158.
  • 17
    Em estudo dedicado a Cláudio Manoel da Costa, Sérgio Alcides chama atenção para a importância que assume em Portugal o que o autor denomina de "reforma do gosto", cujos principais esforços se viram congregados em torno da Arcádia Lusitana fundada em 1756. Para Alcides, a "reforma do gosto" congregava o ideal arcádico na projeção das virtudes dos autores da Antiguidade - a exemplo de Virgílio e Horácio -, o combate às influências espanholas calcado no classicismo francês, assumindo no Reino uma reação antijesuítica, antiescolástica e anticultista. Ségrio Alcides retoma aqui o problema analisado anteriormente por Sérgio Buarque de Holanda, o qual afirmava que o culto do "natural", ou seja, da razão e do bom senso, teve um aspecto epidérmico e exterior, convivendo aí o ideal arcádico com o cultismo da linguagem associado ao barroco. De certa forma, as contradições estruturais que se observam nas obras do século XVIII se refletem na obra de Nuno Marques Pereira. Ao mesmo tempo em que condena o cultismo e se refere a Horácio como condição de perfeição, o autor elogia Góngora e Quevedo. ALCIDES, Sérgio. Estes Penhascos. Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas, 1753-1773. São Paulo: Hucitec, 2003, pp. 35-76. HOLANDA, Sérgio Buarque de. O ideal arcádico. In: Capítulos de literatura colonial. São Paulo: Brasiliense, 1991, pp. 177-226.
  • 18
    PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit ,v. 2 p. 58.
  • 19
    Ibidem, p. 58.
  • 20
    Sobre a leitura do Compêndio narrativo do peregrino da América enquanto obra alegórica ver: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 174.
  • 21
    PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit, v. 1, p. 309.
  • 22
    Ibidem, p. 37.
  • 23
    João Adolfo Hansen foi um dos autores que se dedicou ao estudo das questões referentes à alegoria. Segundo o autor, "não se pode falar simplesmente de a alegoria, porque há duas: uma alegoria construtiva ou retórica, uma alegoria interpretativa e hermenêutica. Elas são complementares, podendo-se dizer que simetricamente inversas: como expressão, a alegoria dos poetas é uma maneira de falar; como interpretação, a alegoria dos teólogos é um modo de entender. HANSEN, João Adolfo. Alegoria: construção e interpretação da metáfora. São Paulo: Atual, 1986.
  • 24
    De acordo com Maria Francelina Drummond, a admiração que o "peregrino" demonstra por Orígenes contribui para que se compreenda os usos da alegoria no Compêndio narrativo..." Orígenes precede e forma uma longa tradição exegética que utiliza o método alegórico para interpretação da Bíblia" que será utilizado por Santo Agostinho, São Gerônimo, entre outros que dialogo Nuno Marques Pereira. DRUMMOND, Maria Francelina. Op. cit., p. 141.
  • 25
    ALCÍDES, Sérgio. Op. cit., p. 82.
  • 26
    Conforme afirma José Antônio Maravall, "o que interessa ao escritor barroco enquantotal é revelar o esquema irredutível desse curso temporal: sua fugacidade. MARAVALL, José Antonio. A cultura do Barroco: análise de uma estrutura histórica. São Paulo: Edusp, 1997, p. 301.
  • 27
    PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit., v. 1, p. 309.
  • 28
    Estudo clássico sobre o tema é o de HOLANDA, Sérgio Buarque. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 1986. O tema foi retomado em parte por SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. Op. cit., pp. 21-49.
  • 29
    PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit., v.2, p. 25.
  • 30
    Ibidem, p. 26.
  • 31
    Ibidem, p. 30.
  • 32
    Sobre o tema da natureza e dos maus costumes nas cartas jesuíticas ver: PÉCORA, Op. cit., pp. 40-46.
  • 33
    Ibidemv. 2, p. 240.
  • 34
    Ibidem, p. 227.
  • 35
    HANSEN, João Adolfo. Op. cit., p. 99.
  • 36
    PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit., v. 1, p. 317.
  • 37
    Ibidem, pp. 320-321.
  • 38
    Ibidem, v. 2, p. 102.
  • 39
    Ibidem, p. 106.
  • 40
    Ibidem, pp. 137-138.
  • 41
    O primado da visão sobre os outros sentidos é afirmado por vários autores religiosos. Santo Inácio de Loyola, já no primeiro "exercício espiritual", requeria dos penitentes uma representação concreta de uma imagem através da imaginação (imagem das chagas de Cristo, por exemplo), ou seja, "la composicion viendo el lugar". O Padre Antonio Vieira em seus "Sermões" afirmava que "o que entra pelos ouvidos, como tem menos evidência, move com menos força; mas o que entra pelos olhos, recebe a eficácia da mesma vista e move fortissimamente". Sto Inácio de LOYOLA. Op. cit. p. 82; Pe. Antonio VIEIRA. Sermoens XV. p. 66. APUD: HOLANDA, Segio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 232.
  • 42
    PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit., p. 138.
  • 43
    DRUMMOND, Maria Francelina. Op. cit., pp. 66-67.
  • 44
    Ibidem, v.2, pp. 261-262.
  • 45
    Ibidemv1, pp. 318-319.
  • 46
    Ibidem, v. 2, p. 202.
  • 47
    Ibidem, p. 70.
  • 48
    Sobre o procedimento de citação "indireta" em Nuno Marques Pereira, ver: DRUMMOND, Maria Francelina. Op. cit., p. 145.
  • 49
    Ibidem, v. 1p. 315.
  • 50
    Ibidem, p. 315.
  • 51
    Ibidem, v. 2, p. 81.
  • 52
    Para essas informações sobre o gênero do diálogo, ver: PÉCORA, Alcir. Op. cit., p. 97.
  • 53
    Sobre os livros que influenciaram a forma dialógica adotada por Nuno Marques Pereira, ver: DRUMMOND, Maria Francelina. Op. cit., pp. 143-144.
  • 54
    PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit.,v. 2, p. 77.
  • 55
    Ibidem, v. 1, p. 433.
  • 56
    Ibidem, p. 435.
  • 57
    Ibidem v. 2 p. 207.
  • 58
    Conforme afirma Alcir Pécora, "o diálogo pode ser retoricamente definido como gênero que compõe diferentes discursos a partir do relato de uma cena dramática mínima que pressupõe a presença simultânea de personagens com distintas posições intelectuais, convivendo em uma determinada situação que exige a prática racional." PÉCORA, Alcir. Op. cit., p. 98.
  • 59
    Ibidemp. 98.
  • 60
    Ibidem, Op. cit., p. 97.
  • 61
    PEREIRA, Nuno Marques. Op. cit., v. 2 p. 258.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2004
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