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Sob as bênçãos da Igreja: o casamento de escravos na legislação brasileira

With the Church blessings: the marriage of slaves in the Brazilian legislation

Resumos

O presente artigo tem como propósito discutir a legislação a respeito de casamentos entre escravos e entre escravos e livres no Brasil do período colonial ao Império. Para tanto, levantou-se o ordenamento legal em vigor até a instauração da República, procedendo-se à leitura da legislação civil que, até 1916, obedecia ainda às ordenações portuguesas intituladas de Filipinas. Como aquela normatização lusitana fora precedida por duas outras, a Afonsina e a Manuelina, buscou-se fazer uma comparação entre esses vários diplomas legais. Além disso, procedeu-se a uma investigação a respeito do assunto nas normas eclesiásticas, sobretudo nas decisões emanadas do Concílio de Trento e nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Tais documentos canônicos concorriam com as disposições civis contidas nas ordenações que disciplinavam o matrimônio no Brasil desde os tempos coloniais e permaneceram influentes mesmo após a Independência. A meta foi conseguir o maior subsídio possível para esclarecer alguns aspectos importantes da instituição matrimonial envolvendo cativos vigente no Brasil até o Império.

Casamento; Escravidão; Direito; Brasil


This paper aims at discussing the legislation regulating the marriage among slaves as well as between slaves and free man in Brazil from colonial times to the Empire period. To do so, the body of laws on the subject until the advent of the Republic was retrieved, indicating the civilian legislation that, until 1916, still followed the Portuguese Ordinances named Filipinas. Since this Lusitanian statute was preceded by two others, the so-called Afonsina and Manuelina codes, a comparison among them was established. Besides that, an inquiry was hold into the Ecclesiastical norms, mainly that ones from the Trento Council and the First Constitutions of Bahia's Archebishopric. Such canonical documents paralleled the civilian norms contained in the ordinances that regulated marriage in Brazil since colonial times and they kept their influence well after the Brazilian Independence. The goal was to secure the most valuable information in order to clear some important aspects on the marriage institution involving slaves in Brazil until the Empire period.

Marriage; Slavery; Law; Brazil.


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  • ARQUIVO ARQUIVO da Cúria Metropolitana do Espírito Santo. Livro de Casamento da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Vianna, (1859-1873), n° 2.
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    » http://www.uc.pt/ihti/proj/filipinas/L4P871.HTM
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  • WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
  • 1
    No final da década de cinqüenta, pesquisadores tentaram estabelecer uma relação entre opassado escravista e as relações raciais das sociedades americanas. Houve uma primeira geração de estudiosos que sustentou a tese da distinção entre os sistemas escravistas na América de acordo com o tratamento dado aos escravos (CARDOSO, Ciro Flamarion S. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis/RJ: Vozes, 1979. p. 95 a 108).
  • 2
    TANNENBAUM, Frank. Slave and Citizen. New York: Vintage Books, 1946.
  • 3
    Outros estudiosos mantiveram-se atados à tese da diferenciação de acordo com a potênciacolonizadora, como defendeu Stanley Elkins, argumentando que a escravidão nos Estados Unidos foi conseqüência de um capitalismo sem barreiras para a exploração do escravo. Já na América Latina, a Igreja, entre outras instituições, teria impedido o tratamento desumano dos cativos (ELKINS, Stanley. Slavery: a problem in a American institutional and intellectual life. Chicago: University Chicago Press, 1959).
  • 4
    TANNENBAUM, 1946, p. 88 e 89 [tradução das autoras].
  • 5
    Sobre o assunto ver: ADORNO, Segio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
  • 6
    TANNENBAUM, 1946.
  • 7
    Lei de 20 de outubro de 1823 que reiterava a vigência das leis portuguesas até a organizaçãodos novos códigos ou alterações em dispositivos específicos.
  • 8
    WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 302.
  • 9
    Os portugueses promulgaram seu Código Civil em 1867, enquanto no Brasil as ordenaçõessomente foram suplantadas pelo Código Civil em 1916. Sobre o assunto conferir em GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 3. ed. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 2001. p. 457 e GRINBERG, Keila. Código Civi e cidadania. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
  • 10
    LACOMBE, Américo Jacobina. A cultura jurídica. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 5. ed. São Paulo: Difel, 1985. Tomo II, vol 3, p.15.
  • 11
    Vale mencionar as Ordenações Afonsinas, as primeiras da tríade Afonsinas-Manoelinas-Filipinas, que comandava no livro II, título 9°: Estabelecemos, e poemos por Ley, que quando alguum caso for trazido em pratica, que seja determinado per alguma Ley do regno, ou estillo da nossa Corte, ou custume dos nossos Regnos antigamente usado, seja per elles julgado, e desembargado finalmente, nom embargante que as Leyx Imperiaaes [Direito Romano] acerca do dito caso ajam desposto em outra guisa,porque onde a Ley do Regno dispõem, cessam todalas outras Leys, e Direitos; e quando o caso, de que se trauta, nom for determnado per Ley do Regno, mandamos que seja julgado, e findo pelas Leyx Imperiaaes, e pelos Santos Cânones (CURA, Antônio Alberto Vieira. Direito Romano e história do Direito Português: casos práticos resolvidos e textos. Lisboa: Coimbra Editora, 1995).
  • 12
    Cf. RUCQUOI, Adeline. História medieval da Península Ibérica . Lisboa: Editorial Estampa, 1995. p. 250-272.
  • 13
    BARBOSA FILHO, Rubem. Tradição e artifício: iberismo e barroco na formação americana. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
  • 14
    O breviário de Alarico desempenhou no Ocidente em escala menor o papel atribuído à obrade Justiniano no Oriente. Foi freqüentemente copiado até o século IX e X. Elaboraram-se numerosos resumos nos séculos VII e VIII, por exemplo epítome aegidii, epítome parisiensis, epítome monachi. [...]. O Breviário de Alarico parece ter sido adotado em todo o Império Franco, impôs-se mesmo na região dos Burgúndios, desde o fim do século VI, invés da Lex romona burgundionum. (Cf. GILISSEN, 2001. p.170).
  • 15
    O Fuero Juzgo para os moçárabes, o Fuero del conquistador para os companheiros que ali ficaram morando, o dos francos, o Alcorão e o Talmud para sarracenos e judeus.
  • 16
    As Siete Partidas não é um contumier, mas antes uma recolha dos actos legislativos de Castela e Leão, completada por numerosos recursos ao direito romano e ao direito canônico. Sob os nomes, sucessivamente, de Especlo, de libro de fuero, de libro de las leys, os redatores-juristas da corte de Afonso X, o Sábio, e depois de Fernando IV - dela fizeram uma vasta obra de doutrina do direito, na qual o direito consuetudinário local é quase inteiramente substituído por uma exposição do direito erudito; encontra-se aí por enquanto empréstimo retirado do libre feudorum e dos roles d'Olèron. Afonso, o Sábio, não tinha, contudo, chegado a impor esta compilação de direito em todo seu reino; perante o protesto geral, tinha sido obrigado a confirmar em 1272, os privilégios e foros locais. As siete partidas tiveram, no entanto, uma grande influência e contribuíram grandemente para a romanização do direito espanhol. Conhecem-se dezenas de edições ainda na época moderna (GILISSEN, 2001, p. 269).
  • 17
    VALLADÃO, Haroldo. História do direito, especialmente do direito brasileiro. 3o ed.Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S. A., 1977. p. 44.
  • 18
    RUCQUOI, 1995, p. 252.
  • 19
    Conferir as notas produzidas por Antônio Manuel Hespanha na obra de GILISSEN, John.Introdução histórica ao direito. 3. ed. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 2001. p. 319.
  • 20
    Cf. WATSON, Alan. Slave law in the Americas. Athens: University of Georgia Press, 1989. O autor admite essa possibilidade somente se for considerado o Código Visigodo que, entretanto, não chegou a ser usado.
  • 21
    WATSON, 1989, p. 92-93.
  • 22
    Neste sentido, conferir, por exemplo, nas Ordenações Filipinas, o TÍTULO XVI - Do quedorme com a mulher, que anda no Paço, ou entra em casa de alguma pessoa para dormir com mulher virgem, ou viúva honesta, ou escrava branca de guarda. p.1165-66; Correspondência no Título XXIII das Ordenações Manuelinas. Conferir ainda, nas Ordenações Filipinas, o TÍTULO XIX - Do homem, que casa com duas mulheres, e da mulher, que casa com dous maridos. [sic], p. 1170-71; Correspondência: Título XIII das Ord. Afonsinas e Título XIX das Ord. Manuelinas. Cf. SILVA, J. J. de Andrade e (Org.). Coleção cronológica da legislação portuguesa. Lisboa: 1855-1859.
  • 23
    GILISSEN, 2001, p. 91.
  • 24
    ULPIANO, Digesto, 35, I, 1 apud GILISSEN, 2001, p. 565.
  • 25
    LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de Família: origem e evolução da família. Curitiba: Juruá, 1991. p. 210 e MARILYN YALON. A história da esposa: da virgem Maria à madona - papel da mulher casada dos tempos bíblicos até hoje. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p.68-69.
  • 26
    GILISSEN, 2001.
  • 27
    Essa teoria vinculava-se ao texto de Gênesis (II, 24) Erunt duo in carne uma (serão dois numa só carne) - GILISSEN, 2001, p. 570.
  • 28
    CAHALI, Youssef Said. Do casamento. ______. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. Vol 13, p. 9-19 e FARIA, Sheila Siqueira de Castro. Casamento. In: VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil colonial: 1850-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p.106-109.
  • 29
    GILISSEN, 2001, p. 322.
  • 30
    Cf. LOPES, J.R.L. O direito na história. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002 e DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento . Lisboa: Estampa, 1984. Vol.1, p.126.
  • 31
    NADER, Maria Beatriz. Mudanças econômicas e relações conjugais: novos paradigmas na relação mulher e casamento. Vitória (ES), 1970-2000. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2003. p.52.
  • 32
    Cf. DELUMEAU, 1984. Vol.1, p.129.
  • 33
    DAVIDSON, N. S. A Contra-Reforma . São Paulo: Martins Fontes, 1991.
  • 34
    Cf. NADER, 2003.
  • 35
    VAINFAS, Ronaldo. Trópicos dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
  • 36
    As regras morais do cristianismo por muito tempo não conseguiram penetrar a fundo nasmassas populares. A violência foi amplamente utilizada contra essas massas, durante a Idade Média, e muitos núcleos pagãos coexistiram entre os europeus cristianizados, desenvolvendo seus ritos, inclusive o casamento. Sobre o assunto, ver KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. Malleus Maleficarum: o martelo das feiticeiras. 14. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
  • 37
    Caput do item 970 (Doutrina sobre o Sacramento do Matrimônio) da Sessão XXIV doAgnus Dei, documento produzido pelo Concílio Ecumênico de Trento, celebrado no tempo do Sumo Pontífice Pio IV, em 11 de novembro de 1563.
  • 38
    971. Cân. l. Se alguém disser que o matrimônio não é verdadeiro e propriamente um dos sete sacramentos da Lei Evangélica, instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, e [disser] que foi inventado pelos homens na Igreja e que não confere graça - seja excomungado [cfr. n° 969].Cân. 2. Se alguém disser que é lícito aos cristãos ter ao mesmo tempo muitas mulheres, e que isto não é proibido por nenhuma lei divina (Mt 19, 4 ss 9) - seja excomungado [cfr. n° 969].Cân. 3. Se alguém disser que só aqueles graus de consangüineidade e de afinidade que se declaram no Levítico (Lv 18, 6 ss) podem impedir de contrair matrimonio e dirimi-lo depois de contraído; ou que a Igreja não pode dispensar de alguns desses impedimentos ou estabelecer outros [graus] que impeçam e dirimam - seja excomungado. Cân. 4. Se alguém disser que a Igreja não pôde estabelecer impedimentos dirimentes do matrimônio, e que errou ao estabelecê-los - seja excomungado. Cân. 5. Se alguém disser que o vínculo do matrimônio pode ser dissolvido pelo cônjuge por motivo de heresia, de molesta coabitação ou de ausência afetada - seja excomungado. Cân. 6. Se alguém disser que o matrimônio contraído mas não consumado não se dirime pela solene profissão religiosa de um dos esposos - seja excomungado. Cân. 7. Se alguém disser que a Igreja erra quando ensinou e ensina que, segundo a doutrina evangélica e apostólica (Mc 10; l Cor 7), o vínculo do matrimônio não pode ser dissolvido pelo adultério dum dos cônjuges e que nenhum dos dois, nem mesmo o inocente que não deu motivo ao adultério, pode contrair outro matrimonio em vida do outro cônjuge, e que comete adultério tanto aquele que, repudiada a adúltera, casa com outra, como aquela que, abandonado o marido, casa com outro - seja excomungado. Cân. 8. Se alguém disser que a Igreja erra, quando determina que por muitos motivos se pode fazer [licitamente] separação entre os consortes quanto ao tálamo e coabitação, por tempo certo ou incerto - seja excomungado. Cân. 9. Se alguém disser que os clérigos constituídos em ordens sacras e os Regulares que professam solenemente castidade, podem contrair validamente matrimonio, não obstante a lei eclesiástica ou o voto, e que o contrário disto outra coisa não é senão condenar o matrimônio; e que podem contrair matrimônio todos os que não sentem ter o dom da castidade, ainda que o tenham prometido - seja excomungado. Pois Deus não nega este dom a quem piamente lho pede, nem consente que sejamos tentados acima das nossas forças (l Cor 10, 13).Cân. 10. Se alguém disser que o estado conjugal se deve antepor ao estado da virgindade ou celibato, e que não é melhor nem mais beato permanecer no estado de virgindade e celibato do que contrair matrimônio (cfr. Mt 19, 11 s; l Cor 7, 25 s 38. 40) - seja excomungado. Cân. 11. Se alguém disser que a proibição da solenidade dos desponsórios em certos tempos do ano é uma superstição tirânica derivada das superstições pagas; ou condenar as bênçãos e outras cerimônias que a Igreja usa neles - seja excomungado. Cân. 12. Se alguém disser que as causas matrimoniais não são da competência dos juízes eclesiásticos - seja excomungado.
  • 39
    Sobre o assunto ver SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura no Brasil colônia . Petrópolis: Vozes, 1981.
  • 40
    Sessão XXV (3 e 4/12/1563). Disponível em: http://www.montfort.org.br/documentos/ trento.html. Acesso em: 25 mar 2005.
  • 41
    Os pais ficaram escandalizados por não terem sua autoridade considerada pelo Concílio. Sobre o tema ver FLANDRIN, Jean-Louis. Famílias, parentesco, casa e sexualidade na sociedade antiga . Lisboa: Estampa, 1991. p. 157.
  • 42
    Sessão XXV (3 e 4/12/1563). Disponível em: http://www.montfort.org.br/documentos/ trento.html. Acesso em: 25 mar 2005.
  • 43
    Seriam os casamentos realizados perto da morte de um dos cônjuges e os casamentos secretosque não se confundiam com os casamentos populares.
  • 44
    Sessão XXV (3 e 4/12/1563). Disponível em: http://www.montfort.org.br/documentos/ trento.html. Acesso em: 25 mar 2005.
  • 45
    Em Portugal o Direito Canônico possuía tanta autoridade, que chegou a predominar entreas próprias leis do reino, com D. Afonso II, e D. Diniz, quando fundou a primeira universidade portuguesa, de Lisboa, determinou o seu estudo conjunto com o romano [...]; só cessou esse prestígio da Lei da Boa Razão (1769) (VALLADÃO, Haroldo. História do Direito especialmente do Direito brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1977. p. 44).
  • 46
    HESPANHA, Antônio Manuel. Nota do tradutor apud GILISSEN, 1995, p. 322.
  • 47
    Para Herculano, os casamentos eram de bênção (ad benedictionem) de pública fama (conhoçudos) ou de juras (juras in manu clerici). Só o casamento de bênção era, segundo o autor, um casamento perfeitamente legítimo aos olhos da Igreja, possuindo a dignidade de sacramento. Os outros eram, ainda segundo ele, válidos, mas ilegítimos e desacompanhados dos efeitos de ordem sobrenatural que o primeiro produzia. A sua validade era, portanto, uma validade meramente civil que a Igreja, então senhora de toda a legislação matrimonial, reconhecia e regulava por transigência com os costumes das populações, mas procurando reprimilos. Cf. DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
  • 48
    O casamento de pública fama era uma forma de união conjugal clandestinamente contra-ída, mas que possuía a qualidade de matrimônio pela fama em que eram tidos os cônjuges, como tais, pelo público.
  • 49
    O casamento de juras era outra forma intermédia com relação às anteriores, porém caracte-rizada pela presença, no momento da celebração, de testemunhas e de um clérigo, embora essa celebração não tivesse lugar na Igreja, nem revestisse as formalidades rituais do verdadeiro matrimônio religioso. Ordenações Filipinas. Livro IV. Diponível em: http://www.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ L4P871.htm. Acesso em: 25 mar 2005.
  • 50
    ORDENAÇÕES Filipinas. Livro V. Título 38. Caput.
  • 51
    ORDENAÇÕES Filipinas. Livro V. Título XVI. Caput.
  • 52
    ORDENAÇÕES Filipinas. Livro V. Título XXIV. Caput.
  • 53
    FARIA, 2000, p. 106-109.
  • 54
    VAINFAS, Ronaldo. Trópicos dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
  • 55
    VAINFAS, 1997, p. 76.
  • 56
    A designação completa é: Constituições primeiras do arcebispado da Bahia feitas e ordena-das pelo ilustríssimo, e reverendíssimo senhor D. Sebastião Monteiro da Vide, 5º arcebispo do dito Arcebispado, e do Conselho da Sua Majestade: propostas, e aceitas em o Sínodo Diocesano, que o dito senhor celebrou em 12 de junho do anno de 1707. Lisboa 1719 e Coimbra. 1720. São Paulo: Typographia 2 de dezembro de Antônio Louzada Antunes, 1853.
  • 57
    Constituições primeiras do arcebispado da Bahia{...} São Paulo: Typographia 2 de dezembro de Antônio Louzada Antunes, 1853. p.303.
  • 58
    MORAES, Douglas Batista de. A Igreja: o "baptismo", o casamento e a angústia do confes-sionário. Mneme , v.5, n.2, out/nov 2004, p. 2.
  • 59
    Além dessa compilação, erigiu-se um pouco antes o Regimento do auditório eclesiástico(1704), verdadeiro código de processo, de enorme importância num tempo em que boa parte das causas corria no foro da Igreja, havendo em cada grupo de paróquias um vigário forâneo, com poderes judiciais, e na Bahia, um tribunal (relações eclesiásticas).
  • 60
    Cf. WEHLING, Arno & WEHLING, Maria José C. de. Formação do Brasil colonial. 2ª.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.p. 81-85 e RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. Santa Maria/RS: Pallotti, 1988. Vol 3, p. 231-234.
  • 61
    Cf BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Do casamento religioso com efeitos civis ao novo Código Civil. O Neófito: informativo jurídico . p. 4. Disponível em: www.neofito.com.br Acesso em: 25 mar 2005.
  • 62
    RIBEIRÃO, Simone. As inovações constitucionais no Direito de Família. Jus Navegandi, Internet. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia, 1853, p.304.
  • 63
    ROCHA, Manoel Ribeiro. Etíope resgatado: empenhado, sustentado, corrigido, instruído e libertado. Discurso teológico-jurídico sobre a libertação dos escravos no Brasil de 1758. Petrópolis: Vozes, 1992.
  • 64
    Ibid., p.122 e 123.
  • 65
    ARQUIVO da Cúria Metropolitana do Espírito Santo. Livro de Casamento da Freguesiade Nossa Senhora da Conceição de Vianna, (1859-1873), n° 2.
  • 66
    ARQUIVO da Cúria Metropolitana do Espírito Santo. Livro de Casamento da Freguesiade Nossa Senhora da Conceição de Vianna, (1859-1873), n° 2.
  • 67
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2005

Histórico

  • Recebido
    Abr 2005
  • Aceito
    Jun 2005
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