Acessibilidade / Reportar erro

A ordem de um tempo: folhetos na coleção Barbosa Machado

Resumos

Neste artigo, os autores estudam a grande coleção de opúsculos montada no século XVIII pelo bibliófilo português Diogo Barbosa Machado, que integra atualmente o acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Destaca-se inicialmente a importância da escrita na Época Moderna e a circulação de folhetos impressos como elementos de poder. Em seguida, discute-se a coleção como agrupamento de peças preciosas, e a trajetória de ascensão social de seu artífice. O ponto central do artigo é a taxionomia empreendida pelo colecionador, relacionada também aos vários tempos percorridos pela coleção. Formula-se assim a hipótese da brecha do tempo em que vivia Barbosa Machado.

Biblioteca Nacional; coleção Barbosa Machado; folhetos; monarquia portuguesa.


In this article, the authors study Diogo Barbosa Machado's great collection of pamphlets gathered during the eighteenth-century and housed at the Biblioteca Nacional, Brazil. At first, they highlight the importance of the written texts during the Modern Age and the circulation of printed documents as tools of power. Then they discuss the collection itself as an amalgamation of valuable pieces, as well as the way the Machado used collecting as a means to gain social prestige. The central point of the article is the discussion of systematic, or division into categories (taxonomy) that the Portuguese collector decided upon to organize the volumes as he assembled them, which is also related to the various times along with the collection was put together. In such a manner, the authors formulate the hypothesis of break in time in which Barbosa Machado lived.

National Library of Brazil; Barbosa Machado's collection; pamphlets; Portuguese Monarchy.


Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

  • ALVAREZ, Fernando Bouza. Corre Manuscrito: Una historia cultural del siglo de oro. Madrid: Marcial Pons, 2001.
  • ALVAREZ, Fernando Bouza. Del Escribano a la Biblioteca: La civilización escrita europea en la alta edad moderna (siglos XV-XVII). Madrid: Sintesis, 1997.
  • ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 1988.
  • ARAÚJO, Ana Cristina. Livros de uma vida. Critérios e modalidades de constituição de uma livraria particular no século XVIII. Revista de História das Idéias. Coimbra: Instituto de História e Teoria das Idéias - Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1999, v.20, p.149-185.
  • BARATA, Manuel Themudo & TEIXEIRA, Nuno Severiano (dir.). Nova História Militar de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2004, v.2.
  • BARATIN, Marc & JACOB, Christian (org.). O Poder das Bibliotecas. A memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.
  • BEBIANO, Rui. A Pena de Marte. Escrita da guerra em Portugal e na Europa (sécs. XVI-XVIII). Coimbra: Minerva, 2000.
  • BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
  • BLOCH, Marc. Os Reis Taumaturgos. O caráter sobrenatural do poder régio França e Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
  • BORGES, Jorge Luis. Ficciones. Buenos Aires: Emecé, 2004.
  • BOURDÉ, Guy. As Escolas Históricas. Lisboa: Europa-América, 1983.
  • BRIGOLA, João Carlos Pires. Colecções, Gabinetes e Museus em Portugal no Século XVIII. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
  • CARDIM, Pedro. Cortes e Cultura Política no Portugal do Antigo Regime. Lisboa: Cosmos, 1998.
  • CARDIM, Pedro. Religião e ordem social. Em torno dos fundamentos católicos do sistema político do Antigo Regime. Revista de História das Idéias. Coimbra: Instituto de História e Teoria das Idéias - Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2001, v.22, p.133-174.
  • CARVALHO, Gilberto Vilar de. Biografia da Biblioteca Nacional (1807 a 1990). Rio de Janeiro: Irradiação Cultural, 1994.
  • CASTRO, César Augusto. História da Biblioteconomia Brasileira. Brasília:Thesaurus, 2000.
  • CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
  • COSTA, Manuel Alberto Nunes. Diogo Barbosa Machado e a bibliografia portuguesa. Anais da Academia Portuguesa de História. Lisboa: s. ed., 1986, p.291-340.
  • CUNHA, Norberto. Elites e Acadêmicos na Cultura Portuguesa Setecentista. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2000.
  • ECO, Umberto. Il Nome della Rosa. In appendice postille a "Il nome della rosa". Milano: Tascabili Bompiani, 2005.
  • GINZBURG, Carlo. Olhos de Madeira. Nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
  • GRAFTON, Anthony. As Origens Trágicas da Erudição. Pequeno tratado sobre a nota de rodapé. Campinas: Papirus, 1998.
  • GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Reinventando a Tradição: sobre antiquariado e escrita da história. Humanas. Porto Alegre: 2000, v. 23, n.1/2, p.111-143.
  • HARTOG, François. Regimes d'Historicité. Presentisme et experiences du temps. Paris: Seuil, 2003.
  • HESPANHA, Antonio Manuel (org.). História de Portugal. O Antigo Regime. Lisboa: Círculo de leitores, 1993, v.4.
  • KANTOR, Íris. Esquecidos e Renascidos. Historiografia acadêmica luso-americana (1724-1759). São Paulo: Hucitec, 2004.
  • KANTOROWICZ, Ernst. Os Dois Corpos do Rei. Um estudo de teologia política medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
  • KOSELLECK, Reinhart. Crítica e Crise. Uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: Eduerj/Contraponto, 1999.
  • KOSELLECK, Reinhart. Futuro Pasado. Para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Paidos, 1993.
  • KOSELLECK, Reinhart. historia/Historia. Madrid: Trotta, 2004.
  • KRIEGEL, Blandine Barret. L'Histoire à L'Age Classique. Paris: PUF, 1988, 4v.
  • LUGLI, Adalgisa. Naturalia et Mirabilia. Les cabinets de curiosités en Europe. Paris: Adam Biro, 1998.
  • MARQUES, João Francisco. A Parenética Portuguesa e a Restauração 1640-1668. Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1989, 2v.
  • MARQUES, João Francisco. & GOUVEIA, António Camões (org.). História Religiosa de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000, v.2.
  • MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal. Paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
  • MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. O Crepúsculo dos Grandes. A casa e o patrimônio da aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2003.
  • MONTEIRO, Rodrigo Bentes. O Rei no Espelho. A monarquia portuguesa e a colonização da América 1640-1720. São Paulo: Hucitec, 2002.
  • MONTEIRO, Rodrigo Bentes. Recortes de memória: reis e príncipes na coleção Barbosa Machado. In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (org.). Culturas Políticas. Ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, p.127-154.
  • MONTEIRO, Rodrigo Bentes. Reis, príncipes e varões insignes na coleção Barbosa Machado. Anais de História de Além-Mar. Lisboa: Centro de História de Além-Mar, 2005, no prelo.
  • MOTA, Isabel Ferreira da. A Academia Real da História. Os intelectuais, o poder cultural e o poder monárquico no século XVIII. Coimbra: Minerva, 2003.
  • NORA, Pierre (org.). Les Lieux de Mémoire. Paris: Gallimard, 1997, 3v.
  • POMIAN, Krzysztof. Collectionneurs, Amateurs et Curieux: Paris-Venise, XVIeXVIIe siècle. Paris: Gallimard, 1987.
  • NORA, Pierre. Des Saintes Reliques à l'art Moderne: Venise-Chicago, XIIIe-XXe siècle. Paris: Gallimard, 2003.
  • NORA, Pierre. L'Ordre du Temps. Paris: Gallimard, 1984.
  • RAMINELLI, Ronald. Do conhecimento físico e moral dos povos: iconografia e taxionomia na Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 2001, v. VIII(suplemento), pp.969-92. http:// www.scielo.br
    » http:// www.scielo.br
  • ROMANO, Ruggiero (dir.). Enciclopédia Einaudi. Memória - História. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1984, v.1.
  • SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
  • SCHNAPPER, Antoine. Le Géant, la Licorne et la Tulipe. Paris: Flammarion, 1988.
  • TAVARES, Rui. O Pequeno Livro do Grande Terramoto. Ensaio sobre 1755. Lisboa: Tinta da China, 2005.
  • 1
    Esta investigação se realiza desde 2003 na Biblioteca Nacional, sob coordenação de Rodrigo Bentes Monteiro e Pedro Cardim, conta com as pesquisas de David Felismino e de Ana Paula Sampaio Caldeira, e com o trabalho dos estagiários Pedro Fonseca de Araujo, Gustavo Kelly de Almeida, Jerônimo Duque Estrada de Barros e Jorge Miranda Leite. Agradecemos a Valeria Gauz e Íris Kantor as sugestões para este artigo.
  • 2
    Diogo Barbosa Machado descreveu este conjunto documental como uma "coleção singular, e de suma estimação que consta de sucessos pertencentes à História de Portugal formada de vários livros de prosa e verso da dita história e reduzida a folha em volumes..." Não usou, portanto, os termos folhetos ou opúsculos. No Vocabulário ... de Bluteau, opúsculo significa "obra, livro, tratado pequeno sobre qualquer matéria ...", e não há menção a folheto. Os dois termos são empregados como sinônimos para referência aos documentos da coleção pelos bibliotecários Ramiz Galvão e Rosemarie Horch, como veremos adiante. MACHADO, Diogo Barbosa. Cathalogo dos Livros da Livraria Diogo Barbosa Machado distribuídos por matérias e escrito por sua própria mão. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, p.33. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português e Latino ... Coimbra: Colégio das Artes da Cia de Jesus, 1712, p.94.
  • 3
    KRIEGEL, Blandine. L´Histoire à l´Age Classique. La défaite de l´erudition. Paris: PUF, 1988, v.2, p.165.
  • 4
    KANTOR, Íris. Esquecidos e Renascidos. Historiografia acadêmica luso-americana (17241759). São Paulo: Hucitec, 2004, p.19.
  • 5
    Sobre este assunto ver BRIGOLA, João Carlos Pires. Colecções, Gabinetes e Museus em Portugal no Século XVIII. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
  • 6
    ALVAREZ, Fernando Bouza. Del Escribano a la Biblioteca: La civilización escrita europea en la alta edad moderna (siglos XV-XVII). Madrid: Sintesis, 1997; Corre Manuscrito: Una historia cultural del siglo de oro. Madrid: Marcial Pons, 2001.
  • 7
    GINZBURG, Carlo. Olhos de Madeira. Nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.85-103.
  • 8
    POMIAN, Krzysztof. Colecção, in: ROMANO, Ruggiero (dir.). Enciclopédia Einaudi. Memória - História. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1984, v.1, p.51-86.
  • 9
    LUGLI, Adalgisa. Naturalia et Mirabilia. Les cabinets de curiosités en Europe. Paris: Adam Biro, 1998; SCHNAPPER, Antoine. Le Géant, la Licorne et la Tulipe. Paris: Flammarion, 1988 e BRIGOLA, op. cit.
  • 10
    LUGLI, op. cit.; KRIEGEL, op. cit., p.165.
  • 11
    BRIGOLA, op. cit., p.507-513.
  • 12
    POMIAN, op. cit.; KRIEGEL, L´Histoire à l´Age Classique. Les academies de l´histoire. Paris: PUF, 1988, v.3, p.35.
  • 13
    MOTA, Isabel Ferreira da. A Academia Real da História. Os intelectuais, o poder cultural e o poder monárquico no século XVIII. Coimbra: Minerva, 2003. p.227-229.
  • 14
    A formação oratoriana deve ter contribuído para o interesse colecionista de BarbosaMachado, uma vez que esta congregação era conhecida por seu trabalho de edição, revisão e publicação de documentos. A respeito do envolvimento deste grupo e de outras ordens religiosas com o saber histórico ao longo dos séculos XVII e XVIII, ver a coleção de KRIEGEL, op. cit., e BOURDÉ, Guy. As Escolas Históricas. Lisboa: Europa-América, 1983.
  • 15
    MOTA, op. cit.
  • 16
    SYLVA, Manoel Telles da. Historia da Academia Real da Historia Portugueza. Lisboa: Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1727, p.316-318. Sobre a nobreza em Portugal no século XVIII, MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. O Crepúsculo dos Grandes. A casa e o patrimônio da aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2003.
  • 17
    SERRA, Francisco José da. Oração Fúnebre nas Exequias do reverendo senhor Diogo Barbosa Machado, abbade reservatório da paroquial igreja de Santo Adrião de Cever. Lisboa: Regia Officina Typografica, 1773. MOTA, op. cit.
  • 18
    MACHADO, op. cit. Cf. também HORCH, Rosemarie Erika. (org.). Catálogo dosfolhetos da coleção Barbosa Machado. Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1972, v.92, p.30-32.
  • 19
    KRIEGEL, op. cit., v.2, p. 205.
  • 20
    A este respeito, cf. MONTEIRO, Rodrigo Bentes. Recortes de memória: reis e príncipes na coleção Barbosa Machado, in: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (org.). Culturas Políticas. Ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, p.127-154; e Reis, príncipes e varões insignes na coleção Barbosa Machado. Anais de História de Além-Mar. Lisboa: Centro de História de Além-Mar, 2005, p.215-251.
  • 21
    Sobre a função representativa dos reis, cf. KANTOROWICZ, Ernst. Os Dois Corpos do Rei. Um estudo de teologia política medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; BOUREAU, Alain, Le roi, in: NORA, Pierre (org.). Les Lieux de Mémoire. Paris: Gallimard, 1997, v.3, p.4521-4544; MONTEIRO, Rodrigo. O Rei no Espelho. A monarquia portuguesa e a colonização da América 1640-1720. São Paulo: Hucitec, 2002.
  • 22
    Para citar apenas referências recentes sobre os feitos militares e sua divulgação, cf.BARATA, Manuel Themudo & TEIXEIRA, Nuno Severiano (dir.). Nova História Militar de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2004, v.2; BEBIANO, Rui. A Pena de Marte. Escrita da guerra em Portugal e na Europa (sécs. XVI-XVIII). Coimbra: Minerva, 2000.
  • 23
    Acerca da aristocracia em Portugal, cf. MONTEIRO, Nuno, op. cit. Sobre as reuniõesde cortes, CARDIM, Pedro. Cortes e Cultura Política no Portugal do Antigo Regime. Lisboa: Cosmos, 1998. Sobre a interação entre os campos político e religioso nas sociedades do Antigo Regime, KANTOROWICZ, op. cit., BLOCH, Marc. Os Reis Taumaturgos. O caráter sobrenatural do poder régio França e Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras, 1993; CARDIM, Religião e ordem social. Em torno dos fundamentos católicos do sistema político do Antigo Regime. Revista de História das Idéias. Coimbra: Instituto de História e Teoria das Idéias - Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2001, v.22, p.133-174; PAIVA, José Pedro. A Igreja e o poder, in: MARQUES, João Francisco & GOUVEIA, António Camões (org.). História Religiosa de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000, v.2, p.135-183.
  • 24
    Sobre o estudo dos sermões na Restauração, MARQUES. A Parenética Portuguesa e a Restauração 1640-1668. Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1989, 2 v; Para a inquisição em suas relações políticas BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália Séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
  • 25
    Parece que Diogo Barbosa Machado tinha desavenças com a Companhia de Jesus.Atribui-se a ele a Carta Exhortatoria aos Padres da Companhia de Jesus da Província de Portugal, publicada sem indicações, obra em defesa dos oratorianos contra os jesuítas na guerra doutrinal e literária entre as duas congregações. COSTA, Manuel Alberto Nunes. Diogo Barbosa Machado e a bibliografia portuguesa. Anais da Academia Portuguesa de História, Lisboa: s. ed., 1986, p.291-340.
  • 26
    Devido à peculiaridade desta coleção, e ao fato de acervos congêneres serem destruídosno terremoto de 1755, é difícil comparar esta ordem a outros conjuntos semelhantes no mesmo contexto. Ronald Raminelli empenhou-se em desvendar a taxionomia empregada pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, mas a diversidade das fontes impede uma aproximação ao conjunto compilado pelo abade. Sabe-se que a livraria do acadêmico era composta por aproximadamente 4.300 obras em 5.764 volumes, divididos em 34 classes. O número de livros por classificação varia bastante. No entanto, interessa destacar que à história, eclesiástica ou profana, segundo a própria classificação de Barbosa Machado, são reservadas 1.169 obras, 27% da livraria. Incluindo livros de vidas de personagens, chega-se a 34%. Ana Cristina Araújo pesquisa bibliotecas portuguesas do Setecentos, centrando-se na de José da Silva Pais, sargento-mor que - acompanhando Barbosa Machado - também ascendeu socialmente. Esta biblioteca era composta por 437 volumes, na qual Araújo destaca 252 dedicados à história e vidas de príncipes. Embora discrepantes, as livrarias demonstram o interesse de letrados e do mercado livreiro da época pela história. RAMINELLI, Ronald. Do conhecimento físico e moral dos povos: iconografia e taxionomia na Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 2001, v. VIII (suplemento), p.969-92; ARAÚJO, Ana Cristina. Livros de uma vida. Critérios e modalidades de constituição de uma livraria particular no século XVIII. Revista de História das Idéias. Coimbra: Instituto de História e Teoria das Idéias - Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1999, v.20, p.149-185.
  • 27
    LE GOFF, Jacques. Memória, in: ROMANO, op. cit., p.11-50.
  • 28
    Em análise clássica, Reinhart Koselleck mostrou como na Alemanha nos anos 1760-1780, a formação do moderno conceito de história aos poucos esvaziou a substância dessa concepção de história que conjugava exemplo e repetição. A História passou a entender-se como processo, concebendo-se como história em si, abandonando o exemplo e ligando-se ao acontecimento. Essas reflexões da escola histórica alemã, formuladas antes, acharam uma "prova" na Revolução francesa, vivida por muitos como uma aceleração do tempo, fazendo uma brutal distensão entre o campo de experiências e o horizonte de expectativas. KOSELLECK, Reinhart. Futuro Pasado. Para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Paidos, 1993, p.41-66 e historia / Historia. Madrid: Trotta, 2004.
  • 29
    SILVA, op. cit., p.85.
  • 30
    KRIEGEL, op. cit., v.2., p.18.
  • 31
    BLUTEAU, op. cit., p.39-40.
  • 32
    Para Koselleck, o tempo histórico é produzido pela distância entre experiências e ex-pectativas, engendrado pela tensão entre elas. A estrutura temporal dos tempos modernos - a partir do final do século XVIII -, marcada pela abertura ao futuro e ao progresso, é caracterizada pela assimetria entre experiências e expectativas. Este desequilíbrio cresceria sob efeito da aceleração. A fórmula "menor a experiência, maior a expectativa" resume esta evolução. Já em 1975 Koselleck se interrogava sobre o que podia ser um fim ou uma saída para esses tempos. Começa a definir-se então a contribuição de François Hartog, ao dissertar sobre o presentismo. KOSELLECK, Futuro Pasado ..., op. cit., p.333-357. Cf. também o seu estudo seminal Crítica e Crise. Uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: Eduerj / Contraponto, 1999, e HARTOG, François. Regimes d'Historicité. Présentisme et expériences du temps. Paris: Seuil, 2003, p.28.
  • 33
    GALVÃO, Benjamin Franklin Ramiz. Diogo Barbosa Machado. Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1876-1877, v.1, p.1-43, reproduzido em 1972, v.92, p.11-45, e Diogo Barbosa Machado. Catálogo de suas coleções, Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1876-1877, v.2, p.128-191; 1877-1878, v.3, p.162-181 e 279-311; e 1880-1881, v.8, p.222-431. BRUM, José Zepherino de M. (org.), Catálogo dos retratos colligidos por Diogo Barbosa Machado. Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1893 / 1896 / 1898 / 1904, vs.16, 18, 20 e 26. Sobre a restauração dos retratos no século XIX e a gestão de Ramiz Galvão na Biblioteca Nacional, cf. MONTEIRO, Rodrigo, Recortes de memória ..., op. cit.
  • 34
    HORCH, Entrevista a Rodrigo Bentes Monteiro. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros - USP, 20/10/2005. A polissemia entre restaurar, restituir, refazer, é bastante antiga. Vespasiano empreendeu a restitutio do Capitólio, devastado por um incêndio: ele o restaurou, portanto. Mas ao mesmo tempo restituiu três mil tabletes de bronze, fundidos no mesmo incêndio. Como restaurá-los, se desapareceram? Assim, restitutio não significava restauração, mas sim refazimento, nova fabricação. HARTOG, op. cit., p.173.
  • 35
    A ordenação pressupõe pesquisa, nos séculos XX, XIX ou XVIII. Embora os membros da Academia Real colecionassem individualmente documentos e objetos, a instituição também se interessava em ter seu arquivo e seu museu, para escrever sua própria história. Dessa forma, os eruditos reuniam e colecionavam o que fosse necessário. Os acadêmicos elaboravam memórias para mostrar pontos duvidosos de um período, destacando personagens e feitos por meio de documentos úteis à história lusa, como fez Barbosa Machado para os reinados de D. Sebastião e dos Habsburgos: compilou decretos, cartas e outros documentos, descrevendo também ações de varões insignes cuja lealdade devia ser lembrada. Essa pesquisa também foi feita pelo abade ao montar sua Bibliotheca Lusitana... Neste catálogo de escritores portugueses e suas produções - dispostos em ordem alfabética por seus prenomes -, Barbosa Machado consultou trabalhos semelhantes e pediu ajuda a outros eruditos, solicitando-lhes informações de autores portugueses. Desse modo, os quatro tomos da Bibliotheca Lusitana... e a coleção de folhetos constituem elogios à história lusa mediante o trabalho de Barbosa Machado de coletar e ordenar. MACHADO, Diogo Barbosa. Bibliotheca Lusitana, Historica, Critica e Chronologica na qual comprehende a noticia dos auctores portuguezes, e das obras que compuzerão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até o tempo prezente ..., Lisboa Occidental: Officina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1747-1759, 4 v.
  • 36
    CARVALHO, Gilberto Vilar de. Biografia da Biblioteca Nacional (1807 a 1990). Rio de Janeiro: Irradiação Cultural, 1994, p.96-112.
  • 37
    CASTRO, César Augusto. História da Biblioteconomia Brasileira. Brasília: Thesaurus, 2000.
  • 38
    HORCH (org), Catálogo dos folhetos da coleção Barbosa Machado, op. cit., 1974-1988, v.92, 8 v. Para detalhes da conjuntura da Biblioteca Nacional nos anos 1970, cf. MONTE-MÓR, Jannice. A Biblioteca Nacional em 1972, in idem, 1972, v.92, p.255-273.
  • 39
    "Raça e história" foi encomendado e publicado pela Unesco em 1952. Cf. SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
  • 40
    Para as seguintes reflexões, HARTOG, op. cit. O artigo assemelha-se mais a esta abor-dagem, do que à elaboração de "cronosofias" - como diferentes filosofias do tempo, proposta por POMIAN, L'Ordre du Temps. Paris: Gallimard, 1984.
  • 41
    Priorizando o caso francês, Hartog trabalha a mudança de regimes de historicidade noséculo XX: na escola dos Annales, os historiadores esquivam-se do nacional, preferindo o econômico-social, com temporalidades diferentes da linha de eventos políticos. A história contribui para o saber sobre a sociedade em si, e a legitimação pelo passado cede lugar à legitimação para o futuro, evidenciando o presentismo. Nos anos oitenta, Les Lieux de Mémoire de Pierre Nora reforça a idéia de memória, um diagnóstico sobre o presente da França: Nora não invoca o tempo progressista, mas não sai do presente, negando a ruptura entre este e o passado. Rompe-se assim com as histórias memórias nacionais escritas do ponto de vista do futuro, pois a nova epistemologia reivindica a centralidade do presente. HARTOG, op. cit., p.113-206.
  • 42
    ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 1988, p.35-36. Nesse sentido Hartog entende a trajetória do escritor francês Chateaubriand (1768-1848), entre o antigo e o novo regime de historicidade. Sua escrita partia dessa mudança de regimes, ao voltar-se para a brecha do tempo aberta por 1789. Retomando Arendt, ele elegeu por lugar a quebra do tempo. HARTOG, op. cit., p.12-17 e p.77-107.
  • 43
    Para as seguintes informações, TAVARES, Rui. O Pequeno Livro do Grande Terramoto. Ensaio sobre 1755. Lisboa: Tinta da China, 2005, p.18-65.
  • 44
    Idem, p.18.
  • 45
    Idem, p.135-149. Brigola informa-nos sobre a devastação dos palácios e das respectivas coleções na Lisboa do terremoto, o que parece valorizar a coleção Barbosa Machado. BRIGOLA, op. cit., p.52-53.
  • 46
    TAVARES, op. cit., p.151-165. Voltaire apud idem, p.157.
  • 47
    "A censura, tal como a propaganda, desempenharia assim, no território da memória, o equivalente às funções que desempenham as fortalezas, os baluartes e os exércitos no território real, geográfico, dos reinos e dos impérios." Idem, p.146.
  • 48
    CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. Cf. também GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Reinventando a Tradição: sobre antiquariado e escrita da história. Humanas, Porto Alegre: 2000, v. 23, n. 1/2, p.111-143. A acepção de Pombal como protagonista desta brecha do tempo é sugerida no título do conhecido livro de MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal. Paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
  • 49
    Em 2005, vários debates foram promovidos em Portugal sobre o assunto, dos quais certamente resultarão publicações. A título de exemplo, o colóquio internacional O Terramoto de 1755. Impactos históricos. Lisboa: Departamento de História do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa / Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2005.
  • 50
    ECO, Umberto. Il Nome della Rosa. In appendice postille a "Il nome della rosa".Milano: Tascabili Bompiani, 2005, p.515; BORGES, Jorge Luis. La biblioteca de Babel, in: Ficciones. Buenos Aires: Emecé, 2004, p.105-122.
  • 51
    Fontes
  • 52
    BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português e Latino. Coimbra: Colégio das Artes da Cia de Jesus, 1712.
  • 53
    BRUM, José Zepherino de M. (org.). Catálogo dos retratos colligidos por Diogo Barbosa Machado. Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1893 / 1896 / 1898 / 1904, vs.16, 18, 20 e 26.
  • 54
    GALVÃO, Benjamin Franklin Ramiz. Diogo Barbosa Machado. Catálogo de suas coleções. Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1876-1877, v.2, p.128-191; 1877-1878, v.3, p.162-181 e 279-311; e 1880-1881, v.8, p.222-431.
  • 55
    ________. Diogo Barbosa Machado. Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1876-1877, v.1, p.1-43.
  • 56
    HORCH, Rosemarie Erika (org.). Catálogo dos folhetos da coleção Barbosa Machado. In: Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1972, v.92, 8 t.
  • 57
    ________. Entrevista a Rodrigo Bentes Monteiro. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros - USP, 20/10/2005.
  • 58
    MACHADO, Diogo Barbosa. Bibliotheca Lusitana, Historica, Critica e Chronologica na qual comprehende a noticia dos auctores portuguezes, e das obras que compuzerão defde o tempo da promulgaçao da Ley da Graça até o tempo prezente. Lisboa Occidental: Officina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1747-1759, 4 v.
  • 59
    ________. Cathalogo dos Livros da Livraria Diogo Barbosa Machado distribuídos por matérias e escrito por sua própria mão. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional.
  • 60
    ________. Coleção de opúsculos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 145 v. ________. Memórias para a História de Portugal, que comprehendem o governo del Rey D. Sebastião. Lisboa: Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1736-1751.
  • 61
    SYLVA, Manoel Telles da. Historia da Academia Real da Historia Portugueza.
  • 62
    Lisboa: Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1727.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2007

Histórico

  • Recebido
    Jan 2006
  • Aceito
    Set 2006
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org