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Da contestação à conversão: a punição exemplar dos réus da Conjuração Baiana de 1798

Resumos

Condenados por conspirarem contra a monarquia portuguesa, na ensolarada manhã do dia 8 de novembro de 1799, quatro homens livres, pobres e pardos foram enforcados na Praça da Piedade, na cidade de Salvador. Graças aos relatos de um carmelita descalço, frei José do Monte Carmelo, sabe-se atualmente como foram os momentos finais dos quatro réus condenados à pena capital pelo crime de lesa-majestade. Para além de relatar o suplício daqueles quatro homens, o relato do carmelita suscita duas questões importantes acerca do conhecimento que se tem atualmente da Conjuração Baiana de 1798. A primeira é a posição de um religioso cristão em relação às forças diametralmente opostas no final do século XVIII: razão / revelação; liberdade / despotismo; natureza / civilização; moral / política; luzes / trevas. Depois, ao resgatar o drama do enforcamento dos quatro réus, arrependidos em praça pública, por terem ouvido as ideias de liberdade e igualdade, o carmelita descalço afirma em sua narrativa que não foram eles os únicos culpados no "delito de sublevação", sugerindo ter havido iniquidade do poder local em relação à circunscrição social do evento. É o que se apresenta neste artigo.

conjuração; punição; carmelita; Bahia; século XVIII.


November 8, 1799, four poor free colored men were hanged at Piedade square, Salvador. They had been convicted of conspiracy against the Portuguese Crown. Thanks to a report by a Carmelite friar, José do Monte Carmelo, who heard the confessions of the four convicts, we know about the last moments of those four men. His report deals with two different issues regarding the 1798 Conspiracy in Bahia. One is the position of a Christian regarding opposing forces: reason/revelation, freedom/despotism, nature/civilization, moral/politics, and enlightenment/darkness. The other one is that, in addition to the drama presented by the hanging of four men, who publicly repented for listening to the ideas of freedom and equality, the Carmelite friar also reported that those men were not the only ones who were guilty of the said events afore done. He further suggests the local authorities had not been fair, implying that there could have been people from higher social positions involved in the conspiracy. This is the subject of this paper.

conspiracy; punishment; Carmelite friar; Bahia; XVIII century.


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  • 1
    A melhor transcrição dos boletins manuscritos preservados e das cartas citadas está em Kátia M. de Queirós Mattoso. Presença francesa no Movimento Democrático Baiano de 1798. Salvador: Itapuã, 1969. Para uma visão de conjunto da historiografia da Conjuração Baiana de 1798, ler: Kátia M. Q. Mattoso. Bahia 1798: os panfletos revolucionários. Proposta de uma nova leitura. In: Osvaldo Coggiola (org.). A Revolução Francesa e seu impacto na América Latina. São Paulo / Brasília, Nova Stella / EDUSP / CNPq, 1990, pp. 341-56; István Jancsó. Na Bahia, contra o Império: história do ensaio de sedição de 1798. São Paulo / Salvador: HUCITEC / EDUFBA, 1996; Luís Henrique Dias Tavares. História da sedição intentada na Bahia em 1798 (A Conspiração dos Alfaiates). São Paulo / Brasília, Pioneira / INL, 1975.
  • 2
    Auto do exame, e Combinação das Letras dos pasquins e mais papéis sediciozos, que apparecerão nas esquinas, ruas, e Igre-ja desta Cidade que se achão incorporados na Devassa... In: Autos da Devassa da Conspiração dos Alfaiates.Salvador: Arquivo Público do Estado da Bahia, 1998, 2 Volumes. Doravante: ADCA, vol. 1, p. 89.
  • 3
    ADCA, vol. 1, pp. 39-40.
  • 4
    Idem.
  • 5
    Ibidem.
  • 6
    Outra relação feita pelo P. Fr. Joze D'Monte Carmelo, religiozo carmelita descalço. Instituto Histórico e Geográfico Brasilei-ro, Notícia da Bahia, tomo IV, Lata 402, manuscrito 69. Arquivo Histórico Ultramarino, inventário Castro e Almeida, Bahia, documentos avulsos, caixas: 41 a 82. O documento "Outra relação..." está integralmente transcrito na obra de Luís Henrique Dias Tavares. História da Sedição intentada na Bahia em 1798 (A Conspiração dos Alfaiates). São Paulo/Brasília: Pioneira/INL, 1975, pp. 123-137, passim.
  • 7
    A ordem dos Carmelitas surgiu no final do século XI, na região de Monte Carmelo, na Palestina. A partir do século XVI, já no Ocidente, especificamente na Espanha, os Carmelitas passaram por um movimento de renovação com Santa Tereza D'Ávila e São João da Cruz. A ordem foi dividida em Carmelitas Calçados, que seguiam a ordem antiga, e os Carmelitas Descalços seguidores do movimento renovador. A ordem chegou ao Brasil em 1580 e estabeleceu-se em Pernambuco, onde fundou o Convento do Carmo de Olinda, em 1583. Estabeleceram-se na cidade de Salvador, em 1586, onde fundaram seu segundo convento. A esse respeito ler: Eduardo Hoornaert. História da Igreja no Brasil. Petrópolis: Vozes, 4a. edição, 1992; Waldemar Mattos. Os Carmelitas Descalços na Bahia. Salvador: Manú, 1964. Luís dos Santos Vilhena, entretanto, afirma que os Carmelitas Descalços fundaram seu mosteiro na Bahia em 1665. Cf. Vilhena, op. cit., vol. 2, p. 446.
  • 8
    Tavares, op. cit., p. 124.
  • 9
    Idem, p. 125.
  • 10
    Idem, p. 127.
  • 11
    Idem, p. 130.
  • 12
    Ibidem.
  • 13
    Idem, p. 131.
  • 14
    Ibidem.
  • 15
    Idem, p. 134.
  • 16
    O nome da madrinha de Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga permanece desconhecido. Sabe-se, no entanto, que ela era es-posa de Pedro Nolasco de Sã Marinho de Azevedo, senhor do engenho São Cosme Damião, à época termo da vila de Santo Amaro da Purificação. No depoimento realizado em 28 de agosto de 1798, Pedro Nolasco confirmou ser de Luiz Gonzaga as letras dos pasquins sediciosas e afirmou ao desembargador Avellar e Barbedo que "dava de comer [a Luiz Gonzaga] por caridade, por ter sido afilhado da defunta sua mulher". Cf. Assentadas, pp. 43-44, vol. I. In: Autos da devassa da Conspiração dos Alfaiates. Salvador: Arquivo Público do Estado da Bahia, 1998. Doravante: ADCA. Sobre Luiz Gonzaga das Virgens, ler Luís Henrique Dias Tavares. O soldado Luís Gonzaga das Virgens. In: Da sedição de 1798 à revolta de 1824 na Bahia. Editora da Unesp/ EDUFBA: São Paulo/Salvador, 2003, pp. 55-84.
  • 17
    Idem, p. 135.
  • 18
    Ibidem. Grifo meu.
  • 19
    Outra Relação..., p. 137.
  • 20
    Idem, p. 136. Grifo meu.
  • 21
    Ibidem, p. 137.
  • 22
    Idem, p. 127.
  • 23
    A respeito de a inocência moral ser projetada no presente pelos oprimidos como forma de contestação, ler Reinhart Koselleck. Crítica e crise. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 1999, p. 19.
  • 24
    Cf. Michel Foucault. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987, 22ª edição.
  • 25
    Idem, p. 46.
  • 26
    ADCA, vol. 1, pp. 39-40.
  • 27
    Cumpre destacar que o local marcado para o encontro entre os partícipes da revolta, na noite de 25 de agosto de 1798, ficava nas cercanias do convento de Santa Clara do Desterro, das clarissas enclausuradas de véu preto. Trata-se de um importante grupo de mulheres provenientes das mais ricas famílias baianas da época, em razão de suas atividades creditícias e dos engenhos hipotecados ao convento. Chamo a atenção para o fato de que o Secretário de Estado José Pires de Carvalho e Albuquerque tinha quatro irmãs: Teresa Mariana do Livramento (Abadessa de 1805-1808), Mariana Francisca do Coração de Jesus (Abadessa de 1808-18011), Antonia de Jesus Maria e Teresa Josefa do Paraíso, que foi Abadessa reeleita durante os períodos de 1793-1797; 1797-1802. Cf. Anna Amélia Vieira do Nascimento. Patriarcado e religião: as enclausuradas clarissas do Convento do Desterro da Bahia (1677-1890). Salvador: Conselho de Cultura, 1994, pp. 483-484.
  • 28
    A personalidade mais proeminente do grupo de notáveis foi, sem dúvida, o proprietário de importantes engenhos José Pires de Carvalho e Albuquerque, e não por acaso seu escravo foi o único a ter direito do auto de justificação. Segundo "attestação" do então Governador da Bahia, d. Rodrigo José de Menezes, de 03 de janeiro de 1788, José Pires de Carvalho e Albuquerque "servia nos empregos" de Secretário de Estado e Governo do Brasil, cargo que era proprietário por herança; de Intendente da Marinha e Armazéns Reais; Vedor Geral do Exército; Provedor e Ouvidor da Alfândega da Bahia e Deputado da Junta da Real Fazenda - órgão em que os Autos das Devassas foram recolhidos por ordem de d. Fernando José de Portugal e Castro. O nome do Secretário é citado nas duas devassas, por ocasião da "pronta entrega de seus escravos", comprovada no depoimento do Sargento-mor, Fortunato da Veiga São Paio, em 4 de outrubro de 1798, quando afirmou ao desembargador Costa Pinto "que não sabia, nem prezumia porquanto o Secretário deste EstadoJoze Pires de Carvalho e Albuquerque, na manhã de hoje, foi a caza de sua Cunhada Dona Maria Francisca da Conceição e Aragão, onde residia elle declarante, e o mandou juntamente com o pardo Joze, escravo da mesma Dona Maria, para estas cadeas, dizendo era [ser] para huma averiguação". In: ADCA, vol. II, p. 758. A esse respeito, ler: Luís Henrique Dias Tavares, op. cit.; Patrícia Valim. Da Sedição dos mulatos à Conjuração Baiana de 1798: a construção de uma memória histórica. Dissertação de mestrado, FFLCH/USP, 2007.
  • 29
    Cf.Affonso Ruy. A primeira revolução social brasileira. Salvador: Ed. Beneditina, 1951, p. 54; Florisvaldo Mattos. A comunicação social da Revolução dos Alfaiates. Salvador: Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 1998, p. 135. Chamamos atenção para o fato de que até o momento não encontramos o documento original para confirmar a informação dos autores. 30 Cf. Descrição da Bahia: relação de francezia formada pelos homens pardos da cidade do Salvador, Tomo IV, pp. 294-301. Arquivo do IHGB, DL. 399.2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2009
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