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O papel da batalha: a disputa pela vitória de Montijo na publicística do século XVII* * Os autores agradecem à Capes e ao CNPq por ter fornecido os meios que possibilitaram este trabalho..

Resumos

A batalha de Montijo, ocorrida no dia 26 de maio de 1644, foi a primeira grande batalha da Guerra da Restauração Portuguesa (1640-68) e foi vencida por ambos os combatentes. Os comandantes castelhanos declararam sua vitória logo após o término do enfrentamento; houve ainda a publicação de relações, poemas e crônicas do acontecido. Os portugueses também se declararam vitoriosos no mesmo combate, publicando folhetos e apologias e inserindo sua narrativa dos acontecimentos em obras de história. O confronto entre textos de uns e de outros, bem como das circunstâncias de suas edições, permite identificar o caráter político da disputa pela vitória em uma batalha já terminada. Com isso, identifica- -se o esforço de vencer a batalha na opinião e na diplomacia do século XVII.

Restauração Portuguesa; batalha de Montijo; imprensa; relações de guerra; opinião pública.


The Battle of Montijo, occurred on May 26th, 1644, was the first great battle of the Portuguese Restoration (1640-1668), and was conquered by both opponents. The Castilian commanders declared their victory soon after the end of combat; there was also the publishing of reports, poems, and chronicles about the event. The Portuguese also declared themselves as the winners of the same battle, publishing tracts and apologias and introducing their perspective on the battle's narrative into History works. The comparison between Portuguese and Castilian texts, as well as the circumstances of their publication, points to the political character of the dispute for victory in a finished battle. It also identifies the effort to win the battle in seventeenth-century public opinion and diplomacy.

Portuguese Restoration; Montijo Battle; press; war relations; public opinion.


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  • *
    Os autores agradecem à Capes e ao CNPq por ter fornecido os meios que possibilitaram este trabalho..
  • 1
    Cf. La Ventana de las Vegas Bajas, ago. 2005. p. 16. Disponível em: <http://www.ventanadigital.com/portal/lv/la_ ventana_sep05.pdf>.
  • 2
    A bibliografia da Restauração é bastante extensa; começa ainda no tempo em que as armas estavam quentes e se alonga mesclada a problemas de épocas posteriores, que nada ou quase nada tinham a ver com a natureza daquele conflito. Nos últimos trinta anos, diversas análises mostram um renovado interesse pela época da Restauração, por exemplo: TORGAL, Luís Reis. Ideologia política e teoria de Estado na Restauração. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade, 1981. 2 v.; BEBIANO, Rui. A pena de Marte. Escrita da guerra em Portugal e na Europa (sécs. XVI-XVIII). Coimbra: Edições Minerva, 2000; ESPÍRITO SANTO, Gabriel. A grande estratégia de Portugal na Restauração. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2009; FREITAS, Jorge Penim de. O combatente durante a Guerra da Restauração: vivência e comportamento dos militares a serviço da coroa portuguesa (1640 - 1668). Lisboa: Prefácio, 2007; CURTO, Diogo Ramada. Cultura política no tempo dos Felipes. Lisboa: Edições 70, 2011; CUNHA, Mafalda Soares da; COSTA, Leonor Freire. D. João IV. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006. Na Espanha e ainda em outros países da Europa, as possibilidades que o tema oferece foram aproveitadas por diversos estudiosos, por exemplo: SCHAUB, Jean-Frédéric. Le Portugal au temps du Compte-Duc D'Olivares: le conflit de juridictions comme exercice de la politique. Madrid: Casa de Velázquez, 2001; ALVAREZ, Fernando Bouza. Portugal no tempo dos Felipes. Política, cultura, representações. Lisboa: Cosmos, 2000; VALLADARES, Rafael. La rebelion de Portugal (guerra, conflicto y poderes en monarquia hispanica). Valladolid: Junta Castilla-Leon, 1998. Obras dos tempos anteriores serão referidas ao longo deste trabalho.
  • 3
    Cf. ALVAREZ, Fernando Bouza. Portugal no tempo dos Felipes, op. cit. p. 271-291. no tempo dos Felipes. Política, cultura, representações. Lisboa: Cosmos, 2000; VALLADARES, Rafael. La rebelion de Portugal (guerra, conflicto y poderes en monarquia hispanica). Valladolid: Junta Castilla-Leon, 1998. Obras dos tempos anteriores serão referidas ao longo deste trabalho. 3 Cf. ALVAREZ, Fernando Bouza. Portugal no tempo dos Felipes, op. cit. p. 271-291.
  • 4
    MENESES, Luís de, conde da Ericeira. História de Portugal Restaurado. Porto: Livraria Civilização, 1945. v. I, p. 148. Esta obra foi publicada pela primeira vez ainda em 1679.
  • 5
    "Esta foi a primeira batalha, que nesta guerra se deu de poder a poder, e por tal podem os que observam cousas tomar dela indicação ajuizando pelo sucesso dos que pode haver futuros; porque bem mostraram aqui os portugueses, que nem rotos, e desbaratados se podem ter por vencidos, porque em quanto conservam com a vida o valor, nenhuma dificuldade lho pode atropelar". Relaçam dos gloriosos svcessos que as armas de Sua Magestade ElRey D. João IV N. S. tiveram nas terras de Castella, neste anno de 1644 até a memorável Victoria de Montijo. Lisboa: Antonio Alvarez, 1644. p. 22.
  • 6
    Cf. ELLIOT, John H. et al. (Ed.). 1640: la Monarquía Hispánica en crisis. Barcelona: Crítica, 1992.
  • 7
    Relaçam dos gloriosos svcessos, qve as armas de Sua Magestade ElRey D. IOAM IV. N.S. tiuerão nas terras de Castela, neste anno de 1644 atè a memorauel victoria de Montijo. Lisboa: Antonio Alvarez, 1644. p. 12-14.
  • 8
    Relación Verdadera de lo que Sucedió en veinte y seis de mayo pasado, en el Reencuentro que tuvieron las Armas De S. M. Con Las Del Rebelde Portugués en la Campana del Montijo. In: CALDERON, Serafín Estébanes, d. De la conquista y pérdida de Portugal. Madri: Impresso por A. Péres Dubrull, 1853. tomo I, p. 305. Collección de Escritores Castellanos - Historiadores.
  • 9
    Ibidem, p. 307.
  • 10
    Nessa época, Castela tinha problemas político-militares com a Catalunha, os Países Baixos (Holanda), Portugal, França, Inglaterra, além de países do norte europeu e reinos alemães, em razão do seu envolvimento na Guerra dos Trinta Anos.
  • 11
    Há relações de guerra publicadas em Portugal nos primeiros dois anos do conflito que saíram apenas uma semana após o acontecimento descrito. Seu preço médio pode ser verificado pela taxação que aparece logo após as licenças de publicação.
  • 12
    Impressa em Salamanca por Antonia Ramirez, 1644.
  • 13
    Ibidem, p. 1.
  • 14
    Ibidem, p. 3.
  • 15
    As relações portuguesas desta mesma época costumam apresentar passagens em que as proezas dos soldados lusitanos parecem, ou são, milagrosas. Por exemplo, a passagem em que se conta o pouco efeito que os pelouros castelhanos faziam nos portugueses: "se isto não he milagre, he couza digna de admiração, & consolação pera os portugueses, & que lhe deve dar confiança, de que Deos os ampara" na Relaçam do Encontro que o mestre de campo Dom Nuno Mascarenhas teve com o inimigo em Montalvão. Lisboa: Manoel da Sylva, 1641. p. A2r.
  • 16
    Ibidem, p. 2-3. O registro da incidência de forte chuva no combate também pode ser verificado em outro escrito castelhano: PARDO DE GAYOSO, Antonio. Octavas Heroicas. Sevilha: Juan Gomez de Blas, 1644. f. 8.
  • 17
    Cf. CARVALHO, Maria do Socorro Fernandes de. Poesia de agudeza em Portugal. Estudo retórico da poesia lírica e satírica escrita em Portugal no século XVII. São Paulo: Humanitas Editorial; Edusp; Fapesp, 2007.
  • 18
    PIMENTA, Belisário. O memorial de Mathias de Albuquerque. Boletim da Biblioteca, Coimbra, v. XVI, 1944.
  • 19
    Cf. Relaçam da Famosa Resistencia e Sinalada Vitoria, Qve os Portugueses alcançarão dos Castelhanos em Ouguela este Anno de 1644 a 9 de Abril, governando esta praça o Capitaõ Pascoal da Costa. Lisboa: Impresso por Paulo Craesbeck, 1644. Nessa relação podem ser vistos diversos dos argumentos heroicos aqui debatidos. Entre eles destaca-se a descrição da batalha que, além de contar com a ajuda "heroica" da população, se distingue pela oposição de forças: quarenta soldados da companhia do capitão Pascoal da Costa, vinte cavalos holandeses e setenta moradores (inclusive mulheres) que defendiam juntos um pequeno castelo contra mil cavalos de Castela. É interessante ressaltar que o documento indica ser a vila povoada por pouco mais de oitenta "vizinhos", o que realça o comprometimento dos setenta portugueses que se arriscaram na defesa, quase um português por casa. Também é possível observar o caso de um português que, mantendo-se fiel a Castela, atacou com posto de oficial o reino de Portugal.
  • 20
    Relaçam dos gloriosos svcessos, op. cit. p. 15.
  • 21
    CALDERON, Serafín Estébanes, d. De la conquista y pérdida de Portugal, op. cit. p. 311-312. Outro impresso, contudo, destaca que sequer isso ocorrera: "Tomararõse al enemigo quinhetos cauallo para poder seruir, tres piezas de artilleria, otros dizen seis. Ciento y cinquenta carros con el tren de la artilleria, y bagaje riquisimo". Relacion de la vitoria qve tuuieron las armas, del Rey nuestro Señor contra el tyrano de Portugal, ajustada de las personas, que han venido de Estremadura, y de las cartas que ha auido de aquella Prouincia. Salamanca: Antonia Ramirez, 1644. p. 3.
  • 22
    Relaçam dos Gloriosos Sucessos, op. cit. p. 17-18.
  • 23
    Copia de Carta que el excellentissimo señor Marques de Torrecusa embio a su Magestad. Sevilha: Juan Gomez de Blas, 1644.
  • 24
    Relaçam dos gloriosos Svcessos, op. cit. p. 19-20.
  • 25
    AZEVEDO, Luiz Marinho de. Apologia militar en defensa de la victoria de Montijo contra las relaciones de Castilla, y gazeta de Genoba, que la calumniaron mordaces, y la usurpan maliciosas. Lisboa: Lourenço de Anveres, 1644. p. 20.
  • 26
    Ibidem.
  • 27
    Relação verdadeira da entrada que Governador das armas Mathias de Albuquerqe fez em Castella neste mes de Abril ano prezente de 1644 & Sucesso de Montijo. Lisboa: Paulo Craesbeck, 1644. Sem paginação.
  • 28
    AZEVEDO, Luís Marinho de. Relaçam de duas Vitorias que os moradores da aldeia de S. Aleixo, & das villas de Mourão, & Monsaras alcançarão dos castelhanos. Lisboa: Jorge Rodrigues, 1641.
  • 29
    MARQUILHAS, Rita. A faculdade das letras. Leitura e escrita em Portugal no séc. XVII. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2000.
  • 30
    "Mathias de Albuquerque (...) saindo de Campo Mayor pessoalmente com seis mil infantes, e mil e cem cavalos e seis peças de artilharia, marchou contra Villar Del Rey, que tinha quatrocentos vizinhos, e a rendeu e arrazou derrubando-lhe a Igreja porque servia ao inimigo de fortificação". Relaçam Verdadeira, op. cit. p. 12-13.
  • 31
    Ibidem, p. 10.
  • 32
    O general "(...) mandou queimar a Vila, e conservar a Igreja, sem que se tocasse a cousa alguma dela, porque não concorria nesta a mesma razão, que na de Vilar del Rey". Ibidem, p. 13.
  • 33
    "Haviendo precedido algunas hostilidades entre los nuestros i los portugueses, i quemado el portugués un lugar llamado Zarça i nosotros el de Villarmayor, quiso el portugués poner sitio sobre Albuquerque. Y ayer por la mañana, vino aviso como, haviendo sabido este desígnio el de Torrecuso, trato de prevenir el daño; i contandole el passo, vino com el a las manos. Conseguió uma victoria no menos famosa que la de Lérida. Matole 3500 hombres, prendio 600 cavallos i once pieças de artilleria. Murió su General de la artilleria, i huyo Mathias de Albuquerque, su capitan general, yendo em su alcance el señor Baron de Molingen, nuestro Maestre de Campor Genral". TOVAR, José de Pellicer de. Avisos. Paris: Editions Hispaniques, 2002. v. I, p. 515.
  • 34
    Cf. Ibidem, p. 519.
  • 35
    Relaçam dos gloriosos svcessos, op. cit. p. 34.
  • 36
    Ibidem, p. 23.
  • 37
    GAYOSO, Antonio Pardo de. Relacion en Octavas Heroicas, En que contiene todo lo real y verdadero del sucesso de la batalla del Montijo, auendose primero inuestigado las noticias mas indiuiduales: juntamente con aquellas de que fue testigo de vista, como quien se hallô en la batalla. Sevilla: Iuan Gomez de Blas, 1644.
  • 38
    Cf. CALA, Carmen Espejo. El impressor sevillano Juan Gomez de Blas y los origenes de la prensa periódica. Zer, n. 25, p. 243-267, 2008.
  • 39
    Cf. MACEDO, Francisco de Santo Agostinho de. Montigiensis de Castellano Hoste Victoria, auspiciis invictissimi Regis Joannis IV Portugaliae XVIII. Lisboa: Antonio Alvarez, 1644 (publicada depois de 2 de setembro de 1644).
  • 40
    Cf. Lisboa: Lourenço de Anvers, 1644 (publicada em 15 de outubro de 1644).
  • 41
    AZEVEDO, Luís Marinho de. Apologia Militar, op. cit. p. 2.
  • 42
    Ibidem.
  • 43
    Ibidem, p. 22-23.
  • 44
    Ibidem, p. 23.
  • 45
    GAYOSO, Antonio Pardo de. Octavas Heroicas, op. cit. p. 12.
  • 46
    Ibidem, p. 3, 4, 7.
  • 47
    AZEVEDO, Luís Marinho de. Apologia Militar, op. cit. p. 25.
  • 48
    GAYOSO, Antonio Pardo de. Octavas Heroicas, op. cit. p. 10.
  • 49
    AZEVEDO, Luís Marinho de. Apologia Militar, op. cit. p. 11.
  • 50
    ARAÚJO, João Salgado de. Sucessos Militares das Armas Portuguesas em suas fronteiras depois da Real Aclamação contra Castela. Lisboa: Paulo Craesbeeck, 1644.
  • 51
    The Reall Victorie of Portugall. Londres: 1644. p. 1.
  • 52
    "[the King] creating the general of this victorious armie Mathias de Albuquerque Count of Alegrete, gave him a revenue of 4000 ducats a yeare". Ibidem, p. 5.
  • 53
    BIRAGO, Giovanni Battista. Historia della Disunione Del Regno di Portogallo dalla corona di Castiglia. Amsterdam: Nicolau Van Ravesteyn, 1647. p. 713-722.
  • 54
    BRANDANO, Alessandro. Historia delle Guerre di Portogallo, Veneza: Paolo Baglioni, 1689. p. 306-310.
  • 55
    Passarello, Gaetano. Bellum Lusitanum Ejusque Regni Separatio a Regno Castellenensi. Lyon: Rigaud, 1684. p. 201-206.
  • 56
    ESPÍRITO SANTO, Gabriel do. A grande Estratégia de Portugal na Restauração, op. cit.
  • 57
    COSTA, Fernando Dores. A Guerra da Restauração. Lisboa: Horizonte, 2004. p. 56.
  • 58
    O exame mais detalhado da historiografia espanhola sobre suas antigas guerras não consta entre nossas intenções e nem corresponderia ao escopo deste trabalho. Tal limitação decorre de opções primeiras do trabalho, concentrando nossas atenções nos estudos portugueses.
  • 59
    "Ya eran transcurridos cuatro años de guerra, y corria el de 1644, cuando la indignación de los castellanos, al verse burlados por los portugueses, pueblo pequeño y encerrado en un confín de la Peninsula, encendió de nuevo y con más furor las hostilidades", CALDERON, Serafín Estebañez. De la Conquista y Pérdida de Portugal. Madri: Perez Dubrull, 1885. v. I, p. 107.
  • 60
    Ibidem, p. 124. Aqui, o historiador castelhano praticamente repete o dito de Gaetano Passarello, cf. PASSARELLO, Gaetano. Bellum Lusitanum Ejusque Regni Separatio a Regno Castellenensi, op. cit. p. 206.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2012

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2012
  • Aceito
    14 Maio 2012
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