Acessibilidade / Reportar erro

Governo colonial, distância e espera nas minas e capitania de Goiás* * Agradeço ao professor Laurent Vidal a inspiração e a possibilidade de uma reflexão partilhada a propósito de uma sociologia da espera na história de Goiás e do Brasil colonial.

Resumos

A temporalidade da espera associada aos intervalos impostos pelas distâncias geográficas à burocracia do governo colonial instala a vida dos habitantes de Goiás num ambiente transitório, constituído de eventos provisórios, onde os protagonistas devem fazer face às incertezas, enquanto esperam pelas decisões do rei de Portugal. Com a morte súbita do capitão-general João Manoel de Melo, a formação de um governo provisório aparece como estratégia das elites locais para controlar o tempo de espera e preencher o vazio de poder deixado pela ausência do governador. Neste cenário, os acontecimentos são percebidos como interações de força, cujas tensões podem transformar, ainda que transitoriamente, as relações estabelecidas na hierarquia dos poderes do império.

império português; temporalidades; distância; espera; Goiás


The waiting temporality associated with the intervals imposed by the geographic distances to the colonial government bureaucracy installed the lives of inhabitants of Goiás in a transitory environment, consisting of provisional events, where the protagonists must cope with uncertainties, while they waited for the King of Portugal's decisions. With the sudden death of captain-general João Manoel de Melo, the formation of an interim Government appeared as a strategy of local elites that sought to control the waiting time and fill the power vacuum left by the absence of the Governor. In this scenario, the events were perceived as interactions of forces, the tensions of which could temporarily transform the established relationships in the Empire's hierarchy.

Portuguese empire; temporalities; distance; waiting time; Goiás.


Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

  • *
    Agradeço ao professor Laurent Vidal a inspiração e a possibilidade de uma reflexão partilhada a propósito de uma sociologia da espera na história de Goiás e do Brasil colonial.
  • 1
    Ver, por exemplo, obras e artigos importantes que tratam direta ou indiretamente sobre o tema, tais como: SOUZA, Laura de Mello e. O sol e sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006; FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (Org.). Na trama das redes. Política e negócios no império português. Séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010; SOUZA, Laura de Mello; FURTADO, Júnia Ferreira; BICALHO, Maria Fernanda (Org.). O governo dos povos: relações de poder no mundo ibérico da Época Moderna. São Paulo: Alameda, 2009 e, ainda, BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral (Org.). Modos de governar: ideias e práticas políticas no Império português, séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005; RAMINELLI, Ronald José. Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e governo à distância. São Paulo: Alameda, 2008; ARAÚJO, Emanuel. Tão vasto, tão ermo, tão longe: o sertão e o sertanejo nos sertões coloniais. In: PRIORE, Mary Lucy del (Org.). Revisão do Paraíso: os brasileiros e o Estado em 500 anos de história. Rio de Janeiro: Campus, 2000; DEAN, Warren. The frontier in Brazil. In: _____. Frontiers in comparative perspectives. Washington, DC: The Woodrow Wilson Center, 1990.
  • 2
    FURTADO, Júnia Ferreira. O sol e a sombra - Política e administração na América portuguesa do século XVIII. Resenha. Almanack Braziliense, n. 5, p. 137-139, 2007.
  • 3
    Repleto das oposições e antíteses características do barroco, o discurso do padre Antônio Vieira é marcado pela tese da impossibilidade de um governo colonial bom e justo. "É isto", diz ele, "é o que se vê na Ásia, e na América, e nas Índias Orientais, onde nasce o sol, e nas Ocidentais, onde se põe. Não pode haver semelhança mais própria. A sombra, quando o sol está no zênite, é muito pequenina, e toda se vos mete debaixo dos pés; mas quando o sol está no oriente, ou no ocaso, essa mesma sombra se estende tão imensamente que mal cabe dentro dos horizontes. Assim nem mais nem menos os que pretendem e alcançam os governos ultramarinos. Lá onde o sol está no zênite, não só se metem estas sombras debaixo dos pés do príncipe, senão também dos seus ministros. Mas, quando chegam àquelas Índias, onde nasce o sol, ou a estas, onde se põe, crescem tanto as mesmas sombras que excedem muito a medida dos mesmos reis, de que são imagens." Em seguida, comparando o império português com o romano, prossegue: "De Roma a Jerusalém ainda tinham algum vigor os respeitos de Cesar: Si hunc dimitis... Mas de Lisboa à Índia e ao Brasil com todo o mar oceano em meio? A fé, a obrigação, a obediência, o respeito, tudo se esfria, tudo se mareia, tudo referve. Vendo-se tão longe de quem as manda, como lá podem o que querem, não se contentam com o querer o que podem. Levam os poderes de imagens e tomam onipotências de Césares..." e estes poderes ilimitados são instrumentos ordinários para o roubo e a violência. PALACIN, Luís. Vieira e a visão trágica do barroco: quatro estudos sobre a consciência possível. São Paulo: Hucitec, 1986. p. 22.
  • 4
    SOUZA, Laura de Mello e. O sol e sombra, op. cit.
  • 5
    O termo "tirania" (do grego τύραννος, líder ilegítimo), historicamente associado à Grécia Antiga, é uma forma de governo usada em situações excepcionais, em alternativa à democracia. Nela o chefe governava com poder ilimitado, embora sem perder de vista que devia representar a vontade do povo. Hoje, entre as sociedades democráticas ocidentais, o termo tirania tem conotação negativa, já que remete a uma forma de governo não respaldado pelo direito e pela lei, porém fortemente embasado na autoridade de um governante. Contudo, na acepção empregada neste artigo, para além das noções que denotam ideias como governo injusto e despotismo, severidade, opressão política e violência ou ingratidão, a concepção de tirania indica o poder que certas coisas exercem às vezes sobre o homem ou sobre suas atividades ou, ainda, sobre seus planos e projetos. Mais especificamente, o poder da distância, considerado no tempo e no espaço, sobre o exercício prático do governo colonial, com sede política e administrativa em Lisboa, em um território de conquista (neste caso, as minas e capitania de Goiás).
  • 6
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU). Administração Central (ACL), Conselho Ultramarino (CU), Série 008, Cx. 11, Documento 671.
  • 7
    Ibidem.
  • 8
    Ibidem.
  • 9
    Arquivo Histórico de Goiás (AHG). Cx. 1129, folha 165.
  • 10
    Para uma descrição sobre o clima e a salubridade em Goiás na primeira metade do século XIX, ver SAINT-HILAIRE, Auguste de Provençal de. Voyage aux sources du Rio de S. Francisco et dans la province de Goyaz. Paris: Arthur Bertrand, 1847. t. I, p. 323.
  • 11
    AHG. Cartas à Corte, 1771, fl. 1.
  • 12
    Ver as descrições do austríaco Emmanuel Pohl em POHL, Johann E. Viagem no interior do Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1951. v. 1.
  • 13
    PALACIN, Luis. O século do ouro em Goiás, 1722-1822: estrutura e conjuntura numa capitania de minas. Goiânia: PUC Goiás, 2001. p. 136.
  • 14
    Ver, por exemplo, o roteiro de viagem de José da Costa Diogo e João Barbosa desde a derrota do rio São Francisco, através do rio Urucuya, até as minas de Goiás, escrito em 1734, ou a descrição da derrota do rio Tocantins até Belém do Pará, de 1735. Respectivamente, AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 1, D. 8 e AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 1, D. 12.
  • 15
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 6, D. 457.
  • 16
    PALACIN, Luis. O século do ouro em Goiás, op. cit. p. 138.
  • 17
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 27, D. 1752.
  • 18
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 41, D. 2518.
  • 19
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 5, D. 424.
  • 20
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 1, D. 38.
  • 21
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 1, D. 68.
  • 22
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 12, D. 740.
  • 23
    Os julgados são constituídos por territórios sob a jurisdição de um único juiz ordinário de primeira instância, com autonomia judiciária parcial e sem autonomia administrativa. FONSECA, Cláudia Damasceno. Des terres aux villles de l'or. Pouvoir et territoires urbains au Minas Gerais (Brésil, XVIIIe siècle). Paris: Centre Culturel Calouste Gulbenkian, 2003. p. 202-203.
  • 24
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 3, D. 225.
  • 25
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 1, D. 66.
  • 26
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 6, D. 475.
  • 27
    SILVA E SOUZA, Luis Antônio da. Memória sobre o descobrimento, governo, população, e cousas mais notáveis da Capitania de Goyaz. In: TELES, José Mendonça. Vida e obra de Silva e Souza. Goiânia: UFG, 1988. p. 71-139, p. 112.
  • 28
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 21, D. 1332.
  • 29
    SILVA E SOUZA, Luis Antônio da. Memória sobre o descobrimento, governo, população, e cousas mais notáveis da Capitania de Goyaz, op. cit. p. 103.
  • 30
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 32, D. 1999.
  • 31
    Ibidem.
  • 32
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 51, D. 2865.
  • 33
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 12, D. 740.
  • 34
    Ibidem.
  • 35
    FRANCAVILLA, Roberto. O império visto de longe. A desconstrução do discurso colonial em "Os cus de Judas" de Antônio Lobo Antunes. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LITERATURA COMPARADA, IV, 2001, Universidade de Évora. Atas do CIAPLC, Relações intraliterárias, contextos culturais e estudos pós-coloniais. Évora: 2001. Disponível em:<www.eventos.uevora.pt/comparada/volume1.htm> Acesso em: 26 jan. 2011.
  • 36
    Ibidem.
  • 37
    Ibidem.
  • 38
    Ibidem.
  • 39
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 23, D. 1457.
  • 40
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 23, D. 1459.
  • 41
    Ibidem.
  • 42
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 28, D. 1841.
  • 43
    VIDAL, Laurent. Sous le masque du colonial - Naissances et "décadence" d'une vila dans le Brésil moderne: Vila Boa de Goiás au XVIIIe siècle. Annales Histoire, Sciences Sociales, Paris, n. 3, p. 577-606, mai/juin 2007. p. 578. (Tradução do autor).
  • 44
    CERUTTI, Simona. Processus et expérience: individus, groupes et identités à Turin, au XVIIe siècle. In: REVEL, Jacques (Org.). Jeux d'échelles: la micro-analyse à l'expérience. Paris: Gallimard; Le Seuil, 1996. p. 175. (Tradução do autor).
  • 45
    VIDAL, Laurent. Mazagão: la ville que traversa l'Atlantique - du Maroc à l'Amazonie (1769-1783). Paris: Flammarion, 2005. p. 254.
  • 46
    Ibidem, p. 255. (Tradução do autor).
  • 47
    BARTHES, Roland. Fragments d'un discours amoureux. Paris: Seuil, 1977. p. 47. (Tradução do autor).
  • 48
    Ibidem, p. 50.
  • 49
    Afecção cerebral (derrame sanguíneo ou seroso) acompanhada de privação dos sentidos e dos movimentos. No caso de João Manoel de Melo, o ataque que o acometeu foi fulminante. Tendo sentido os primeiros sintomas por volta das oito horas e trinta minutos, faleceu às três horas e meia da tarde do dia 13 de março de 1770. AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1586 e AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1587.
  • 50
    ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Anais da Província de Goiás (1863). Goiânia: Governo de Goiás, 1979. p. 170.
  • 51
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1587.
  • 52
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1620.
  • 53
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1585.
  • 54
    Ibidem.
  • 55
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1587.
  • 56
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1588.
  • 57
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1589.
  • 58
    Do ouvidor-geral ao secretário dos Negócios Estrangeiros (AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1590) e ao secretário da Marinha e Ultramar (AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1591); do secretário do governo da capitania de Goiás ao secretário da Marinha e Ultramar (AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1592); do sargento-mor do Regimento da Cavalaria Auxiliar ao secretário de Negócios Estrangeiros (AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1593) e ao secretário da Marinha e Ultramar (AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1594); do escrivão da Intendência e Casa de Fundição ao secretário da Marinha e Ultramar (AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1596); do administrador da casa do governo de Goiás ao secretário da Marinha e Ultramar (AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1597).
  • 59
    Carta publicada na íntegra em ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Anais da Província de Goiás (1863), op. cit. p. 171.
  • 60
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1605.
  • 61
    Ibidem.
  • 62
    Ibidem.
  • 63
    ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Anais da Província de Goiás (1863), op. cit. p. 171.
  • 64
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1613.
  • 65
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1631.
  • 66
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1616.
  • 67
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 26, D. 1683.
  • 68
    ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Anais da Província de Goiás (1863), op. cit. p. 172.
  • 69
    Segundo a reflexão proposta por Laurent Vidal, muito cara às intuições que inspiram este artigo, as distâncias de tempo (tema clássico na filosofia) criam tempos de espera, noção fundamental para se entender a importância da duração nos deslocamentos humanos. VIDAL, Laurent. Cidades em espera, sociedades em espera no Brasil - colônia: alguns desafios metodológicos. (Texto inédito).
  • 70
    PASSERON, Jean-Claude; REVEL, Jacques. Penser par cas. Paris: EHESS, 2005.
  • 71
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1585.
  • 72
    Ibidem.
  • 73
    Ausências repentinas de governadores não foram raras nas várias regiões do império, o que proporcionava oportunidades para a composição de governos provisórios nem sempre aprovados por Lisboa. Um exemplo extremo de domínio das elites locais através de governos interinos é o de São Thomé do Príncipe onde, durante dois séculos, as elites da ilha responderam pelo governo local em dez oportunidades. BRILHANTE, Neuma. Nas franjas do império ultramarino português: a experiência insular de São Tomé e Príncipe no despertar dos oitocentos. História, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 71-97, 2009.
  • 74
    Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (ANRJ). Ordem de Sucessão sobre as Pessoas que devem suceder nos Governos, em falta dos Governadores, 12 de dezembro de 1770, Códice 64, v. 17, fls. 34v-36v.
  • 75
    BERCÉ, Yves-Marie. Vide du pouvoir. Nouvelle légitimité. Annales Histoire, Économie et Société, Paris, ano 10, n. 1, p. 23-25,1991. (Tradução do autor).
  • 76
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1587.
  • 77
    AHU. ACL, CU, Série 008, Cx. 25, D. 1605.
  • 78
    VIDAL, Laurent. Les larmes de Rio. Paris: Aubier, 2009. p. 142.
  • 79
    FARGE, Arlette. Penser et définir l'événement en histoire. Approche des situations et des acteurs sociaux. Terrain, Paris, n. 38, p. 6, mar. 2002. (Tradução do autor). Disponível em: <http://terrain.revues.org/document1929.html> Acesso em: 28 jun. 2008.
  • 80
    Ibidem, p. 9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2012

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2012
  • Aceito
    20 Jun 2012
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org