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A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas

Resumos

A polícia é um objeto de interesse acadêmico bastante recente no campo historiográfico mundial. No Brasil, essa inclinação se mostra ainda mais noviça, em que pese nos últimos vinte anos a produção tenha se mostrado bastante promissora. Com vistas a escrutinar tal movimento, este artigo tem como objetivo fazer um balanço bibliográfico do debate nacional, levantando as questões mais pertinentes e apontando pistas de pesquisa para novas empreitadas.

polícia; história da polícia; historiografia.


Only recently the police has become a topic of worldwide historiography interest. In the Brazilian tradition, the trend is even more recent, despite an increasing production in the last twenty years. In order to analyze this movement, this essay offers an overview of the historiography within the national debate, highlighting the most intriguing themes and pointing out new research possibilities.

police; police history; historiography.


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    1 Do ponto de vista internacional, a melhor e mais atualizada revisão da trajetória da historiografia da polícia é MILLIOT, Vincent. Mais qui font les historiens de la police? In: BERLIÈRE, Jean-Marc et al. Métiers de Police: être police em Europe (XVIII-XX siècles). Rennes: PUR, 2008. Sobre a trajetória da historiografia francesa, enfrentando problemas muito próximos dos tratados aqui, ver BÉRLIÈRE, Jean-Marc; LÉVY, René. Histoire des polices en France. De l'Ancien Régime à nos jours. Paris: Nouveau Monde, 2011. Esses autores lembram bem que essa ausência de trabalhos não diz respeito apenas à polícia, mas poderia incluir outros tipos de atores públicos, como bombeiros, agentes penitenciários ou alfandegários. Por outro lado, consideram a historiografia da polícia nos dias de hoje "em pleno florescimento", o que não se pode dizer ainda do caso brasileiro.
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    2 REINER, Robert. A política da Polícia. São Paulo: Edusp, 2000.
  • 3
    3 BRODEUR, Jean-Paul. Mythes et réalités de la police. In: BRODEUR, Jean-Paul. Les visages des polices: pratiques et perceptions. Montreal: PUM, 2003; BAYLEY, David H. Padrões de policiamento. São Paulo: Edusp, 2006; MONJARDET, Dominique. Gibier de recherche, la police et le projet de connaître. Criminologie, v. 38, n. 2, p. 13-37, 2005.
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    4 A literatura é extensa. Ver, como exemplos: CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência. A polícia da Era Vargas. Brasília: UnB, 1994; ROSE, R. B. Uma das coisas esquecidas. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. Eles têm boas indicações sobre o funcionamento da polícia durante o Estado Novo. Para o período posterior, ver REZNIK, Luis. Democracia e segurança nacional. A polícia política no pós-guerra. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
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    5 BRODEUR, Jean-Paul. Mythes et réalités de la police, op. cit.
  • 6
    6 MONJARDET, Dominique. O que faz a polícia. São Paulo: Edusp, 2003.
  • 7
    7 Sobre o uso de arquivos de polícia, ver BÉRLIÈRE, Jean-Marc. Archives de police: du fantasme au mirage. In: PETIT, J. G.; CHAUVAUD, F. (Dir.). L'histoire contemporaine et les usages des archives judiciaires 1800-1939. Paris: H. Champion, 1998. (Collection Archives et Histoire); para o caso específico da polícia argentina, ver BARRENECHE, Osvaldo. La historia de las instituciones de seguridad a través de las fuentes documentales y los archivos institucionales. El caso de la Policía de la Provincia de Buenos Aires. In: SIRIMARCO, Mariana (Org.). Estudiar la Policía. La mirada de las ciencias sociales sobre la institución policial. Buenos Aires: Teseo, 2010.
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    8 Refiro-me aos trabalhos de FERNANDES, Heloísa Rodrigues. Política e segurança. Força Pública do Estado de São Paulo: fundamentos histórico-sociais. São Paulo: Alfa-Ômega, 1974; e de DALLARI, Dalmo de Abreu. O pequeno exército paulista. São Paulo: Perspectiva, 1977.
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    9 Não é por acaso que a obra de Leal, publicada pela primeira vez em 1948, é reeditada em 1975.
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    10 Talvez não seja este o lugar para esta discussão, mas o foucaultianismo se faz escola bastante vigorosa no Brasil e trabalha com temas próximos aos que nos interessam em dois momentos. Nesse primeiro momento sob a égide de Vigiar e punir e da Microfísica do poder, e nos últimos anos a partir da publicação dos cursos do Collège de France. Em outro contexto, essa transição é bem expressa: "La notion de pouvoir - qu'avait formalisé le Panoptique - ne permettait pas de penser une éventuelle résistance à celui-ci, car rien ni personne n'était si éloigné du pouvoir, si extérieur au pouvoir qu'il pût s'y opposer. Constitutif du language et producteur du lien social, le pouvoir intégrait les corps et les gestes. En revanche - et c'était là l'élément neuf - la notion de gouvernement impliquait un face a face, une distance effective et une tension qui pouvait être féconde entre gouvernants et gouvernés. Foucault donnait à voir les formes du rapport à soi, non plus comme de simples extensions du pouvoir, mês comme des points d'articulation de procédures de gouvernement. Du coup s'amorçait une réflexion sur la liberté - et le sujet, toujours déjà assujetti, revenait au premier plan, cette fois em tant qu'acteur historique". BOSKO, Karel. Surveiller et punir "à l'Est". In: CICCHINI, Marco; PORRET, Michel (Ed.). Les sphères du pénal avec Michel Foucault. Lausanne: Antipodes, 2007. p. 80.
  • 11
    11 Essa abordagem ainda se encontra presente em parte significativa da história do movimento operário brasileiro, ainda que esse objeto tenha, infelizmente, perdido muito de sua preeminência. Ver, por exemplo, MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores em greve, Polícia em guarda: greves e repressão policial na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004.
  • 12
    12 CRUZ, Heloisa. Mercado e Polícia - São Paulo 1890-1915. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 7, n. 14, mar./ ago. 1987; SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Paladinos da ordem: Polícia e sociedade em São Paulo na virada do século XIX ao XX. Tese (doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004; SOUZA, Luis Antonio Francisco de. Lei, cotidiano e cidade. Polícia civil e práticas policiais na São Paulo Republicana (1890-1930). São Paulo: IBCCRIM, 2009.
  • 13
    13 Foram publicados em 1981 três volumes relacionados a essa pesquisa, um sobre a guarda nacional, um sobre a polícia na cidade do Rio de Janeiro entre 1831 e 1914, e um sobre a polícia na província do Rio de Janeiro. Respectivamente: RODRIGUES, Antonio Edmilson Martins et al. A Guarda Nacional no Rio de Janeiro, 1831-1918. Rio de Janeiro: PUC, 1981; BRANDÃO, Berenice Cavalcante et al. A polícia e a força policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC, 1981; NEDER, Gizlene et al. A polícia na Corte e no Distrito Federal. Rio de Janeiro: PUC, 1981.
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    14 Não é o que nos interessa aqui, mas é importante destacar que se trava um grande debate naquele momento sobre o uso dessas fontes, "contaminadas" por sua produção judiciária. Muitos trabalhos realizados nesse momento se tornaram referência, especialmente CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. São Paulo: Brasiliense, 1986.
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    15 Impossível não ligar a acontecimentos correntes. Estudantes da Universidade de São Paulo, em conflito com a polícia, colocam um cartaz na parede: "Policiais não são trabalhadores são o braço armado dos exploradores". Disponível em: Acesso em: 16 maio 2013.
  • 16
    16 COTTA, Francis Albert. Matrizes do sistema policial brasileiro. Belo Horizonte: Crisálida, 2012.
  • 17
    17 FARIA, Regina Helena Martins de. Em nome da ordem: a constituição dos aparatos policiais no universo luso-brasileiro (sécs. XVIII-XIX). Tese (doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.
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    18 Ver JACQUES, Lana Maria da Silva. A Intendência Geral de Polícia: poder público e vida cotidiana no Rio de Janeiro de inícios do século XIX. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002; SCHEINER, Lívia Maurício, Uma questão de projetos: o Senado da Câmara e a Intendência de Polícia na gestão do espaço urbano da Corte, Rio de Janeiro 1808-1821. Dissertação (mestrado) - Univerisdade Federal Fluminense, Niterói, 2004; CARVALHO, Marieta Pinheiro. Uma ideia ilustrada de cidade: as transformações urbanas no Rio de Janeiro de d. João VI. Rio de Janeiro: Odisseia, 2008.
  • 19
    19 HOLLOWAY, Thomas. Polícia no Rio de Janeiro. Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
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    20 Ver também, num recorte mais foucaultiano, PECHMAN, Robert. Cidades estritamente vigiadas. O detetive e o urbanista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002.
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    21 Ver, por exemplo, STORCH, Robert. O policiamento do cotidiano na cidade vitoriana. Revista Brasileira de História, v. 5, n. 8/9, p. 7-33, 1984/85.
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    22 ROSEMBERG, André. Herói, vilão ou mequetrefe: a representação da polícia e do policial no Império e na Primeira República. Tempo de Histórias, n. 13, p. 63-81, 2008; VELLASCO, Ivan de Andrade. Policiais, pedestres e inspetores de quarteirão: algumas questões sobre as vicissitudes do policiamento na província de Minas Gerais 1831-1850. In: CARVALHO, José Murilo de. Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 237-265.
  • 23
    23 AL-ALAM, Caiuá Cardoso. A negra forca da princesa. Polícia, pena de morte e correção em Pelotas (1830-1857). Pelotas: Icária, 2008; AL-ALAM, Caiuá Cardoso. Palácio das misérias: populares, delegados e carcereiros em Pelotas, 1869-1889. Tese (doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013; SILVA, Wellington Barbosa da. Entre a liturgia e o salário: a formação dos aparatos policiais no Recife do século XIX (1830-1850). Tese (doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003.
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    24 ROSEMBERG, André, De chumbo e festim. Uma história da polícia paulista no final do Império. São Paulo: Edusp, 2010; VELLASCO, Ivan de Andrade. As seduções da ordem. Violência, criminalidade e administração da justiça. Minas Gerais, século 19. Bauru: Edusc, 2004.
  • 25
    25 Um debate sobre a profissionalização policial está em WEINBERGER, Barbara. The best police in the world: an oral history of English policing from the 1930s to the 1960s. Londres: Scholar Press, 1995.
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    26 BRETAS, Marcos Luiz. A guerra das ruas. Povo e Polícia na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997; BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade. O exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
  • 27
    27 MAUCH, Cláudia. Ordem pública e moralidade: imprensa e policiamento urbano em Porto Alegre na década de 1890. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004; MAUCH, Cláudia. Dizendo-se autoridade: polícia e policiais em Porto Alegre (1896- 1929). Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
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    28 SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Paladinos da ordem, op. cit.
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    29 CARVALHO, Glauco Silva de. Forças públicas: instrumento de defesa da autonomia estadual e de sustentação da política dos governadores na Primeira República (1889-1930). Dissertação (mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
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    30 MARTINS, Marcelo Thadeu Quintanilha. A civilização do delegado. Modernidade, polícia e sociedade em São Paulo nas primeiras décadas da República, 1889-1930. Tese (doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
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    31 SOUZA, Luis Antonio Francisco de. Lei, cotidiano e cidade, op. cit.
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    32 CARVALHO, Glauco Silva de. Forças públicas, op. cit.
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    33 PORTO, Ana Gomes. Novelas sangrentas: literatura de crime no Brasil. Tese (doutorado) - Universidade de Campinas, Campinas, 2009; SHIZUNO, Elena Camargo. A revista Vida Policial (1925-1927): mistérios e dramas em contos e folhetins. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011.
  • 34
    34 BRETAS, Marcos Luiz. A polícia das culturas. In: LOPES, Antonio Herculano (Org.). Entre Europa e África: a invenção do carioca. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000; ROSEMBERG, André. Herói, vilão ou mequetrefe, op. cit.
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    35 GALEANO, Diego. Criminosos viajantes, vigilantes modernos: circulações policiais entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, 1890-1930. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
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    36 MARTINS, Marcelo Thadeu Quintanilha, A civilização do delegado, op. cit.
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    37 BRETAS, Marcos Luiz. A guerra das ruas, op. cit.; BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade, op. cit.; MAUCH, Cláudia. Ordem pública e moralidade, op. cit.; SOUZA, Luis Antonio Francisco de. Lei, cotidiano e cidade, op. cit.
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    38 CRUZ, Heloisa. Mercado e Polícia, op. cit.; MARTINS, Valter. Policiais e populares: educadores, educandos e a higiene social. Cad. Cedes, Campinas, v. 23, p. 79-90, n. 59, abr. 2003; GARZONI, Lerice de Castro. Vagabundas e conhecidas: novos olhares sobre a Polícia republicana (Rio de Janeiro, início do século XX). Dissertação (mestrado) - Universidade de Campinas, Campinas, 2007; SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Paladinos da ordem, op. cit.
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    39 BATTIBUGLI, Thaís. Polícia, democracia e política em São Paulo (1946-1964). São Paulo: Humanitas, 2010.
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    40 SOUZA, Wanderson B. Arbitrariedades policiais e a utilização da violência no combate à criminalidade em Salvador (1940 a 1960). Revista História e-História, v. 1, p. 1-20, 2010.
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    41 LUNCKES, Mariseti Cristina Soares. A 4a Companhia Isolada de Pedro Afonso e o cotidiano dos policiais militares: um projeto de policiamento e "ordem" para os sertões do antigo norte goiano (1930-1964). Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
  • 42
    42 CRUSOÉ JÚNIOR, Nilson Carvalho. Da "Volante" à Academia: a Polícia Militar da Bahia na Era Vargas (1930-1945). Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2013
  • Aceito
    20 Maio 2013
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