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"Meninos eu vi": Jota Efegê e a história da música popular

Resumos

A recente produção do conhecimento histórico em torno da música popular no Brasil é tributária de uma geração de memorialistas, cronistas e jornalistas cujas obras começaram a aparecer nas décadas de 1960-1970. Esse conjunto permaneceu até o final do século XX como o principal acervo da memória e da história da música popular. O jornalista e cronista carioca Jota Efegê (1902-1997) foi um dos protagonistas desse processo. Sua trajetória de vida foi importante na constituição de certa memória e algumas de suas obras ocuparam lugar de destaque na produção de uma historiografia da música popular. Este artigo tem como objetivo examinar de modo crítico aspectos deste conjunto para compreender melhor o papel de Jota Efegê na construção de uma narrativa historiográfica que se estabilizou e se "naturalizou" com o tempo como a "história da música popular brasileira".

historiografia; música popular; narrativas; historiadores; Jota Efegê.


The recent production of the historical knowledge on Brazilian popular music stems from a generation of memoirists, chroniclers and journalists, whose works began to emerge back in the 1960s and 1970s. This collection of works remained as the main body of memory and history of popular music until the late twentieth century. Journalist and chronicler Jota Efegê (1902-1997), born in Rio de Janeiro, was one of the leading figures in this process. The course of his life was important for the establishment of part of this memory, and some of his works gained a prominent place in the development of the historiography of popular music. This article aims to critically examine aspects of this collection of works so as to better understand the role of Jota Efegê in building a historiography narrative that stabilized and "naturalized" itself over time as "the history of Brazilian popular music."

historiography; popular music; narratives; historians; Jota Efegê.


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  • 1
    1 MPB sem Jota Efegê. O Globo, Rio de Janeiro, 23 maio 1987.
  • 2
    2 LUNA, Luis. O cronista do Rio alegre. Boletim ABI, Rio de Janeiro, p. 8, maio/jun. 1987. Disponível em: <www.docvirt.com/WI/hotpages/hotpage.aspx?bib=Tematico&pagfis=3031&pesq=o+cronista+do+rio+alegre,+boletim+abi&url=http://docvirt.com/docreader.net>. Acesso em: 1o nov. 2012,
  • 3
    3 ANDRADE, Carlos Drummond de. A pequena história contada com leveza e seriedade. In: EFEGÊ, Jota. Meninos eu vi. Rio de Janeiro: Funarte, 1985. p. 5.
  • 4
    4 PEREIRA, V. H. Adler. A musa carrancuda: teatro e Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1998. p. 173 e 175.
  • 5
    5 TINHORÃO, J. R. A imprensa carnavalesca no Brasil. São Paulo: Hedra, 2000.
  • 6
    6 COUTINHO, Eduardo G. Os cronistas de momo. Imprensa e carnaval na Primeira República. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2006.
  • 7
    7 EFEGÊ, Jota. Ameno Resedá, o rancho que foi escola. Rio de Janeiro: Letras e artes, 1965. p. 111 e 112.
  • 8
    8 Ibid., p. 113-114.
  • 9
    9 Ibid., p. 118.
  • 10
    10 GUIMARÃES, Francisco (Vagalume). Na roda do samba. 2. ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1978. p. 19.
  • 11
    11 Ibid., p. 237.
  • 12
    12 Utilizo esse marco para designar um conjunto de cronistas e memorialistas, nascidos entre o final do século XIX e início do século XX, como Vagalume, Alexandre Gonçalves Pinto, Orestes Barbosa, Mariza Lira, Edigar de Alencar, Jota Efegê, Almirante, Lúcio Rangel e Ary Vasconcelos. Ver sobre o assunto em MORAES, J. Geraldo Vinci de. História e historiadores da música popular no Brasil. Latin American Music Review, Texas, v. 28, p. 1-63, 2007; MORAES, J. Geraldo Vinci de. Edigar de Alencar e a escrita histórica da música popular. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, v. 24, n. 2, p. 349-367, 2011; e MORAES, J. Geraldo Vinci de. Entre a memória e a história da música. In: MORAES, José Geraldo Vinci de; SALIBA, Elias T. (Org.). História e música no Brasil. São Paulo: Alameda, 2010. p. 217-265.
  • 13
    13 BILHETES à coroa. Fon-Fon!, 19 out. 1907 apud SALIBA, Elias T. Cultura. Apostas na República. In: SCHWARCZ, Lilia M. (Org.). Abertura para o mundo (1889-1930). Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 252.
  • 14
    14 EFEGÊ, Jota. O Cabrocha (meu companheiro de farras). Rio de Janeiro: Casa Leuzinger, 1931. p. 10-11.
  • 15
    15 Ibid., p. 163.
  • 16
    16 Ibid., p. 13.
  • 17
    17 EFEGÊ, Jota. Eva e suas irmãzinhas. Rio de Janeiro: Canton & Reile, 1937.
  • 18
    18 BENJAMIN, Walter. O narrador. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica. arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • 19
    19 EFEGÊ, Jota. Meninos eu vi. Rio de Janeiro: Funarte, 1985. O título da obra certamente alude à passagem presente no canto X que encerra o poema I-Juca-Pirama de Gonçalves Dias, a partir do qual a expressão integrou-se ao uso comum em nossa cultura.
  • 20
    20 VASCONCELOS, Ary. Figuras e coisas da música popular. Rio de Janeiro: MEC/Funarte, 1980. v. 2, p. 1.
  • 21
    21 ANDRADE, Carlos Drummond de. A pequena história contada com leveza e seriedade, op. cit. p. 5.
  • 22
    22 Esses são elementos da tradição helênica que deram origem à historiografia ocidental. Tais princípios seriam combatidos pelo novo regime historiográfico moderno surgido no final do século XVIII e, sobretudo, no XIX, quando prevalece a ideia de uma "historiografia científica" em que o documento escrito prevalece como testemunho e verdade. Sobre o assunto ver HARTOG, François. O espelho de Heródoto. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999; e HARTOG, François. Evidência da história. O que os historiadores veem. Belo Horizonte: Autentica, 2011; MOMIGLIANO, A. As raízes clássicas da historiografia moderna. Bauru: Edusc, 2004; DOSSE, François. A história. Bauru: Edusc, 2000; KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-RJ, 2011.
  • 23
    23 EFEGÊ, Jota. Figuras e coisas da música popular brasileira. Rio de Janeiro: Funarte, 1978. v. 1; Rio de Janeiro: Funarte, 1980. v. 2; EFEGÊ, Jota. Figuras e coisas do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
  • 24
    24 Na verdade elas alcançam período um pouco mais extenso entre os anos 1940 e 1980 e algumas publicadas em outros jornais e revistas. Contudo, elas estão basicamente concentradas nestes três jornais e nas décadas de 1960-1970. Em Figuras e coisas da MPB, v. 1, por exemplo, são quase uma centena de crônicas publicadas basicamente nos anos 1960, como algumas poucas (6) para o período entre 1940-1955. No volume 2 são aproximadamente 150 textos concentrados exclusivamente na década de 1970. Em Figuras e coisas do carnaval, são 152 textos publicados entre 1963 e 1980. Já Meninos eu vi, a centena de textos foi publicada nos anos 1970, com apenas um em 1968.
  • 25
    25 NORA, Pierre, Entre mémoire et histoire. La problematique des lieux. In: NORA, Pierre. Lieux memóire. Paris: Gallimard, 1984. p. XXVI.
  • 26
    26 MORAES J. G. V de; MACHADO, C. Música em conserva. Auditório. Revista do Instituto Auditório Ibirapuera, São Paulo, v. 1, p. 163-184, 2011.
  • 27
    27 I Encontro de Pesquisadores da Música Popular Brasileira, Curitiba, 1975; II Encontro Promovido pelo Instituto Nacional de Música da Funarte, 1976; III Encontro de Pesquisadores da Música Popular Brasileira, Rio de Janeiro, RJ. Promovido pelo Instituto Nacional de Música da Funarte, 15-17 abr. 1982.
  • 28
    28 Ocorreu uma avalanche de obras coletivas e individuais escritas por colecionadores, jornalistas e acadêmicos, como as biografias do concurso Lúcio Rangel publicadas pela Funarte entre fins dos anos 1970 e início dos 1980; a série de biografias da coleção de discos História da Música Popular Brasileira, Ed. Abril Cultural, São Paulo, iniciada em 1970, e a Enciclopédia da música brasileira. Erudita, folclórica, popular (São Paulo: Art Editora, 1977). De modo geral, os mesmo atores estavam presentes e se alternavam nestas publicações.
  • 29
    29 Ver os inúmeros artigos escritos por Hermínio sobre Jota no seu acervo na página web: <www.acervohbc.com.br/BuscaSimples.aspx>. Ver também entrevista dada ao programa Entre amigos, TVE do RJ, em 1984, de que participam, além de Hermínio Bello, Nássara e Carlos Drummond de Andrade: <www.youtube.com/watch?v=TX3CiKEEKhc>.
  • 30
    30 A foto presente no volume 1 de Figuras e coisas da música popular brasileira, p. 8, talvez seja bastante representativa desta circularidade cultural: nela, Jota carrega Cartola em seus ombros ladeado por Marcel Camus, que carrega em seus ombros Lamartine Babo.
  • 31
    31 Esse quadro e os seguintes foram construídos a partir da quantificação das crônicas reunidas nas três obras, como já foi salientado logo anteriormente. Baseando-se nelas, estabeleceram-se os seguintes critérios de organização com objetivo de fazer uma espécie de autópsia das obras e refazer seu caminho por vias, digamos, mais historiográficas: personagens, temas, periodização, jornal e ano da publicação.
  • 32
    32 ARIÉS, Philipe. Um historiador diletante. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
  • 33
    33Ameno Resedá. O rancho que foi escola. Documentário do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1965. p. 173.
  • 34
    34 Ibid., p. 37.
  • 35
    35 Ibid., p. 25.
  • 36
    36 Ibid., p. 37-38.
  • 37
    37 Ibid., p. 25.
  • 38
    38Maxixe: a dança excomungada. Rio de Janeiro: Conquista, 1974. (Temas Brasileiros)
  • 39
    39 O musicólogo e historiador Mozart de Araújo, em resenha elogiosa publicada em 20 de abril de 1974 no Jornal do Brasil, apresenta também dúvidas e controvérsias sobre o tema e a obra. Diz, por exemplo, que Efegê se escorou inteligentemente em Mário de Andrade para apresentar as origens musicais do gênero, associadas ao tango, mas que as informações e os estudos surgidos depois da morte do modernista apontaram outros caminhos e discussões.
  • 40
    40 A série As Muitas Histórias da Música Popular Brasileira, da TV Cultura, produção de Jaime Lerner, apresentou, em 1974, interessantíssimo programa temático sobre o maxixe, com a participação de Efegê e José Ramos Tinhorão. E em 1980 Alex Viany produziu e dirigiu com apoio da Seac/MEC e Embrafilme o documentário de 32 minutos, Maxixe, a dança perdida, tendo Jota como protagonista.
  • 41
    41 Intelectual, historiador e político amazonense (1906-1993), foi governador do estado do Amazonas (1964 e 1967) e presidente do Conselho Federal de Cultura entre 1969-1972. Era o diretor da coleção Temas Brasileiros, cujo 16o volume publicado foi Maxixe, de Jota Efegê.
  • 42
    42 EFEGÊ, Jota. Maxixe: a dança excomungada, op. cit. p. 14 e 13. Aqui se reproduz aquele procedimento destacado anteriormente que se tornou comum nestas obras, em que "intelectual reconhecido" apresenta o livro.
  • 43
    43 Neste sentido, sua visão de mundo e práticas investigativas distanciavam-se do "folclorismo", embora incorporasse fatias deste discurso. VEYNE, Paul, Foucault. Seu pensamento e sua pessoa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. cap. 4.
  • 44
    44 EFEGÊ, Jota. Maxixe: a dança excomungada, op. cit. p. 96.
  • 45
    45 Nele Donga defende como "samba original" sua composição Pelo telefone (1917), caracterizado, no entanto, por Ismael como maxixe. Já o compositor do Estácio defende sua canção Se você jurar (1931) como "samba de fato", qualificado, entretanto, por Donga como marcha. Na realidade, o que estava em jogo ali eram duas concepções diversas, mas complementares, das transformações de nossa música urbana. Todos esses fatos são bastante conhecidos e já formam uma espécie de conhecimento tácito sobre o assunto, sendo reiterados centenas de vezes pela literatura. Carlos Sandroni tratou do assunto de modo consistente, tanto do ponto de vista musicológico como o cultural. Ver capítulo 5 da parte I do Feitiço decente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; UFRJ, 2001.
  • 46
    46 EFEGÊ, Jota. Maxixe: a dança excomungada, op. cit. p. 16-17.
  • 47
    47 Ver discussão sobre as relações entre a música e a história acadêmica no artigo: Modulações e novos ritmos na oficina da história. Revista Galega de Cooperación Científica Iberoamericana, José Geraldo Vinci de Moraes, v. 11, p. 49-56, 2005. O panorama mais atualizado desta produção acadêmica está sendo construído pelo projeto Escrita e historiografia da música brasileira, financiado pelo CNPq, e que pode ser visualizado desde já no banco de dados presente na página web <www.memoridamusica.com.br>.
  • 48
    48 MACHADO DE ASSIS, José Maria. O folhetinista. In: MACHADO DE ASSIS, José Maria. Coleção melhores crônicas. São Paulo: Global, 2005. p. 40.
  • 49
    49 ANDRADE, Carlos Drummond de, A pequena história contada com leveza e seriedade, op. cit. p. 6. Grifos meus.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2013
  • Aceito
    14 Ago 2013
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