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Julho, 10! As artes da política e a política das artes nos anos 1940

RESUMO

O presente estudo se concentra na peça de teatro Julho, 10!, premiada no Concurso Nacional de Romance e Teatro para Operários, promovido pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1942. Por um lado, busca analisar as especificidades do Estado Novo, problematizando como o contexto histórico se transmutou em texto teatral; por outro, discute a peça premiada, simultaneamente, como parte de uma tradição do teatro popular desde o século XIX e como intervenção nos temas específicos da legislação de proteção social nos anos que antecederam a outorga da Consolidação das Leis do Trabalho.

Palavras-chave:
Teatro; Estado Novo; trabalhadores, CLT.

ABSTRACT

This study focuses on the play Julho, 10!, which received an award from the Workers' Novel and Playwriting National Contest, promoted by the Labor, Industry, and Commerce Ministry in 1942. The objective is twofold. First, the study examines the specificities of the Estado Novoperiod, discussing how the historical context is transmuted into the play. Second, the paper analyzes the playJulho, 10! both as part of the popular theater tradition initiated in the 19thcentury and as a form of intervention in specific legislation themes related to social protection in the years that preceded the granting of the Consolidation of Labor Laws.

Keywords:
Theater; Estado Novo; workers; labor laws.

Como em todas as sociedades em crise, em guerra ou em revolução, aparece então um entusiasmo desmesurado pelo teatro, lugar privilegiado que transforma em mitos e maravilhas as situações de violência que as ruas e as assembleias haviam banalizado {...} o melodrama tem por base o triunfo da inocência oprimida, a punição do crime e da tirania...1 1 THOMASSEAU, Jean-Marie. O melodrama. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 13,14-34.

Preâmbulo

Em 12 de fevereiro de 1942, a portaria no 794, assinada pelo então ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes Filho, instituiu o "Concurso Nacional de Romance e Comédia para operários". Ao que tudo indica, essa foi a primeira vez que o MTIC promoveu um concurso literário, que se repetiria apenas em 1944. O preâmbulo da portaria não deixava dúvidas sobre o objetivo da empreitada.

O ministro do estado, considerando que entre os mais altos objetivos do Ministério do trabalho, indústria e comércio está o da elevação cultural dos trabalhadores do Brasil através de uma ação educadora e de uma assistência intelectual. Que ao homem que luta nas fábricas e nas oficinas para o desenvolvimento das forças e riquezas do país, nunca ou raramente se dirigiram as manifestações literárias acenando-lhe às esperanças e refletindo seus ideais; Que será da mais inteira justiça acentuar, através de obras literárias e peças de teatro as altas qualidades de bondade, energia e inteligência do trabalhador brasileiro, bem como sua capacidade e seu idealismo; Que romance e comédia são dois veículos poderosos para a difusão das ideias e constituem, ao mesmo tempo, uma das mais nobres atividades nas horas de repouso e lazer; Que incumbe ao MTIC não só o equilíbrio social e o melhoramento das condições de trabalho, mas, ainda, o aperfeiçoamento cultural do trabalhador...2 2 Boletim do MTIC no 91, março de 1942, ano VIII, p. 74-77.

O concurso literário tinha uma intenção educadora e uma finalidade assistencial. Apresentava-se também como uma retribuição àqueles que "produziam as riquezas do país", mas nunca teriam sido agraciados com as "manifestações culturais". O concurso era pensado, claramente, com o objetivo de incrementar as atividades de lazer dos operários e nelas intervir, e nada mais adequado para a sua "elevação cultural" do que inseri-los no espaço do qual se supunha estarem ausentes: a literatura e o teatro. Desse modo, esperava-se dos concorrentes que fossem capazes de dar voz às esperanças e aos anseios dos trabalhadores brasileiros, debatendo suas ideias, divulgando seus valores, apreciando seus sentimentos, refletindo seus ideais e, assim, engrandecendo suas experiências. De forma inequívoca a portaria ministerial esclarecia que não se tratava de enaltecer e apreciar quaisquer valores e ideias oriundas das classes trabalhadoras, mas apenas aqueles que enfatizassem a "bondade, energia, inteligência e idealismo". À literatura e ao teatro cabiam: exprimir os valores da classe trabalhadora e servir-lhes como estímulo e incentivo na medida em que ressaltassem suas esperanças e anseios e lhes dessem forma artística. Os termos da portaria aludem a certo desamparo e à possibilidade da disseminação de ideias desorientadoras no meio operário, justificando a ação do Ministério. Há, também, o reconhecimento do estado de abandono cultural ao qual estariam relegadas as classes trabalhadoras, por isso o desejo de reverter esse desamparo com a difusão de ideias e valores - "bondade, energia e inteligência" - supostamente naturais, mas talvez adormecidas no trabalhador brasileiro. A escolha da literatura e do teatro como veículos para a difusão de ideias e valores apropriados parece ter sido ponderada com cuidado, visando, ao mesmo tempo, moldar a cultura e intervir no lazer.

O concurso de romance e teatro deu início a uma série de promoções culturais e esportivas dirigidas aos trabalhadores que culminaram na criação, em setembro de 1943, do Serviço Nacional de Recreação Operária. Dentre outras iniciativas, promoveu os concursos da canção e da cartilha do trabalhador, excursões, torneios de futebol e sessões de cinema.3 3 Uma excelente descrição do funcionamento do S.R.O está em BRETAS, Ângela. Nem só de pão vive o homem: criação e funcionamento do Serviço de Recreação Operária, 1943-1945Rio de JaneiroApicuri2010 Subordinado ao MTIC e ligado à comissão de imposto sindical, o serviço de recreação, com recursos oriundos do imposto sindical, tinha a tarefa de unificar e ampliar as iniciativas culturais e esportivas dirigidas aos trabalhadores. O concurso de romance e teatro é, portanto, parte de uma série de ações que se desdobrariam até 1945 e que podem ser pensadas como componente fundamental daquilo que foi denominado "a invenção do trabalhismo".4 4 GOMES, Castro Ângela. A invenção do trabalhismo. São Paulo/Rio de Janeiro: Vértice/Iuperj, 1988. É possível conjecturar também que uma das razões para a criação do concurso literário fosse o receio da possibilidade, no contexto de conflito ideológico desencadeado pelo início da guerra, da disseminação de ideias "desorientadoras" entre os operários. Nesse sentido, o concurso de romance e teatro (bem como todas as promoções culturais e esportivas do S.R.O) pode ser interpretado como a assunção de que a simples força da repressão e do controle direto estaria com seus dias contados.

Em dezembro de 1941, o advogado paulista Alexandre Marcondes Filho foi nomeado ministro do Trabalho, posto que ocupou até a deposição de Getúlio em outubro de 1945. Por um lado, a gestão Marcondes Filho representou o ápice do projeto estadonovista, com um forte empenho em definir e controlar os canais através dos quais seriam discutidos os problemas relacionados com a organização da produção e do trabalho; por outro, a guerra - e mais especificamente o envolvimento de todo o continente, a partir de dezembro de 1941 - evidenciou os limites desse projeto e colocou no horizonte o fim do regime. É nesse contexto ambíguo que o empenho na promoção de atividades culturais e de lazer para os trabalhadores adquire pleno significado. É possível, inclusive, sugerir que entre 1941 e 1945 as promoções relativas aos trabalhadores e ao mundo do trabalho assumiram aspecto central na redefinição do próprio regime. Isso está expresso na nomeação, do mesmo Marcondes Filho, em julho de 1942, para ocupar também o Ministério da Justiça, centralizando as duas pastas.

O concurso foi aberto para todos os interessados, escritores profissionais ou não. A linguagem devia ser simples, para ser "acessível aos meios proletários", mas com "alto padrão estético e educativo". Os problemas abordados (para os quais o MTIC dispensou especial atenção na redação da portaria) deveriam ter um claro sentido construtivo de "sadio otimismo e animação das virtudes humanas". Os escritores poderiam se inscrever em ambas as categorias: romance e teatro. Os originais datilografados seriam enviados em envelope lacrado e rubricado com um pseudônimo. Em outro envelope, também lacrado, estariam registrados o nome e o endereço do autor correspondente ao pseudônimo. Os originais seriam enviados para a sede MTIC, no Rio de Janeiro, e seriam recebidos até 1o de setembro de 1942. Em seguida, seria iniciada a fase de avaliação dos trabalhos, para a qual o ministério convidaria "nomes conhecidos da literatura, jornalismo e teatro e um representante dos sindicatos de empregados". O romance vencedor - cujo resultado final seria divulgado em 10 de novembro, no quinto aniversário do Estado Novo - seria publicado em edição popular e distribuído para todos os sindicatos do território nacional. A peça de teatro, além da mesma distribuição impressa, seria montada por uma trupe contratada pelo ministério e encenada em turnê pelo território nacional. Seriam impressos 10 mil exemplares de um livro reunindo os vencedores nas duas categorias: romance e comédia; além destes, seriam impressos outros mil exemplares em papel vergé, sendo os dois primeiros marcados com as letras A e B e os noventa e oito restantes numerados de 1 a 98 e colocados fora de circulação - embora não se especifique sua destinação, supõe-se que tenham sido distribuídos pelo ministério.5 5 Essa informação está na contracapa de todos os exemplares postos em circulação.

Para cada categoria, romance e teatro, o concurso previa três prêmios: o primeiro lugar receberia 20.000$0; o segundo e terceiro, 5.000$0 cada um. Além dos prêmios em dinheiro, haveria também três menções honrosas para cada categoria, cujos prêmios seriam medalhas de ouro. Todos os prêmios homenageavam nomes dos responsáveis pela construção e consolidação do Ministério do Trabalho. O primeiro prêmio, na categoria romance, recebeu o nome Getúlio Vargas; na categoria teatro, Darcy Vargas. Os segundos e terceiros prêmios seriam, respectivamente: Lindolfo Collor e Salgado Filho, Agamenon Magalhães e Waldemar Falcão. As medalhas de ouro, por sua vez, homenageariam os seis institutos de aposentadoria e pensões das classes trabalhadoras: bancários, comerciários, estivadores, industriários, marítimos e transportes de cargas. Por fim, para as finalidades de direito autoral, o MTIC reserva-se os direitos comercias e de filmagem das respectivas obras.6 6 Todas as referências ao concurso promovido pelo MTIC estão em processo no 5.302 MTIC de 1942. Boletim do MTIC, ano VIII, n. 91, p. 74-77, março de 1942.

Em 24 de agosto de 1942, argumentando que a participação havia sido maior do que as expectativas e que havia uma demanda pela prorrogação dos prazos para entrega dos originais, uma nova portaria ministerial estendeu até 15 de setembro a data para recebimento dos originais e tornou pública a comissão julgadora, constituída por 11 membros. Sua presidência coube ao próprio ministro Marcondes Filho, seguido de Oswaldo Orico e Viriato Corrêa, indicados pela Academia Brasileira de Letras. Mário Nunes e Rafael Barbosa foram indicados pela Associação Brasileira de Imprensa; Benjamin Lima e José Lins do Rego, pelo Sindicato Nacional de Empresas Editoras de Livros e Publicações Culturais. Luiz Peixoto e Henrique Pongetti, por sua vez, foram indicados pela Sociedade Brasileira de Autores Teatrais; A. G. de Oliveira Neto e Brígida Timóteo, nomeados diretamente pelo gabinete do MTIC, para secretariar cada uma das duas comissões.7 7 Boletim do MTIC, ano IX, no 97, p. 80-81, setembro de 1942. Osvaldo Orico, aos 36 anos, ingressou na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 10, na sucessão de Laudelino Freire. Viriato Correia foi jornalista, contista, teatrólogo e autor de histórias e livros infantis. Ocupou a cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras. Mário Nunes dedicou a vida jornalística ao teatro, foi colunista do Jornal do Brasil, sendo por décadas o principal crítico teatral do jornal. Rafael Barbosa, ao que tudo indica, era funcionário de carreira ligado à Academia Brasileira de Letras. Benjamin Lima foi teatrólogo, crítico literário, advogado, professor e jornalista. Foi um dos fundadores da Academia Amazonense de Letras. José Lins do Rego Cavalcanti ingressou no Ministério Público como promotor em Manhuaçu. Em Maceió, tornou-se colaborador do Jornal de Alagoas e passou a fazer parte do grupo de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima, Valdemar Cavalcanti, Aloísio Branco e outros. Ali publicou o seu primeiro livro, Menino de engenho (1932), que mereceu o Prêmio da Fundação Graça Aranha. Em 1933 publicou Doidinho, o segundo livro do "Ciclo da Cana-de-Açúcar". Luiz Carlos Peixoto de Castro foi teatrólogo, poeta, pintor, caricaturista e escultor. Teve várias atividades paralelas ao teatro, trabalhando em jornais e revistas, como redator e caricaturista. Henrique Pongetti, jornalista e dramaturgo. Escreveu para grandes atores como Procópio Ferreira, Manuel Pêra, Raul Roulien e Jaime Costa, nas décadas de 40 e 50. Foi também responsável pelos roteiros dos filmes Grito da mocidade e Favela dos meus amores, este último dirigido por Humberto Mauro. Assinou por trinta anos uma coluna com crônica diária no jornal O Globo, e dirigiu a revista Radiolândia. A. G. de Oliveira Neto e Brígida Peixoto, possivelmente funcionários de carreira do MTIC, tiveram o papel de secretariar as duas comissões.

Na categoria teatro, as vencedoras foram Maria Luíza Castelo Branco e Leda Maria de Albuquerque, com a peça Julho, 10!

Primeiro ato

Julho 10! é uma peça em três atos, ambientada numa fábrica de pólvora, em um lugar não especificado. No primeiro ato os personagens principais são apresentados, delineando-se o papel que cada um desempenhará na trama. Os problemas sociais que a peça aborda estão explicitados logo no início, inclusive nos nomes dos personagens: Rodolfo, operário estrangeiro, é o potencial agitador, descrito como "um tipo atlético e louro, que fala carregando muito nos rrs" (p. 193). É um leitor contumaz, culto e bem informado, por isso tem sempre um ar de desprezo em relação aos trabalhadores nacionais; é o personagem mais ambíguo da trama, porque portador de valores, ideias e comportamentos excêntricos (como o hábito de ler), em certo sentido incompatíveis com a generosidade dos nacionais. O seu contraponto é o operário brasileiro, João Cera, "pequeno e magro e ainda parece menor e mais magro pelo contraste com Rodolfo" (p. 193). João não é exatamente preguiçoso, como a alcunha sugere, é na verdade um operário não especializado, uma espécie de faz-tudo, embora tudo o que faça consuma muito tempo, já que é vagaroso porque é levado mais pela intuição do que pelo conhecimento. Não se incomoda que o chamem de "cera", já se acostumou com a chacota, é bem-humorado, alegre, gentil e generoso.

Dr. Sérgio, médico e professor de higiene, o porta-voz da modernidade, da ciência e do conhecimento, ao mesmo tempo equidistante e crítico severo, tanto do despreparo do operário brasileiro quanto dos princípios dissolventes do trabalhador estrangeiro. Maria Tereza, a personagem principal, é a delicada e sensível bibliotecária da fábrica, estudante de direito, filha de um operário morto pela polícia durante uma greve, enquanto protegia da polícia - sem se envolver com a greve - um companheiro de fábrica. Ela é, em vários sentidos, a personificação da nova mulher brasileira, sonhada pelo Estado Nacional: altruísta, maternal e profundamente empenhada no aprimoramento da raça. É por meio das suas ações que todos os demais personagens encontrarão suas funções específicas, tanto no chão da fábrica quanto no meio social. D. Estefânia é "uma mulher de meia-idade, com roupas de corte masculino, óculos, cabelos lisos e curtos, penteados para trás das orelhas" (p. 195). Com aparência de mulher liberada e feminista, ela fuma e senta-se sobre a mesa, é descrita como tendo modos meio brutos da solteirona que, no fundo, tenta esconder um imenso e indisfarçável - mas sempre perceptível a todos - desejo de se casar. Por isso, o seu feminismo é a contrapartida do fracasso emocional, uma espécie de refúgio conveniente, como costumam ser, desse ponto de vista, todos os radicalismos. Caberão a ela e seu eterno pretendente, ­Artaxerxes, o auxiliar de enfermagem que ajuda o Dr. Sérgio na clínica da fábrica, os momentos que definem Julho, 10! como comédia.

No conjunto, os personagens secundários seguem o mesmo padrão de bipolaridade, sem nuances ou meios-tons, bons e maus são claramente identificados. Em linhas gerais, os personagens representam o conjunto da sociedade brasileira da década de 1930 em figuras dramáticas supostamente típicas. Também as situações retratadas são exemplares do que, supõe-se, sejam as causas dos males da sociedade brasileira, ao mesmo tempo que apresentam alternativas para a construção do Brasil Novo.

Os personagens são, desse modo, caricatos, não há densidade psicológica nem profundidade dramática, não há espaço para dúvidas ou angústias. Suas ações não sugerem ambiguidade, nem conflitos ou contradições internas. Essa "simplicidade" pode nos remeter a duas ordens de questões. De um lado, pode sugerir que a peça se dirige a um público muito específico, nesse caso, os operários, e exatamente por isso a sua linguagem é simples, direta e objetiva. Nesse sentido, a peça seria documento de uma certa pedagogia empenhada na tessitura dos valores sociais hegemônicos no momento de sua elaboração. Neste caso, o possível valor literário do texto deve ser visto como elemento fundamental do seu objetivo pedagógico e de massa. De outro lado, mesmo que a peça, por seu aspecto caricatural e simplificador, não possa ser tomada como parte integrante da alta cultura, literária ou dramatúrgica do período, isso de modo algum a desqualificaria como documento histórico, uma vez que:

{...} para a história da cultura, pode ser mais útil o estudo de um escritor menor do que o de um grande escritor {...} se no grande escritor triunfa completamente o indivíduo que termina por não mais ser de nenhuma época, podendo assim se dar o caso - como já se deu - de atribuir ao século qualidades próprias do homem, no escritor menor, ainda que seja ele um espírito atento e autocrítico, pode-se ainda descobrir - com maior clareza - os momentos da dialética daquela particular cultura, na medida em que estes não conseguem, como ocorre no grande escritor, unificar-se.8 8 GRAMSCI, Antônio. Literatura e vida nacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 7.

No final do primeiro ato, ocorre um incêndio na vila operária e, ao contrário de Rodolfo - que "não ajudou em coisa nenhuma. Quando viu o perigo, ficou parado na rua, inútil. E o fogo lambendo as paredes..." (p. 200), embora o incêndio tivesse sido iniciado na sua casa, por obra de dois sobrinhos traquinas -, João Cera entrou na casa em chamas, por três vezes, salvando os sobrinhos do operário estrangeiro, um dos quais, aliás, era o mais frequente trocista de suas características físicas. Como consequência do seu ato, João teve o corpo severamente queimado, correndo o risco, inclusive, de perder a visão. O incêndio e a tragédia pessoal de João Cera são os gatilhos que desencadeiam a trama da peça.

Segundo ato

Apresentados os principais personagens, o segundo ato se abre com os desdobramentos do incêndio na vila operária e com a notícia de que João Cera, a despeito da gravidade das queimadoras, ficará curado, mas terá de enfrentar três longos meses de convalescença. A essa boa notícia segue-se a notificação, entregue pela direção da fábrica, de que, como o incidente aconteceu fora das suas instalações e depois do expediente, não haverá nenhuma forma de indenização para João. Além disso, ele e sua família terão o prazo de dez dias para deixar a casa cedida pela companhia. A notificação provoca uma revolta geral entre os operários. Maria Tereza então toma a iniciativa de escrever uma carta para o proprietário da fábrica explicando as condições em que ocorrera o acidente. Mais do que uma carta, ela formula uma teoria sobre o significado da justiça, propugnando um sentido civilizador e educativo para a legislação de proteção ao trabalhador. Afinal, ela crescera ouvindo que nada se podia fazer sobre a morte de seu pai, porque a lei estava do lado do soldado que disparou contra ele: "Cresci sempre querendo saber que coisa era a Lei, que coisa tão poderosa! Quando se estava ao lado dela até se matar podia" (p. 192). Então ela explica por que se interessa pelo estudo das leis:

Sei que a Lei {maiúscula no original} é uma grande força, mas também sei que ela não é tudo. Uma boa lei não é uma coisa abstrata. Não basta que o legislador se sente à sua mesa de trabalho, consulte tratados e tratados de direito e fabrique {itálico no original} uma lei cientificamente perfeita, teoricamente eficiente. É preciso que esta lei corresponda a uma aspiração do povo a que se destina. É preciso que os que vão pô-la em prática, que aqueles a quem ela beneficia estejam aptos para recebê-la. (p. 192)

Maria Tereza é uma moça pobre, mas cheia de idealismo e orientada pela crença de que a razão seria capaz de solucionar todos os problemas da desigualdade social; o simples conhecimento das dores e necessidades do outro bastaria para acionar a compaixão mútua e pavimentar o caminho para uma sociedade sem conflitos. A sua noção de justiça social e o significado que atribui à legislação trabalhista darão o tom dos encontros e desencontros da trama. É essa articulação entre justiça, legislação e pedagogia que dá sentido à sua personagem:

Por exemplo, há pouco tempo aconteceu um acidente com um operário aqui da fábrica e a direção cortou o auxílio à família. Mas eu tinha certeza de que o Dr. Guilherme {o capitalista dono da fábrica} ignorava que ele se queimara salvando uma criança. Por isso, escrevi uma carta. Desta carta surgiu uma complicação horrível e eu perdi o emprego. Muita gente aqui está com raiva dele, imaginando que se trata de um homem sem coração. Mas eu sei que não é verdade... Ou ele não recebeu a minha carta ou eu não fui bastante eloquente. Se ele conhecesse o João Cera, se soubesse como ele é bom, como ficou horrivelmente queimado para salvar o sobrinho de um homem que vivia zombando dele, garanto que tudo teria sido diferente. (p. 223)

Segundo sua teoria da justiça, são a distância do patrão em relação aos seus operários e o consequente desconhecimento das suas reais e efetivas condições, tanto de trabalho quanto de vida, os reais causadores dos inúmeros "desencontros" entre eles. Em sentido inverso, é porque os operários desconhecem as inúmeras obrigações e tarefas dos patrões que se lançam a greves, no mais das vezes, sem ganhos reais. Em resumo, o que daria origem aos conflitos entre patrões e operários, reiteradamente, seria o desconhecimento e a desinformação, de lado a lado. Portanto, sua mensagem é simples: conheçam-se mutuamente e a compreensão recíproca porá fim aos conflitos entre capital e trabalho. Assim sendo, o papel da lei - especificamente da legislação de proteção aos trabalhadores, do ponto de vista da teoria de Maria Tereza - seria, antes de qualquer outra coisa, aproximar patrões e operários, unindo-os num universo comum ajustado pelo conhecimento recíproco que, simultaneamente, os eduque e civilize.

Conhecer de perto os subordinados, verem os patrões que eles são seres humanos, que vibram como qualquer um... Se não fosse uma ideia absurda de conseguir as coisas pela violência, se não fossem as greves, eu teria meu pai até hoje. Ele morreu, porque naquele tempo não se tinha ainda bem compreendido o espírito de solidariedade que deve, que tem que existir no trabalho. (p. 232)

A conclusão de Maria Tereza, diante do iminente despejo da família Cera e da recusa do Dr. Guilherme em arcar com as despesas de seu afastamento involuntário, só pode ter duas explicações: ou ele não leu sua carta, ou ela não foi suficientemente clara. Faltou ênfase, apenas isso!

Mas o incêndio na casa de Rodolfo teve um desdobramento inesperado. Sem ter onde guardar os panfletos que ele distribuía aos colegas, incitando-os à greve, o operário estrangeiro os escondeu (apenas por uma questão de oportunidade) numa gaveta de fichário sob responsabilidade de Maria Tereza, na biblioteca da fábrica. A impertinência da carta para o proprietário da fábrica, somada aos panfletos descobertos em sua gaveta, colocam Maria Tereza na iminência da demissão. Ao mesmo tempo são reafirmadas as qualidades dissolventes do elemento estrangeiro, reforçando o sentido geral da política de nacionalização, iniciada ainda em 1931.

Maria Tereza fica, de um lado, ameaçada pela demissão sumária; de outro, pela prisão iminente. Mas nem assim sua índole otimista se abala, ela continua reafirmando que tudo não passa de um mal-entendido e que a racionalidade e o bom senso logo esclarecerão tudo. Nesse momento o Dr. Sérgio e Rodolfo, o operário estrangeiro, têm uma conversa esclarecedora sobre os possíveis danos da incompreensão mútua:

Rodolfo - Mas o que fez nascerem as suspeitas não foram só os boletins. A resposta do Dr. Guilherme, recusando auxílio a João Cera veio poucos dias antes dos boletins serem encontrados. A conclusão é fácil; D. Maria Tereza, para se vingar, queria levar os operários à greve...

Sérgio - {...} Mesmo porque, com a greve sofreriam todos, operários e patrões, e maior ainda seria o prejuízo do Estado. O senhor já pensou nisso?

Rodolfo - Já pensei, sim. Que enorme dano teria o país com a greve de uma fábrica de pólvora! (p. 212)

O que mais chama a atenção no diálogo não é a obviedade do risco da dissolução social representada pelo operário estrangeiro nem, tampouco, a suposta unidade de interesses entre operários, patrões e Estado. O que realmente é desconcertante é a ideia de que os operários possam ser tão facilmente manipulados a ponto de ir à greve independentemente de seus próprios interesses. Ou seja, a possibilidade da greve aparece não como desdobramento da condição operária, mas como simples resultante da manipulação dos que sabem e podem usar seu poder de persuasão. Tanto do ponto de vista do operário estrangeiro quanto do racional e moderno médico imbuído do aprimoramento da raça, os operários não teriam vontade própria nem capacidade organizativa derivada dos seus próprios interesses e de sua própria condição. Apenas ideias extravagantes, exóticas, ou alienígenas, surgidas como um deux-ex-machina, seriam capazes de conduzi-los, apáticos e sem vontade que são, à ação violenta da greve.

Terceiro ato

O terceiro ato se abre com o momento mais importante da peça: o encontro, por acaso, entre o Dr. Guilherme, o proprietário da fábrica de pólvora, e sua demissionária servidora Maria Tereza. O encontro é decisivo, em primeiro lugar porque confirma as teorias sobre justiça e lei de Maria Tereza; mas também porque é a partir dele que a peça se encaminha para seu desfecho; em terceiro lugar, porque se evidencia, afinal, para quem a peça se dirige.

D. Estefânia está sentada na mesa da biblioteca e, como 'mulher liberada", baforando um cigarro quando o Dr. Guilherme entra. Eles não se conhecem - ele não conhece nenhum de seus empregados, confirmando as hipóteses de Maria Tereza. Por isso, ele pensa que está diante de Maria Tereza. O diálogo que se segue entre os dois reafirma o lado cômico da personagem de D. Estefânia, mas revela um patrão ávido para saber, afinal, quem são seus empregados. O quiproquó se desfaz com a chegada da verdadeira Maria Tereza (que também não sabe que o homem que está na biblioteca é o proprietário da fábrica). D. Estefânia sai da sala e Maria Tereza tem a chance, mais uma vez, de expor suas ideias sobre leis e justiça. Entusiasmada, ela explica ao curioso desconhecido:

Primeiro, eu acredito na lei. Quer dizer: se o direito dos operários é menosprezado, não é com greves que se há de conseguir alguma coisa, e sim com leis inteligentes. Segundo, eu acredito no poder da simpatia humana, porque ela é uma das formas de beleza e a beleza é todo-poderosa. (p. 222)

Ela continua argumentando que a "simpatia humana prepara os homens para receberem as leis" (p. 222). Se um grande empresário sente que as leis de proteção ao trabalhador podem prejudicá-lo, ele faz tudo para que sejam revogadas. Mas, se o patrão tiver "simpatia humana {...} compreenderá que as leis são justas e será o primeiro a praticá-las" (p. 222). Em seguida, ela conclui, com seu recorrente otimismo: "acho que todo crime e toda maldade do mundo são, no fundo, mal-entendidos" (p. 222). Compaixão é o centro da sua teoria da justiça, o sentimento capaz de produzir empatia pela dor e sofrimento de alguém.

Mas esse encontro é decisivo também porque nesse diálogo fica evidente que o objetivo pedagógico central da peça Julho, 10! é convencer os patrões do significado das leis de proteção aos trabalhadores. Eles aparecem no enredo do melodrama como os últimos e mais renitentes adversários da legislação de proteção social. Nenhum operário, em momento algum da peça, se opõe, ou critica, a legislação de proteção ao trabalhador, seja por qual motivo for; ao contrário, os operários já foram convencidos dos seus benefícios - com argumentos ou pela força. Desse modo, o sentido educativo e civilizador da comédia é endereçado, sobretudo, aos patrões, eles é que precisam, finalmente, ser convencidos da possibilidade de redenção social contida na "simpatia humana", pregada por Maria Tereza. Embora a peça seja ambientada em 1934, pode-se inferir que esse convencimento ainda fosse necessário em 1942, quando a peça foi, ao que tudo indica, de fato escrita. Vencedora de um concurso literário para operários, a finalidade, o sentido da peça Julho, 10!, ao que parece, é educar os operários e civilizar os patrões, convencendo a ambos da necessidade fundamental de uma legislação de proteção ao trabalho.

O segundo momento mais importante desse terceiro ato ocorre com a revelação de que Rodolfo fora o verdadeiro responsável pelos panfletos na gaveta de Maria Tereza. Mas ao mesmo tempo ele é redimido, pois o verdadeiro responsável pela confecção e distribuição dos panfletos é o "agitador profissional" Leonardo. Não por acaso, esse personagem só aparece nesse momento da trama, ele não é apresentado nem como brasileiro, nem como estrangeiro, nem como operário, aparece apenas como a encarnação do mal absoluto. Ele é o responsável pelo aliciamento de Rodolfo, que distribui os panfletos na fábrica premido por necessidades econômicas, não por um efetivo envolvimento com alguma causa política. Amedrontado com os desdobramentos do incêndio acidental, com a ameaça de demissão de Maria Tereza - que, no fundo, admira e respeita - ele hesita em continuar distribuindo os panfletos sediciosos, e o diálogo que mantém com "o agitador profissional" evidencia suas aflições:

Leonardo - Sei que não quer. Nenhum de nós quer. Mas nesse nosso ofício, é uma das poucas coisas certas... É como a morte; não sabemos quando vem, só temos certeza de que vem um dia.

Rodolfo (assustado) - Nunca pensei que fosse tão perigoso. (mais assustado) Você me enganou.

Leonardo - O que importa isso, agora? Ninguém o acreditará. Aqui o seu dinheiro (coloca sobre a mesa um maço de notas).

Rodolfo - Você sempre fez pouco de mim, Leonardo. Eu sei que você é um agitador que já trabalhou em muitos países - e para muitos partidos, enquanto eu não passo de um pobre emigrante que vocês utilizam, por acaso, e aceitou por ambição. (p. 226)

Os operários estrangeiros não são, de modo algum, o problema. O perigo é o agitador profissional: sem pátria, sem partido, sem amigos, o que dá origem à sua existência é, novamente, a ausência de "simpatia humana". Em última instância, o responsável pelo radicalismo político é o patronato que resiste à aplicação das leis de proteção os seus trabalhadores. Os operários estrangeiros são, afinal de contas, apenas operários, facilmente manipuláveis, como todos os operários, seja pela força do dinheiro, seja pelas belas palavras. Há uma diferença fundamental em ser um operário estrangeiro e um agente da subversão e não se podem confundir os dois; o primeiro pode ser facilmente enganado. Como, aliás, qualquer trabalhador nacional, mas é por sua própria natureza inofensivo se não for enganado pelo segundo, esse o verdadeiro vetor da dissolução social. Rodolfo pode ser recuperado, assim como o Dr. Guilherme é redimido no final, pelo patriotismo, pelo desejo de paz, harmonia e fraternidade, sentimentos naturais da "simpatia humana", "agitador profissional não tem recuperação".

Quando finalmente Leonardo é desmascarado pelo Dr. Sérgio e por seu auxiliar Artaxerxes, que escutavam toda a sua conversa com Rodolfo, há um comentário categórico do médico: "...este senhor Leonardo está de saída. Ele pode se perder nas ruas da Vila Operária" (p. 228). Mais do que se perder no espaço físico da vila operária, Leonardo pode se perder porque, de fato, não conhece o mundo daqueles que tenta subverter. Esse desconhecimento reforça as teorias de Maria Tereza, sugerindo que os operários não lhe dariam ouvidos e que, no fundo, haveria uma ausência de comunicação entre eles, porque se desconhecem uns aos outros. Mais uma vez, o que fica patente é que, se os patrões continuarem a não reconhecer as necessidades reais de seus operários, existe a brecha pela qual eles poderão vir a ser entendidos pelos agitadores profissionais (e, por conseguinte, também entendê-los). Em resumo: ou os patrões se civilizam, humanizando as relações de trabalho no chão das fábricas e as relações sociais fora da fábrica, ou os riscos que correm serão infinitamente piores que um simples incêndio e alguns panfletos subversivos. Uma ameaça velada paira no ar!

No final, o bem vence o mal, repondo o mundo no seu devido lugar. Nesse sentido a peça é um melodrama que cumpre seu papel fechando o ciclo. Dr. Sérgio e Maria Tereza se casam, mas ela continua trabalhando, porque só "se sente bem sendo útil" (p. 218). A comicidade final da peça fica por conta da troca de papéis entre D. Estefânia e seu agora marido Artaxerxes. Ambos decidem que ele ficará em casa, cuidando do lar, e ela continuará trabalhando no escritório da fábrica. Esse congraçamento de todos os personagens acontece na sala do Dr. Guilherme e o calendário na parede marca 10 de julho de 1934, simbolizando o dia em que ele aceitou a "simpatia humana" e os direitos dos trabalhadores foram enfim reconhecidos.

Quarto ato

No dia 4 de novembro de 1942, o jornal oficial do Estado Novo no Rio de Janeiro, A Noite, anunciou os resultados finais do primeiro concurso de literatura e teatro para operários. Sob a presidência do próprio ministro Marcondes Filho, reuniram-se os membros da comissão julgadora e abriram os envelopes lacrados em que constavam os nomes (e endereços) correspondentes aos pseudônimos com que tinham sido até então avaliados os textos. O primeiro lugar, prêmio Darcy Vargas, foi entregue a Leda Maria Albuquerque, residente à avenida Nossa Senhora de Copacabana, no 1.110, ap. 35, e a Maria Luiza Castelo Branco, moradora da avenida Pasteur, no 467.11 11 Dia do jornal: 25/12/1942; p. 6. Biblioteca Nacional, PR-SPR 9. No dia 13 de novembro, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) organizou uma homenagem às jovens autoras em cerimônia na qual ambas foram filiadas à entidade. No dia seguinte, no Club Ginástico Português, foi oferecido um almoço em homenagem a elas.12 12 Jornal A Noite, 4 de novembro de 1942, p. 2. Grifos meus. Agradeço a Caroline Alamino a localização dessa informação. A pesquisadora Kátia Rodrigues Paranhos sugeriu que Leda Maria de Albuquerque e Maria Luiza Castello Branco fossem operárias, mas as informações do jornal A Noite deixam claro que se tratava de estudantes de direito e solteiras, dado o pronome de tratamento usado pelo entrevistador. Ver PARANHOS, Kátia. Engajamento às avessas: textos e representações do mundo do trabalho no "Estado Novo". ArtCultura, v. 11, n. 19, p. 107-115, 2009. Em outra matéria, na noite de estreia da peça, no teatro Serrador, em 23 de dezembro de 1942, a mesma informação é confirmada. Jornal A Noite, 23 de dezembro de 1942, p. 8. No dia 26 de dezembro de 1942, reuniu-se, no escritório da livraria José Olympio editora, a comissão julgadora do concurso de contos: Humberto de Campos (Hernan Lima, José Lins do Rego, Aníbal Machado, Pelegrino Júnior, Almir de Andrade e Rachel de Queiroz). O segundo lugar nesse concurso, pelo conto "Maria Cachaça", foi entregue a Leda Maria de Albuquerque.

Leda Maria de Albuquerque e Maria Luiza Castello Branco eram completamente desconhecidas do meio literário e teatral da capital da república quando foram anunciadas como vencedoras do concurso promovido pelo MTIC. O crítico teatral Mário Nunes, que fora membro da comissão julgadora, destacou:

Julho 10, classificada em primeiro lugar no primeiro concurso, além de nos revelar duas autoras novas, com possibilidades de triunfos mais decisivos, ajusta-se perfeitamente ao pensamento do titular da pasta do trabalho. É uma narrativa singela, mas tocada de emoção e desenvolvendo tema compreensibilíssimo para o proletariado que {...} se colocará dentro dele, substituindo-se aos personagens. As autoras fugiram habilmente ao que seria um defeito em trabalho de tal natureza: não fazem alarde da intenção. E a par da significação dos fatos que expõem com tamanha candidez defendem uma sua maneira de sentir os problemas humanos e sociais digna do maior apreço - a maioria dos conflitos e ódios que se levantam entre pessoas e classes deriva da falta de conhecimento pleno que uns têm dos outros. Muitas questões podem ser resolvidas pelo contato franco. Daí, além das leis defensoras dos interesses do capital e do trabalho, a necessidade de aproximar entre patrões e empregados, entre industriais e operários não só nos momentos de atividade, mas nas horas de alegria e tristeza também.9 9 O segundo lugar, prêmio Agamenon Magalhães, foi para a peça O rei dos tecidos, de autoria de Mário Magalhães e Mário Domingues. O terceiro lugar, prêmio Waldemar Falcão, ficou com Novos rumos, de autoria de J. Carlos Lisboa, residente à rua Bernardo Guimarães, no 1827, em Cristiano Diniz. Para o quarto lugar, prêmio Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Comerciários, foi escolhida a peça Os dois Batistas, de Aníbal de Mello Couto, residente à travessa Vital Brasil Filho, no 5. E o quinto e último classificado, prêmio Instituto de Pensão e Aposentadoria da Estiva, foi para peça Operários a postos!, de Regina Viana Borges, moradora da rua Senador Nabuco, no 12, Niterói. Jornal A Noite, 4 de novembro de 1942, p. 2.

Mário Nunes apresentou a peça como a "vulgarização da adiantada legislação social do nosso país" e, desse modo, ela cumpriria um objetivo pedagógico, "veículo de uma ideia feliz do Dr. Marcondes Filho". Logo depois da divulgação do resultado do concurso, o repórter do jornal A Noite fez uma entrevista com Maria Luiza Castello Branco, em sua residência, na avenida Pasteur, quando ela voltava de seu posto na Cruz Vermelha:

- Foi uma surpresa enorme! Diz Maria Luiza. Recebi a notícia por um dos membros da comissão, que gentilmente nos avisou do resultado. Logo depois recebíamos um telegrama de felicitações do Ministro do Trabalho. A nossa comédia foi um trabalho de equipe. Estudávamos os diálogos, vivamente, quase que representando. Procuramos assim fixar alguma coisa de vivo, de flagrante, de real... Já escrevíamos teatro, continuou Maria Luiza, sentimos nela uma esplêndida forma de realização artística. Já apresentamos ao Serviço Nacional do Teatro uma comédia: 'Rumo desconhecido'. Mas... sabe bem como é difícil fazer-se conhecido um autor no Brasil. Ainda esperamos o pronunciamento dos que a estão examinando... Sempre trabalhei com minha amiga e colega. Desde que começamos a estudar a legislação trabalhista brasileira, sentimos estar diante de uma interessantíssima experiência social e humana, fora do excesso de individualismo do direito civil. A portaria do ministro do trabalho, que com ela revelou um sentimento extraordinário da realidade psicológica do trabalhador, veio trazer-nos uma funda alegria: poderíamos unir a produção artística com essa esplêndida realidade que é a legislação do trabalho no Brasil. Daí surgiu o tema. Creio que o teatro deve ser uma verdadeira mensagem. Com o divertimento está claro. Porque há quem julgue que teatro é 'apenas' divertimento. Cairíamos na revista barata. Há quem nele queira ver 'apenas' mensagem. Cairíamos em um diálogo pesado, fora de todo o sentido cênico. Atrair e construir deve ser a missão do verdadeiro teatro, meio mais vivo de expressão que o romance. O visto e o ouvido impressionam mais do que o lido. Por isso escolhemos esse caminho. Já pensou no prêmio? - Está me lembrando uma coisa que ainda não pensei. Espere. Vou transformar a metade em bônus de guerra. O resto em livros... - O operário brasileiro é sensível - diz-nos a vencedora do concurso. Não seria difícil organizar, nos sindicatos, verdadeiros centros culturais onde os próprios trabalhadores pudessem representar as peças. Quantas vocações não surgiriam? De artistas e de escritores... Tínhamos confiança no concurso, acrescentou Maria Luiza. Vimos, no próprio ato da entrega da peça, que estava bem organizado. Mas nunca imaginávamos o primeiro lugar. Foi uma surpresa agradável! E agora são tantos os parabéns de colegas, de amigos, de parentes {...}10 10 No almoço também se fizeram presentes os jornalistas e teatrólogos Mário Magalhães e Mário Domingues, premiados com o segundo lugar no mesmo concurso com a peça O rei dos tecidos e também homenageados na SBAT. Todavia, nos seus arquivos só é possível localizar a ficha de inscrição de Leda Maria de Albuquerque, na qual se encontra apenas seu nascimento em 19/8/1919.

Duas questões se destacam na breve entrevista: a inovação e a importância crucial da legislação do trabalho, sobretudo quando contraposta ao individualismo exacerbado do direito civil; sua "interessantíssima experiência social e humana" foi em grande parte compartilhada também pelos operários aos quais se dirigia. O papel do teatro como importante meio de educação popular na comparação com o romance; afinal, "o visto e o ouvido impressionam mais do que o lido".

Como havia sido prometido no edital do concurso, Julho, 10! estreou no Rio de Janeiro, no Teatro Serrador, no dia 23 de dezembro, com a presença de vários ministros de estado e da primeira dama Darcy Vargas, que emprestara seu nome ao prêmio. O próprio Marcondes Filho subiu ao palco para parabenizar as autoras. A peça seguiu temporada com a apresentação de três sessões diárias, uma vesperal às 16h, e duas sessões noturnas às 20 e 23 horas. Montada pelo grupo Eva e seus amigos, a companhia era dirigida por Luiz Iglezias. Segundo o crítico teatral responsável pela coluna Teatro no jornal A Noite, houve um grande afluxo de público:

Nossos autores de comédia nunca se preocuparam em tomar como temas e motivos de inspiração os aspectos da vida simples que vivem os menos favorecidos da fortuna. Assim, todas as nossas comédias são de feitio pequeno-burguês e mesmo quando os fatos não se passam na alta sociedade, ou no mundo dos que têm dinheiro, nunca tem lugar nos círculos proletários {...}. Eva Todor faz a protagonista com o habitual desembaraço de atriz senhora dos recursos de sua arte e confiante nos seus encantos. Empresta à protagonista sua graça e sua ternura, representa todo o tempo com acerto de atitudes, gestos e inflexões. Elsa Gomes surpreendeu a plateia fazendo uma caricatura, e a fez inteligentemente, engraçada e grotesca a um tempo, perfeitamente dentro das rubricas do papel; Afonso Stuart, a seu lado, foi o excelente cômico de sempre; André Villon usou de sua costumada correção, o galã elegante avec proprieté; muito bom também Ferreira Leite num personagem antipático, como Judite Vargas em papel de emoção, honestamente conduzido, sendo apreciável o concurso de Valter Louzado e Paulo Rodrigues, sinceros, Armando Ferreira e Armando Braga satisfatórios.11 11 Dia do jornal: 25/12/1942; p. 6. Biblioteca Nacional, PR-SPR 9.

Embora nos anúncios de divulgação a peça constasse com os auspícios do MTIC, havia cobrança regular de ingressos.12 12 Jornal A Noite, 4 de novembro de 1942, p. 2. Grifos meus. Agradeço a Caroline Alamino a localização dessa informação. A pesquisadora Kátia Rodrigues Paranhos sugeriu que Leda Maria de Albuquerque e Maria Luiza Castello Branco fossem operárias, mas as informações do jornal A Noite deixam claro que se tratava de estudantes de direito e solteiras, dado o pronome de tratamento usado pelo entrevistador. Ver PARANHOS, Kátia. Engajamento às avessas: textos e representações do mundo do trabalho no "Estado Novo". ArtCultura, v. 11, n. 19, p. 107-115, 2009. Em outra matéria, na noite de estreia da peça, no teatro Serrador, em 23 de dezembro de 1942, a mesma informação é confirmada. Jornal A Noite, 23 de dezembro de 1942, p. 8. Maria Luísa Castelo Branco e Leda Maria de Albuquerque, apresentadas como promessas para o futuro, ao que tudo indica, nunca mais escreveram peça alguma - ao menos não que tenham sido publicadas ou montadas -, os registros sobre ambas cessam com o anúncio do prêmio e a montagem da peça. Na SBAT, sobre as autoras, há apenas o registro da peça Julho, 10!

Quinto ato

O melodrama, como gênero teatral, tem sua origem nos finais do século XVIII e está associado de um lado à Revolução Francesa, de outro à ascensão do romantismo. É um gênero em que se dá destaque aos enredos sentimentais, sem descurar dos dramas históricos, nos quais se valoriza a ação dramática, destacando o conflito entre vício e virtude. "Os maus agem com maior ímpeto {...} aos bons incumbe o esforço para restabelecer os valores positivos {...} os maus têm em mira a satisfação dos próprios desejos; os bons sublimam os impulsos, porque colocam os interesses coletivos sobre aqueles particulares".13 13 Jornal A Noite, 26 de dezembro de 1942, p. 6. A peça ficou em cartaz até 2 de janeiro de 1943. REIS, Ângela de Castro. A tradição viva em cena: Eva Todor na companhia Eva e seus artistas, 1940-1963. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2013, p. 194. Infelizmente, não foi possível saber se a peça foi montada em outros estados, como prometia o edital, nem o número total de assistentes. Ver também KHOURY, Simon. Bastidores: Paulo Autran, Eva Todor, Milton Moraes, Vanda Lacerda. Rio de Janeiro: Letras &Expressões, 2001, p. 218. Agradeço à professora Ângela de Castro Reis as informações sobre o grupo de Eva Tudor. Nesse sentido, o "melodrama pode ser tomado com uma espécie de denominador comum do estilo teatral romântico".14 14 Conforme anúncio no Correio da Manhã de 24 de dezembro de 1942, p. 10.

Sendo filho da revolução francesa, o melodrama está estreitamente ligado à ideia de um teatro popular, sem que isso signifique, necessariamente, a supressão do senso de hierarquia ou mesmo do reconhecimento do poder estabelecido, que são continuamente preservados, possivelmente até fortalecidos, nesse gênero teatral. Jean-Marie Thomasseau sugere que ao longo do século XIX foi se constituindo uma espécie de intercâmbio entre o gênero teatral melodramático e o gênero romanesco, sendo que a partir da segunda metade do século XIX os autores teatrais são também romancistas, de modo que os mesmos temas e problemas são encenados nos palcos e desenvolvidos nos folhetins. O gênero melodrama, como qualquer outra forma teatral, se transforma continuamente, em estreitíssima conexão com as transformações políticas e sociais do seu contexto. Sugeriu-se para ele uma periodização muito particular: o melodrama clássico, 1800-1823, corresponderia ao período da revolução francesa e à queda de Napoleão; o melodrama romântico, 1823-1848, corresponderia à queda do império e à monarquia de julho; o melodrama diversificado, 1848-1914, corresponderia ao advento do Segundo Império. Contudo, a despeito das suas modificações técnicas e das peculiaridades dramatúrgicas de cada período, o que nos interessa é a permanência do gênero. Sempre firmemente entrelaçado ao tecido social haveria, na década de 1940, uma retomada forte do gênero que, segundo Jean-Marie Thomasseau, "ganha novo viço nas épocas de crises sociais e nacionais, nos momentos em que os valores se redefinem e que se reencontra o gosto pelas oposições fortes e a necessidade de uma criação mítica e compensatória".15 15 HUPPES, Ivete. Melodrama: o gênero e sua permanência. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000, p. 34. O Estado Novo, com seu desejo de estabelecer o Homem Novo, teria sido campo fértil para vicejar as opções formais do melodrama.

Sua estrutura narrativa é, em geral, muito simples, e as situações encenadas são definidas sem ambiguidade, mesmo quando inverossímeis. De um lado, contrapõe personagens que representam valores morais opostos, mas sempre maniqueístas: o herói, o vilão, as vítimas inocentes, o cômico, o casal enamorado, o injustiçado e ofendido pai de família, cuja honra é restabelecida pela justiça final. Acrescente-se a isso o pitoresco visual: "incêndios, erupções vulcânicas, naufrágios preenchendo, pela surpresa, pelo encantamento, os espaços da emoção e da imaginação do público."16 16 Ibidem, p. 10. De outro lado, alterna rápidas transformações cênicas que vão do desalento à esperança, da mais profunda aflição à euforia, levando o espectador de sobressalto em sobressalto ao desfecho. Talvez por isso, seus temas, em geral, estão ligados à reparação de uma injustiça social à qual contrapõe-se a virtude pessoal ou o civismo e à realização amorosa. Vale lembrar também que a realização amorosa é o corolário das vitórias da política e está reservada para os bons, mas apenas depois de encaminhada a solução para a vida prática. As personagens são planas, sem qualquer espécie de dúvida, de sofrimento ou de contradição que lhes dê densidade psicológica; são depositários de bondade ou de maldade, sem meios-termos, provocando no espectador uma identificação rápida e fácil.

Já se argumentou que o melodrama ocultaria os conflitos sociais e reduziria as contradições da sociedade a "uma atmosfera de medo ancestral ou felicidade utópica".17 17 Ibidem, p. 136. Embora somente estudos específicos, centrados na recepção dos espetáculos, possam confirmar esse papel de abrandar os conflitos sociais, parece razoável supor que o gênero melodramático chancele a ordem social e os valores do seu tempo. Não, é, portanto, mero acaso que sua difusão tenha se dado a partir de meados do século XIX, quando as aspirações igualitárias derivadas da Revolução Francesa haviam sido definitivamente substituídas pelo comando de uma burguesia que há muito deixara de ser progressista ou revolucionária. O melodrama foi o gênero teatral predominante nas décadas iniciais do século XX, não apenas nos teatros da capital federal, mas sobretudo nas cidades do interior. É bem possível que essa disseminação contasse com a força do rádio e suas novelas, com as andanças dos grupos circenses e com a crescente difusão das salas de cinemas.

Nas décadas iniciais do século XX, mas sobretudo no entre guerras, assistiu-se à emergência do que se convencionou chamar cultura de massa - de maneira simplificada, os produtos dos meios de comunicação de massa - e com ela a configuração das convenções do melodrama se consolida em diversas manifestações, para além do teatro, no cinema, no rádio, na publicidade. Segundo Silvia Oroz, o melodrama, com seu sistema de símbolos e convenções, teria sido o gênero, por excelência, da cultura de massas no século XX. Parte da sua disseminação teria ocorrido com a constituição do chamado sistema de estúdios de Hollywood, baseado no princípio da máxima exploração dos recursos materiais, objetivando a maximização dos lucros. Seguindo o modelo da padronização dos produtos manufaturados, adotado pela economia industrial estadunidense, o sistema de estúdio teria usado os gêneros (western, musicais etc.) como forma de racionalizar o processo produtivo em função da busca do máximo de lucro possível. Assim, o sistema de grandes estúdios teria dado origem ao sistema de gêneros, que permitia a utilização e reutilização de cenários, decorações, argumentos, roupas e esquemas argumentativos. Nesse processo industrial, o star system contribuiria, por fim, para a fixação desses modelos, vendendo com enorme planejamento e eficiência a produção cinematográfica. Foi esse esquema industrial um dos principais responsáveis, junto com o rádio e suas novelas, pela institucionalização e disseminação das narrativas melodramáticas no século XX, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Como argumenta Oroz: "o cinema e o gênero melodramático converteram-se no veículo fundamental da comunicação de massa na América Latina".18 18 THOMASSEAU, Jean-Marie. O melodrama, op. cit., p. 7. A partir de meados nos anos 1950, o melodrama alcançou a televisão, onde continua imperando soberanamente.19 19 PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 238-239.

Em Julho, 10!, a forma melodramática está posta a serviço da ação cívica. A justiça acaba tendo a última palavra, por meio de um triunfo moral guiado por uma força metafísica que pode responder pelo nome de providência, mas que alguns podem chamar de Deus. É por isso que o ateísmo - e seu homônimo, no contexto da peça: o comunismo - é marca identitária do mal e dos vilões. Com Julho, 10! estamos no centro das ideias de conciliação de classe, centrais para o regime instituído em novembro de 1937, sem que seja muito importante determinar se é a visão religiosa de mundo que produz o anticomunismo ou o contrário. Possivelmente, em Julho 10!, a última opção parece fazer mais sentido!

Mas há que se tomar cuidado com qualquer afirmação peremptória de conservadorismo na forma melodramática, nesse contexto nos anos 1930/1940. Arno Meyer já sugeriu que a contrarrevolução (também católica, mas sobretudo fascista), ao encenar uma proposta de reordenação geral da sociedade, emergiu intimamente ligada aos princípios, valores e imagens da própria revolução social.20 20 OROZ, Silvia. Melodrama: o cinema de lágrimas na América Latina. Rio de Janeiro: Funarte, 1999, p. 54. Mesmo projetos políticos antagônicos, ao convergirem para temas e imagens comuns, acabam por articulá-los de modo similar, investindo, muitas vezes, contra os mesmos ideários e esgrimindo valores similares. Portanto, seria falso supor que se trata de um gênero meramente conformista e escapista. A despeito de expressar um conjunto de valores morais convencionais, o melodrama pode também ser veículo para a expressão de críticas à sociedade, e certamente o foi quando deu vezo aos valores humanitários, enfatizando o triunfo final das qualidades humanas sobre o dinheiro, o lucro e o poder. Essa talvez seja sua maior ambiguidade, claramente encenadas em Julho, 10!

Sexto ato

É possível supor que o título da peça faça referência ao Decreto no 24.637, de 10 de julho de 1934, por meio do qual o chefe do Governo Provisório legisla sobre acidentes de trabalho, definindo salários, indenizações, assistência médica, farmacêutica e hospitalar. O capítulo I, "dos acidentes de trabalho", estabelece:

Art. 1o Considera-se acidente do trabalho, para os fins da presente lei, toda lesão corporal, perturbação funcional, ou doença produzida pelo exercício do trabalho ou em conse­quência dele, que determine a morte, ou a suspensão ou limitação, permanente ou temporária, total ou parcial, da capacidade para o trabalho.

§ 1o São doenças profissionais, para os efeitos da presente lei, além das inerentes ou peculiares a determinados ramos de atividade, as resultantes exclusivamente do exercício do trabalho, as resultantes exclusivamente especiais ou excepcionais em que o mesmo for realizado, não sendo assim consideradas as endêmicas quando por elas forem atingidos empregados habitantes da região.

§ 2o A relação das doenças profissionais inerentes ou peculiares a determinados ramos de atividade será organizada e publicada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e revista trienalmente, ouvidas as autoridades competentes.

Art. 2o Excetuados os casos de força maior, ou de dolo, quer da própria vítima, quer de terceiros, por fatos estranhos ao trabalho, o acidente obriga o empregador ao pagamento de indenização ao seu empregado ou aos seus beneficiários, nos termos do capítulo III desta lei.

§ 1o Não constitui força maior a ação dos fenômenos naturais quando determinada ou agravada pela instalação ou localização do estabelecimento ou pela natureza do serviço.

§ 2o A responsabilidade do empregador deriva somente de acidentes ocorridos pelo fato do trabalho, e não dos que se verificarem na ida do empregado para o local da sua ocupação ou na sua volta dali, salvo havendo condição especial fornecida pelo empregador.21 21 BRAGA, Cláudia. Em busca da brasilidade: teatro brasileiro na primeira repúblicaSão Paulo: Perspectiva, 2003.

Cabe destacar que o parágrafo 2o, do segundo artigo, se lido ao pé da letra, eximiria o Dr. Guilherme de qualquer responsabilidade com o acidente de João Cera, porque este sobreveio na Vila Operária e não na fábrica, e porque não decorreu "do fato do trabalho". Por isso, é ainda mais significativo o mote reiterado por Maria Tereza: "simpatia humana".

Mas há uma ironia na data que dá nome à peça. Afinal, 10 de julho de 1934 é também o dia da publicação do Decreto no 4.645, que estabeleceu medidas de proteção aos animais. Em seu artigo primeiro, o decreto estabeleceu: "todos os animais existentes no País são tutelados do Estado". No artigo 2o, § 3o, determinou: "Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais." Por fim, o artigo 3o, § 3o, tornava crime: "obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo o ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que razoavelmente não se lhes possam exigir senão como castigo".22 22 MAYER, Arno J. Dinâmica da contra-revolução na Europa 1870-1950: uma estrutura analítica Trad. M. Gonçalves. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

Não custa lembrar que os presos no levante de 1935 foram submetidos a um tribunal de exceção, o Tribunal de Segurança Nacional, criado pela Lei no 244, e subordinado à justiça militar. O tribunal funcionou de dezembro de 1937 até o fim de 1945, quando as Forças Armadas depuseram Getúlio Vargas. Para representar dois dos mais conhecidos presos julgados pelo tribunal, Luiz Carlos Prestes e Harry Berger, foi escolhido, ex-oficio, o advogado católico Heráclito Fontoura Sobral Pinto, porque vários advogados já haviam recusado a defesa dos réus. Em carta de 2 de março de 1937, enviada ao Exmo. Dr. Raul Machado, juiz do Tribunal encarregado do processo, Sobral Pinto invocou exatamente o Decreto no 4.645, para se referir ao tratamento dispensado a Harry Berger. Seus argumentos eram desafiadores para o contexto do período.

{...} metido no socavão do lance inferior de uma das escadas da polícia especial, passa Harry Berger os dias e as noites, sem ar convenientemente renovado, sem luz direta do sol, e sem o menor espaço para se locomover. Nem cama, nem cadeira, nem banco. Apenas um colchão sobre o lagedo. De alfaias nenhuma notícia. Absolutamente segregado de todo e qualquer convívio humano a ouvir, de momento a momento, as passadas dos soldados em trânsito pela escada {...} A roupa que traz, calça e paletó sobre a pele, ele não a muda desde meses {...}. Tal é Sr. Juiz, a prisão que destinaram para Harry Berger. Tal é, eminente magistrado, o tratamento que lhe vem sendo dispensado.23 23 Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-24637-10-julho-1934-505781-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 5 nov. 2014.

É conhecido o tratamento dispensado nas prisões do Estado Novo aos presos do levante de 1935. Olga Benário, mulher de Prestes, foi entregue ao governo alemão e morreu numa câmara de gás; Harry Berger foi continuamente torturado, sendo libertado em 1946, quando retornou à Alemanha, com graves problemas psiquiátricos, decorrentes das sevícias de que foi vítima.24 24 Disponível em: <http://www.apasfa.org/leis/decreto_34.shtml>. Acesso em: 5 nov. 2014. É nesse quadro de total ausência do que Maria Teresa chamava de "simpatia humana" que a carta de Sobral Pinto continua:

{...} semelhante desumanidade precisa de cessar e cessar imediatamente, sob pena de deslustre para o prestígio desse Tribunal de Segurança Nacional {...} tanto mais obrigatoriamente inadiável se torna a intervenção urgentíssima de V. Exa. Sr. Juiz, quanto somos um povo que não tolera a crueldade, nem mesmo para com os irracionais como o demonstra o decreto no 4.645, de 10 de julho de 1934, cujo artigo 1o dispõe: todos os animais existentes no país são tutelados pelo estado. Para tornar eficiente tal tutela, esse mesmo decreto estatui: aquele que, em lugar público ou provado, aplicar ou fizer aplicar maus-tratos aos animais, incorrerá em multa de 20$000 a 500$000 e na pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o delinquente seja ou não o respectivo proprietário, sem prejuízo da ação civil que possa caber (art. 2o) e para que ninguém possa invocar o benefício da ignorância nessa matéria, o art. 3o do decreto supracitado mencionado define: consideram-se maus-tratos {...} manter em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz.25 25 PINTO, Sobral. Por que defendo os comunistas. Belo Horizonte: Ed. Comunicação, 1979, p. 73.

O advogado encerrou sua carta com a informação de que no Paraná um juiz havia condenado a 17 dias de prisão celular e multa de 520$000 um homem que havia matado a pauladas um cavalo de sua propriedade e conclui:

{...} Harry Berger {...} posto à disposição do Tribunal de Segurança Nacional {...} apesar dos esforços em contrário do suplicante, atenta contra todas as normas da civilização ocidental, pois conforme foi já localizado, infringe até dispositivos claros e terminantes da legislação existente no país em favor dos próprios animais.26 26 MORAES, Fernando. Olga: a vida de Olga Benário Prestes, judia, comunista entregue a Hitler pelo governo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Seria tentador sugerir que a comédia Julho, 10!, premiada no concurso nacional de Romance e Teatro para Operários, promovido pelo Ministério do Trabalho Indústria e Comércio, em 1942, com o primeiro lugar, referia-se não ao Decreto no 24.637, que legisla sobre acidentes de trabalho, mas ao Decreto no 4.645, que legifera sobre a proteção aos animais. Se assim fosse, a peça teria deixado de ser uma simples comédia melodramática que reitera ingenuamente os princípios e valores do estado autoritário: patriotismo, obediência, anticomunismo, negação da luta de classe, submissão das mulheres etc., para se tornar uma sátira sobre a própria ditadura estadonovista. Há uma vasta bibliografia sobre a sátira, seja como gênero, seja como modo27 27 PINTO, Sobral. Por que defendo os comunistas, op. cit., p. 73. Grifos no original. - para simplificar, por sátira entendo, grosso modo, uma forma de intervenção artística com o objetivo político explícito de ridicularizar indivíduos e instituições. Mas tomando Vladmir Propp como referência, seria possível sugerir dois gêneros de riso: os que contêm e os que não contêm a derrisão; aqueles, chamados de "riso de zombaria", seriam os mais frequentes tanto na vida quanto na literatura, possibilitando um riso crítico "suscitado pelos defeitos daquilo ou de quem se ri".28 28 Ibidem, p. 74. Portanto,

Se a origem etimológica do termo {sátira} permanece incerta; se há realizações satíricas artísticas e não artísticas, literárias e pictóricas, na ficção, na lírica e no drama; se seus alvos vão de indivíduos a nações; se o tipo de riso que provoca vai da gargalhada desbragada a um esgar cínico, há que se sublinhar que o que é permanente no discurso satírico é o ímpeto de defender a norma pela ridicularização do desvio.29 29 Há uma vasta produção no campo da literatura sobre a sátira. HERNÁNDEZ, Guillermo. E. La satira chicana. México: Siglo Ventiuno, 1993; HODGART, M. La sátira. Madri: Guadarrama, 1969; HANSEN, João Adolfo. Anatomia da sátira. Conferência apresentada na Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, 1991.

Embora instigante, acredito que essa sugestão seja um passo largo demais - mesmo reconhecendo que a peça permita numa leitura a contrapelo, se enquadrar nas elásticas definições de sátira - o que demandaria uma "leitura satânica" de todo o texto. Seria preciso encontrar evidências maiores do que uma mera coincidência de datas para levar a sério essa sugestão.

Sétimo ato

Não obstante, oito anos depois da premiação, em 1o de fevereiro de 1950, Leda Maria de Albuquerque {agora, Noronha} reapareceu no acervo do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), do Rio de Janeiro, sob a acusação de ligação com o proscrito Partido Comunista do Brasil (PCB). No prontuário no 43.302, descobrimos que Leda Maria de Albuquerque Noronha, filha de Otávio Maria de Albuquerque e Maria Salomé Curvello de Albuquerque, nasceu em 19 de agosto de 1919, na cidade do Rio de Janeiro. Na ocasião da acusação, residia ainda na avenida Nossa Senhora de Copacabana, no 1.110, ap. 35, era casada e estava inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil sob o no 5.300. Mantinha um escritório na avenida Antônio Carlos, 207, e trabalhava na Legião Brasileira de Assistência, onde ocupava o cargo de procuradora-geral. A acusação de vinculação ao PCB era bastante frágil - num certo sentido, reafirmava os exageros e paranoias dos anos iniciais da guerra fria - e sugeria-se que

{...} a prontuariada figura registrada no S.Iv. (St-1), como adepta da ideologia comunista; foi designada para membro de uma delegação de mulheres brasileiras que participariam do 2o Congresso Internacional de Mulheres, realizado em Budapeste.30 30 PROPP, Vladimir. Comicidade e riso. São Paulo: Ática, 1992, p. 151.

Por conta desse registro, Leda Maria teve indeferido seu pedido de "certidão negativa de ideologias". O pedido, na verdade, fora feito em fins de 1948 e, ao que parece, ela desistiu da viagem, entre o pedido e a recusa do órgão de segurança, por motivos de saúde. Em 31 de agosto de 1950, numa das folhas do seu prontuário, há um carimbo do Serviço de Informação sugerindo a possibilidade de haver "elemento de nome idêntico", mas não há mais nenhuma indicação de que pudéssemos estar diante de homonímia. Tudo indica que Leda Maria apenas soube pesar contra ela a suspeita de comunismo quando, em 4 de novembro de 1950, solicitou uma nova "certidão negativa de ideologias", justificando o pedido com a marcação de viagem para França, Itália e Espanha. O pedido foi negado! Em 7 de março de 1951, Leda Maria solicitou mais uma vez o "atestado de antecedentes ideológicos" para viajar à Argentina. No dia seguinte, foi acrescentada ao seu prontuário a seguinte observação: "em razão do despacho exarado pelo diretor desta D.P.S., em requerimento da prontuariada datado de 28/08/1950, foi-lhe concedido por este S.I o atestado de que não registra antecedentes desabonadores nesta divisão". O último registro em seu prontuário data de 20 de julho de 1964, quando Leda Maria, mais uma vez, solicitou a "verificação de antecedentes para viagem à Áustria"; ao que tudo indica, as suspeitas sobre ela haviam cessado em 1951.

O certo é que ela mobilizou muita gente para obter o atestado. O primeiro a figurar em sua defesa foi o ex-secretário da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e, naquele momento, deputado federal, eleito por Minas Gerais, Lúcio Bittencourt, que afirmou que a conhecia bem e que ela não tinha vinculações com o comunismo.31 1 ROCHA, Rejane Cristina. Da utopia ao ceticismo: a sátira na literatura brasileira contemporânea. Araraquara: Unesp, 2006. Tese de doutoramento. Há também em seu prontuário uma carta assinada pelo capitão de corveta Joaquim Novaes de Castello Branco, atestando que a referida prontuariada "é pessoa da mais perfeita idoneidade moral, desconhecendo o exercício, por parte da mesma, de qualquer atividade política". Seguem mais dois atestados semelhantes, do seu chefe imediato na LBA, Hermes Afonso Bartolomeu e de um certo João Gomes Carneiro Jr.

Em sua defesa, Leda Maria argumentou que o convite para participar do II Congresso Internacional Feminino, na Hungria, não fora dirigido especificamente para ela, mas para a LBA, pela presidente do Instituto Feminino do Direito Construtivo, Alice Tibiriçá, cuja carta-convite ela anexava ao pedido. O Instituto Feminino do Direito Construtivo, por sua vez, havia sido convidado pela Federação Democrática Internacional de Mulheres, sediada em Paris, a enviar uma delegação de mulheres brasileiras para o congresso na Hungria.

A agitação política ocasionada tanto pelo fim da guerra na Europa quanto pela redemocratização do Brasil levou muitas mulheres a uma intensa mobilização política, em diversas campanhas. No Brasil, mobilizaram-se sobretudo contra a carestia de vida, ocasionada pelo processo inflacionário de meados dos anos 1940, bem como pela escassez de vários gêneros alimentícios, ainda em decorrência da guerra. Com forte apoio do Partido Comunista do Brasil (PCB), surgiram, em vários estados, as Uniões Femininas contra a Carestia. Alice Tibiriçá não tinha vinculações com o Partido Comunista, mas, "sensível aos problemas do povo e com a paixão que a caracterizava, aderiu no movimento" de mulheres.32 32 Departamento de Ordem Política e Social, prontuário no 43.302. (Serviço de Investigação, Setor de Controle) Desde 1946, ela dirigia o Instituto Feminino de Serviço Construtivo, tomando parte, em 8 de março do ano seguinte, das comemorações do Dia Internacional da Mulher. Ainda em 1947, foi delegada pelo Brasil no Conselho da Federação Democrática Internacional de Mulheres, em Praga. E em agosto de 1949, foi presa ao participar, em São Paulo, de uma passeata organizada pela Associação de Mulheres de São Paulo, que divulgava o Congresso da Paz, a realizar-se naquele ano em Paris.33 33 Carlos Alberto Lúcio Bittencourt nasceu em Juiz de Fora (MG) no dia 19 de julho de 1911. Formou-se em Direito, no Rio de Janeiro, em 1932. Foi um dos fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Elegeu-se deputado federal por Minas Gerais em 1950 e senador com o apoio da aliança do PTB-PSD em 1954. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx>. Acesso em: 9 abril 2014. Que o PCB esteve presente em todas essas organizações é notório, mesmo que muitas de suas dirigentes não fossem, de fato, ligadas ao partido. Seja como for, não é possível afirmar a vinculação de Leda Maria com o PCB, mas tampouco é possível negá-la enfaticamente. As suspeitas levantadas pelos investigadores do DOPS eram muito vagas e inconsistentes, e ratificam muito mais o clima geral de caça às bruxas da guerra fria do que revelam sobre a investigada.

Epílogo

Independentemente de qualquer vinculação de uma ou ambas as autoras com o Partido Comunista, o que, reitero, me parece improvável, a importância da peça Julho, 10! está no fato de encenar o impacto para todos os envolvidos: trabalhadores, patrões e Estado da legislação social no Brasil dos anos 1940. O fato de que tenha se concentrado na lei de acidentes de trabalho, de julho de 1934, enfatiza ainda mais o antes e o depois da implementação das leis de proteção ao trabalhador. O fato de suas autoras serem estudantes de direito reforça a "interessantíssima experiência social e humana" que ela representa, como destacou Maria ­Luiza na entrevista para o jornal A Noite, de 4 de novembro de 1942. Cabe ainda destacar um paradoxo: segundo a autora, a peça foi pensada como uma espécie de intervenção política nos debates sobre a legislação trabalhista, que se dirigia conscientemente aos operários, destacando os ganhos que a legislação representava para eles. Entretanto, para além dos desejos e planos de suas autoras, a peça se dirige, de fato, aos patrões. É para eles, cuja resistência à legislação de proteção aos trabalhadores era notória, que ela é posta em cena; é para convencê-los dos ganhos inerentes à legislação trabalhista - e dos riscos da sua rejeição - que a peça foi escrita. Os empresários são, na trama da peça, no tempo histórico e social que ela põe em cena, e também no momento em que foi premiada, o centro da resistência à qualquer intervenção do Estado nas relações entre capital e trabalho que implicasse a redução ou contenção do seu secular e imperial controle, mando e domínio sobre a força de trabalho.

Acredito também que a peça se dirigia aos futuros advogados, colegas das autoras, cujo liberalismo entranhado resistia à forte presença do Estado e à sua intervenção no chão da fábrica. Já se argumentou que os bacharéis formaram a linha de frente anti Estado Novo em 1945.34 34 SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico (Org.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 31. Em parte por sua formação fortemente ligada à tradição liberal, mas também porque, desde 1930, mas sobretudo depois de 1937, o aparato do Estado cada vez mais tecnocrático tendeu a privilegiar as formações técnicas como as de engenheiros, agrônomos, geólogos, militares etc., de modo que os bacharéis em direito foram perdendo espaço nos postos e funções públicas do Estado ao longo da era Vargas.35 35 RIBEIRO, Jayme. Os "combatentes da paz" - a participação dos comunistas brasileiros na Campanha pela Proibição das Armas Atômicas (1950). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 21, n. 42, p. 261-283, julho-dezembro de 2008. Quanto aos trabalhadores, evidentemente, eles não desconheciam que o objetivo último da legislação era conter suas organizações autônomas, por isso resistiram a ela o quanto puderam, mas reconheciam também as novas possibilidades de organização e luta abertas com ela, os ganhos potenciais e as vantagens simbólicas e efetivas implicadas na contenção do mando imperial dos patrões no chão das fábricas. Do ponto de vista dos trabalhadores a lei tem um papel civilizador fundamental (e eles tinham noção clara disso tanto em 1934 quanto em 1942). Para eles "o direito importa, e é por isso que nos incomodamos com toda essa história"36 36 ADORNO, Sérgio. Aprendizes do poder: bacharelismo liberal na política brasileira. São Paulo: Paz e Terra, 1988; MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi de. Os cruzados da ordem jurídica: a atuação da ordem dos advogados do Brasil, 1945-1964São Paulo: Alameda, 2013. , principalmente "num mundo habituado a explorar em silêncio".37 37 COELHO, Edmundo Campos. As profissões imperiais. Medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro: 1822-1930. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 28-29.

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  • THOMPSON, Edward Palmer. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Trad. Denise Bottmann., Rio de Janeiro: Paz e Terra 1987.
  • 1
    THOMASSEAU, Jean-Marie. O melodrama. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 13,14-34.
  • 2
    Boletim do MTIC no 91, março de 1942, ano VIII, p. 74-77.
  • 3
    Uma excelente descrição do funcionamento do S.R.O está em BRETAS, Ângela. Nem só de pão vive o homem: criação e funcionamento do Serviço de Recreação Operária, 1943-1945Rio de JaneiroApicuri2010
  • 4
    GOMES, Castro Ângela. A invenção do trabalhismo. São Paulo/Rio de Janeiro: Vértice/Iuperj, 1988.
  • 5
    Essa informação está na contracapa de todos os exemplares postos em circulação.
  • 6
    Todas as referências ao concurso promovido pelo MTIC estão em processo no 5.302 MTIC de 1942. Boletim do MTIC, ano VIII, n. 91, p. 74-77, março de 1942.
  • 7
    Boletim do MTIC, ano IX, no 97, p. 80-81, setembro de 1942. Osvaldo Orico, aos 36 anos, ingressou na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 10, na sucessão de Laudelino Freire. Viriato Correia foi jornalista, contista, teatrólogo e autor de histórias e livros infantis. Ocupou a cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras. Mário Nunes dedicou a vida jornalística ao teatro, foi colunista do Jornal do Brasil, sendo por décadas o principal crítico teatral do jornal. Rafael Barbosa, ao que tudo indica, era funcionário de carreira ligado à Academia Brasileira de Letras. Benjamin Lima foi teatrólogo, crítico literário, advogado, professor e jornalista. Foi um dos fundadores da Academia Amazonense de Letras. José Lins do Rego Cavalcanti ingressou no Ministério Público como promotor em Manhuaçu. Em Maceió, tornou-se colaborador do Jornal de Alagoas e passou a fazer parte do grupo de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima, Valdemar Cavalcanti, Aloísio Branco e outros. Ali publicou o seu primeiro livro, Menino de engenho (1932), que mereceu o Prêmio da Fundação Graça Aranha. Em 1933 publicou Doidinho, o segundo livro do "Ciclo da Cana-de-Açúcar". Luiz Carlos Peixoto de Castro foi teatrólogo, poeta, pintor, caricaturista e escultor. Teve várias atividades paralelas ao teatro, trabalhando em jornais e revistas, como redator e caricaturista. Henrique Pongetti, jornalista e dramaturgo. Escreveu para grandes atores como Procópio Ferreira, Manuel Pêra, Raul Roulien e Jaime Costa, nas décadas de 40 e 50. Foi também responsável pelos roteiros dos filmes Grito da mocidade e Favela dos meus amores, este último dirigido por Humberto Mauro. Assinou por trinta anos uma coluna com crônica diária no jornal O Globo, e dirigiu a revista Radiolândia. A. G. de Oliveira Neto e Brígida Peixoto, possivelmente funcionários de carreira do MTIC, tiveram o papel de secretariar as duas comissões.
  • 8
    GRAMSCI, Antônio. Literatura e vida nacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 7.
  • 9
    O segundo lugar, prêmio Agamenon Magalhães, foi para a peça O rei dos tecidos, de autoria de Mário Magalhães e Mário Domingues. O terceiro lugar, prêmio Waldemar Falcão, ficou com Novos rumos, de autoria de J. Carlos Lisboa, residente à rua Bernardo Guimarães, no 1827, em Cristiano Diniz. Para o quarto lugar, prêmio Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Comerciários, foi escolhida a peça Os dois Batistas, de Aníbal de Mello Couto, residente à travessa Vital Brasil Filho, no 5. E o quinto e último classificado, prêmio Instituto de Pensão e Aposentadoria da Estiva, foi para peça Operários a postos!, de Regina Viana Borges, moradora da rua Senador Nabuco, no 12, Niterói. Jornal A Noite, 4 de novembro de 1942, p. 2.
  • 10
    No almoço também se fizeram presentes os jornalistas e teatrólogos Mário Magalhães e Mário Domingues, premiados com o segundo lugar no mesmo concurso com a peça O rei dos tecidos e também homenageados na SBAT. Todavia, nos seus arquivos só é possível localizar a ficha de inscrição de Leda Maria de Albuquerque, na qual se encontra apenas seu nascimento em 19/8/1919.
  • 11
    Dia do jornal: 25/12/1942; p. 6. Biblioteca Nacional, PR-SPR 9.
  • 12
    Jornal A Noite, 4 de novembro de 1942, p. 2. Grifos meus. Agradeço a Caroline Alamino a localização dessa informação. A pesquisadora Kátia Rodrigues Paranhos sugeriu que Leda Maria de Albuquerque e Maria Luiza Castello Branco fossem operárias, mas as informações do jornal A Noite deixam claro que se tratava de estudantes de direito e solteiras, dado o pronome de tratamento usado pelo entrevistador. Ver PARANHOS, Kátia. Engajamento às avessas: textos e representações do mundo do trabalho no "Estado Novo". ArtCultura, v. 11, n. 19, p. 107-115, 2009. Em outra matéria, na noite de estreia da peça, no teatro Serrador, em 23 de dezembro de 1942, a mesma informação é confirmada. Jornal A Noite, 23 de dezembro de 1942, p. 8.
  • 13
    Jornal A Noite, 26 de dezembro de 1942, p. 6. A peça ficou em cartaz até 2 de janeiro de 1943. REIS, Ângela de Castro. A tradição viva em cena: Eva Todor na companhia Eva e seus artistas, 1940-1963. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2013, p. 194. Infelizmente, não foi possível saber se a peça foi montada em outros estados, como prometia o edital, nem o número total de assistentes. Ver também KHOURY, Simon. Bastidores: Paulo Autran, Eva Todor, Milton Moraes, Vanda Lacerda. Rio de Janeiro: Letras &Expressões, 2001, p. 218. Agradeço à professora Ângela de Castro Reis as informações sobre o grupo de Eva Tudor.
  • 14
    Conforme anúncio no Correio da Manhã de 24 de dezembro de 1942, p. 10.
  • 15
    HUPPES, Ivete. Melodrama: o gênero e sua permanência. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000, p. 34.
  • 16
    Ibidem, p. 10.
  • 17
    Ibidem, p. 136.
  • 18
    THOMASSEAU, Jean-Marie. O melodrama, op. cit., p. 7.
  • 19
    PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 238-239.
  • 20
    OROZ, Silvia. Melodrama: o cinema de lágrimas na América Latina. Rio de Janeiro: Funarte, 1999, p. 54.
  • 21
    BRAGA, Cláudia. Em busca da brasilidade: teatro brasileiro na primeira repúblicaSão Paulo: Perspectiva, 2003.
  • 22
    MAYER, Arno J. Dinâmica da contra-revolução na Europa 1870-1950: uma estrutura analítica Trad. M. Gonçalves. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
  • 23
    Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-24637-10-julho-1934-505781-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 5 nov. 2014.
  • 24
    Disponível em: <http://www.apasfa.org/leis/decreto_34.shtml>. Acesso em: 5 nov. 2014.
  • 25
    PINTO, Sobral. Por que defendo os comunistas. Belo Horizonte: Ed. Comunicação, 1979, p. 73.
  • 26
    MORAES, Fernando. Olga: a vida de Olga Benário Prestes, judia, comunista entregue a Hitler pelo governo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  • 27
    PINTO, Sobral. Por que defendo os comunistas, op. cit., p. 73. Grifos no original.
  • 28
    Ibidem, p. 74.
  • 29
    Há uma vasta produção no campo da literatura sobre a sátira. HERNÁNDEZ, Guillermo. E. La satira chicana. México: Siglo Ventiuno, 1993; HODGART, M. La sátira. Madri: Guadarrama, 1969; HANSEN, João Adolfo. Anatomia da sátira. Conferência apresentada na Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, 1991.
  • 30
    PROPP, Vladimir. Comicidade e riso. São Paulo: Ática, 1992, p. 151.
  • 1
    ROCHA, Rejane Cristina. Da utopia ao ceticismo: a sátira na literatura brasileira contemporânea. Araraquara: Unesp, 2006. Tese de doutoramento.
  • 32
    Departamento de Ordem Política e Social, prontuário no 43.302. (Serviço de Investigação, Setor de Controle)
  • 33
    Carlos Alberto Lúcio Bittencourt nasceu em Juiz de Fora (MG) no dia 19 de julho de 1911. Formou-se em Direito, no Rio de Janeiro, em 1932. Foi um dos fundadores do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Elegeu-se deputado federal por Minas Gerais em 1950 e senador com o apoio da aliança do PTB-PSD em 1954. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx>. Acesso em: 9 abril 2014.
  • 34
    SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico (Org.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 31.
  • 35
    RIBEIRO, Jayme. Os "combatentes da paz" - a participação dos comunistas brasileiros na Campanha pela Proibição das Armas Atômicas (1950). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 21, n. 42, p. 261-283, julho-dezembro de 2008.
  • 36
    ADORNO, Sérgio. Aprendizes do poder: bacharelismo liberal na política brasileira. São Paulo: Paz e Terra, 1988; MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi de. Os cruzados da ordem jurídica: a atuação da ordem dos advogados do Brasil, 1945-1964São Paulo: Alameda, 2013.
  • 37
    COELHO, Edmundo Campos. As profissões imperiais. Medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro: 1822-1930. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 28-29.
  • 38
    "Se supomos que o direito não passa de um meio pomposo e mistificador através do qual se registra e se executa o poder de classe, então não precisamos desperdiçar nosso trabalho estudando sua história e formas. Uma Lei seria muito semelhante a qualquer outra, e todas, do ponto de vista dos dominados seriam Negras." THOMPSON, Edward Palmer. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 359.
  • 39
    CASTELS, Manuel. Cidade, democracia e socialismo: a experiência das associações de vizinhança em Madrid Trad. Glória Rodriguez. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 81.
  • *
    Doutor em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: adrianold@uol.com.br.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2015
  • Aceito
    21 Set 2015
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