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Arqueologia em Movimento: uma análise dos métodos para a investigação de movimentos de pessoas, objetos e ideias no passado

Beaudry, Mary C; Parno, Travis G. Archaeologies of Mobility and Movement. Nova Iorque: Springer, 2013

Mobilidade e movimento são conceitos há muito utilizados na Arqueologia, desde quando difusão e migração foram utilizados, por Gordon Childe, para explicar as mudanças culturais. Tratar das relações entre pessoas passa, impreterivelmente, por esses temas. Contudo, os autores desse livro se propõem a analisar a questão de mobilidade e movimentação a partir de enfoques diversos e mais abrangentes, como nostalgia, perda, saudade e rupturas.

Na Arqueologia Histórica essa temática foi abordada no encontro intitulado Contemporary and Historical Archaeological Theory, em 2011, na Universidade de Boston (EUA), sob o tema "People and things in motion", de onde se desdobrou a confecção desse livro.

Assim como os artefatos, as paisagens e os lugares também têm seu ciclo de vida, eles são utilizados, marcados, modificados, reutilizados e, por fim, abandonados. Contudo, como vemos nesse compêndio, nem sempre com o mesmo significado.

Da mesma forma, a existência do lugar depende das inúmeras interações entre pessoas e determinado espaço, resultando em diferentes histórias de vida que modificam os espaços constantemente, conferindo diferentes ressignificados na atualidade, na memória social.

O capítulo 1, uma introdução escrita pelos editores, traz uma importante síntese da história da Arqueologia no que se refere aos temas de movimentação e mobilidade. Além disso, faz um resumo dos artigos apresentados no livro ressaltando onde localizar a questão de movimentação e mobilidade nos temas abordados. O livro traz os artigos organizados em três partes distintas: "Objects in Motion", "People in Motion" e "Movement Through Spaces". Essas partes, no entanto, parecem estruturadas mais segundo uma razão de escolha particular dos organizadores do que propriamente por algum significado que os interligue.

O capítulo 2, escrito por Visa Immonen, discorre sobre o sistema do colonialismo entre grupos indígenas de duas diferentes regiões, Lapônia e uma colônia sueca na América do Norte, e examina como a cultura material é transmitida e apropriada por diferentes grupos culturais. Da perspectiva da movimentação, o artigo aborda diferentes escalas regionais, micro e macro, para apontar que os grupos culturais conferem, aos objetos de origem exógena, uma ressignificação dentro de seus próprios conceitos culturais.

O capítulo 3, escrito por Scott Joseph Allen, trata de uma questão da Arqueologia Histórica brasileira. Mais uma vez, as questões de mobilidade e movimentação são relacionadas com encontros culturais coloniais. A partir da análise de cachimbos de argila vermelha, o autor aponta que, diferentemente do que havia sido sugerido anteriormente pela literatura, esses cachimbos não são relacionados com um grupo cultural particular, mas a vários grupos de diferentes áreas geográficas. Para tanto, o autor se baseia na premissa da importância de se conhecer o ciclo de vida do objeto, desde sua manufatura até seu descarte final, para a compreensão das relações dos grupos envolvidos, pois a articulação dos grupos culturais na cadeia operatória pode elucidar a fusão, a relação e a movimentação entre os agentes produtores e usuários dos objetos. Nesse sentido, o autor aponta a necessidade de se estudar os grupos coloniais de forma integrada em um sistema social e não mais isoladamente.

O capítulo 4, escrito por Oscar Aldred, traz um tema mais recente, uma fazenda de ovelhas da Islândia de meados do século XIX e início do século XX, para explicar como objetos e espaços estáticos podem explicar relações de movimentos entre pessoas e animais. A partir da conceitualização de mobilidade e movimento, sendo o ponto-chave a questão de poder, ele aponta que quem controla os animais e é responsável pela movimentação de pessoas detém o poder.

No capítulo 5, Ronald Salzer trata de um tema frequente na Arqueologia: como objetos singulares podem sugerir mobilidade e movimentação entre distâncias geográficas. Para tanto, o objeto analisado é o relógio do sol. A partir de um achado nas proximidades de Viena, no Castelo de Grafendorf, o autor trata da noção de cálculo do tempo para percorrer distâncias e para a interação entre grupos de distintas localidades geográficas.

O capítulo 6, escrito por Chieh-fu Jeff Cheng e Ellen Hsieh, trata de questões relacionadas com a colonização chinesa em Taiwan, especialmente acerca da perda de identidade atrelada à questão de memória.

Mats Burström, no capítulo 7, traz um surpreendente trabalho acerca de objetos, sem, contudo, os localizar. Referindo-se aos objetos enterrados pelos refugiados da Segunda Guerra da Estônia, o autor analisa como esses objetos simbolizaram o elo invisível de esperança de retorno a suas terras, que se perpetuou na memória das famílias por gerações.

No capítulo 8, Craig N. Cippola examina uma questão referente à movimentação populacional de larga escala entre grupos indígenas norte-americanos. Por meio da organização espacial de residências, cemitério, cestarias, bem como suas comemorações e linguagem, o autor aponta que, ao longo do tempo, houve reconfiguração das relações sociais entre indivíduos de diferentes ancestralidades na formação do que passou a ser chamado Brothertown Indians, em ­Wisconsin.

O capítulo 9, escrito por Sean Winter, analisa o sistema britânico de transporte de condenados a partir de 1600. Nessa pesquisa não são estudados sítios arqueológicos, mas trajetos de transporte de pessoas, de bens materiais que mantinham o sistema de condenação, assim como as ideias e políticas por trás desse sistema. O autor aponta que a condenação em outros territórios teve diferentes motivações, muitas vezes o uso intensivo do trabalho, mais do que uma reforma do ­condenado.

Karen A. Hutchins, no capítulo 10, trata do movimento não apenas no seu aspecto físico, mas em termos de rupturas, mudanças e progresso, trazendo a movimentação social e política como influência no modo de vida de pessoas e famílias, podendo ser notado pelas mudanças de posições, valores e status. Para tanto, o artigo desenvolve um importante aspecto da história das cidades, a marginalização - e exclusão -, dos indivíduos menos abastados, assim como seus modos de resistências, em Massachusetts (EUA).

No capítulo 11, Magdalena Naum aborda um fator importante no estudo da movimentação de pessoas, a nostalgia. Assim como toda a imaterialidade, esse sentimento se concretiza materialmente no ambiente construído pelo indivíduo. Dessa forma, a autora aborda como espaços e objetos na Nova Suécia, nos Estados Unidos, simbolizavam o que foi perdido pelos indivíduos com a imigração.

No capítulo 12, os autores John H. Cherry, Krysta Ryzewsku e Luke J. Percoraro, inspirados pelo estudo clássico de Pompeia, se propõem a analisar um remanescente de uma catástrofe da atualidade, o furacão Hugo, que pôs fim no estúdio de música AIR Studios, em Monserrat, Caribe. Preocupados em causar impacto no leitor a partir da comoção pelo evento dramático da destruição e pela história do local (e, consequentemente, menos embasados em métodos e interpretações arqueológicos), os autores fazem uma descrição de seus trabalhos de campo e mostram como espaços da cultura moderna têm potencial para se tornar patrimônio. Os autores propõem uma leitura diferente dos espaços de movimentação, nesse caso, AIR Studios é visto como espaço que congrega e converge a movimentação entre pessoas (estrelas do rock e público) e objetos, de CDs e ideias, à música.

No capítulo 13, Travis G. Parno faz uma leitura do papel de pequenos museus e seus conceitos expositivos. Para tanto, o autor analisa como que as informações chegam e são interpretadas pelos visitantes. Trata-se de um estudo das narrativas museológicas e das diferentes percepções sobre o passado.

No capítulo 14, Christina J. Hodge traz uma importante contribuição, a análise das primeiras estruturas que deram origem a Universidade de Harvard. A principal estrutura a ser analisada é a "Harvard Indian College" que, em 1655, era destinada ao ensino de alunos indígenas. O artigo, com maior emprego de pesquisa de campo e análise artefatual desta coletânea, traz interessantes informações sobre os aspectos conceptivos do que se tornou a primeira universidade da América do Norte, e o papel dos grupos indígenas na sua origem, possibilitando interpretações importantes a partir do confronto entre o documento escrito e a cultura material. Contudo, o artigo soa como uma análise inacabada, onde as interpretações dos dados arqueológicos estão ainda por acontecer, sendo a conclusão bastante inocente e pouco embasada.

No capítulo 15, Alexander Keim, mais baseado em uma arqueologia da paisagem urbana, faz uso de uma metodologia comum, mas que funciona adequadamente para o ambiente urbano, análise de mapas, fotografias, e dados históricos e arqueológicos. Com essa metodologia o autor consegue avançar na compreensão das práticas e significados da vida urbana da cidade de Boston do século XIX.

De modo geral, os temas de pesquisa são interessantes e faz arqueólogos e historiadores repensarem em possibilidades de projetos para a compreensão do passado recente. No entanto, os autores, que se propõem a fazer uma Arqueologia da Mobilidade e do Movimento, chegam aos temas de mobilidade e movimento como resultado, mais do que como foco central das pesquisas.

Se, por um lado, são poucos os capítulos que tratam da questão espacial propriamente dita (com exceção dos capítulos 4 e 8), tal como pode ser cogitado pelo título do livro, por outro, a publicação prima por trazer à tona questões como memória, identidade, rupturas culturais que se desenvolveram a partir das relações de movimentação e mobilidade entre pessoas e objetos.

Os autores também fazem muito mais uso da documentação histórica do que arqueológica, deixando um vazio metodológico para a arqueologia da Mobilidade e do Movimento. Na perspectiva metodológica, o livro Landscapes of Movement: Trails, ­Paths and Roads in Anthropological Perspective, organizado por James E. Snead e Clark E. ­Erikson, aponta propostas metodológicas mais consolidadas.

Para compreensão do que é a Arqueologia da Mobilidade e do Movimento, se faz necessária a leitura do capítulo introdutório e do posfácio, o primeiro escrito por Mary C. Beaudry e Travis G. Parno e o segundo por Shannon Lee Dawdy, onde, em poucos parágrafos, as autoras conseguem sintetizar um histórico das pesquisas nesses campos e relacionar o que de mobilidade e movimentação pode se encontrar nos artigos.

Diferentemente da Arqueologia tradicional, que foca na análise de um único sítio por vez (como é ressaltado no capítulo 8), o livro se destaca por pesquisas que fazem um percurso distinto, sendo que grande parte dos capítulos se dispõe a interpretar a relação dos múltiplos espaços. Por essa razão, os artigos disparam um gatilho interessante, o de repensar na Arqueologia Histórica a partir de outros enfoques para se compreender ainda mais profundamente aspectos do comportamento humano do passado, que geralmente os arqueólogos não se permitem perguntar, sobretudo quanto ao impacto da mobilidade e movimento não somente no âmbito social, mas sobre os indivíduos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2016
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