Acessibilidade / Reportar erro

Catolicismo em disputa: a comunidade agudá e a geopolítica colonial (Uidá 1844-1866)

RESUMO

Este artigo examina a ocupação e subsequente expulsão dos padres da Societé des Missions Africaines de Lyon do forte português de Uidá (Ajudá), na África Ocidental, na década de 1860. A concorrência entre os projetos de missionização católica dos portugueses e dos franceses encobria interesses coloniais de caráter nacional, mas também uma antiga disputa eclesiástica entre o padroado português e o papado romano. A contextualização da longa duração desse evento busca compreender como a comunidade local dos agudás - composta de portugueses, brasileiros e africanos libertos retornados da Bahia - reagiu diante dessa geopolítica internacional. Os dados sugerem alinhamentos variáveis dos agudás, não isentos de uma aparente tensão racial marcada pelo estigma da escravidão.

Palavras-chave:
missões católicas; catolicismo africano; agudás; Costa da Mina; Uidá

RESUMEN

Este artículo examina la ocupación y posterior expulsión de los sacerdotes de la Societé des Missions Africaines de Lyon del fuerte portugués de Uidá (Ajudá), en África Occidental, durante la década de 1860. La competencia entre proyectos de misiones católicas de los portugueses y de los franceses envolvía intereses coloniales de carácter nacional, pero también una antigua disputa eclesiástica entre el patronato portugués y el papado romano. La contextualización de larga duración de este evento busca comprender cómo la comunidad local de los agudás -compuesta por portugueses, brasileños y africanos libres regresados de Bahía- reaccionó ante esa geopolítica internacional. Los datos sugieren alineaciones variables de los agudás, no exentos de una aparente tensión racial marcada por el estigma de la esclavitud.

Palabras clave:
misiones católicas; catolicismo africano; agudás. Costa da Mina; Uidá

ABSTRACT

This paper examines the occupation and subsequent expulsion of the priests of the Societé des Missions Africaines de Lyon from the Portuguese fortress of Ouidah, West Africa, in the 1860s. Competition between the French and Portuguese Catholic missionary projects shrouded national colonial interests, but also an old ecclesiastical dispute between the Portuguese Padroado and the Roman papacy. The contextualization in the long duration of this event seeks to understand how the local Aguda community -including Portuguese, Brazilians, and freed Africans returned from Bahia- reacted to such international geopolitics. The data suggest variable alignments of the Aguda, not exempt from an apparent racial tension marked by the stigma of slavery.

Keywords:
Catholic Missions; African Catholicism; Aguda; Mina Coast; Ouidah

***

Em meados do século XIX, durante a chamada “era da transição” da economia da escravatura para a economia do azeite de dendê, a Costa da Mina, na África Ocidental, foi cenário de intensa concorrência de interesses comerciais, políticos e religiosos.1 1 A expressão “era da transição” é tomada de LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892. Athens: Ohio University Press, 2005. São conhecidos os avanços imperialistas da França e da Inglaterra, com o estabelecimento de diversos consulados e protetorados nas cidades litorâneas da região, mas este texto dá destaque a outros dois atores internacionais nessa geopolítica africana: Portugal e o Vaticano. Sabe-se que, nos projetos de dominação colonial europeus, a política e a religião, a espada e a cruz avançavam juntas, mas nem sempre de mãos dadas. A catequese missionária anunciava, amiúde, o subsequente controle militar e administrativo dos territórios. Nessa perspectiva, este ensaio examina os processos de implantação de dois projetos de missionização católica, um liderado pelos portugueses e outro pelos franceses, ocorridos no porto de Uidá (Ajudá). A concorrência desses dois projetos encobria interesses nacionais, mas também uma antiga disputa eclesiástica entre as dioceses dependentes do padroado de Portugal e os vicariatos apostólicos dependentes do papado romano. Como será visto, a missão francesa era, de fato, um instrumento a serviço da Propaganda Fide no Vaticano.2 2 No século XIX, os velhos embates entre o padroado real espanhol e português e o papado emergem com novo vigor. A eleição do papa Gregório XVI (1831-1846), antigo prefeito da Propaganda Fide, marca um período ofensivo contra os padroados, política continuada pelo seu sucessor Pio IX (1846-1878). Aproveitando a nova reconfiguração territorial resultante da expansão colonial de estados europeus não ibéricos, a Propaganda Fide tenta impor, tanto na Ásia como na África, a autoridade dos seus vicariatos apostólicos perante as dioceses dependentes do padroado: PRUDHOMME, Claude. Missions catholiques et padroado portugais: pour de nouvelles approches. Histoire, Monde & Cultures Religieuses, n. 31, 2014, p. 17-18, 20.

Contudo, o objetivo último da análise é compreender como a comunidade local dos agudás - composta de portugueses, brasileiros, seus descendentes mestiços e os africanos libertos retornados da Bahia - se posicionou e reagiu diante das tensões advindas dos interesses de Lisboa, Paris e Roma. Vale lembrar que a comunidade agudá vinha utilizando, havia décadas, o catolicismo como marca de distinção social, e que ela foi o alvo preferencial da catequese dos padres lusófonos e francófonos. Em definitivo, o que me interessa discutir é de que maneira as forças externas europeias e as forças locais interagiam e se emaranhavam nas dinâmicas de adesão religiosa dos agudás. Uma hipótese a ser testada é que a geopolítica internacional foi aproveitada de forma estratégica por distintos grupos agudás, para dirimir uma micropolítica, não isenta de tensões raciais, que separava, de um lado, os negociantes portugueses e seus parceiros luso-africanos e, do outro, os libertos retornados da Bahia e seus descendentes crioulos, marcados pelo estigma da escravidão. O principal palco dos eventos foi o forte português de São João Batista de Ajudá, bastião e emblema de territorialidade portuguesa na região desde 1721 até a independência do Daomé em 1961.

Primeiro movimento: 1844. Restabelecimento da autoridade portuguesa no Forte de São João Batista de Ajudá

A penetração do catolicismo na Costa da Mina remonta aos primórdios da presença europeia na região, e os monarcas de Aladá e do Daomé flertaram, amiúde, com a religião estrangeira como forma de potencializar o seu poder.3 3 LAW, Robin. Religion, Trade and Politics on the ‘Slave Coast’: Roman Catholic Missions in Allada and Whydah in the Seventeenth Century. Journal of Religion in Africa, v. 21, n. 1, 1991, p. 50; BONFILS, Jean. La Mission catholique en République du Bénin. Paris: Karthala, 1999, p. 11-46. Todavia, no século XVIII, o principal enclave da presença católica foi a capela do forte português em Uidá, um lugar percebido pela população local com encantamento, mas, também, com receio.

A partir de 1807, quando a corte lisboeta se deslocou para o Rio de Janeiro, a fortaleza africana foi aos poucos esquecida e abandonada. É provável que o seu antigo escrivão, o baiano Francisco Félix de Souza, a utilizasse, de forma esporádica, para suas atividades comerciais, embora ele estivesse operando em Pequeno Popo.4 4 SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865. Lisboa: Imprensa Nacional, 1866, p. 77-78; SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 30-31, 85. Só com a queda do rei daomeano Adandozan, em 1818, e a entronização do novo monarca Guezo, Félix de Souza voltou a Uidá, ocasião em que recebeu o título de Chachá, que o empossava como chefe dos assuntos comerciais do Daomé naquele porto. Após a independência do Brasil, o forte de Ajudá, que historicamente tinha sido controlado pela capitania da Bahia, ficou sob a jurisdição da província portuguesa de São Thomé e Príncipe. Pouco se sabe do que aconteceu nas duas décadas seguintes, mas é provável que o forte continuasse a acolher os capitães negreiros nas suas escalas em Uidá. A ausência de registros de batismos em vários anos do período 1828-1843 sugere que não havia uma presença regular de padres católicos na cidade.5 5 Arquivo da Societé des Missions Africaines (ASMA), Roma, 2H-50, Liber Baptismalis Ajudae 1861, fls. 151 e ss. Nesse período, foram realizados 218 batismos, dos quais só ficou registrado o ano e o nome dos batizandos, sem maiores informações. Aliás, a partir de 1836, o forte ficou abandonado, apenas sob a supervisão de um tambor da antiga guarnição.6 6 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Lisboa, Secretaria Estado da Marinha e Ultramar (SEMU) , São Thomé e Príncipe (STP), cx. 487, doc. 2, Tenente Líbano ao governador de São Thomé, 13/03/1844. A comunidade agudá, acrescida, desde 1835, de numerosos libertos retornados do Brasil, devia lamentar a capela católica em ruínas.

Em 1838 e 1839, os ministros de estado dos Negócios da Marinha e Ultramar passaram instruções aos governadores de São Thomé para inspecionar o estado da possessão em Uidá, mas somente no início da década de 1840 se deu o que vou chamar de “primeiro movimento” na reocupação do forte por Portugal.7 7 Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros (AMNE), Lisboa, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fl. 211v; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé. Lisboa: Livraria Tavares Cardoso & Irmão, 1891, p. 61. ESPARTEIRO, António Marques. Portugal no Daomé (1471-1961). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1962, p. 6, fala em ordem para a “reocupação do forte” em 1838. A promulgação, em 1839, do Equipment Act, que outorgava à Marinha inglesa direito a apresar navios portugueses - bastando apenas indícios, no seu equipamento, de envolvimento no tráfico negreiro - e a movimentação comercial francesa, com o anúncio, em 1841, da instalação dos negociantes marselheses Victor e Louis Régis no forte francês de São Luis, em Uidá, talvez fossem motivos que levaram a Coroa lusitana a renovar, em 1842, as ordens para efetivar sua presença na Costa da Mina.8 8 LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 190. NARDIN, Jean-Claude. La reprise de relations franco-dahoméennes au XIXe siècle: La mission d’Auguste Bouët à la cour d'Abomey (1851). Cahiers d’Études Africaines, v. 7, n. 25, p. 59-126, 1967, p. 60; TRICHET, Pierre. Victor Régis, l’armateur marseillais qui voulait une mission catholique à Ouidah. Histoire, monde et cultures religieuses, n. 18, p. 149-181, 2011-2012, p. 155-57. AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fl. 211v; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op. cit., p. 61. ESPARTEIRO, António Marques. Portugal no Daomé (1471-1961), op. cit., p. 6, fala em ordem para a “reocupação do forte” em 1838. Porém, somente em fevereiro de 1844 o recém-empossado governador de São Thomé e Príncipe, José Maria Marques, enviou o tenente José Joaquim Líbano e o padre Julião Pires Santos para “restabelecer a autoridade portuguesa em Ajudá”.9 9 AHU, STP, cx. 487, doc. 125, Governador de São Thomé ao ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar (doravante ministro de Marinha), 5/02/1844. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 78-79.

Ciente do “povo cristão e muito principalmente da gente que vem da Bahia”, a prioridade do padre foi reconstruir a capela. Apesar de certas diferenças com o tenente Líbano, que, aliás, veio a falecer antes de outubro daquele ano, e passado pouco mais de um ano e meio, em setembro de 1845, Julião Pires Santos anunciava a finalização das obras de uma nova igreja, com a ajuda do Chachá.10 10 AHU, STP, cx. 487, doc. 2, 145, 313, Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 12/04/1844, 14/10/1845; Julião Pires ao governador de São Thomé, 12/03/1844, 7/09/1845; Tenente Líbano ao governador de São Thomé, 13/03/1844. Uma fonte posterior diz que, em uma inscrição na porta da igreja, rezava que as obras iniciaram-se em 4 de novembro de 1845 e finalizaram-se em agosto de 1846: ASMA, 2E-11, Courdioux, Journal d’um missionaire, 1856-1863, f. 11. Cabe notar que a reconstrução da capela de Uidá coincidia com a finalização de outra, na vizinha cidade de Agoué, promovida pelo liberto Joaquim d’Almeida, um africano da nação mahi retornado da Bahia. Os primeiros batismos em Agoué, celebrados pelo mesmo Julião Pires, aconteceram em abril de 1846.11 11 PARÉS, Luis Nicolau. Afro-Catholic Baptism and the Articulation of a Merchant Community, Agoué 1840-1860. History in Africa, n. 42, p. 165-201, 2015.

A reativação simultânea das cerimônias católicas em Uidá e Agoué estava, sem dúvida, ligada à presença estável do cura de São Thomé, mas podia estar também relacionada, indiretamente, com a expansão na região dos retornados protestantes de Serra Leoa e das missões wesleyanas, introduzidas em Uidá por Thomas Freeman em 1843.12 12 Segundo Law, a influência da missão metodista, percebida como uma agência do governo inglês, foi mínima, em vista das restrições impostas pelo Daomé à evangelização dos seus súditos: LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 226-227. Por outro lado, cabe notar que o alinhamento católico da comunidade agudá foi liderado ou, pelo menos, financiado, por dois conhecidos traficantes, um mestiço baiano (Souza) e um preto africano (Almeida). Essa relação, como será visto, se reproduziria nas décadas seguintes. Julião Pires, o representante oficial da Igreja, era um jovem capelão, também negro, natural de São Thomé, recém-ordenado na Bahia e ainda inexperiente, sujeito, nesse contexto desconhecido, à vontade e aos interesses da comunidade local.13 13 Ele foi ordenado em 1842, com 35 anos: AHU, STP, cx 492, Mapa dos eclesiásticos da Ilha de São Thomé, 15/9/1854.

Como notam Robin Law e Kristin Mann, até 1844, o vínculo de Francisco Félix de Souza com a nação portuguesa foi fluido e oportunista, alternando com a identidade brasileira, a depender das vantagens que as bandeiras dessas nações lhe ofereciam no contexto do tráfico ilegal. Porém, a partir da ocupação portuguesa do forte, Souza colaborou na sua reconstrução e priorizou a aliança lusitana, por possibilitar o controle do enclave militar e enfrentar, com maior força, a pressão imperialista da Inglaterra e da França.14 14 LAW, Robin; MANN, Kristin. West Africa in the Atlantic Community: the Case of the Slave Coast. William and Mary Quarterly, v. 56, n. 2, p. 307-334, 1999, p. 328. O esforço valeu a pena, e, em janeiro de 1846, a Coroa portuguesa o nomeava Cavaleiro da Ordem de Cristo.15 15 AHU, STP, cx. 487, Conde de Thomar ao ministro da Marinha, 17/1/1846; Livro 465, Lisboa, Portaria n. 496, 23/1/1846, fl. 141v. SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos, op. cit., p. 112-13. Com esse aval, em setembro, Antonio Félix de Souza, o filho do Chachá, solicitava a Lisboa o posto de governador militar do forte, oferecendo-se para organizar e fardar uma companhia de pretos da terra.16 16 AHU, STP, cx. 488, doc. 23, Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 7/09/1847.

Após quase cinco anos em terras daomeanas, em setembro de 1848, o padre Julião Pires Santos embarcava de volta para São Thomé.17 17 ESPARTEIRO, António Marques. Três séculos no mar: 1640-1910. Lisboa: Ministério da Marinha, 1972-1986, v. 22, p. 99. Arquivo Geral da Marinha (AGM), Lisboa, Escuna Conde do Tojal, Caderno de Quartos 1848-50, 5-11/9/1848 Levava uma carta do Chachá informando que, embora a “capela se acha[sse] em bom e decente estado”, o forte estava de novo “um pouco arruinado”. Desaconselhava, porém, repará-lo, pois o comércio dos dois principais produtos do país era inviável: o dos escravizados estava proibido, e o do azeite de dendê era de muita parca vantagem para Portugal. Aliás, se o forte fosse convertido em feitoria de azeite, como haviam feito a França e a Inglaterra, Portugal seria obrigado a pagar os “costumes” (tributos) anuais ao rei do Daomé.18 18 AHU, STP, cx. 488, Francisco Félix de Souza ao governador de São Thomé, 10/09/1848.

O Chachá faleceu em 8 de maio de 1849, sendo sucedido no cargo pelo seu filho Isidoro Félix de Souza. Nessa altura, o governador de São Thomé reconhecia a impossibilidade de pagar os presentes do forte ao rei Guezo, oferecidos, no passado, pelo Chachá, e o conselho de São Thomé recomendava o fechamento do forte.19 19 AHU, STP, cx. 488, doc. 8, Conselho do governo de São Thomé ao ministro da Marinha, 11/9/1849. Contudo, o revezamento de oficiais continuava e, em setembro de 1850, desembarcavam o novo governador do forte, o ­segundo-tenente Francisco Celestino Elesperch e o padre José Vaz Ribeiro Gastão, assim como dois soldados e um civil.20 20 ESPARTEIRO, António Marques. Três séculos no mar: 1640-1910, op. cit., v. 22, p. 88.

Segundo movimento: 1851-1852. O bloqueio naval de Uidá e a visita do governador de São Thomé

Nos seus esforços para abolir o tráfico de escravos, os ingleses restabeleceram relações diplomáticas com o Daomé a partir de 1849, nomeando John Duncan como vice-cônsul do Daomé. Porém, em julho de 1850, o cônsul John Beecroft já tinha percebido que Guezo só iria abandonar o comércio negreiro pela força e propôs o bloqueio naval de Uidá. Essa movimentação diplomática gerou a reação do governo francês, que, em janeiro de 1851, promoveu o envio de uma missão ao Daomé, sob o comando do oficial da Marinha Auguste Bouet. Em julho, Bouet assinava um tratado com o rei Guezo que garantia a liberdade dos agentes da casa Régis e assegurava o apoio aos “missionários franceses que fossem se instalar no seu território”. No contexto da concorrência franco-inglesa, a missão Bouet podia ser percebida como a renovação da influência francesa na região. Entretanto, ela não deixou de causar certo embaraço diplomático, pois, naquele momento, os ingleses estavam defendendo Abeokuta e Lagos da ameaça de Guezo, e a aliança franco-daomeana podia ser interpretada como uma provocação antibritânica.21 21 House of Commons Parliamentary Papers (HCPP), Slave Trade (ST) 1850/1, Class B, n. 9, Beecroft to Palmerston, 22/07/1850. NARDIN, Jean-Claude. La reprise de relations franco-dahoméennes au XIXe siècle: La mission d’Auguste Bouët à la cour d'Abomey (1851), op. cit., p. 76, 86-87, 103-04; LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 218.

Nessa disputa pela “marcação da fronteira das zonas de influência”, o lado português também se movimentou. Seguindo ordens de uma portaria régia de março de 1851 (pouco depois do anúncio da missão francesa), o governador de São Thomé nomeou Isidoro Félix de Souza, o Chachá II, como novo governador civil e militar da fortaleza de Ajudá, que, por sua vez, propôs três de seus irmãos para comandar a guarnição militar.22 22 AHU, STP, cx. 490, doc. 1, Isidoro Félix de Souza ao governador de São Thomé, 20/09/1851; doc. 74, Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 12/12/1851. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 81-82. Pouco tempo depois, em janeiro de 1852, os ingleses iniciavam o bloqueio naval de Uidá, para tentar acabar com o tráfico, situação que iria se prolongar até junho daquele ano. Nessa conjuntura, Isidoro Félix de Souza escrevia a São Thomé antevendo as desordens que o bloqueio poderia causar e solicitava um vaso de guerra português para oferecer auxílio à comunidade lusófona.23 23 AHU, AHU, STP, cx. 490, Notification of blockade, 6/12/1851; Comandante Bruce ao governador de São Thomé, 15/6/1852; Isidoro Félix de Souza ao governador de São Thomé, 22/12/1851; 9/3/1852; 8/9/1852.

O pedido foi atendido, e, em 4 de abril de 1852, o próprio governador de São Thomé, José Maria Marques, no início do seu segundo mandato, chegava a Ajudá na corveta Oito de Julho. Passou dez dias em terra, empossando o Chachá II no cargo de governador e o baiano José Pinheiro de Souza, conhecido pela alcunha de Itaparica, como escrivão e tabelião.24 24 AHU, STP, cx. 490, docs. 99, 100, 102, 104, 125, 143, Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 28 e 29/3, 31/5, 5/6, 2/7 e 23/9/1852. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 62, 81-82, 120; ESPARTEIRO, António Marques. Três séculos no mar: 1640-1910, op. cit., v. 15, p. 71; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op. cit., p. 62; LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 218-19. Silva informa que, na viagem de volta, o governador teria levado consigo os antigos livros que se conservavam no forte. O governador de São Thomé (doc. 125) menciona a existência de uma escola, com mais de 40 alunos, no seio do forte, financiada pelo Chachá. A visita oficial significava o reforço dos laços entre a família Souza e as autoridades de São Thomé, reafirmando a soberania lusitana, não apenas na fortaleza, mas no distrito circundante, o sarame português. Domingos José Martins, outro proeminente mercador e negreiro brasileiro na região, bancou, juntamente com o Chachá II, as despesas da corveta durante a estada do governador, emergindo na cena local como sucessor do Chachá I, em termos de poderio comercial.25 25 AHU, STP, Livro 359, Portaria n. 902, p. 37. Sobre Domingos ver: ROSS, David A. The Career of ­Domingo Martinez in the Bight of Benin, 1833-1864. Journal of African History, v. 4, n. 1, p. 79-90, 1965. Porém, a aliança política entre Portugal e a comunidade agudá se traduzia de forma precária no campo religioso.

Um ano depois, o novo governador de São Thomé, Francisco José de Pina Rollo, alertava para o escasso aproveitamento do forte de Ajudá e defendia, se não o abandono, a sua reconversão em representação consular de tipo comercial, não mais militar. Para reforçar sua posição, denunciava a política de revezamento de padres na fortaleza (Tabela 1), arguindo que eles eram incapazes de catequizar, por falta-lhes “a instrução e a moralidade”; e citava o padre Gregório Alves Pereira Neto, recém-chegado de lá, que “sempre viu a igreja deserta quando celebravam a missa e aqueles que assistiam faziam-no por simples curiosidade”, sem que ele tivesse sido chamado para casamentos ou enterros.26 26 AHU, STP, cx. 491, doc. 6, Governador de São Thomé ao presidente do Conselho Ultramarino, 14/7/1853.

Tabela 1:
Padres enviados a São João Batista de Ajudá pelo governo de São Thomé e Príncipe e número de batismos realizados (1844-1861)27 27 A quantificação dos batismos de cada padre é aproximada, pois os dados disponíveis apenas registram os batismos realizados por ano astronômico (janeiro-dezembro). O critério seguido foi atribuir a cada padre a totalidade dos batismos do ano de sua partida. 28 28 Faleceu em Ajudá, em setembro de 1851. Porém, em junho, Bouet fala de “um único padre negro português que teve que partir recentemente por falta de meios de subsistência”: NARDIN, Jean-Claude. La reprise de relations franco-dahoméennes au XIXe siècle: La mission d’Auguste Bouët à la cour d’Abomey (1851), op. cit., p. 121. 29 29 Outra fonte sugere que ele só batizou 20 pessoas, todos adultos, e ouviu três confissões: AHU, STP, cx. 491, doc. 6, Governador de São Thomé ao presidente do Conselho Ultramarino,14/7/1853.

Contudo, três anos antes, em 1850, um oficial da Marinha inglesa mencionara os padres “negros” de São Thomé pregando a “multidões” (large flocks) e apontara a potencial eficácia do clero indígena na conversão de novos fiéis.30 30 FORBES, Frederick E. Dahomey and the Dahomans, Being the Journals of Two Missions to the King of Dahomey, and Residence at His Capital, in the Years 1849 and 1850. Londres: [s.n.], 1966 [1851], v. i, p. 93, 117-119. Com efeito, a maioria dos curas enviados de São Thomé e Príncipe eram negros e mestiços, naturais dessas ilhas, mas ordenados nos seminários da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão e do Rio de Janeiro.31 31 AHU, STP, cx. 492; Relação nominal dos reverendos eclesiásticos desta Ilha, 1854; Mapa dos eclesiásticos existentes na Ilha de São Thomé, 1854. Havia, porém, alguns padres de “raça Angola” ou “súbditos portugueses indianos de Goa”: PIERUCCI, J. Agoué. Village de liberté, de l’origine en [sic] 1953. Documento datilografado, editado por Telemark, 1953, p. 12; TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey. Tese (doutorado em história) — Boston University, Boston, 1975, p. 158.

A crítica aos padres negros seria reiterada, anos depois, pelo tenente da Marinha portuguesa Carlos Eugenio Corrêa da Silva. Ele sustentava que o remoto posto de Ajudá era utilizado pelas autoridades de São Thomé para se desfazer de “algum desmoralizado padre preto”, ou para “deportar” e “castigar” oficiais caídos em desgraça, que iam “passar fome e sofrer misérias”, sujeitos às esmolas do Chachá. Silva deplorava a formação desses padres “ignorantes, imorais e perversos”.32 32 SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 78-80, 96. DUPUIS, P. H. Sejour des premiers missionnaires au fort portugais de Ouidah. La Croix du Benin, 19 de outubro 1990, p. 7 e 11. Na ausência, desde 1800, de um bispo efetivo na diocese de São Thomé, o máximo responsável pela escolha dos curas destinados a Ajudá era o Vigário Procapitular: AMBRÓSIO, António. Subsídios para a história de S. Tomé e Príncipe. Lisboa: Livros Horizonte, 1984, p. 12, 15. Apesar desse recorrente discurso de desqualificação, a comunidade agudá parece ter reagido de forma variada à presença dos curas negros. Em 1855, por exemplo, um abaixo-assinado de 49 indivíduos, todos homens e residentes em Uidá, atestava a boa conduta civil e religiosa do cura negro Faustino Dias d’Andrade, que retornava a São Thomé.

Aliás, essa lista oferece uma boa radiografia da elite agudá da cidade. Vinte e um deles estavam, positivamente, envolvidos no tráfico, embora, entre 1854 e 1856, a repressão inglesa tenha conseguido derrubar o preço dos cativos, e o negócio tenha declinado, reduzindo-se apenas a Cuba. Law sustenta que, naquele momento, havia aumentado o número dos traficantes portugueses e espanhóis em detrimento dos brasileiros, mas os assinantes de 1855 mostram um relativo equilíbrio entre europeus, brasileiros e africanos. Também a proporção entre brancos, mestiços e negros era equitativa. Cabe notar, porém, que, com exceção de dois casos ainda duvidosos, todos os assinantes eram nascidos livres, sem o estigma da escravidão.33 33 AHU, STP, cx. 495, Traslado de documentos no processo do padre Faustino de Andrade, 18/4/1855, doc. 8, Abaixo-assinado da comunidade agudá, 16/4/1855. Só foi possível identificar a nacionalidade de 38 dos assinantes (10 portugueses, um francês, um espanhol, 14 brasileiros e 12 africanos), e a cor de 27 deles (10 negros, 6 mestiços, 11 brancos). Vários brasileiros cuja cor não foi identificada eram, provavelmente, mestiços ou pretos (crioulos). LAW, Robin. A comunidade brasileira de Uidá e os últimos anos do tráfico atlântico de escravos, 1850-66. Afro-Ásia, n. 27, p. 55-57, 2002.

Uma semana depois do abaixo-assinado, dezesseis daqueles devotos agudás participaram de um batismo coletivo na vizinha cidade de Agoué, organizado pelo já citado Joaquim d’Almeida e oficiado pelo padre Faustino d’Andrade. A cerimônia durou três dias e reuniu a elite mercantil regional, incluindo alguns dos Souza e alguns portugueses, mas a maioria dos participantes era africana e crioula, vinda do Brasil. Percebe-se, assim, uma aparente separação interna da comunidade agudá entre os mercadores de Uidá, com maior presença portuguesa e da família Souza, e os de Agoué, na sua maioria africanos e crioulos retornados, marcados pelo passado do cativeiro. A divisão não era estritamente racial, mas envolvia uma hierarquia de status. No entanto, ambos os grupos utilizavam o ritual católico, missas e batismos, para articular e reforçar seus interesses mercantis.34 34 PARÉS, Luis Nicolau. Afro-Catholic Baptism and the Articulation of a Merchant Community, Agoué 1840-1860, op. cit.

O rei Guezo faleceu em 1858 e foi sucedido pelo seu filho, o rei Glele, iniciando-se um período de tensão entre Abomé e a comunidade portuguesa de Uidá. Aliás, em maio do mesmo ano, falecia Isidoro, o Chachá II, assumindo, como Chachá III, Francisco Félix de Souza (Chico), após os breves mandatos dos seus irmãos Antonio e Ignácio.35 35 FOÀ, Édouard. Le Dahomey: histoire, géographie, mœurs... expéditions françaises 1891-1894. Paris: A. Hennuyer, 1895, p. 30-31; GURAN, Milton. Agudás: os “brasileiros” do Benim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 181-82.; LAW, Robin. A comunidade brasileira de Uidá e os últimos anos do tráfico atlântico de escravos, 1850-66, op. cit., p. 71-72. Entretanto, o forte português entrava em nova fase de declínio, ficando aos cuidados do solitário e lacônico escrivão Itaparica.36 36 SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 83. Começaram a correr rumores de que os ingleses e os franceses queriam ocupá-lo, com o consentimento do novo monarca. Assim, Ajudá entrou, mais uma vez, na agenda da Coroa portuguesa.37 37 AHU, STP, cx. 494, doc. 19, Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 10/03/1859. AHU, STP, Livro 359, Portaria n. 18, 25/02/1859, fls. 252-251v.

Vindo de São Thomé, em maio de 1859, o tenente Francisco de Assis e Silva realizou uma missão em Ajudá a bordo do Cabo Verde. Levava como passageiro o presbítero Claudio Furtado de Lencastre. Negro, natural da ilha de Príncipe e ordenado em Pernambuco, em 1851, Lencastre era um daqueles curas “deportados” que viajou a Ajudá contra sua vontade e não de forma muito decorosa, dormindo no convés entre os animais.38 38 AHU, STP, cx. 495, Relatório de Francisco de Assis e Silva ao governador de São Thomé, 25/6/1859. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 84-85. AHU, STP, cx. 494, Requerimentos de Rafael Martins Soledade e outros e de Francisco Martins Xavier e mulher a Sua Majestade, Ilha do Príncipe, 24/6/1859 e 27/7/1859. Passou quase dois anos no continente, onde os missionários franceses o encontraram em sua chegada.

Terceiro movimento: 1861. A ocupação do forte de Ajudá pela missão francesa

Em 1851, como visto, a missão Bouet tinha sido habilmente utilizada pelo Daomé no seu confronto com Abeokuta e com a Inglaterra. Uma década depois, deu-se um novo embate entre o Daomé e os ingleses que, por sua vez, gerou uma aproximação com a França. O recém-empossado Glele, ao contrário de seu pai, pretendia reavivar o militarismo, os sacrifícios humanos e o tráfico de escravos, em claro desafio à política inglesa. Em 1859 e em 1860-1861, ele denunciou e ameaçou o pastor metodista Peter Bernasko, residente na feitoria inglesa de Uidá, e o utilizou como refém no renovado conflito com Abeokuta.39 39 LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 254-55. Foi nessa conjuntura que Glele acolheu de braços abertos os padres da Societé des Missions Africaines (SMA) de Lyon, chegados a Uidá em 18 de abril de 1861.

Aos olhos das autoridades daomeanas, os padres da SMA eram representantes da França, do mesmo modo que, no passado, o foram os governadores do forte francês e, depois, os agentes da feitoria Régis.40 40 Ibidem, p. 256. Contudo, àquela altura, o governo francês não parecia muito interessado em dar suporte à Igreja Católica e, no fim de contas, foi o capital privado que bancou a viagem e a missão da SMA. Amparado no tratado de 1851, que reconhecia o direito da França de enviar missionários ao Daomé, o poderoso Victor Régis chegou a um acordo com o fundador da SMA em Lyon, monsenhor Melchior de Marion Brésillac, justificando o apoio à missão no habitual discurso civilizatório dos europeus. Entretanto, o investimento lhe interessava, na medida em que podia fundar escolas para formar quadros nativos que assumissem nas feitorias da sua propriedade.41 41 MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862). Paris: Karthala, 2011, p. 6. Para uma análise do processo de fundação da SMA em 1856, a concessão papal do vicariato apostólico do Dahomey a essa sociedade e o apoio de Régis à iniciativa, ver: TRICHET, Pierre. Préhistoire de la Mission du Dahomey. Bulletin de la Societé des Missions Africaines, n. 111, p. 5-80, 2001, p. 42-44. Lembre-se que, desde sua instalação na costa africana, na década de 1840, a companhia Régis foi suspeita de envolvimento no tráfico e, por isso, em 1850, seu diretor teve sérios problemas com a Justiça e com o governo francês.42 42 NARDIN, Jean-Claude. La reprise de relations franco-dahoméennes au XIXe siècle: La mission d’Auguste Bouët à la cour d’Abomey (1851), op. cit., p. 64-66, 70. Nessa perspectiva, as missões católicas francesas em Uidá foram implantadas à sombra de uma fortuna acumulada, em parte, com o lucro do tráfico.

Em 1861, o diretor da feitoria Régis em Uidá, o sr. Jules Lartigue, acolheu os dois padres da missão, o italiano Francesco Borghero e o espanhol Francisco Fernandez, no forte francês, mas, aparentemente, de forma bastante fria. Seria por motivos de índole nacionalista, por eles não serem franceses? Ou por que poderiam atrapalhar a rotina do serralho, que, talvez, funcionasse na feitoria? Como quer que seja, no dia 21 de abril, três dias após seu desembarque, os padres celebravam uma primeira missa na capela do forte português e, em 6 de maio, obtinham permissão do yevogan, o representante do rei Glele em Uidá, para lá se instalar.43 43 MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862), op. cit., p. 28-29, 66, 196. DUPUIS, P. H. Sejour des premiers missionnaires au fort portugais de Ouidah, op. cit., p. 7.

Os “portugueses”, ou membros da comunidade agudá, insatisfeitos, a essa altura, com o padre Lencastre, intercederam às autoridades locais para obter a cessão daquele espaço e tornarem-se, assim, os patronos da missão.44 44 TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 159. O yevogan conferiu a Borghero o título de “governador” da fortaleza, título que este disse ter aceito “obrigado pela conjuntura.”45 45 BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865). Paris: Karthala,1997, p. 47. Borghero consultou Lyon sobre a necessidade de obter ratificação jurídica de Lisboa para a ocupação daquele enclave. Segundo seus superiores, seria buscar problemas com o governo francês, sendo melhor nada fazer. Todavia, em novembro de 1863, após sua visita a Abomé, Borghero informou que o rei “nos confirmou a possessão do forte português”.46 46 DUPUIS, P. H. Sejour des premiers missionnaires au fort portugais de Ouidah, op. cit., p. 11. A carta de Borghero seria de 3/11/1863.

A “usurpação” consentida do território lusitano foi favorecida pela expulsão do padre Lencastre. Na véspera da chegada dos missionários, ele teria fugido de Uidá em direção a Agoué, levando as joias da capela. Preso pelos homens do yevogan, ele ficou sob custódia, antes de ser embarcado para São Thomé. Borghero lhe proibiu celebrar missas e administrar os sacramentos, em virtude da autoridade que lhe conferia o recém-fundado vicariato apostólico do Dahomey, que, criado canonicamente pelo papa em 1860 e confiado à autoridade das missões de Lyon, se estendia do rio Volta ao rio Níger. Dias depois, ainda inseguro dos limites de sua autoridade, Borghero perguntava à Propaganda Fide como proceder com os padres “estrangeiros”, questionando, com tecnicismos de jurisprudência eclesiástica, seus direitos a oficiar batismos e casamentos e levantando suspeitas sobre a legitimidade pontifícia de São Thomé.47 47 MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862), op. cit., p. 31-32; BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 45. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 80-81. SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op. cit., p. 64-65.

A atitude de superioridade dos missionários brancos perante os de “raça negra” seria reproduzida em outros contextos e atingiria, também, catequistas seculares negros vindos do Brasil. O debate sobre a “africanização do clero” e se era preferível formá-lo na Europa ou nos territórios africanos vinha do século XVI e continuava na segunda metade do XIX, sobretudo em relação à possível admissão de “indígenas” nos quadros da sociedade missionária.48 48 Sobre catequistas seculares e a admissão de negros como missionários no século XIX: ASMA, 12/802.00, n. 20227, Cloud a Planque, Porto Novo, 4/07/1866; CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, estrangeiros: os escravos brasileiros e sua volta à África. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 197-99, 216-221; TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 169-74. Sobre o clero indígena: AMBRÓSIO, António. Subsídios para a história de S. Tomé e Príncipe, op. cit., p. 13-16. MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862), op. cit., p. 161, 174-175. Para um panorama mais amplo: MARCUSSI, Alexandre Almeida. A formação do clero africano nativo no Império Português nos séculos XVI e XVII. Temporalidades, v. 4, n. 2, p. 38-61, 2012.

A esse discurso de superioridade eclesiástica e racial se somava, após a expulsão de Lencastre, o apoio dos agudás “que não querem mais padres negros de São Thomé”. A sua vida licenciosa, envolvendo trato com mulheres e a cobrança pelos batismos e sepultamentos, teria contribuído para a recusa local. Assim, no início, a missão francesa recebeu o apoio local de mercadores como Domingos José Martins, que financiou a reconstrução da capela, e do escrivão Itaparica, que cedeu alguns dos seus escravos para os trabalhos. Como os patronos eram escravocratas, a condenação da escravidão por parte dos missionários foi sempre morna; aliás, eles próprios acabaram comprando vários cativos, com o beneplácito de Lyon, prometendo sua liberdade após o fim das obras.49 49 BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 46-48, 134; TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 158-60; SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 81, 83-84, 98; MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862), op. cit., p. 66, 137-138.

Como afirma Michael Turner, os agudás e os missionários formavam dois grupos com expectativas e imagens preconcebidas um do outro. Embora os dois acabassem por se defraudar mutuamente, entraram numa “relação simbiótica” de mútua dependência, ainda que não reconhecida, dependência essa que não respondia ao modelo esperado do “africano suplicante” e do “missionário doador”, pois os estrangeiros precisavam do apoio local para sobreviver. De fato, os agudás pensavam que a Igreja e as missões europeias estavam na África para atender suas necessidades. A principal vantagem que esperavam dos missionários era a educação (alfabetização, mais do que instrução religiosa) dos seus filhos. Alguns pais chegavam a entregar suas crianças para trabalhar na missão, na expectativa de um retorno educacional.50 50 TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 155, 161, 167, 188. BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 48.

Desde sua chegada, os missionários acolheram algumas crianças em regime de internato, mas, somente em fevereiro de 1862, foi aberta, formalmente, uma escola, com cerca de 40 estudantes. Entre eles, figurava o filho caçula do já falecido Chachá I, embora não conste qualquer registro de apoio da família Souza à missão. Alguns catequistas migraram da missão metodista, quando, em 1861, Glele exerceu forte pressão sobre os pastores protestantes. Todavia, a educação e a conversão cristã ficavam restritas, por ordem do monarca, aos filhos de súditos mestiços, estando vedadas aos autóctones negros.51 51 BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 48, 94; MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862), op. cit., p. 169 ; BONFILS, Jean. La Mission catholique en République du Bénin, op. cit., p. 80, 86. LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 255.

Como já comentado por vários autores, a missão de Lyon se viu forçada a adotar a língua portuguesa para o ensino e a catequese. Borghero defendia essa política linguística por pragmatismo, pois o português era a língua veicular da comunidade agudá, e sabia que a missão dependia dela. No entanto, isso causou embaraço na colônia francesa, e o uso do português foi denunciado oficialmente por “alguns paroquianos franceses”, acusados de pouco devotos por Borghero.52 52 ASMA, 12/802.00, n. 19928, Borghero a Planque, Uidá, 26/10/1863; n. 20041, Borghero a Planque, Porto Novo, 24/08/1864. BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 46; TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 162, 162a, 162b. Assim, a língua se constituiu num campo simbólico de disputa entre os religiosos da missão e os agentes do governo laico francês e, de modo geral, entre a França e a comunidade lusófona local. A tensão entre a lusofonia e a francofonia é emblemática das forças nacionalistas que operavam por trás dos projetos de missionização.

Com o passar do tempo a missão começou a enfrentar dificuldades para dar conta das demandas da comunidade local. O reduzido número de missionários, suas enfermidades e a crescente requisição dos seus serviços em outras cidades (Lagos, Agoué, Porto Novo e Abeokuta) foram desencantando os agudás.53 53 TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 163-167. Aliás, divergências mais profundas foram surgindo com a ortodoxia do discurso missionário e as acusações de serem os agudás cristãos apenas de nome ou superficiais.

Com efeito, os “brasileiros” participavam das missas, dos batismos e das festividades da Imaculada Conceição, como uma forma de distinção social, para marcar seu status perante a população autóctone. Porém, como alerta Turner, a centralidade dessa dimensão sociológica no catolicismo agudá não deve minimizar o possível sentimento da sua experiência religiosa que, pela via ritualística, podia expressar uma convicção espiritual honesta e genuína. A religiosidade agudá era plural, eclética e flexível, baseada no princípio da adesão e da acumulação de recursos espirituais, e batia de frente com a ideologia da conversão exclusivista imposta pelo dogma papista. Os agudás também não aceitavam interferência na sua vida privada e as críticas dos padres em relação à poligamia e a outras práticas sociais como a escravidão doméstica.54 54 Ibidem, p. 185-190. Sobre as festividades de Natal e da Imaculada Conceição e a devoção supostamente superficial e ritualística dos agudás: ASMA, 12/802.00, n. 20499, Seguer a Planque, Porto Novo, 2/01/1869. Ver também, CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, estrangeiros: os escravos brasileiros e sua volta à África, op. cit., p. 189-90. Essas questões de ordem prática e cotidiana foram afastando dos missionários a população local, que acabou por voltar-se contra eles.

Quarto movimento: 1863-1864. A lenta preparação da reação portuguesa

De volta à geopolítica global, após o fracasso inglês em estabelecer um cônsul em Uidá, os franceses conseguiam nomear, em janeiro de 1863, Marius Daumas (agente da firma Régis) como vice-cônsul francês, ao tempo em que assinavam um tratado de protetorado com o reino de Porto Novo. Glele utilizava, de novo, a aproximação aos franceses como estratégia para frear as investidas antiescravistas dos ingleses e vingar-se pelo seu apoio a Abeokuta.55 55 Para a nomeação do vice-cônsul: Journal des Débats, 6/01/1863, p. 1; LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 258. Contudo, o comandante da Marinha francesa, o barão Didelot, advertia aos missionários, já naquele momento, que o forte português não era um enclave seguro e recomendava buscar outro lugar, pois as autoridades consultadas em São Thomé e Angola reafirmavam a soberania portuguesa da fortaleza.56 56 ASMA, 12/802.00, n. 19936, Courdioux, Diário do mês de fevereiro, Uidá, 1/3/1863.

Com sagacidade, o futuro superior da missão, o padre Philibert Courdioux, pressagiou que o revés diplomático sofrido pelos ingleses os levaria a pressionar Portugal para instalar um cônsul em Uidá e, de fato, a primeira reação portuguesa ao avanço político-comercial dos franceses veio via Londres.57 57 Idem. Em abril daquele ano, o conde de Lavradio (Francisco Almeida de Portugal), ministro plenipotenciário na capital inglesa, protestava junto ao duque de Loulé (presidente do Conselho de Ministros) pela presença dos missionários na igreja portuguesa e transcrevia uma notícia de The Times onde se dizia que o vice-cônsul francês teria hasteado a bandeira tricolor “sobre o velho e desmantelado forte daquele lugar”. O ministro da Marinha menosprezou o assunto, alegando que ela teria sido hasteada no forte francês, e não no português.58 58 O conde realizou um primeiro protesto contra o vice-consulado francês em janeiro. AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fls. 222-231; cf. Conde de Lavradio a duque de Loulé, Londres, 8/01/1863, 7/02/1863, 14/04/1863; Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar ao ministro secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, 22/06/1863.

Se os franceses ganharam certa proteção política do rei do Daomé, eles foram perdendo, como já referido, o apoio da comunidade agudá. Por exemplo, quando, em 31 de março de 1863, um raio causou um grande incêndio no forte português, Borghero foi acusado pelos sacerdotes do vodum Hevioso de ter atraído a fúria do deus do trovão. O padre foi preso, mas não contou com o apoio dos “portugueses” e, para ser solto, teve de pagar uma multa, arcada, finalmente, pela casa Régis.59 59 BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 129-33; SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 86-87. Cabe notar que a missão também não recebeu qualquer apoio do governo francês, que era explicitamente laico.

O tabelião Itaparica informou o incidente pontualmente a Lisboa, o que, juntamente com a missiva do conde de Lavradio, significa que o governo português tinha ciência da ocupação do forte desde, pelo menos, abril de 1863.60 60 AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fls. 222-223; cf. Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar ao ministro secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, 22/06/1863. Em retrospectiva, os franceses declaravam que Itaparica “comunicou várias vezes ao seu governo a ocupação do forte português pelos missionários e nunca recebeu nenhuma resposta”: ASMA, 12/802.00, n. 20156, Remarques sur l’ocupation du Fort Portugais de Whydah, Uidá, 1865. Por outro lado, o núncio apostólico de Lisboa, a máxima autoridade do padroado, também estava a par do caso. Em meados de 1863, tinha sido nomeado um cura, originário de Goa, para ocupar o posto de Ajudá e, em janeiro 1864, a notícia era conhecida pelos missionários franceses. Inquieto, Borghero sugeriu, mais uma vez, que a Propaganda Fide negociasse com Lisboa. Em maio, o cardeal Alessandro Barnabó escrevia ao núncio para que fosse respeitada a autoridade da missão francesa. Após consulta ao vigário-geral de Congo e Angola, o núncio respondia a Roma que a “gelosia di nazionalità” (o zelo nacional) não toleraria que um padre francês assumisse o controle de uma paróquia portuguesa.61 61 ASMA, 12/802.00, n. 20009, Borghero a Planque, Uidá, 30/1/1864; n. 20023, Noché H. a Planque, Uidá, 18/4/1864; n. 8/75, Barnabó a Borghero, Roma, 10/5/1864; n. 4666/77, Núncio de Lisboa a Barnabó, Lisboa, 7/10/1864, e Vicário Geral de Congo e Angola ao Núncio Apostólico de Lisboa, Luanda, 28/7/1864. Ou seja, em paralelo à via política, as autoridades do padroado também sabiam da presença francesa no forte de Ajudá.

Contudo, a situação não parecia inquietar o governo lusitano, que demorou meses para reagir. De fato, foi a instâncias da iniciativa local da comunidade agudá que se produziram os primeiros movimentos. Em janeiro de 1864, faleceu Domingos José Martins, o principal patrono da missão, que, após o incêndio do ano anterior, tinha reconstruído o telhado da capela.62 62 BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 134. Em agosto de 1864, o comerciante português [José] Medeiros também fez uma doação de 550 fr aos missionários franceses para restaurar a capela: ASMA, 12/802.00, n. 20066, Courdioux a Planque, Journal de la Mission, 18/08/1864. Talvez aproveitando esse vazio de poder, Chico Félix de Souza, o Chachá III, solicitou ajuda aos portugueses, os tradicionais aliados da sua família, numa tentativa de recuperar a antiga liderança dos Souza à frente da comunidade agudá e, ao mesmo tempo, reaver seu feudo histórico no forte português.

Em carta datada em março de 1864, ele acusava o recebimento de uma bandeira portuguesa - talvez a única reação oficial aos protestos nacionalistas do conde de Lavradio - e assegurava que, graças à sua insistência, já estava içada na fortaleza. Porém, ele solicitava o envio de um governador e um padre, ao tempo em que sugeria mandar uma embaixada oficial, com presentes, ao recém-empossado rei Glele.63 63 AHU, STP, cx. 498, doc. 157, Francisco Félix de Souza ao Governador de São Thomé, Uidá, 18/3/1864; Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 11/6/1864. Turner diz que o Chachá atuou desse modo ao se sentir traído pelo “esquecimento” dos missionários, mas, talvez, tivesse outros motivos.64 64 TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 190. Glele nomeou Quenum, um cabeceira de ascendência fon, como “chefe dos comerciantes” em Uidá, e havia já um tempo que a comunidade agudá sentia a hostilidade de Abomé, gerando, inclusive, o êxodo de vários negociantes para outras cidades fora do reino.65 65 LAW, Robin. A comunidade brasileira de Uidá e os últimos anos do tráfico atlântico de escravos, 1850-66, op. cit., p. 73. Sobre a hostilidade dos cabeceiras locais contra os negociantes portugueses, ver: AHU, STP, cx. 495, doc. 105, Abaixo-assinado de 1/2/1860. Assim, o apelo do Chachá III a São Thomé combinaria ambição pessoal com uma calculada estratégia para ampliar sua influência política junto a Abomé.

Todas essas forças locais e internacionais se coadunaram para que o governo de Lisboa tomasse, finalmente, uma decisão. Em portaria de 3 de outubro de 1864, o ministro da Marinha e Ultramar aprovava a embaixada lusa e ordenava ao governador de São Thomé ir pessoalmente inspecionar o estabelecimento de Ajudá, empregando os meios necessários para “evacuar do forte os estrangeiros que nele residiam”.66 66 AMNE, 2o piso, A15, cx 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fl. 218. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 1-2, 87. SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op cit., p. 65. A embaixada demorou, porém, ainda alguns meses para efetivar-se.

Quinto movimento: 1865. A reocupação do forte pelos portugueses

Em fevereiro de 1865, a Marinha francesa notificava o padre Courdioux, já superior da missão após a partida de Borghero, das intenções portuguesas, acrescentando que contavam com o beneplácito do rei do Daomé.67 67 ASMA, 12/802.00, n. 20135, De la Mark a Courdioux, a bordo do Surprise, 14/02/1865. Os franceses tinham sabido do projeto português por meio de inteligência coletada no Gabão. Em 6 de março, Courdioux, embora confiante de que o perigo não era iminente, dizia estar utilizando um espião brasileiro para saber quem eram os inimigos que tramavam contra a missão.68 68 ASMA, 12/802.00, n. 20137, Courdioux a Planque, Uidá, 6/03/1865. TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 192.

No mesmo dia, porém, fundeava em Uidá a escuna de guerra Napier, sob o comando do tenente da Marinha Carlos Eugenio Correia da Silva, trazendo a bordo o governador de São Thomé, Estanislau Xavier d’Almeida, um ajudante de ordens, um alferes, um capelão angolano e uma guarnição de cinco soldados de Luanda, com o objetivo de recuperar a possessão portuguesa. O Chachá III, Francisco Félix de Souza, se ocupou do desembarque e da numerosa recepção, ratificando sua ativa participação na iniciativa de atrair de volta os portugueses para Ajudá.69 69 SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 2-3, 15-21; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op. cit., p. 65-66; CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez: considerações e melhoramentos a fazer no forte de S. João Baptista d’Ajudá. Lisboa: Typ. de Vicente A. G. dos Santos, 1867, p. 7; ESPARTEIRO, António Marques. Portugal no Daomé (1471-1961), op. cit., p. 7; VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos, op. cit., p. 609-610; TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 193. O português João Branco, com casa comercial em Uidá, estava na comitiva de recepção do governador de São Thomé.

Após obter as bênçãos das autoridades locais, o governador de São Thomé notificou aos missionários, por meio do agente consular francês Béraud, a necessidade de abandonar o forte. Ambos os representantes governamentais negociaram com tato e decoro diplomático os termos da evacuação e, em 13 de março, o governador tomou posse formal do forte. Houve muita pompa, desfile militar, descargas de fuzilaria, vivas à nação e um Te-Déum de ação de graças, oficiado pelo novo “cura português”, Jerônimo Pereira Barboza Netto, que era natural de Benguela.70 70 ASMA, 12/802.00, n. 20140, 20142, 20144, 20145, 20147, Correspondência entre o governador de São Thomé e o cônsul Béraud, Uidá, 11-13/03/1865. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 92-95, 99-101; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op. cit., p. 66; AMBRÓSIO, António. Subsídios para a história de S. Tomé e Príncipe, op. cit., p. 41. AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fls. 220-21.

Na ocasião, o Chachá III foi empossado governador civil e militar da fortaleza, embora o tenente Silva e outros militares lamentassem a eleição, por considerá-lo mais daomeano do que português e por sua duvidosa lealdade nacional, demonstrada quando, em 1861, não se opôs à ocupação francesa. Contudo, aceitaram “perdoar o erro” para garantir a governabilidade do forte.71 71 SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 92-93, 101, 104; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op cit., p. 66. CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez, op. cit., p. 19-20. De sua parte, o padre Courdioux acusava o Chachá do golpe contra os missionários, embora provavelmente ele tenha atuado “menos por malícia contra os religiosos que por poder pessoal e prestígio na estrutura política de Uidá”.72 72 Citação de TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 197-98; cf. ASMA, 12/802.00, n. 20172, Courdioux a Planque, Uidá, 1/08/1865.

Perdida a batalha política, Courdioux tentou contra-atacar pela via do direito canônico, alegando que, no vicariato apostólico do Dahomey, o presbítero lusófono não tinha autoridade para ministrar os sacramentos e, assim, lhe foi concedido o direito de celebrar missa, mas não de batizar.73 73 SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 95, 97; CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez, op. cit., p. 8. Para a suposta autoridade do vicariato do Dahomey sobre o vigário-geral de São Thomé: ASMA, 12/802.00, n. 20148, Courdioux a Béraud, Uidá, 13/03/1865; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op cit., p. 64-65. Todavia, nada disso impediu o despejo do forte, percebido pelos missionários como um “complot contra a cristandade”, e que os obrigou a se alojar de forma provisória na feitoria Régis.74 74 TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 194; SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 100.

Como bem analisado por Turner, o incidente gerou (ou veio a cristalizar) uma divisão no seio da comunidade agudá. Por um lado, estava o clã dos Souza, apoiado por mercadores portugueses como João Branco, favorável às autoridades de São Thomé, e, por outro, um grupo de brasileiros que, em carta pública, deram suporte aos franceses, alegando que, quando esses ocuparam a fortaleza, ela estava abandonada, e muitos reparos tinham sido feitos desde então. Os signatários dessa declaração eram José Francisco dos Santos (Alfaiate), Marcos Borges Ferraz, Ângelo Custodio das Chagas, Guilherme Martins do Nascimento, Francisco Antonio Monteiro, João Antonio Diaz, Padonum Quenum, o cabeceira local, e o agente da feitoria francesa, E. Signoret.75 75 ASMA, 12/802.00, n. 20155, Declaração dos residentes de Uidá, Uidá, 25/03/1865; citado também em TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 194-95. Vários deles tinham contribuído para as reformas do forte, Monteiro, em particular, que havia emprestado doze dos seus escravos para realizar a mudança dos missionários e, nos dias a seguir, os acolheria numa de suas casas perto do forte francês.76 76 ASMA, 12/802.00, n. 20159, Courdioux a Planque, Uidá 3/4/1865. Monteiro, antigo caixeiro de Domingos Martins, era representante da firma Medeiro & Soares em Uidá: Arquivo da Diocese de Uidá (ADU), Livro de Batismos 1866-1884, 7/12/1868. TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 195-96.

Todos os signatários, com exceção de Signoret, eram conhecidos negreiros. Em 1864, o viajante inglês Richard Burton identificava Santos, Ferraz, Chagas, Nascimento, Monteiro e Diaz como membros da “comunidade de traficantes” de Uidá. Ferraz e Chagas, por exemplo, já realizavam negócios juntos em Lagos, em 1853. Com exceção de Quenum, todos eram da Bahia, não constando nenhum português. Tratava-se de um grupo predominantemente negro: Santos e, talvez, Diaz eram mestiços; Ferraz era filho de mãe africana; e Nascimento e Chagas eram crioulos. Os três últimos, juntamente com Monteiro, haviam assinado como testemunhas no testamento de Antônio de Almeida, um liberto nagô retornado da Bahia, também envolvido no tráfico. Em 1868, o mesmo quarteto aparecia apadrinhando várias crianças no mesmo dia.77 77 Para a lista de Burton: House of Commons Parliamentary Papers (HCPP) 1865 (3503-I), Class B, Correspondence, 1864, p. 20-23, Burton a Earl Russell, 23/03/1864. Para o testamento de Almeida: VERGER, Pierre. Os libertos: sete caminhos na liberdade de escravos da Bahia no século XIX. Salvador: Corrupio, 1992, p. 121-24. Para a presença de Ferraz e Chagas em Lagos: VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos, op. cit., p. 575. Para os batismos em Uidá: ADU, Livro de Batismos 1866-1884, 7/12/1868, 25/12/1869. Para a identificação de Santos e Ferraz como mestiços: ASMA, 12/802.00, n. 20169, Bonnedoux a Planque, Uidá, 1/07/1865; n. 20289, Bouche a Planque, Uidá, 21/02/1867. Constituíam, portanto, um grupo coeso e de longa data, socialmente mais próximo dos agudás libertos e seus descendentes, tocados pelo estigma da escravidão, do que dos brancos portugueses. Contudo, se, em 1865, esses mercadores se colocaram do lado da missão francesa, sua lealdade mudaria nos anos a seguir, passando a participar dos batismos celebrados no forte português. O único autóctone que assinou a declaração em favor dos franceses foi o cabeceira Quenum, aliado do rei Glele, também notável negreiro e rival comercial, como já referido, da família Souza. Ele sempre alimentou a aliança estratégica com a missão, inclusive educando lá um dos seus filhos. Assim, a ampla sombra do capital do tráfico continuava a pairar sobre os padres europeus e o seu projeto evangelizador.

Sexto movimento: 1866. O cisma religioso e os dois livros de batismos

Em fevereiro de 1866, quase um ano após sua chegada, o padre Netto declarava que os portugueses só queriam batizar seus filhos no forte.78 78 AHU, STP, cx. 500, Barboza Netto ao vigário pro-capitular de São Thome, Uidá, 25/2/1866. Em maio, “instado por todos os portugueses e alguns brasileiros”, o Chachá ordenou ao cura angolano cumprir todas as suas funções, incluído o batismo.79 79 Grifos meus. AHU, STP, cx. 500, Francisco Félix de Souza a Barboza Netto, Uidá, 17/5/1866. A menção a apenas “alguns” brasileiros sugere a persistência da divisão interna dos agudás. Netto oficiou os primeiros batismos em junho, pressionado, então, pelo recém-chegado tenente Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do Canto, um exaltado patriota que não tolerava que Portugal estivesse sob a tutela papal.80 80 ASMA, 12/802.00, n. 20223, Cloud a Planque, Uidá, 2/07/1866. CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez, op. cit., p. 9. Os batismos em junho não foram registrados, iniciando-se o livro apenas em setembro: ADU, Livro de Batismos 1866-84. O padre Jean Verdelet, novo prior da missão, embora indignado, admitia, em privado, que os portugueses “só batizam seus filhos no forte” e que, a levá-los à missão, preferiam deixá-los sem batizar.81 81 ASMA, 12/802.00, n. 20232, Verdelet a Planque, Porto Novo, 3/08/1866.

Os padres Cloud e Verdelet reagiram à transgressão do pároco lusófono, dirigindo-lhe uma série de missivas que, apelando à jurisprudência “humana e divina”, foram subindo o tom até culminar na sua suspensão ab officio. Turner refere-se a um “cisma religioso” em Uidá. Em resposta e sob renovada pressão do tenente Canto, em setembro, o padre Netto oficiou novos batismos. Os missionários contestaram com uma carta dirigida aos “cristãos portugueses”, mas os lusitanos e alguns membros da família Souza responderam que não buscassem neles “partidários, por quanto cumpre-nos sustentar a dignidade nacional”, obviamente portuguesa. Os missionários só viam “cabalas” e intrigas “para derrocar o prestígio francês em Uidá e reinar sobre suas ruínas”. O yevogan se colocou abertamente do lado português, acusando os franceses de abusar do padre do forte e lhes impondo uma multa de 500 piastras e 5 barris de cachaça. Em retaliação, os missionários suspenderam a assistência sanitária, que era o serviço mais demandado pela população local. O incidente ecoaria meses depois em Lisboa, quando, num claro exercício de propaganda patriótica, o tenente Canto publicou as missivas trocadas em Uidá.82 82 ASMA, 12/802.00, n. 20.223 a 20.225, 20.228 a 20.242 e 20.248, Correspondência de Cloud, Verdelet, Netto e Francisco Félix de Souza, 1-4, 20, 22/06; 1, 3/08; 1, 8, 21, 23/09; 1, 2/10; e 2/11 de 1866; AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fls. 172-178. ADU, Livro de Batismos 1866-1884, 17/09/1866. Sobre a atividade médica: GIORDANO, Rosario. Religione e politica nel confronto tra missionari cattolici e ‘brasiliani’ a Ouidah (1861-1871). Africa: Rivista trimestrale di studi e documentazione dell’Istituto italiano per l’Africae l’Oriente, v. 53, n. 2, p. 239-257, 1998, p. 242. CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez, op. cit., p. 11-15. TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 193.

O rompimento entre os padres católicos resultou em dois livros de assentos batismais: o dos franceses, com início em 1861, e o dos portugueses, a partir de setembro de 1866.83 83 Para o original do livro francês: ASMA, 2H-50, Liber Baptismalis Ajudae 1861-1892. Há uma cópia, traduzida para o francês, no Arquivo da Diocese de Uidá (ADU). O original do livro português está extraviado. Além da cópia, traduzida para o francês, há, no ADU, uma em português, presumivelmente transcrita do original por Pierre Verger. Cópia desta última nos foi cedida, generosamente, pela professora Mariza Carvalho de Soares. A partir desses livros, é possível mapear o movimento e o alinhamento dos agudás com um ou outro lado. Obviamente, antes da chegada do cura Netto ou, mais precisamente, do tenente Canto, o predomínio francês era inquestionável. De junho de 1866 até 1871, coexistiram as duas facções eclesiásticas, mas, conforme indica a Tabela 2, houve mais batismos na fortaleza portuguesa.

Em 1867, o principal benfeitor da missão era o novo cabeceira Quenum, filho do anterior, secundado pelo “senhor Marcos” Borges Ferraz, “velho amigo da missão”, “católico, negro de cor e naturalizado branco pelos hábitos e os búzios [dinheiro local]”. Contudo, a escola contava apenas com onze crianças, um sobrinho do cabeceira e “filhos de libertos e escravos”, membros da comunidade agudá mais negra e estigmatizada. Os franceses começaram a ensinar em francês e continuavam a castigar a população com a restrição de serviços médicos.84 84 ASMA, 12/802.00, n. 20289, 20296, 20303, Bouche a Planque, Uidá, 21/02, 21/06 e 29/09/1867; n. 20298, Bouche a Arnal, Uidá, 28/06/1867; n. 20299, Séquer a Arnal, Uidá, 23/07/1867. Sobre Ferraz: VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos, op. cit., p. 437-38. Com o tempo, as intrigas dos sacerdotes do vodum e de alguns portugueses acirraram o clima de animosidade contra os missionários, e seu declínio social se propagou até 1871, quando a morte de um menino no internato, decorrente de um brutal castigo, e a nova e vultosa multa imposta pelo yevogan forçaram a retirada da missão da cidade,85 85 ASMA, 12/802.00, n. 20758, Courdioux a Planque, Uidá, 27/10/1871; n. 20759, Courdioux a Planque, Porto Novo, 1/12/1871. que se radicou, então, em Porto Novo e nas filiais de Lagos e de Agoué, retornando a Uidá apenas em 1880, conforme mostra a Tabela 2.

Tabela 2:
Quadro comparativo dos batismos oficiados pela missão francesa e pelos curas de São Thomé, Uidá 1861-1884

Considerando-se apenas o período 1866-1871, quando tanto os padres franceses quanto os portugueses atuaram na cidade, observa-se um progressivo isolamento da missão. Os agudás mais notáveis passaram a privilegiar o cura lusófono. Esse foi o padrão de membros da influente família Souza, como os irmãos Francisco e Antônio, ou do abastado negociante português Francisco José de Medeiros. Os seis baianos que, em 1865, tinham apoiado a missão passaram, porém, a partir de 1866, a batizar seus filhos e a atuar como padrinhos no forte português. Os motivos da mudança não estão claros, mas, provavelmente, respondiam a razões conjunturais. Só numa ocasião, em fevereiro de 1870, os crioulos Ângelo Custodio das Chagas e Guilherme Martins do Nascimento apadrinharam os filhos do também crioulo Elesbão Lino na missão francesa. Já em fevereiro de 1867, Marcos Borges Ferraz banqueteava com os padres franceses, embora, semanas antes, tivesse apadrinhado um filho de Medeiros na “casa do inimigo”, no forte português.87 87 ADU, Livro de batismos 1, 1861-1892; Livro de batismos 2, 1866-1884.

Em definitivo, os agudás optavam por alinhamentos políticos diferenciados, respondendo a seus interesses pessoais e comerciais, mas também a alianças baseadas em percepções raciais e de status. Todavia, isso não pressupunha um posicionamento rígido perante os projetos concorrentes de missionização francês e português. Os dados disponíveis sugerem que, em especial os “baianos”, com seu catolicismo flexível e “à sua maneira”, aproveitavam, de forma estratégica e pragmática, as possibilidades do momento, criadas pela política internacional e pela micropolítica local, para avançar na consecução de seus projetos de vida pessoal e coletiva.

À guisa de encerramento

A expulsão dos missionários franceses do forte português em 1865 e o posterior cisma religioso em Uidá não são novidade na historiografia da Costa da Mina. O evento foi documentado por autores do século XIX, como os portugueses Silva, Sarmento ou Canto, e analisado por autores do século XX, em especial Michael Turner. Minha contribuição, em termos de fontes, inclui a correspondência entre Uidá, São Thomé e Lisboa, depositada no Arquivo Histórico Ultramarino, e os livros de batismo de Uidá, depositados nos arquivos da Diocese de Uidá e da Societé des Missions Africaines, em Roma. Essa documentação permitiu conhecer melhor a política de revezamento dos padres de São Thomé em Uidá, assim como mapear aspectos da dinâmica interna da comunidade agudá. Um detalhamento biográfico mais preciso de alguns dos principais membros possibilitou identificar, por trás do seu faccionalismo, uma possível tensão de ordem racial e prestígio social. Como observa Olabiyi Yai, entre os agudás persiste, até hoje, um saber interno de “quem é quem”, que distingue entre “vermelhos” (descendentes de portugueses ou mestiços) e “pretos” (descendentes de antigos escravos retornados).88 88 YAI, Olabiyi Babalola. The Identity, Contributions and Ideology of the Aguda (Afro-Brazilians) of the Gulf of Benin: A Reinterpretation. In: MANN, Kristin; BAY, Edna (Orgs.). Rethinking the African Diaspora: The Making of a Black Atlantic World in the Bight of Benin and Brazil. Londres: Frank Cass, p. 72-82, 2001, p. 75. Contudo, a tensão sectária que podia emergir em determinadas conjunturas sofria realinhamentos contínuos ao sabor das circunstâncias.

Outra contribuição do texto foi situar o evento de 1865 em sua longa duração, de modo a entender o conflito religioso como resultado de uma movimentação geopolítica euro-africana que vinha se articulando desde pelo menos a década de 1840. Nesse sentido, quis destacar os projetos de missionização católica como processos político-religiosos, anunciando a expansão colonial da Inglaterra, da França e de Portugal na costa da África Ocidental.

O cisma religioso aqui examinado ia além de uma simples (ou complexa) disputa de jurisprudência eclesiástica. No embate entre o chefe do vicariato apostólico de Dahomey e o pároco da freguesia portuguesa de Uidá, estava em jogo a disputa entre a Congregação da Propaganda Fide, situada em Roma (com seu braço executor nas missões de Lyon), e o núncio de Lisboa e seu representante, o vigário pró-capitular de São Thomé. Em última instância, o conflito refletia o embate entre o papado e o padroado. Este último, para as elites portuguesas, fossem elas liberais ou conservadoras, tinha uma importância política crucial, associado, como estava, à defesa de interesses seculares e territoriais e a uma dimensão religiosa e simbólica. Os portugueses viam na ação da Propaganda Fide uma tentativa de favorecer a expansão e os interesses franceses.89 89 Em 1865, meses depois da expulsão do forte de Uidá, a Propaganda Fide conferia a jurisdição eclesiástica do Congo à congregação francesa do Espírito Santo: JERÓNIMO, Miguel Bandeira. Missions d’Empire. Politique et religion dans les nouveaux Brésils d’Afrique (1860-1890), op. cit., p. 75, 77-79. Assim, a batalha religiosa expressava, também, um confronto internacional franco-lusitano que, embora se dirimisse em torno da soberania de uma pequena fortaleza em terras africanas, incluía estratégias comerciais associadas, sobretudo, à exportação do azeite. Eram signos inequívocos do processo de imperialismo colonial em andamento.90 90 O processo de reclamação de indenização pelas despesas da missão francesa nas obras do forte se estendeu durante anos: ASMA, 12/802.00, n. 20.154, Inventário do forte português, Uidá, 16/03/1865; AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fls. 183-205.

Nesse contexto, apesar do aumento, em Lisboa, das vozes anticlericais que defendiam a laicidade do estado, surgiu a necessidade de definir os objetivos políticos da ação missionária, o que resultou numa “politização da prédica”.91 91 JERÓNIMO, Miguel Bandeira. Missions d’Empire. Politique et religion dans les nouveaux Brésils d’Afrique (1860-1890), op. cit., p. 81-83. Por seu lado, Roma criticava o catolicismo do padroado por um excesso de portugalização e de concessões às culturas autóctones, o que poderia ser interpretado como forma pioneira, embora talvez involuntária, da teologia da inculturação.92 92 PRUDHOMME, Claude. Missions catholiques et padroado portugais: pour de nouvelles approches, op. cit., p. 34.

Diante da crescente globalização que acompanhou a “era da transição” entre o escravismo e o dendê, e da inserção cada vez maior do Daomé no sistema capitalista atlântico, outro aspecto que este artigo quis destacar é a participação do capital do tráfico ilegal, ou daqueles que dele se beneficiaram, como mentores dos projetos de missionização católica. Reconhecidos traficantes como Chachá I e Joaquim d’Almeida bancaram a construção de capelas que favoreceram a expansão do cristianismo “lusotropical” dos padres de São ­Thomé e dos retornados afro-brasileiros. Já outros negreiros como Domingos José Martins, os baianos signatários da declaração de 1865, e a casa Régis (com um passado suspeito de envolvimento no negócio) deram suporte ao “cristianismo setentrional” das missões norte-europeias de Lyon. Esse vínculo indireto com o tráfico e a perpetuação da escravatura no contexto das missões - tema aqui tratado apenas de forma tangencial - não podem ser negligenciados.

Outro assunto que instigou a minha análise foi o modo pelo qual a dinâmica global do político-econômico incidia no nível do local, em particular na comunidade agudá. Para Turner, os “brasileiros” eram os patronos, e os missionários, os “clientes”, o que se confirma, em parte, em vista da dependência que os padres estabeleciam com a população autóctone para sua subsistência.93 93 TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 156. Contudo, a presença dos padres na Costa da Mina, fossem eles missionários franceses ou párocos africanos, dependia de decisões tomadas nos salões de Londres, Paris, Roma ou Lisboa, e sobre as quais os agudás não tinham muita influência. Ou seja, ao tempo em que os agudás possuíam sua parcela de agency, eles também “reagiam” estrategicamente a condições que lhes vinham impostas de fora e das quais, por outro lado, dependiam para satisfazer seus interesses de autopromoção e distinção social. Essa dialética ou mútua vinculação entre o global e o local, atuando, ao mesmo tempo, de cima para baixo e de baixo para cima, seria característica desse momento-lugar singular que foi a “era da transição” na Costa da Mina.

Last but not least, o projeto imperial de civilização e missionização europeia da África, no século XIX, se viu antecipado e comprometido por um movimento inverso de “paganização do cristianismo” no Atlântico Sul.94 94 A expressão “paganização do cristianismo” é de: VELHO, Otávio. Missionization in the Postcolonial World: A View from Brazil and Elsewhere. In: CSORDAS, Thomas (Org.). Transnational transcendence: Essays on Religion and Globalization. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2009, p. 31-53. A teologia da conversão e de salvação proclamada pelo cristianismo vindo do norte se viu ameaçada e subvertida pela teologia da adesão e da iniciação característica das religiões africanas e afro-brasileiras. A crítica dos missionários aos “cristãos só de nome”,95 95 BOUCHE, Abbé Pierre Bertrand. Sept ans en Afrique occidentale: La Côte des Esclaves et Dahomey. Paris: E. Plon, Nourrit et Cie. Imprimeurs-Éditeurs, 1885, p. 264. ou ao “catolicismo à sua maneira” dos retornados - reproduzida pelos imames mais ortodoxos em relação ao islã agudá - instiga discussões contemporâneas sobre a inculturação no catolicismo e ressuscita o fantasma antropológico do sincretismo, a birreligiosidade, a “consciência dividida” ou os “arquivos duplos”.96 96 VELHO, Otávio. Missionization in the Postcolonial World: A View from Brazil and Elsewhere, op. cit., p. 44. Esse caminho investigativo vai também ao encontro dos debates mais recentes sobre a constituição de um afrocatolicismo atlântico, mas esse é tema para outro texto.

Referências bibliográficas

  • AMBRÓSIO, António. Subsídios para a história de S. Tomé e Príncipe Lisboa: Livros Horizonte, 1984.
  • AKINJOGBIN, I. A. Dahomey and its neighbors (1708-1818) Cambridge: Cambridge University Press, 1967.
  • BONFILS, Jean. La Mission catholique en République du Bénin Paris: Karthala, 1999.
  • BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865) Paris: Karthala , 1997.
  • BOUCHE, Abbé Pierre Bertrand. Sept ans en Afrique occidentale: La Côte des Esclaves et Dahomey. Paris: E. Plon, Nourrit et Cie. Imprimeurs-Éditeurs, 1885.
  • CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez: considerações e melhoramentos a fazer no forte de S. João Baptista d’Ajudá. Lisboa: Typ. de Vicente A. G. dos Santos, 1867.
  • CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, estrangeiros: os escravos brasileiros e sua volta à África. São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • DUPUIS, Padre P. H. Sejour des premiers missionnaires au fort portugais de Ouidah. La Croix du Benin, 19 de outubro1990, p. 7 e 11.
  • ESPARTEIRO, António Marques. Portugal no Daomé (1471-1961) Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1962.
  • ESPARTEIRO, António Marques. Três séculos no mar: 1640-1910. Lisboa: Ministério da Marinha, 1972-1986. 32 v.
  • FOÀ, Édouard. Le Dahomey: histoire, géographie, mœurs... expéditions françaises 1891-1894. Paris: A. Hennuyer, 1895.
  • FORBES, Frederick E. Dahomey and the Dahomans, Being the Journals of Two Missions to the King of Dahomey, and Residence at His Capital, in the Years 1849 and 1850 Londres: {s.n.}, 1966{1851}. 2v.
  • GIORDANO, Rosario. Religione e politica nel confronto tra missionari cattolici e ‘brasiliani’ a Ouidah (1861-1871). Africa: Rivista trimestrale di studi e documentazione dell’Istituto italiano per l’Africae l’Oriente, v. 53, n. 2, p. 239-257, 1998.
  • GURAN, Milton. Agudás: os “brasileiros” do Benim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
  • JERÓNIMO, Miguel Bandeira. Missions d’Empire. Politique et religion dans les nouveaux Brésils d’Afrique (1860-1890). Histoire, Monde & Cultures Religieuses, n. 31, p. 75-92, 2014.
  • LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892. Athens: Ohio University Press, 2005.
  • LAW, Robin. Religion, Trade and Politics on the ‘Slave Coast’: Roman Catholic Missions in Allada and Whydah in the Seventeenth Century. Journal of Religion in Africa, v. 21, n. 1, p. 42-77, 1991.
  • LAW, Robin. A comunidade brasileira de Uidá e os últimos anos do tráfico atlântico de escravos, 1850-66. Afro-Ásia, n. 27, p. 41-77, 2002.
  • LAW, Robin; MANN, Kristin. West Africa in the Atlantic Community: the Case of the Slave Coast. William and Mary Quarterly, v. 56, n. 2, p. 307-334, 1999.
  • MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862). Paris: Karthala , 2011.
  • MARCUSSI, Alexandre Almeida. A formação do clero africano nativo no Império Português nos séculos XVI e XVII. Temporalidades, v. 4, n. 2, p. 38-61, 2012.
  • NARDIN, Jean-Claude. La reprise de relations franco-dahoméennes au XIXe siècle: La mission d’Auguste Bouët à lacour d’Abomey (1851). Cahiers d’Études Africaines, v. 7, n. 25, p. 59-126, 1967.
  • PARÉS, Luis Nicolau. Afro-Catholic Baptism and the Articulation of a Merchant Community, Agoué 1840-1860. History in Africa, n. 42, p. 165-201, 2015.
  • PIERUCCI, J. Agoué. Village de liberté, de l’origine en [sic] 1953. Documento datilografado, editado por Telemark, 48 p. {1953}.
  • PRUDHOMME, Claude. Missions catholiques et padroado portugais: pour de nouvelles approches. Histoire, Monde & Cultures Religieuses, n. 31, p. 17-34, 2014.
  • ROSS, David A. The Career of Domingo Martinez in the Bight of Benin, 1833-1864. Journal of African History, v. 4, n. 1, p. 79-90, 1965.
  • SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé Lisboa: Livraria Tavares Cardoso & Irmão, 1891.
  • SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865 Lisboa: Imprensa Nacional, 1866.
  • SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos, Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 2004.
  • TRICHET, Pierre. Préhistoire de la Mission du Dahomey. Bulletin de la Societé des Missions Africaines, n. 111, p. 5-80, 2001.
  • TRICHET, Pierre. Victor Régis, l’armateur marseillais qui voulait une mission catholique à Ouidah. Histoire, monde et cultures religieuses, n. 18, p. 149-181, 2011-2012.
  • TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey. Tese (doutorado em história) - Boston University, Boston, 1975.
  • VELHO, Otávio. Missionization in the Postcolonial World: A View from Brazil and Elsewhere. In: CSORDAS, Thomas(Org.). Transnational transcendence: Essays on Religion and Globalization. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2009, p. 31-53.
  • VERGER, Pierre. Os libertos: sete caminhos na liberdade de escravos da Bahia no século XIX. Salvador: Corrupio, 1992.
  • VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos São Paulo: Corrupio, 1987{1968}.
  • YAI, Olabiyi Babalola. The Identity, Contributions and Ideology of the Aguda (Afro-Brazilians) of the Gulf of Benin: A Reinterpretation. In: MANN, Kristin; BAY, Edna (Orgs.). Rethinking the African Diaspora: The Making of a Black Atlantic World in the Bight of Benin and Brazil. Londres: Frank Cass, 2001, p. 72-82.
  • 1
    A expressão “era da transição” é tomada de LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892. Athens: Ohio University Press, 2005.
  • 2
    No século XIX, os velhos embates entre o padroado real espanhol e português e o papado emergem com novo vigor. A eleição do papa Gregório XVI (1831-1846), antigo prefeito da Propaganda Fide, marca um período ofensivo contra os padroados, política continuada pelo seu sucessor Pio IX (1846-1878). Aproveitando a nova reconfiguração territorial resultante da expansão colonial de estados europeus não ibéricos, a Propaganda Fide tenta impor, tanto na Ásia como na África, a autoridade dos seus vicariatos apostólicos perante as dioceses dependentes do padroado: PRUDHOMME, Claude. Missions catholiques et padroado portugais: pour de nouvelles approches. Histoire, Monde & Cultures Religieuses, n. 31, 2014, p. 17-18, 20.
  • 3
    LAW, Robin. Religion, Trade and Politics on the ‘Slave Coast’: Roman Catholic Missions in Allada and Whydah in the Seventeenth Century. Journal of Religion in Africa, v. 21, n. 1, 1991, p. 50; BONFILS, Jean. La Mission catholique en République du Bénin. Paris: Karthala, 1999, p. 11-46.
  • 4
    SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865. Lisboa: Imprensa Nacional, 1866, p. 77-78; SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 30-31, 85.
  • 5
    Arquivo da Societé des Missions Africaines (ASMA), Roma, 2H-50, Liber Baptismalis Ajudae 1861, fls. 151 e ss. Nesse período, foram realizados 218 batismos, dos quais só ficou registrado o ano e o nome dos batizandos, sem maiores informações.
  • 6
    Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Lisboa, Secretaria Estado da Marinha e Ultramar (SEMU) , São Thomé e Príncipe (STP), cx. 487, doc. 2, Tenente Líbano ao governador de São Thomé, 13/03/1844.
  • 7
    Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros (AMNE), Lisboa, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fl. 211v; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé. Lisboa: Livraria Tavares Cardoso & Irmão, 1891, p. 61. ESPARTEIRO, António Marques. Portugal no Daomé (1471-1961). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1962, p. 6, fala em ordem para a “reocupação do forte” em 1838.
  • 8
    LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 190. NARDIN, Jean-Claude. La reprise de relations franco-dahoméennes au XIXe siècle: La mission d’Auguste Bouët à la cour d'Abomey (1851). Cahiers d’Études Africaines, v. 7, n. 25, p. 59-126, 1967, p. 60; TRICHET, Pierre. Victor Régis, l’armateur marseillais qui voulait une mission catholique à Ouidah. Histoire, monde et cultures religieuses, n. 18, p. 149-181, 2011-2012, p. 155-57. AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fl. 211v; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op. cit., p. 61. ESPARTEIRO, António Marques. Portugal no Daomé (1471-1961), op. cit., p. 6, fala em ordem para a “reocupação do forte” em 1838.
  • 9
    AHU, STP, cx. 487, doc. 125, Governador de São Thomé ao ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar (doravante ministro de Marinha), 5/02/1844. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 78-79.
  • 10
    AHU, STP, cx. 487, doc. 2, 145, 313, Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 12/04/1844, 14/10/1845; Julião Pires ao governador de São Thomé, 12/03/1844, 7/09/1845; Tenente Líbano ao governador de São Thomé, 13/03/1844. Uma fonte posterior diz que, em uma inscrição na porta da igreja, rezava que as obras iniciaram-se em 4 de novembro de 1845 e finalizaram-se em agosto de 1846: ASMA, 2E-11, Courdioux, Journal d’um missionaire, 1856-1863, f. 11.
  • 11
    PARÉS, Luis Nicolau. Afro-Catholic Baptism and the Articulation of a Merchant Community, Agoué 1840-1860. History in Africa, n. 42, p. 165-201, 2015.
  • 12
    Segundo Law, a influência da missão metodista, percebida como uma agência do governo inglês, foi mínima, em vista das restrições impostas pelo Daomé à evangelização dos seus súditos: LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 226-227.
  • 13
    Ele foi ordenado em 1842, com 35 anos: AHU, STP, cx 492, Mapa dos eclesiásticos da Ilha de São Thomé, 15/9/1854.
  • 14
    LAW, Robin; MANN, Kristin. West Africa in the Atlantic Community: the Case of the Slave Coast. William and Mary Quarterly, v. 56, n. 2, p. 307-334, 1999, p. 328.
  • 15
    AHU, STP, cx. 487, Conde de Thomar ao ministro da Marinha, 17/1/1846; Livro 465, Lisboa, Portaria n. 496, 23/1/1846, fl. 141v. SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos, op. cit., p. 112-13.
  • 16
    AHU, STP, cx. 488, doc. 23, Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 7/09/1847.
  • 17
    ESPARTEIRO, António Marques. Três séculos no mar: 1640-1910. Lisboa: Ministério da Marinha, 1972-1986, v. 22, p. 99. Arquivo Geral da Marinha (AGM), Lisboa, Escuna Conde do Tojal, Caderno de Quartos 1848-50, 5-11/9/1848
  • 18
    AHU, STP, cx. 488, Francisco Félix de Souza ao governador de São Thomé, 10/09/1848.
  • 19
    AHU, STP, cx. 488, doc. 8, Conselho do governo de São Thomé ao ministro da Marinha, 11/9/1849.
  • 20
    ESPARTEIRO, António Marques. Três séculos no mar: 1640-1910, op. cit., v. 22, p. 88.
  • 21
    House of Commons Parliamentary Papers (HCPP), Slave Trade (ST) 1850/1, Class B, n. 9, Beecroft to Palmerston, 22/07/1850. NARDIN, Jean-Claude. La reprise de relations franco-dahoméennes au XIXe siècle: La mission d’Auguste Bouët à la cour d'Abomey (1851), op. cit., p. 76, 86-87, 103-04; LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 218.
  • 22
    AHU, STP, cx. 490, doc. 1, Isidoro Félix de Souza ao governador de São Thomé, 20/09/1851; doc. 74, Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 12/12/1851. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 81-82.
  • 23
    AHU, AHU, STP, cx. 490, Notification of blockade, 6/12/1851; Comandante Bruce ao governador de São Thomé, 15/6/1852; Isidoro Félix de Souza ao governador de São Thomé, 22/12/1851; 9/3/1852; 8/9/1852.
  • 24
    AHU, STP, cx. 490, docs. 99, 100, 102, 104, 125, 143, Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 28 e 29/3, 31/5, 5/6, 2/7 e 23/9/1852. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 62, 81-82, 120; ESPARTEIRO, António Marques. Três séculos no mar: 1640-1910, op. cit., v. 15, p. 71; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op. cit., p. 62; LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 218-19. Silva informa que, na viagem de volta, o governador teria levado consigo os antigos livros que se conservavam no forte. O governador de São Thomé (doc. 125) menciona a existência de uma escola, com mais de 40 alunos, no seio do forte, financiada pelo Chachá.
  • 25
    AHU, STP, Livro 359, Portaria n. 902, p. 37. Sobre Domingos ver: ROSS, David A. The Career of ­Domingo Martinez in the Bight of Benin, 1833-1864. Journal of African History, v. 4, n. 1, p. 79-90, 1965.
  • 26
    AHU, STP, cx. 491, doc. 6, Governador de São Thomé ao presidente do Conselho Ultramarino, 14/7/1853.
  • 27
    A quantificação dos batismos de cada padre é aproximada, pois os dados disponíveis apenas registram os batismos realizados por ano astronômico (janeiro-dezembro). O critério seguido foi atribuir a cada padre a totalidade dos batismos do ano de sua partida.
  • 28
    Faleceu em Ajudá, em setembro de 1851. Porém, em junho, Bouet fala de “um único padre negro português que teve que partir recentemente por falta de meios de subsistência”: NARDIN, Jean-Claude. La reprise de relations franco-dahoméennes au XIXe siècle: La mission d’Auguste Bouët à la cour d’Abomey (1851), op. cit., p. 121.
  • 29
    Outra fonte sugere que ele só batizou 20 pessoas, todos adultos, e ouviu três confissões: AHU, STP, cx. 491, doc. 6, Governador de São Thomé ao presidente do Conselho Ultramarino,14/7/1853.
  • 30
    FORBES, Frederick E. Dahomey and the Dahomans, Being the Journals of Two Missions to the King of Dahomey, and Residence at His Capital, in the Years 1849 and 1850. Londres: [s.n.], 1966 [1851], v. i, p. 93, 117-119.
  • 31
    AHU, STP, cx. 492; Relação nominal dos reverendos eclesiásticos desta Ilha, 1854; Mapa dos eclesiásticos existentes na Ilha de São Thomé, 1854. Havia, porém, alguns padres de “raça Angola” ou “súbditos portugueses indianos de Goa”: PIERUCCI, J. Agoué. Village de liberté, de l’origine en [sic] 1953. Documento datilografado, editado por Telemark, 1953, p. 12; TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey. Tese (doutorado em história) — Boston University, Boston, 1975, p. 158.
  • 32
    SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 78-80, 96. DUPUIS, P. H. Sejour des premiers missionnaires au fort portugais de Ouidah. La Croix du Benin, 19 de outubro 1990, p. 7 e 11. Na ausência, desde 1800, de um bispo efetivo na diocese de São Thomé, o máximo responsável pela escolha dos curas destinados a Ajudá era o Vigário Procapitular: AMBRÓSIO, António. Subsídios para a história de S. Tomé e Príncipe. Lisboa: Livros Horizonte, 1984, p. 12, 15.
  • 33
    AHU, STP, cx. 495, Traslado de documentos no processo do padre Faustino de Andrade, 18/4/1855, doc. 8, Abaixo-assinado da comunidade agudá, 16/4/1855. Só foi possível identificar a nacionalidade de 38 dos assinantes (10 portugueses, um francês, um espanhol, 14 brasileiros e 12 africanos), e a cor de 27 deles (10 negros, 6 mestiços, 11 brancos). Vários brasileiros cuja cor não foi identificada eram, provavelmente, mestiços ou pretos (crioulos). LAW, Robin. A comunidade brasileira de Uidá e os últimos anos do tráfico atlântico de escravos, 1850-66. Afro-Ásia, n. 27, p. 55-57, 2002.
  • 34
    PARÉS, Luis Nicolau. Afro-Catholic Baptism and the Articulation of a Merchant Community, Agoué 1840-1860, op. cit.
  • 35
    FOÀ, Édouard. Le Dahomey: histoire, géographie, mœurs... expéditions françaises 1891-1894. Paris: A. Hennuyer, 1895, p. 30-31; GURAN, Milton. Agudás: os “brasileiros” do Benim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 181-82.; LAW, Robin. A comunidade brasileira de Uidá e os últimos anos do tráfico atlântico de escravos, 1850-66, op. cit., p. 71-72.
  • 36
    SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 83.
  • 37
    AHU, STP, cx. 494, doc. 19, Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 10/03/1859. AHU, STP, Livro 359, Portaria n. 18, 25/02/1859, fls. 252-251v.
  • 38
    AHU, STP, cx. 495, Relatório de Francisco de Assis e Silva ao governador de São Thomé, 25/6/1859. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 84-85. AHU, STP, cx. 494, Requerimentos de Rafael Martins Soledade e outros e de Francisco Martins Xavier e mulher a Sua Majestade, Ilha do Príncipe, 24/6/1859 e 27/7/1859.
  • 39
    LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 254-55.
  • 40
    Ibidem, p. 256.
  • 41
    MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862). Paris: Karthala, 2011, p. 6. Para uma análise do processo de fundação da SMA em 1856, a concessão papal do vicariato apostólico do Dahomey a essa sociedade e o apoio de Régis à iniciativa, ver: TRICHET, Pierre. Préhistoire de la Mission du Dahomey. Bulletin de la Societé des Missions Africaines, n. 111, p. 5-80, 2001, p. 42-44.
  • 42
    NARDIN, Jean-Claude. La reprise de relations franco-dahoméennes au XIXe siècle: La mission d’Auguste Bouët à la cour d’Abomey (1851), op. cit., p. 64-66, 70.
  • 43
    MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862), op. cit., p. 28-29, 66, 196. DUPUIS, P. H. Sejour des premiers missionnaires au fort portugais de Ouidah, op. cit., p. 7.
  • 44
    TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 159.
  • 45
    BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865). Paris: Karthala,1997, p. 47.
  • 46
    DUPUIS, P. H. Sejour des premiers missionnaires au fort portugais de Ouidah, op. cit., p. 11. A carta de Borghero seria de 3/11/1863.
  • 47
    MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862), op. cit., p. 31-32; BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 45. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 80-81. SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op. cit., p. 64-65.
  • 48
    Sobre catequistas seculares e a admissão de negros como missionários no século XIX: ASMA, 12/802.00, n. 20227, Cloud a Planque, Porto Novo, 4/07/1866; CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, estrangeiros: os escravos brasileiros e sua volta à África. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 197-99, 216-221; TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 169-74. Sobre o clero indígena: AMBRÓSIO, António. Subsídios para a história de S. Tomé e Príncipe, op. cit., p. 13-16. MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862), op. cit., p. 161, 174-175. Para um panorama mais amplo: MARCUSSI, Alexandre Almeida. A formação do clero africano nativo no Império Português nos séculos XVI e XVII. Temporalidades, v. 4, n. 2, p. 38-61, 2012.
  • 49
    BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 46-48, 134; TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 158-60; SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 81, 83-84, 98; MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862), op. cit., p. 66, 137-138.
  • 50
    TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 155, 161, 167, 188. BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 48.
  • 51
    BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 48, 94; MANDIROLA, Renzo; TRICHET, Pierre. Lettres du Dahomey. Correspondance des premiers Pères de la Société des Missions Africaines (Avril 1861-Avril 1862), op. cit., p. 169 ; BONFILS, Jean. La Mission catholique en République du Bénin, op. cit., p. 80, 86. LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 255.
  • 52
    ASMA, 12/802.00, n. 19928, Borghero a Planque, Uidá, 26/10/1863; n. 20041, Borghero a Planque, Porto Novo, 24/08/1864. BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 46; TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 162, 162a, 162b.
  • 53
    TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 163-167.
  • 54
    Ibidem, p. 185-190. Sobre as festividades de Natal e da Imaculada Conceição e a devoção supostamente superficial e ritualística dos agudás: ASMA, 12/802.00, n. 20499, Seguer a Planque, Porto Novo, 2/01/1869. Ver também, CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, estrangeiros: os escravos brasileiros e sua volta à África, op. cit., p. 189-90.
  • 55
    Para a nomeação do vice-cônsul: Journal des Débats, 6/01/1863, p. 1; LAW, Robin. Ouidah: The Social History of a West African Slaving Port, 1727-1892, op. cit., p. 258.
  • 56
    ASMA, 12/802.00, n. 19936, Courdioux, Diário do mês de fevereiro, Uidá, 1/3/1863.
  • 57
    Idem.
  • 58
    O conde realizou um primeiro protesto contra o vice-consulado francês em janeiro. AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fls. 222-231; cf. Conde de Lavradio a duque de Loulé, Londres, 8/01/1863, 7/02/1863, 14/04/1863; Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar ao ministro secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, 22/06/1863.
  • 59
    BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 129-33; SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 86-87.
  • 60
    AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fls. 222-223; cf. Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar ao ministro secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, 22/06/1863. Em retrospectiva, os franceses declaravam que Itaparica “comunicou várias vezes ao seu governo a ocupação do forte português pelos missionários e nunca recebeu nenhuma resposta”: ASMA, 12/802.00, n. 20156, Remarques sur l’ocupation du Fort Portugais de Whydah, Uidá, 1865.
  • 61
    ASMA, 12/802.00, n. 20009, Borghero a Planque, Uidá, 30/1/1864; n. 20023, Noché H. a Planque, Uidá, 18/4/1864; n. 8/75, Barnabó a Borghero, Roma, 10/5/1864; n. 4666/77, Núncio de Lisboa a Barnabó, Lisboa, 7/10/1864, e Vicário Geral de Congo e Angola ao Núncio Apostólico de Lisboa, Luanda, 28/7/1864.
  • 62
    BORGHERO, Francesco. Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), op. cit., p. 134. Em agosto de 1864, o comerciante português [José] Medeiros também fez uma doação de 550 fr aos missionários franceses para restaurar a capela: ASMA, 12/802.00, n. 20066, Courdioux a Planque, Journal de la Mission, 18/08/1864.
  • 63
    AHU, STP, cx. 498, doc. 157, Francisco Félix de Souza ao Governador de São Thomé, Uidá, 18/3/1864; Governador de São Thomé ao ministro da Marinha, 11/6/1864.
  • 64
    TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 190.
  • 65
    LAW, Robin. A comunidade brasileira de Uidá e os últimos anos do tráfico atlântico de escravos, 1850-66, op. cit., p. 73. Sobre a hostilidade dos cabeceiras locais contra os negociantes portugueses, ver: AHU, STP, cx. 495, doc. 105, Abaixo-assinado de 1/2/1860.
  • 66
    AMNE, 2o piso, A15, cx 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fl. 218. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 1-2, 87. SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op cit., p. 65.
  • 67
    ASMA, 12/802.00, n. 20135, De la Mark a Courdioux, a bordo do Surprise, 14/02/1865. Os franceses tinham sabido do projeto português por meio de inteligência coletada no Gabão.
  • 68
    ASMA, 12/802.00, n. 20137, Courdioux a Planque, Uidá, 6/03/1865. TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 192.
  • 69
    SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 2-3, 15-21; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op. cit., p. 65-66; CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez: considerações e melhoramentos a fazer no forte de S. João Baptista d’Ajudá. Lisboa: Typ. de Vicente A. G. dos Santos, 1867, p. 7; ESPARTEIRO, António Marques. Portugal no Daomé (1471-1961), op. cit., p. 7; VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos, op. cit., p. 609-610; TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 193. O português João Branco, com casa comercial em Uidá, estava na comitiva de recepção do governador de São Thomé.
  • 70
    ASMA, 12/802.00, n. 20140, 20142, 20144, 20145, 20147, Correspondência entre o governador de São Thomé e o cônsul Béraud, Uidá, 11-13/03/1865. SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 92-95, 99-101; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op. cit., p. 66; AMBRÓSIO, António. Subsídios para a história de S. Tomé e Príncipe, op. cit., p. 41. AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fls. 220-21.
  • 71
    SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 92-93, 101, 104; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op cit., p. 66. CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez, op. cit., p. 19-20.
  • 72
    Citação de TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 197-98; cf. ASMA, 12/802.00, n. 20172, Courdioux a Planque, Uidá, 1/08/1865.
  • 73
    SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 95, 97; CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez, op. cit., p. 8. Para a suposta autoridade do vicariato do Dahomey sobre o vigário-geral de São Thomé: ASMA, 12/802.00, n. 20148, Courdioux a Béraud, Uidá, 13/03/1865; SARMENTO, Augusto. Portugal no Dahomé, op cit., p. 64-65.
  • 74
    TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 194; SILVA, Carlos Eugenio Corrêa da. Uma viagem ao estabelecimento portuguez de S. João Baptista de Ajudá na Costa da Mina em 1865, op. cit., p. 100.
  • 75
    ASMA, 12/802.00, n. 20155, Declaração dos residentes de Uidá, Uidá, 25/03/1865; citado também em TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 194-95.
  • 76
    ASMA, 12/802.00, n. 20159, Courdioux a Planque, Uidá 3/4/1865. Monteiro, antigo caixeiro de Domingos Martins, era representante da firma Medeiro & Soares em Uidá: Arquivo da Diocese de Uidá (ADU), Livro de Batismos 1866-1884, 7/12/1868. TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 195-96.
  • 77
    Para a lista de Burton: House of Commons Parliamentary Papers (HCPP) 1865 (3503-I), Class B, Correspondence, 1864, p. 20-23, Burton a Earl Russell, 23/03/1864. Para o testamento de Almeida: VERGER, Pierre. Os libertos: sete caminhos na liberdade de escravos da Bahia no século XIX. Salvador: Corrupio, 1992, p. 121-24. Para a presença de Ferraz e Chagas em Lagos: VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos, op. cit., p. 575. Para os batismos em Uidá: ADU, Livro de Batismos 1866-1884, 7/12/1868, 25/12/1869. Para a identificação de Santos e Ferraz como mestiços: ASMA, 12/802.00, n. 20169, Bonnedoux a Planque, Uidá, 1/07/1865; n. 20289, Bouche a Planque, Uidá, 21/02/1867.
  • 78
    AHU, STP, cx. 500, Barboza Netto ao vigário pro-capitular de São Thome, Uidá, 25/2/1866.
  • 79
    Grifos meus. AHU, STP, cx. 500, Francisco Félix de Souza a Barboza Netto, Uidá, 17/5/1866.
  • 80
    ASMA, 12/802.00, n. 20223, Cloud a Planque, Uidá, 2/07/1866. CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez, op. cit., p. 9. Os batismos em junho não foram registrados, iniciando-se o livro apenas em setembro: ADU, Livro de Batismos 1866-84.
  • 81
    ASMA, 12/802.00, n. 20232, Verdelet a Planque, Porto Novo, 3/08/1866.
  • 82
    ASMA, 12/802.00, n. 20.223 a 20.225, 20.228 a 20.242 e 20.248, Correspondência de Cloud, Verdelet, Netto e Francisco Félix de Souza, 1-4, 20, 22/06; 1, 3/08; 1, 8, 21, 23/09; 1, 2/10; e 2/11 de 1866; AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fls. 172-178. ADU, Livro de Batismos 1866-1884, 17/09/1866. Sobre a atividade médica: GIORDANO, Rosario. Religione e politica nel confronto tra missionari cattolici e ‘brasiliani’ a Ouidah (1861-1871). Africa: Rivista trimestrale di studi e documentazione dell’Istituto italiano per l’Africae l’Oriente, v. 53, n. 2, p. 239-257, 1998, p. 242. CANTO, Vital Bettencout Vasconcellos Corte Real do. Missionarios francezes propagadores da fé na Costa da Mina e qual o prestigio portuguez, op. cit., p. 11-15. TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 193.
  • 83
    Para o original do livro francês: ASMA, 2H-50, Liber Baptismalis Ajudae 1861-1892. Há uma cópia, traduzida para o francês, no Arquivo da Diocese de Uidá (ADU). O original do livro português está extraviado. Além da cópia, traduzida para o francês, há, no ADU, uma em português, presumivelmente transcrita do original por Pierre Verger. Cópia desta última nos foi cedida, generosamente, pela professora Mariza Carvalho de Soares.
  • 84
    ASMA, 12/802.00, n. 20289, 20296, 20303, Bouche a Planque, Uidá, 21/02, 21/06 e 29/09/1867; n. 20298, Bouche a Arnal, Uidá, 28/06/1867; n. 20299, Séquer a Arnal, Uidá, 23/07/1867. Sobre Ferraz: VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos, op. cit., p. 437-38.
  • 85
    ASMA, 12/802.00, n. 20758, Courdioux a Planque, Uidá, 27/10/1871; n. 20759, Courdioux a Planque, Porto Novo, 1/12/1871.
  • 86
    O livro francês registra ocasionais batismos em Agoué, Porto Novo, Lagos, Godome e Kotonou, não contabilizados. Em 1881 e 1882, alguns batismos franceses foram realizados na “capela da missão” ou na “igreja de São João Baptista”. Já entre fevereiro 1881 e outubro 1883, não houve batismos “portugueses”.
  • 87
    ADU, Livro de batismos 1, 1861-1892; Livro de batismos 2, 1866-1884.
  • 88
    YAI, Olabiyi Babalola. The Identity, Contributions and Ideology of the Aguda (Afro-Brazilians) of the Gulf of Benin: A Reinterpretation. In: MANN, Kristin; BAY, Edna (Orgs.). Rethinking the African Diaspora: The Making of a Black Atlantic World in the Bight of Benin and Brazil. Londres: Frank Cass, p. 72-82, 2001, p. 75.
  • 89
    Em 1865, meses depois da expulsão do forte de Uidá, a Propaganda Fide conferia a jurisdição eclesiástica do Congo à congregação francesa do Espírito Santo: JERÓNIMO, Miguel Bandeira. Missions d’Empire. Politique et religion dans les nouveaux Brésils d’Afrique (1860-1890), op. cit., p. 75, 77-79.
  • 90
    O processo de reclamação de indenização pelas despesas da missão francesa nas obras do forte se estendeu durante anos: ASMA, 12/802.00, n. 20.154, Inventário do forte português, Uidá, 16/03/1865; AMNE, 2o piso, A15, cx. 1139, Reclamações francesas, São João Baptista d’Ajudá, fls. 183-205.
  • 91
    JERÓNIMO, Miguel Bandeira. Missions d’Empire. Politique et religion dans les nouveaux Brésils d’Afrique (1860-1890), op. cit., p. 81-83.
  • 92
    PRUDHOMME, Claude. Missions catholiques et padroado portugais: pour de nouvelles approches, op. cit., p. 34.
  • 93
    TURNER, Jerry Michael. Les Bresiliens: The Impact of Former Brazilian Slaves Upon Dahomey, op. cit., p. 156.
  • 94
    A expressão “paganização do cristianismo” é de: VELHO, Otávio. Missionization in the Postcolonial World: A View from Brazil and Elsewhere. In: CSORDAS, Thomas (Org.). Transnational transcendence: Essays on Religion and Globalization. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2009, p. 31-53.
  • 95
    BOUCHE, Abbé Pierre Bertrand. Sept ans en Afrique occidentale: La Côte des Esclaves et Dahomey. Paris: E. Plon, Nourrit et Cie. Imprimeurs-Éditeurs, 1885, p. 264.
  • 96
    VELHO, Otávio. Missionization in the Postcolonial World: A View from Brazil and Elsewhere, op. cit., p. 44.
  • 97
    Como citar - PARÉS, Luis Nicolau. Catolicismo em disputa: a comunidade agudá e a geopolítica colonial (Uidá 1844-1866). Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, v. 18, n. 36, p. 639-665, set./dez. 2017. Disponível em: <www.revistatopoi.org>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2017
  • Aceito
    25 Maio 2017
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org