Acessibilidade / Reportar erro

A “foice de dez réis” e a “febre dos seguros”: protesto social e o risco político como negócio em Portugal (1910-1926)

The “ten cents sickle” and the “insurance fever”: social protest and political risk as business in Portugal (1910-1926)

La “hoz de diez reis” y la “fiebre de los seguros”: protesta social y el riesgo político como negocio en Portugal (1910-1926)

RESUMO

O aumento da violência política após a implantação da República em outubro de 1910 e a incapacidade do Estado em manter a ordem encontraram na indústria seguradora uma nova forma de proteção contra o risco de destruição e perda de propriedade. O seguro contra greves e tumultos articulou uma indústria em expansão com um crescente sentimento de insegurança por parte da burguesia. Através da análise de imprensa nacional e internacional, relatórios policiais e correspondência de seguradoras, este artigo analisa a introdução, a difusão e o declínio do seguro contra greves e tumultos em Portugal.

Palavras-chave:
Portugal; seguros; protesto social; segurança privada; riscos políticos

ABSTRACT

The increasing political violence after the beginning of the First Portuguese Republic in October 1910 and the state’s inability to maintain order found in the insurance industry a new form of protection against the risk of destruction and loss of property. Insurance against strikes and riots articulated an expanding industry with part of the bourgeoisie’s growing sense of insecurity. Through an analysis of national and international press, police reports and insurance companies’ correspondence, this article analyzes the introduction, diffusion and decline of insurance against strikes and riots in Portugal.

Keywords:
Portugal; insurance; social protest; private security; political risks

RESUMEN

El aumento de la violencia política después de la implantación de la República en octubre de 1910 y la incapacidad del Estado en mantener el orden, encontraron en la industria de seguros una nueva forma de protección contra el riesgo de destrucción y la pérdida de propiedades. El seguro contra huelgas y tumultos articuló una industria en expansión con un creciente sentimiento de inseguridad por parte de la burguesía. A través del análisis de la prensa nacional e internacional, informes policiales y correspondencia de aseguradoras, este artículo analiza la introducción, difusión y declino de seguros contra huelgas y tumultos en Portugal.

Palabras clave:
Portugal; seguros; protesta social; seguridad privada; riesgos políticos

Introdução

Após o fim da Primeira Guerra Mundial, a divisão de economia e história do Carnegie ­Endowment for International Peace levou a cabo um projeto para analisar os custos sociais e económicos da Grande Guerra. Publicado em 1927, “War and insurance” foi um dos vários volumes resultantes deste projeto.1 1 PRESTON, Sidney; SICH, Alexander E. Fire insurance during the war. In: HILL, N.; WARNER, S. G.; PRESTON, S.; WATSON, A. W.; BEVERIDGE, W.; SCHOOLING, W. (edits.). War and insurance. New Haven: Yale University Press, 1927. p. 57-97. O tema era considerado especialmente pertinente. Desde os seus primórdios, a atividade seguradora estabeleceu-se e prosperou através de uma rede de inter­dependência transnacional de instituições seguradoras. A Grande Guerra, no entanto, ao exacerbar os nacionalismos que a ela tinham conduzido e que dela saíram reforçados, colocou em causa os alicerces de todo o sistema segurador internacional. No capítulo sobre o ramo de incêndio, uma das mais tradicionais áreas seguradoras, a grande atenção dedicada a dois riscos específicos: os tumultos civis e a guerra, chama particularmente a atenção. Durante a guerra, as frentes internas ganharam protagonismo, e a forma como os seguros se adaptaram à conflituosidade social e política que se registrou antes, durante e depois da conflagração bélica, foi um dos principais desenvolvimentos na área dos seguros.

Tradicionalmente, as apólices de seguros de incêndio excluíam as deflagrações decorrentes de tumultos civis e guerra, as causas não acidentais não eram normalmente cobertas pelas seguradoras. Tal situação começou a mudar ainda antes da Grande Guerra. A invenção de novos riscos seguráveis pelas empresas do ramo traduziu simultaneamente estratégias empresariais e a emergência de formas privadas de segurança.2 2 MOSS, Eloise. Burglary Insurance and the culture of fear in Britain. The Historical Journal, Cambridge, v. 54, n. 4, p. 1039-1064, mar. 2011. Os seguros que cobriam os chamados riscos políticos popularizaram-se por toda a Europa, sobretudo após o fim da Grande Guerra, mas, antes de 1914, já tinham surgido em países como a Inglaterra, os Estados Unidos e Portugal.3 3 FELDMAN, Gerald D. Civil commotion and riot insurance in fascist Europe, 1922-1941. Financial History Review, Cambridge, v. 10, n. 2, p. 165-184, out. 2003. p. 166. Este trabalho analisa a introdução, a difusão e os significados socioculturais do seguro contra greves e tumultos em Portugal. Através do processo político, estratégias empresariais de negócio e engendramento de estratégias privadas de segurança, analisa-se como ao risco de incêndio foi incorporado o risco político.

A hegemonia do Estado, em questões de segurança, contou sempre com a intervenção de múltiplos agentes e instituições.4 4 ZEDNER, Lucia. Policing before and after the police: the historical antecedents of contemporary crime control. British Journal of Criminology, Oxford, v. 46, n. 1, p. 78-96, jan. 2006. Entre as formas privadas de segurança, a ascensão dos seguros revelou uma nova esfera de governo fora do controle direto do Estado intervindo diretamente na gestão da segurança.5 5 DOYLE, Aaron; ERICSON, Richard. Five ironies of insurance. In: CLARK, Geoffrey; ANDERSON, Gregory; THOMANN, Christian; SCHULENBURG, J.-Matthias. The appeal of insurance. Toronto: University of Toronto Press, 2010. p. 226-247. Uma técnica de ‘governo de si’ que plasmava muitos dos axiomas do credo liberal: a promoção de condutas individuais racionais, prudentes e moderadas. O engendramento de estratégias de segurança com o objetivo de proteger os indivíduos de certos riscos, oferecendo soluções e minorando as consequências quando o pior acontece, constitui um processo dinâmico. O aparecimento de concepções subjetivas de segurança na orientação de condutas individuais ajuda a explicar a emergência da atividade seguradora. O consumo de segurança, com as suas múltiplas formas e motivações, tem sido assim colocado no centro da atenção dos historiadores. Para compreendermos o desenvolvimento do seguro contra greves e tumultos e o apelo ao seu consumo, é necessário empreender uma análi­-se dos discursos e das práticas que percorreram o processo produtivo e o seu consumo.

A atividade seguradora traduz-se numa objetificação racionalizadora de riscos, através de abordagens criativas ao mundo que a rodeia, que foi dando corpo a novas “formas seguradoras”.6 6 EWALD, François. Insurance and Risk. In: BURCHELL, Graham; GORDON, Colin; MILLER, Peter (edits.). The Foucault effect: studies in governmentality. Chicago: Chicago University Press, 1991. p. 197-210. Como notou Robin Pearson, é necessário começarmos a entender como consumidores e seguradoras têm historicamente integrado visões do mundo e determinantes culturais na compra e venda de seguros.7 7 PEARSON, Robin. Fire, property insurance, and perceptions of risk in eighteenth-century Britain. In: CLARK, Geoffrey; ANDERSON, Gregory; THOMANN, Christian; SCHULENBURG, J.-Matthias. The appeal of insurance. Toronto: University of Toronto Press, 2010. p. 75-105. Desde a análise precursora de François Ewald, uma corrente historiográfica tem discutido os significados sociais e culturais dos seguros e do processo de comodificação que lhe é inerente, isto é, a atribuição de valor econômico a certos riscos e o seu consumo por determinados grupos sociais. Em Portugal, o exacerbamento repentino das tensões políticas e sociais depois da implantação da República em 5 de outubro de 1910 e seu difícil acomodamento nas hierarquias tradicionais de ­autoridade revelaram o engendramento de estratégias alternativas de segurança.

O surgimento de riscos políticos como negócio, isto é, a objetificação de um risco de prejuízo em resultado de ações de protesto popular, tomada desse risco contra o pagamento de um prémio e consequente responsabilização de uma companhia seguradora pelo pagamento de indenização em caso de dano, foi um processo em que se interligaram globalização econômica e o exacerbar de protestos políticos e sociais. Por um lado, assistiu-se, no início do século XX, a uma mobilização social e política assinalável. O sindicalismo europeu registrou uma explosão no número de associados,8 8 ELEY, Geoff. Forging democracy: the history of the left in Europe, 1850-2000. Oxford: Oxford University Press, 2000. p. 74. e movimentos como “Great Labour Unrest”, na Grã-Bretanha, mostraram a vitalidade do movimento operário; lutas por direitos políticos e civis, como a das sufragistas e dos primeiros movimentos anticoloniais, revelaram a mobilização de novos grupos; revoluções políticas em países como a Rússia, o México mostravam que o status quo político podia ser revolucionariamente alterado. A aparente expansão geográfica dos protestos decorria tanto da ocorrência de eventos em si quanto da sua articulação global. Ao serem cotidianamente invocados na imprensa internacionalizada, eventos como a revolução mexicana, as greves em ­Londres ou o assassinato de chefes de Estado eram simultaneamente locais e globais. Houve também uma transformação qualitativa dos protestos. A violência política adquiriu contornos mais cotidianos. O anarquismo, com a “propaganda pelo fato” na década de 1890, é um exemplo de movimento que mostrou protestos sociais e políticos mais violentos.9 9 JENSEN, Richard B. The battle against anarchist terrorism: an international history, 1878-1934. Cambridge: Cambridge University Press, 2014. p. 13-36. O maior ativismo deu origem a uma atmosfera de pânico, em que, para além de eventos concretos, a probabilidade de ocorrência era potenciadora de medos.

Por outro lado, estamos perante um elemento sinalizador da globalização da economia capitalista. A partir de meados do século XIX, as revoluções agrícolas em novas áreas de imigração e controle europeu traduziram-se em exponenciais aumentos de produção. O desenvolvimento de novas tecnologias de transporte e comunicação possibilitou que esses produtos fossem distribuídos e comercializados numa escala crescentemente global. Para facilitar essas transações, desenvolveram-se em paralelo sistemas bancários, de crédito e formas de proteção à propriedade. Nos mais variados sentidos, o mundo que emergiu a partir da década de 1870 estava interligado, no entanto, como uma recente corrente historiográfica tem afirmado, a hegemonia europeia deve ser entendida no contexto de uma variedade de redes de interligação que deram forma tanto a uniformidades globais quanto a diversidades locais.10 10 TOPIK, Steven C.; WELLS, Allen. Commodity chains in a global economy. In: ROSENBERG, Emily S. A world connecting, 1870-1945. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2012. p. 591-813. A indústria seguradora e o seguro contra greves e tumultos estiveram assim, intrinsecamente, ligados à multicentrada produção, comercialização e ao consumo de bens, serviços e ideias.

A transferência de um risco de uma parte individual para uma companhia seguradora implicou sempre a seleção e exclusão de responsabilidades por parte das seguradoras. No caso do seguro de incêndio, uma característica quase universal das apólices era a exclusão das causas humanas não acidentais (o fogo posto, por exemplo). Numa obra de referência, era assinalado que as apólices começaram, no início do século XVIII, a excluir explicitamente os riscos de “comoção civil”, “motim” ou “tumulto”.11 11 MARSHALL, Samuel. A treatise on the Law of Insurance. Filadélfia: Fry & Kammerer, 1810. v. 2, p. 791-794. “civil commotion”, “riot”, “tumult”. Todas as traduções são nossas. Pela sua imprevisibilidade, as causas humanas não acidentais eram excluídas dos seguros de incêndio na lógica de que “quando os amotinadores ou rebeldes incendeiam uma série de locais, é impossível dizer onde essa destruição será combatida ou qual a área ela será confinada, e as possibilidades decorrentes de operações bélicas são ainda mais perturbadoras”. O público aceitava essas limitações de responsabilidade por parte das seguradoras porque simplesmente não lia as cláusulas constantes das apólices ou porque “achavam que as contingências eram tão remotas que a exclusão da responsabilidade por perdas não era importante”. Segundo os autores do estudo de 1927, com o eclodir da Grande Guerra, a atitude do público começou a mudar em relação a esse tipo de causas. As seguradoras perceberam que o desejo por proteção em relação a esse tipo de riscos começou a crescer. Na visão da indústria, eram as “paixões perversas dos descontentes”12 12 PRESTON, Sidney; SICH, Alexander E. Fire insurance during the war. In: HILL, N.; WARNER, S. G.; PRESTON, S.; WATSON, A. W.; BEVERIDGE, W.; SCHOOLING, W. (edits.). War and insurance. New Haven: Yale University Press, 1927. p. 58. “once rioters or rebels set a series of fires it is impossible to say where the destruction will be checked or to what area it will be confined, and the possibilities arising out of warlike operations are even more disturbing”. “they thought the contingencies so remote that exclusion of liability for loss thereby was not a great matter” (p. 61). “evil passions of the disaffected”. que davam razão de ser ao produto. Mesmo em países, como a Inglaterra, em que o Riot (Damages) Act de 1886 obrigava a autoridades locais a assumir a responsabilidade por danos causados em protestos populares, o longo e difícil processo necessário para essa reparação favorecia os seguros privados. Mas, se foi com a Guerra que o consumo de proteção em relação ao risco de destruição de propriedade em protestos populares se popularizou, o seu aparecimento deu-se ainda antes do início da conflagração bélica.

Interessa-nos, assim, analisar as dinâmicas que conduziram à emergência dos riscos políticos como área de negócio das seguradoras. Em 1908, no maior mercado segurador do mundo, o Lloyds de Londres, o termo “risco de motins” era ainda recebido com uma sensação de novidade. A imprensa explicava aos leitores que essa era uma forma de o segurado se proteger contra “danos em propriedades provocados por amotinados e manifestantes”. Em Londres, embora não existissem danos reais decorrentes dos protestos, o sentimento de insegurança, uma “sensação de inquietação”, gerada pela ameaça de desempregados e “manifestantes da fome” despoletou inúmeras consultas por lojistas e casas comerciais no West End londrino.13 13 “Riot Risks at Lloyds”. Manchester Courier and Lancashire General Advertiser. 26-10-1908, p. 12. “riot risks”. “damage done to property by rioters and demonstrators”. “feeling of disquietude”; “hunger marchers”. A julgar pelos relatos da imprensa especializada, a procura por esse tipo de produto alargou-se na sua amplitude geográfica. Em setembro de 1913, a revista The Economist assinalava que “negócios inconstantes mas muito ativos” durante esse ano traduziam-se já num recorde na história dos seguros.14 14 “Insurance and Civil War”. The Economist. 13-09-1913, p. 487. “intermittent but very active business”. Na África do Sul, durante a greve nas minas do Rand, nos poços de petróleo no Cáucaso, em Belfast na Irlanda e também na ­China, diferentes proprietários demandavam esse produto. Extremamente dispendiosos, eram normalmente adquiridos por indivíduos ou empresas já seguradas através de seguro normal de incêndio, ao qual ‘adicionavam’, por curtos períodos de tempo, a cláusula “motins and comoções civis” quando julgavam que os protestos podiam ameaçar as suas propriedades e negócios. A procura era marcada pela fugacidade e constante intermitência.

Os riscos eram dispersos e não ameaçavam o lucro das seguradoras. O The Economist assinalava que “tanto a greve do Rand quanto a greve em Dublin foram suficientemente feias para serem alarmantes, mas ambas estavam muito distantes de uma situação de guerra civil, e nenhuma foi acompanhada por ameaças de violência organizada e sustentada empregada por líderes políticos e da sociedade”.15 15 “Insurance and Civil War”. The Economist. 13-09-1913, p. 487. “both the Rand strike and the Dublin strikes were ugly enough to be alarming, but both were very far removed from civil war, and neither was accompanied by threats of organized and sustained violence employed by leaders of politics and society.” A linha limitando um risco segurável de um risco não segurável revelava que alguma espécie de avaliação era feita pelas seguradoras. O ­México, por exemplo, era avaliado como mais volátil e, por isso, menos certo para a atividade seguradora. No mesmo dia em que se seguravam edifícios e recheios na Nova Zelândia, as companhias recusavam negócios no México.16 16 “Demand for Riot Insurance”. The Times. 06-11-1913, p.18. Anos mais tarde, em plena guerra civil, um correspondente da Economist na Espanha lembrava que “em muitos países do mundo [as seguradoras] estão prontas para proteger contra a destruição de propriedades por distúrbios civis. (...) eventos recentes em Espanha, no entanto, causaram-lhes um choque desagradável”.17 17 “Insurance and War Risks”. The Economist. 05-12-1936, p. 472. “in many countries of the world they have been ready to give cover against the destruction of property by civil disturbances. (...) Recent events in Spain, however, have given them an unpleasant shock”. Greves e tumultos eram riscos aceitáveis, guerra civil e colapso da autoridade do Estado ultrapassavam os limites das seguradoras.

A configuração técnica desse produto foi um dos principais entraves ao seu desenvolvimento. Enquanto tecnologia de gestão do risco, a atividade seguradora apenas podia funcionar objetificando esse risco através do cálculo de probabilidades, transformando-o assim num bem transacionável. A questão que se colocava era: como calcular o risco de instabilidade política e social? Na Inglaterra, o negócio segurador tinha sido construído ao longo de séculos, através da atuação prudente e autocontida dos agentes seguradores. Ao abandonarem os princípios de cálculo racional e prudência para ir ao encontro das demandas da sociedade, as seguradoras reconheceram que o negócio respondia de forma dinâmica ao contexto social e político em que estava inserido. Em 1913, no entanto, o The Economist notou que, até aquele momento, nunca os agentes de seguros em Londres tinham falhado nas suas avaliações; se perdessem dinheiro na greve que então decorria em Belfast seria a primeira vez.18 18 “Insurance and civil war”. The Economist. 13-09-1913, p. 487. A incapacidade em construir modelos estatísticos capazes de calcular riscos políticos era um elemento central nesta área de negócios. Em 1927, os historiadores da fundação Carnegie concluíram que, antes da Guerra, o baixo volume de negócios tinha impossibilitado a elaboração de um cálculo específico para este tipo de risco. No entanto, a simples constatação da existência de um debate em torno desta questão, indica a emergência, não apenas episódica mas sustentada, deste ramo de negócio.

Os grandes centros financeiros, sobretudo Londres, passaram, ainda antes do início da Primeira Guerra Mundial, a comercializar esse tipo de produto. Para as seguradoras, o volume relativamente reduzido deste seguro, mas que ajudava a fidelizar clientes, e a ampla dispersão geográfica dos riscos cobertos - do México ao Ulster, de Portugal ao Rand, da China à Nova Zelândia - permitiam sem grandes receios a prossecução do negócio. A indústria seguradora protegia, assim, o capital globalizado. O caso português mostra-nos, em sentido contrário, pequenas seguradoras, numa economia capitalista incipiente, a desenvolverem de forma precoce e criativa esse tipo de produto.

A “foice de 10 réis”: fogo político no Portugal revolucionário

Portugal foi, desde cedo, singularizado pelas seguradoras mundiais como um mercado especialmente ativo no ramo dos riscos políticos.19 19 “Portugal and war risks”. The Times. 09-08-1911. p. 10; “Riot risks at Lloyd’s: Mexico, New Zealand, ­Venice, Portugal and Ulster all in the market”. The Financial Times. 08-11-1913, p. 6. O ambiente de protestos e agitação que conduziu à queda da monarquia e a constante instabilidade que se manteve depois estão no centro dessa singularidade. Torna-se assim necessário compreender como protestos de natureza social e política adquiriram uma feição violenta e como sentimentos de insegurança no seio das classes médias e elites colocaram um país de “brandos costumes” num mapa global de protestos e desordem.

Entre as formas de protesto violentas, o fogo foi uma das que marcaram os protestos durante a Primeira República. António Cabral, um dos membros do movimento monárquico, descreveu o período como o tempo do “tumulto, a desordem, o clamor, a confusão. Revoluções, incêndios, depredações e crimes”.20 20 CABRAL, António. As minhas memórias políticas. Lisboa: Livraria Popular Francisco Franco, 1932. p.12. Mesmo descontando o viés conservador dessa caracterização, é incontornável que eventos como o incêndio de um prédio na Avenida da Liberdade quando da revolução, o incêndio nas fábricas do Caramujo, em Almada, no verão de 1911, o incêndio dos depósito de fardamentos, da Escola Naval, da Sala do Risco do Arsenal da Marinha ou o incêndio do edifício das encomendas postais, no Terreiro do Paço, em 1919, eventos em que a natureza acidental foi seriamente questionada, ajudaram a criar um espectro de ameaça com elevados níveis de violência pública sem precedentes.

Para além da violência real, tais eventos geraram sentimentos de medo e ansiedade. Em 1912, o The Economist notou a centralidade do medo na vida econômica portuguesa, a ansiedade estava determinando os negócios.21 21 “The Economic Situation of Portugal”. The Economist. 23-11-1912, p. 1071-1072. Os assaltos a conventos e casas de políticos, incêndios em fábricas ou repartições públicas, a explosão de bombas, a desordem e a violência nas ruas davam origem, para além das consequências materiais, a um espectro de medo e insegurança. E, como notou Robin Pearson, “o medo não se refere ao que realmente sentimos no presente, mas à expectativa de sofrimento futuro e, por extensão, a uma maior consciência do risco e das possibilidades de o evitar”.22 22 PEARSON, Robin. Fire, property insurance, and perceptions of risk in eighteenth-century Britain. In: CLARK, Geoffrey; ANDERSON, Gregory; THOMANN, Christian; SCHULENBURG, J.-Matthias G. V. D. The appeal of insurance. Toronto: University of Toronto Press, 2010. p. 75-105 (p. 84). “fear relates not to what we really feel in the present, but to the expectation of future suffering and, by extension, to a greater awareness of risk and the possibilities of risk avoidance”.

Após o 5 de outubro de 1910, deu-se uma explosão do movimento operário em Portugal. As décadas finais da monarquia já tinham ficado marcadas pela crescente solidariedade, coesão e organização das classes operárias. No entanto, descontados alguns períodos de especial conflituosidade, foi sobretudo a partir de 1887 que os conflitos causados pelo movimento operário se tornaram mais evidentes.23 23 TENGARRINHA, José. As greves em Portugal: uma perspetiva histórica do século XVIII a 1920. Análise Social, Lisboa, v. XVII (67-68), n. 3-4, p. 573-601 (p. 593), 1981. Depois da implantação da República, a politização das classes populares difundiu-se pelos campos, sobretudo no Alentejo, zona de latifúndio no sul do país. O número de greves aumentou exponencialmente nos anos de 1911 e 1912 e recrudesceu de novo a partir de 1917. Mas, como Pacheco Pereira notou, formas modernas de agitação, como greves e comícios de rua, não surgiram numa página em branco, tinham atrás de si uma história de banditismo e criminalidade que, de modo latente, traduziram a revolta popular. Não trazendo vantagem imediata a quem o cometia, o fogo posto atacava diretamente a riqueza e o poder das elites.24 24 CHAVES, Eduardo A. O fogo posto e o recebimento da indemnização de seguro e burla. Scientia Iuridica, Tomo III, p.171-191, 1953. A politização das massas trabalhadoras rurais transformou a caixa de fósforos, ou, como também era conhecida, a “foice de 10 réis”, numa poderosa arma dos fracos.25 25 PEREIRA, José Pacheco. As lutas sociais dos trabalhadores alentejanos: do banditismo à greve. Análise Social, Lisboa, v. XVI (61-62), n. 1-2, p. 135-156 (p. 150-153), 1980. A explosão do sindicalismo rural no Alentejo incorporou essa forma de protesto social, num movimento que se estendeu ao resto do país.26 26 MOURA, Maria Lúcia B.. A guerra religiosa na Primeira República. Lisboa: Editorial Notícias, 2004. p. 223-225, p. 234-239.

O fogo era um elemento tradicional de protesto que surgia agora integrado num repertório mais amplo de violência política. As autoridades portuguesas acreditavam que o movimento operário revelava cada vez maior apetência para o uso da violência na luta contra o Estado e contra o capital. Quando encerrou a Casa Sindical, em junho de 1913, o Comandante da Polícia Cívica de Lisboa notava que os sindicatos “aconselhando os meios violentos de ação direta”. Para o comandante da polícia, o operariado militante “sabe fazer bombas, mas ignora as circunstâncias em que se encontra a indústria em que trabalha”. Era necessária “a máxima repressão” a toda a “nefasta propaganda de anarquismo”, cujas greves eram “caracterizadas por aspectos violentos a que não andávamos acostumados”27 27 Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo [IANTT], Arquivo Ministério do Interior [AMI], Direcção Geral de Administração Política e Civil [DGAPC], Maço [Mç.] 46, Livro [Lº] 63, Processo n. 356. . Os anarcossindicalistas tentaram minorar o papel da violência: “os anarquistas não são violentos”, querem mesmo “banir a violência das relações sociais”, mas a dominação de que o operariado era vítima e as estratégias para resistir e suplantar o capitalismo “admitem o emprego da força”.28 28 VASCO, Neno. Da porta da Europa: factos e ideias. Lisboa: O Autor, 1913. p. 86-88. Os anarquistas portugueses, quando não advogavam, pelo menos, toleravam o uso da violência como forma de luta29 29 VENTURA, António; PEDROSO, Alberto. Emílio Costa e o sindicalismo da Formação Libertária à Casa Sindical. Lisboa: Seara Nova, 1977. p. 129-152. .

Nesse contexto, o fogo era um receio sempre presente. Numa investigação levada a cabo pela Guarda Nacional Republicana após a detenção de elementos tidos como anarquistas, na vila alentejana de Santiago do Cacém, uma das testemunhas, o proprietário José Ignácio, identificou entre os objetivos dos sindicalistas o incêndio dos paços do concelho, notando-se também que “muitos trabalhadores… nem em sua casa dormem com receio de que os mais exaltados lhes deitem fogo a suas casas”. No inquérito elaborado pelo Governador Civil, 17 indivíduos residentes locais “me afirmaram que, de algum tempo a esta parte, a sua vida tem sido de um completo sobressalto pelas ameaças”. Segundo esse relatório, por diversas vezes, tinham os trabalhadores rurais vindo à sede do concelho para soltar os presos, incendiar os paços do concelho e assassinar as autoridades. Eram esses os homens que tinham a fama de terem incendiado a igreja matriz em 1912. Na conclusão do relatório, o Governador Civil acrescentava sobre os principais cabecilhas “eu não creio que estes indivíduos sejam realmente anarquistas; mas acredito que fossem levados a estes excessos pela ambição do mando”.30 30 IANTT, MI, DGAPC, Mç. 46, L. 63, n. 373.

O medo da destruição intencional de plantações era uma realidade presente. Em 6 de junho de 1913, foram detidos, em Évora, Silvestre Pires e João Caleiro, “por estarem fazendo propaganda tendenciosa e subversiva, como seja o instigarem os trabalhadores para lançarem fogo às searas”. A acusação de tentativa de fogo posto foi lançada por António Oliveira, industrial, que se apresentou na polícia dizendo que entre “um grupo de trabalhadores, se encontrava um indivíduo (...) incitando os outros a que deviam lançar fogo às searas.” O grupo era constituído por “ratinhos” (trabalhadores do norte procurando trabalho no sul país), a eles João Caldeiro dizia que tinham de “pedi[r] aqui igual ou maior preço do que aquele que pedem os trabalhadores da região” e que, se os lavradores não aceitassem, “o que lhes restava fazer era lançar fogo às searas”.31 31 IANTT, MI, DGAPC, Mç. 47, Lº 63, n. 377/409. .

Em 29 de julho de 1913, o jornal O Século publicou uma notícia intitulada: “Crimes de Fogo Posto: associações secretas que se constituem em tribunais secretos”. A notícia relatava como, em diferentes pontos do Alentejo, associações de “pretensos sindicalistas” estavam deixando os lavradores “bastante apavorados” devido às constantes ameaças de fogo.32 32 O Século. 29-07-1913, p. 3. Afirmando que as associações de trabalhadores do concelho eram contra as “ideias sindicalistas”, o Administrador do Alandroal, vila alentejana, revelou ao Ministério do Interior que os incêndios e a ameaça de fogo ocupavam o seu cotidiano. O Administrador de Vila Viçosa informou que todos os anos ateavam fogo às propriedades de um lavrador local.33 33 IANTT, MI, DGAPC, Mç. 47, Lº63, n. 563. Para essas autoridades, a simples desconfiança da origem intencional de um fogo era motivo de comunicação para ­Lisboa. Em junho de 1916, os prejuízos insignificantes de um fogo numa herdade em Évora não impediram o Governador Civil de o comunicar ao Ministro do Interior.34 34 IANTT, MI, DGAPC, Mç. 69, Lº66, n. 420.

Pela destruição material que causaram mas, sobretudo, pela repercussão política, dois incêndios ‒ o de um prédio na Avenida da Liberdade, na tarde de 4 de outubro de 1910 e o incêndio no Caramujo, em Almada, na noite de 22 de agosto de 1911 ‒ ficaram intrinsecamente ligados à relação entre fogo como forma de protesto político e o desenvolvimento de uma nova forma seguradora. Um prédio em escombros, depois de um intenso incêndio o ter devorado, foi uma das imagens icônicasda revolução de 5 de outubro de 1910 (Figura 1). O fogo começou na tarde dia 4 de outubro, a uma hora nunca estabelecida com precisão, mas, certamente, enquanto ao lado decorria a revolução, destruindo, por completo, um prédio de vários andares na mais nobre avenida de Lisboa. As causas do incêndio foram assunto de ampla disputa: resultado do tiroteio revolucionário ou incêndio acidental? Quando o alarme foi dado, cerca das18h30min, a zona era palco de um tiroteio entre forças republicanas e monárquicas. Apesar de os bombeiros terem enviado uma moderna escada magyrus, a troca de tiros impediu que o incêndio fosse devidamente combatido, tendo um ajudante ficado ferido na ocasião.35 35 “Condenável critério: o incêndio na Avenida no dia da revolução”. Jornal de Seguros. 15-12-1911, p. 1-3.

Figura 1
Bilhete-postal ilustrado com prédio ardido na Avenida da Liberdade.

Alguns meses mais tarde, na quente noite de 22 de agosto 1911, Lisboa iluminou-se com as cores rubras de um grande incêndio na outra margem do Tejo (Figuras 2 e 3). As labaredas, “pondo colorações sinistras nas mas águas do formoso rio”, desenharam, segundo o Jornal de Seguros, um quadro de “horrível beleza”.36 36 Jornal de Seguros. 30-09-1911. p. 2. A zona do Caramujo, em Almada, repleta de fábricas e armazéns de cortiça, ardia incessantemente.37 37 A produção de cortiça cresceu de forma assinalável desde a década de 1870. Em 1850, o setor ocupava 164 trabalhadores, seis décadas mais tarde empregava 6634 trabalhadores. A cortiça em bruto e processada tornou-se uma das principais exportações portuguesas. Em 1905-1914, a cortiça representou 9,4% das exportações portuguesas, ficava atrás apenas do vinho, e a processada representava 3%. Portugal era um dos principais produtores mundiais de cortiça. Cf. LAINS, Pedro. Los progresos del atraso: una nueva historia económica de Portugal. Zaragoza: Prensas Universitarias Zaragoza, 2006. p. 67-68, 138. As causas do incêndio foram motivo de muito falatório na cidade. Segundo a opinião geral, depois de meses de conflito entre patrões e operários, o fogo fora lançado por trabalhadores descontentes, “contaminados” por ideias anarquistas. Para o Jornal de Seguros, tinha sido “um requintado ato de malvadez”, um ato “incoerente e bárbaro”, uma “perfeita selvageria”.38 38 Jornal de Seguros. 30-09-1911, p. 2. Estávamos perante uma “sabotage”, “mais um francesismo que a civilização nos trouxe”39 39 Jornal de Seguros. n. 135, 30-09-1911, p. 2. , ainda escrita com aspas ou em itálico, e que traduzia uma ação concertada, lançar o fogo e dificultar o seu combate, para causar a destruição de mercadorias e equipamentos.

Figuras 2 e 3
Incêndio no Caramujo. Fonte: Ilustração Portuguesa, n. 289, 04-09-1911

Ao contrário do incêndio na Avenida da Liberdade, o incêndio do Caramujo não foi um evento inesperado. Ocorreu depois de meses de ameaças operárias e queixas de proprietários às autoridades. Em março de 1911, a Embaixada de Espanha em Portugal solicitou a adoção de “providências necessárias para a segurança das pessoas, famílias e interesses dos industriais espanhóis”, tendo em vista o movimento grevista que afetava aquela zona.40 40 IANTT, MI, DGAPC, Mç. 32, Lº 61, n. 212. Uma representação de industriais ingleses estabelecidos na mesma zona queixava-se do mesmo ambiente de insegurança. Desde a Revolução, seis meses antes, demandas por aumento de salários e proibição de exportação de certas espécies de cortiça tinham sido atendidas. Agora, reclamando os operários redução das horas de trabalho, “é indispensável não ceder”, uma vez que, na visão dos industriais ingleses, isso era apenas o início de uma nova série de pretensões “a que são levados os operários por uns violentos agitadores”. A comunicação aos trabalhadores da recusa em ceder a quaisquer outras pretensões tinha provocado “uma carta da sua associação em termos ameaçadores”. No final de março, os industriais pediram a intervenção do embaixador inglês.41 41 IANTT, MI, DGAPC, Mç. 32, Lº 61, n. 215. Sucederam-se, então, os pedidos por parte de outras embaixadas: Estados Unidos, França, Espanha, Alemanha. Ainda em março, o representante dos Estados Unidos, atuando em nome da firma americana Buchnall & Scholts, solicitou “a adoção de providências convenientes para garantir a segurança dos bens daqueles cidadãos americanos”.42 42 IANTT, Arquivo Governo Civil de Lisboa [AGCL], NT903 NR90. Ultrapassando os costumeiros canais diplomáticos, o embaixador alemão escreveu diretamente para o Governo Civil de Lisboa pedindo que, à semelhança das fábricas inglesas, fosse enviada uma força da “Guarda Municipal” para uma fábrica de cortiça alemã.43 43 IANTT, AGCL, NT903 NR90. No final de agosto, os receios dos industriais do Caramujo concretizaram-se.44 44 IANTT, MI, DGPAC, Mç. 34, Lº 61, n. 627.

A “sabotagem” de fábricas e plantações nunca atingiu números elevados. No entanto, esses casos mostram-nos que a vaga de protestos operários que se seguiu à implantação da República teve no fogo uma forma de protesto central. Mas, mais do que os eventos concretos, o espectro do fogo deu origem a uma ameaça, a um medo, um sentimento de insegurança. Entre as estratégias, coletivas e individuais, engendradas para combater esse risco, destacou-se o seguro contra greves e tumultos.

A “febre dos seguros” e o espectro da desordem

Quando, em maio de 1917, no auge da carência de bens de primeira necessidade, centenas de lojas foram assaltadas e saqueadas, o chefe do governo português, Afonso Costa, tentou desdramatizar a situação. Se existiam dúvidas quanto à capacidade das forças policiais, os cidadãos, alegava o primeiro-ministro, tinham à sua disposição outras formas de se protegerem. A República, argumentou, “t[inha] dado às companhias de seguros autorização para tomarem seguros sobre revoluções, desordens e tumultos, para evitar que aconteça o que aconteceu pela revolução de 5 de Outubro, em que na Avenida se incendiou um prédio e outro no Caramujo, tendo surgido dúvidas no Tribunal do Comércio, mas sendo condenadas as companhias de seguros a pagar o seguro.”45 45 Diário do Senado [DS], 24-05-1917, p. 17-18.

Embora a história empresarial tenha trazido alguma luz sobre a configuração do mercado segurador, sabemos ainda muito pouco sobre cada ramo segurador, os padrões de consumo e o perfil do consumidor. Durante o século XIX, o mercado segurador português desenvolveu-se através de companhias estrangeiras e de três grandes companhias portuguesas: a Bonança, a Tranquilidade e a Fidelidade, operando sobretudo nos tradicionais ramos de seguro marítimo e incêndio. Em outubro de 1907, existiam, em Portugal, 68 companhias seguradoras, 36 portuguesas e 32 estrangeiras. Após esta data e em face das regras mais apertadas de funcionamento e fiscalização, continuaram a operar, 29 companhias, sendo 17 companhias portuguesas e 12 estrangeiras (uma espanhola, duas francesas, sete inglesas, uma brasileira e uma alemã). Declarada a Guerra, começou a febre da fundação de companhias de seguros. ­Entre 1914 e 1918, foram fundadas 48 companhias de seguros. Como notou Eduardo Plácido, um conhecido empresário de segurados, em artigo na imprensa especializada internacional, “muitas empresas foram criadas, e não poucas pessoas que, alguns meses antes, tinham apenas um vago conhecimento de seguros, tornaram-se, de repente, diretores e gerentes de empresas e firmas de seguros”.46 46 “Insurance in Portugal”. Financial Times. 15-12-1924, p.15. “many companies were established, and not a few individuals who some months before had only a vague knowledge of insurance became all of a sudden directors and managers of insurance companies and firms.”

O país era atrativo para as seguradoras estrangeiras. Os seguros das principais indústrias, a cortiça e o vinho, eram feitos diretamente com Londres,47 47 “Insurance in Portugal”. Financial Times, 13-08-1921, p.6. mas o seguro marítimo, o que mais capitais movimentava, e o seguro de incêndio, o que mais clientes atraía, mas também os ramos de greves e tumultos, roubo, vidros, agrícola e automóveis, desenvolveram o mercado de seguros em Portugal.48 48 “Insurance in Portugal”. Financial Times, 15-12-1924, p.15. Embora não atingisse os lucros dos seguros marítimo49 49 Durante a Primeira Guerra, com a difusão da guerra submarina em larga escala, os valores do seguro marítimo cresceram exponencialmente. e de incêndio, o seguro contra greves e tumultos assumiu uma crescente relevância. Em 1921, sublinhando a importância desse ramo, o Financial Times notava que “desde o estabelecimento da República um grande ímpeto foi dado ao seguro contra perdas ou danos resultantes de motim e comoção civil (...) o negócio tem sido decididamente lucrativo”.50 50 “Insurance in Portugal”. Financial Times. 13-08-1921, p.6. “since the establishment of the Republic a great impetus has been given to insurance against loss or damage arising from riot and civil commotion (…) the business has been decidedly profitable.” A Primeira República traduziu-se num período de ascensão e queda do mercado segurador, um mercado em que o seguro contra greves e tumultos representou uma das principais novidades.

Antes de outubro de 1910, a principal publicação da área, o Jornal de Seguros, assinalava a “vida difícil e sem iniciativa” das seguradoras portuguesas.51 51 “Seguros que podiam ser adotados pelas nossas companhias”. Jornal de Seguros. 31-05-1907, p.1. Alargar os riscos cobertos tornou-se uma necessidade de sobrevivência. Em 1906, ao dar a notícia sobre uma greve no Porto, o periódico notava que, sendo relativamente raras e pouco violentas as greves no país, ainda não tinha sido necessário introduzir o seguro contra greves, como já acontecia noutros países.52 52 “Greves”. Jornal de Seguros. 15-08-1906, p. 6. Existiam dois tipos diferentes de seguros contra greves. Um cobria o risco de prejuízos da falta ao trabalho de trabalhadores em greve. O outro cobria o risco de prejuízos resultantes de greves e distúrbios violentos. Foi esse segundo gênero que se desenvolveu em Portugal (Figura 4). Esses eram seguros extremamente caros, subscritos normalmente apenas por curtos períodos de tempo. Em Portugal, eles eram especialmente caros. Enquanto no Lloyds se cobrava cerca de 10% por ano pelo prêmio de seguro, uma companhia portuguesa chegava a cobrar 20% por cento por ano, enquanto um seguro de incêndio normal podia ficar por 4,5% ao ano sobre o valor da propriedade segurada.53 53 FELDMAN, Gerald D. Civil commotion and riot insurance in fascist Europe, 1922-1941. Financial History Review, Cambridge, v. 10, n. 2, p. 165-184, out. 2003. p. 166.

Figura 4
Apólice de seguro contra greves e tumultos.

Para compreendermos o surgimento do seguro contra greves e tumultos, temos de analisar o processo que se seguiu aos incêndios na Avenida da Liberdade e Caramujo, em 1910 e 1911. No Caramujo, apagado o incêndio, a insegurança continuou. Os diplomatas ingleses expuseram a seriedade da situação juntando um panfleto dos “corticeiros,” onde reclamavam da perseguição movida pelos industriais estrangeiros e deixavam no ar ameaça “se amanhã os operários vítimas de tanta infâmia; vendo as esposas e os filhos debatendo-se nas agonias da fome, fizerem um gesto de homens fartos de sofrerem; então sim, então haverá autoridades e leis para os punirem”. A repetição da violência, lembrava a embaixada inglesa, iria agravar ainda ou impossibilitar de todo os seguros na Lloyds. 54 54 IANTT, MI, DGAPC, Mç. 35, Lº 61, n. 807.

Entre as seguradoras portuguesas, o pagamento dos seguros no Caramujo não foi consensual. Logo em setembro de 1911, cinco indivíduos, entre quais dois que não sabiam escrever, com propriedades seguras na Fomento Agrícola, Portugal e Tranquilidade Portuense reclamaram perante o Conselho de Seguros o não pagamento das indenizações. Segundo eles, o argumento das seguradoras de que o incêndio tinha sido produzido por um tumulto popular não podia ser acolhido porque companhias como a Fidelidade e a Probidade tinham procedido à liquidação das indenizações.55 55 Arquivo da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões [AASSFP], Tranquilidade, 253B. A Companhia Portugal respondeu que a sua responsabilidade se limitava a fogo casual e lembrava que decorria no Tribunal de Almada o processo contra os “incendiários e instigadores dos incêndios criminosos”. Mais importante, no entanto, era o que a Companhia lembrava logo em seguida. Há meses que as seguradoras nacionais vinham fazendo, “mediante prémio e convenção especial”, seguros que cobriam eventos dessa natureza. Contudo, tendo “recebido comunicação, embora extra oficial, proibindo-os” a Companhia havia suspendido esse tipo de contratos. Assim, em 24 de abril de 1911, tinha feito um pedido ao Conselho de Seguros para poder incluir nas suas apólices esse tipo de risco, sabendo que companhias estrangeiras vinham “realizando avultados interesses” neste ramo.56 56 AASSFP, Portugal, 248B.

De fato, desde os primeiros meses de 1911, antes do incêndio do Caramujo mas depois do incêndio da Avenida da Liberdade, a imprensa lisboeta vinha anunciando seguros que cobriam os riscos de “guerra” e “revolta”, no caso da Companhia de Seguros Portugal, ou “bombardeamentos” e “tumultos populares”, no caso da Seguradora Universal. Ambas eram companhias nacionais de pequena dimensão57 57 O Século. 16-04-1911, p. 7. . À semelhança da Companhia Portugal, a Comércio e Indústria, alertada em junho de 1911 pelo Conselho de Seguros para o fato de não existir autorização legal para esses contratos, comunicou ter anulado “quaisquer contratos de seguros efetuados contra o risco de revolução, etc.”58 58 AASSFP, Comércio e Indústria, 233F. Na mesma altura, A Nacional comunicou que, tendo sido “extra oficialmente avisada que para assumir este risco” teria de pedir autorização, havia suspendido esse tipo de contratos.59 59 AASSFP, A Nacional, 245D. Essa troca de correspondência entre a autoridade reguladora e algumas seguradoras mostra como, desde o início de 1911, mesmo sem o aval legal, algumas seguradoras começaram a comercializar seguros contra os chamados riscos políticos.

No final de 1911, o caso judicial do incêndio da Avenida da Liberdade chegou ao fim. A ação judicial havia sido movida pelos proprietários do prédio contra a Companhia de Seguros Royal e outras. As seguradoras foram condenadas a pagar as indenizações estabelecidas nas apólices de seguro. O júri considerou que não ficou provado que o fogo tinha sido causado pelos disparos de artilharia. O júri foi ainda questionado se o fogo em causa tinha resultado de uma invasão, de um ataque de inimigo estrangeiro, de um motim, de uma comoção civil, de uma rebelião ou insurreição ‒ causas que as apólices explicitamente excluíam. A tudo o júri respondeu negativamente. Pelo contrário, ficou, segundo o júri, provado que o incêndio começou antes do início do tiroteio, e que, devido à ausência dos moradores, só muito tardiamente se deu o alerta. Também ficou provado que o prédio tinha sido devidamente arejado, diminuindo assim o risco de incêndio.

O Jornal de Seguros considerou a sentença ultrajante.60 60 “Condenável critério: o incêndio na Avenida no dia da revolução”. Jornal de Seguros. 15-12-1911, p. 1. As seguradoras, “nobilíssimas instituições de humanidade e previdência”, podiam, por vezes, transigir, pagando mesmo quando não estavam obrigadas a tal. A “dialética jurídica, mais ou menos capciosa” podia obrigar as companhias a pagar em situações que consideravam menos claras. Mas obrigá-las a pagar, de forma sistemática, danos que as apólices excluíam era, na visão das seguradoras, uma simples “extorsão criminosa”. A indústria seguradora não era, no entanto, completamente inocente. As seguradoras deviam começar a “colocar o seguro na significação que lhe é devida”.61 61 “O que é justo!”. Jornal de Seguros. 15-09-1911, p. 1. Para o Jornal de Seguros, o tribunal tinha condenado sem razão as seguradoras no caso do incêndio da Avenida da Liberdade, mas essas eram também culpadas por não agirem de forma clara, vendendo produtos para os quais não estavam autorizadas, e concertada, uma vez que, perante os mesmos incêndios, umas pagavam e outras argumentavam com riscos não cobertos.

A clarificação pedida pelo Jornal materializou-se no ano seguinte. Em maio de 1912, o Conselho de Seguros indeferiu o pedido de algumas seguradoras portuguesas para poderem “efectuar seguros contra o risco de incêndio ocasionado por tumulto ou greve”, mas apenas porque não estava em causa a criação de um novo ramo de seguro, mas somente de mudanças a introduzir nas apólices já existentes no ramo de incêndio.62 62 Diário da República, n. 109, 10-05-1912. Nos meses seguintes, assistiu-se a uma corrente contínua de seguradoras pedindo para adaptar as suas apólices de seguro de incêndio à nova modalidade “contra greves e tumultos”. Em 23 de outubro de 1912, a Companhia A Portuense e a Fomento Agrícola. Em 17 de maio de 1913, a ­Garantia, a Tagus. Em 19 de junho de 1913, a Aliança Madeirense, a Bonança, a Douro, a Íris, a Prosperidade, a Tranquilidade Portuense. Em 24 de julho de 1913, a Confiança Portuense e A Urbana Portuguesa. Tal cronologia mostra-nos um movimento iniciado e conduzido por seguradoras emergentes no mercado. As maiores seguradoras portuguesas ou não aderiram à nova modalidade (Tranquilidade e Fidelidade) ou estiveram entre as últimas a adotar essa modalidade de seguro (Bonança). Eram essencialmente as companhias recentemente fundadas, ainda em fase de consolidação e procurando novos ramos de negócio, as principais promotoras dessa nova forma seguradora.

Nos seguros de incêndio, passaram a coexistir dois tipos de apólice, a simples e a que cobria o risco de greves e tumultos. Tão importante quanto identificar as companhias e analisar o processo que conduziu ao aparecimento de um novo produto segurador, é compreender quem consumia este produto e com que motivações. E embora estejamos perante um espectro social amplo, desde empresas corticeiras estrangeiras que contratavam os seus seguros em Londres ou Berlim, até pequenos proprietários com poucos recursos econômicos, como alguns do proprietários no Caramujo que não sabiam assinar o nome, este era um produto consumido por grupos socioeconômicos específicos. Comerciantes e industriais urbanos, por um lado, e proprietários agrícolas, por outro, foram os alvos claros das seguradoras.63 63 “Contra as greves”. Jornal de Seguros. 31-07-1920, p. 3.

A publicidade paga pelas seguradoras na imprensa mostra-nos a relevância desses grupos. No caso dos lavradores, o aproximar do período de colheitas traduzia-se num “redobr[ar] de intensidade” de uma propaganda que acentuava como “a questão momentosa das greves” tinha aumentado os riscos. O momento difícil constituía uma oportunidade de negócio. O aumento do risco percepcionado “incitou o lavrador a segurar os seus haveres”.64 64 “Seguros Agrícolas”. Jornal de Seguros. 31-05-1911, p. 1. Em 1914, uma companhia recentemente formada, a Mundial, direcionava a sua publicidade para esses consumidores (Figura 5). Com o início das hostilidades da Primeira Guerra Mundial, os comerciantes emergiram como outro grupo consumidor desse tipo de seguros. As dificuldades com os abastecimentos de bens de primeira necessidade agravou-se ao longo da guerra, com um consequente aumento dos preços, da especulação e da contestação social. O risco percebido por parte dos lojistas, alvo de frequentes pilhagens e saques a partir do final de 1916, tornou-os noutro grupo consumidor desses seguros. A Europa, uma companhia recentemente fundada e que apostou fortemente nos seguros contra greves e tumultos, tinha, em 1918, 67% da sua clientela concentrada em Lisboa, sobretudo lojistas.65 65 FONSECA, Hélder A.; GUIMARÃES, Paulo. A Europa. In: FARIA, Miguel F.; MENDES, José A. (edits). Dicionário de história empresarial portuguesa. Lisboa: INCM, vol. II, p. 215-216, 2013.

Figura 5
Publicidade da Seguradora Mundial.

O que atraía lavradores e comerciantes para o seguro contra greves e tumultos era a percepção simultânea do aumento da contestação social violenta e da incapacidade do Estado em manter a ordem pública. José Ferreira Marques, comerciante com armazéns em Almada, foi um dos comerciantes que viu o seu estabelecimento assaltado por uma multidão em fúria. Em outubro de 1915, ele queixou-se às autoridades que, na noite de 21 para 22 de outubro, “uma turbamulta superior a duas mil pessoas de ambos os sexos e pertencente à parte, notoriamente indisciplinada, da população obreira do concelho” assaltou o seu armazém de azeite para exportação. Segundo ele, a multidão arrombou a entrada do armazém e apoderou-se “de quantas caixas e vasilhas com azeite quis”. Ao tentar identificar as causas do assalto, ele negou que fosse “lícito filiá-lo nas lastimáveis condições de encarecimento de víveres, que o desolador conflito europeu tem produzido na economia dos grandes centros”, uma vez que o azeite não podia ser considerado um bem de primeira necessidade, e o seu preço, desvalorizado em 25%, não justificava “tamanhas violências”. Não havendo nenhum “agravo individual” contra o queixoso, a principal causa devia ser atribuída a um “desvairado movimento sedicioso.” Um movimento que as autoridades, “à míngua de meios”, não tinham conseguido dominar.

O queixoso exprimia uma reclamação comum na época: a falta de meios das forças de segurança estava na base da insegurança sentida por proprietários e empresários. Responsabilizar diretamente as forças da ordem “seria rematada injustiça”, uma vez que elas não tinham culpa da falta de recursos; era-lhe, no entanto, lícito imputar responsabilidades ao Estado. Para o queixoso, se o cidadão tem de “indemnizar a coletividade” quando a prejudica, a mesma obrigação caberia ao Estado quando esse falha nas suas obrigações. O queixoso pedia assim que fosse indenizado pelos prejuízos que sofreu no saque da noite de 21 de outubro de 1915, argumentando que, se “a autoridade e a força deixam de acudir e comparecer quando as circunstâncias do cidadão as reclamam, ou deficiente é o concurso e auxílio que lhe prestam, a garantia da lei, sendo iludida, leva à lesão da Constituição e arrasta o Estado” que, consequentemente, deve “reparar os prejuízos a que os defeitos de sua própria organização deram causa”. Em resposta, o Governador Civil de Lisboa afirmou que as forças da ordem tinham procurado evitar e reprimir “os desmandos” da multidão. Ao concluir o seu parecer negativo, constatou, ainda, que se a reclamação fosse acolhida, “todos os dias estaria o Estado pagando indemnizações por ter cometido o grave crime de não pôr um polícia ao lado de cada cidadão e uma força armada à porta de cada estabelecimento.”66 66 IANTT, MI, DGAPC, Mç. 62, Lº 65, n. 750. Eram proprietários, industriais e comerciantes, como José Ferreira Marques, que, perante a crescente desordem e violência nas ruas e a falta de proteção por parte do Estado, engendraram estratégias de segurança alternativas.

O crescimento dos proveitos e da visibilidade social do seguro contra greves e tumultos tornou-o assunto intensamente discutido. Em outubro de 1916, a partir de um artigo de um economista no Comércio do Porto, o Jornal de Seguros refletiu sobre o novo risco coberto pelas seguradoras nacionais. Notando que “todos os riscos são seguráveis”, o jornal aplaudia a estratégia das companhias de seguros por terem “aberto apólices para riscos novos, entre os quais figuram os derivados da guerra civil, tumultos, arruaças e sabotage”. Eram, contudo, riscos especiais. As suas causas não eram, como noutros riscos, naturais ou fortuitas, mas dependiam “da imprevidência ou erro do Estado, dos defeitos da legislação, da excessiva liberdade dos costumes e da indiferença das autoridades”. Se eram riscos seguráveis, também eram um “delito coletivo” que as autoridades deviam punir. O Estado tinha de se responsabilizar pelos danos causados, “porque na sua função de defesa social não previu os acontecimentos, ou porque a sua desorientada autoridade indiretamente os provocou.”67 67 “O «sabotage»”. Jornal de Seguros. 31-10-1916, p. 1. Esse debate não era inocente. Como a historiografia tem notado, o alto risco desses produtos apenas os tornava atrativos para as seguradoras caso existisse um ambiente mínimo de garantia da lei e funcionamento da justiça. A comodificação da desordem implicava um contexto político e social singular: a ameaça tinha de ser suficientemente real para despertar o consumo, e isso implicava a incompetência do Estado em manter a ordem, mas, se essa incompetência fosse demasiado grande e os danos causados demasiado extensivos o negócio, perderia a sua rentabilidade. A instabilidade política e social garantiu uma ameaça e a formação de um medo que lhes permitiu comodificar algo novo: a possibilidade de destruição de propriedade em protestos políticos e sociais. A situação iria, no entanto, inverter-se durante 1917. O agudizar das dificuldades criadas pela guerra e a continuada instabilidade política transformaram o seguro contra greves e tumultos numa das causas da crise da indústria seguradora no pós-guerra.

Em maio de 1917, a Revolta da Batata, em Lisboa, foi o momento em que a indústria seguradora portuguesa e o seguro contra greves e tumultos foram colocados à prova. A autoridade do Estado e a sua capacidade para manter a ordem e respeitar a lei pareciam ter colapsado, e se já era um seguro popular a sua procura a partir de maio parece ter aumentado de forma significativa. As seguradoras encontravam-se numa encruzilhada: tinham um mercado para explorar, mas também circulavam alertas de que as condições se poderiam deteriorar ao ponto de não ser um negócio rentável. Múltiplas estratégias foram, então, adotadas pelas seguradoras. Algumas companhias tentaram impor novas condições, uma parte do risco ter sempre de permanecer nos segurados, incitando, assim, os segurados a manterem-se vigilantes; as apólices deveriam passar a ser preenchidas de forma mais detalhada, e o aumento do valor do resseguro, limitando, dessa forma, a ação das pequenas seguradoras.68 68 “Os últimos acontecimentos”. Jornal de Seguros. 15-06-1917, p. 1-2. Outras seguradoras, no entanto, apostaram ainda mais nesse seguro. Se a Revolta da Batata constituiu um primeiro aviso às seguradoras, foi, aparentemente, também uma eficaz propaganda. Tendo a maioria das seguradoras liquidado as perdas dos seus segurados, a confiança dos consumidores em relação a esse produto consolidou-se, e o volume de negócios desse produto terá aumentado depois de maio de 1917.

Em dezembro de 1917, no entanto, a cidade de Lisboa voltou a viver momentos de turbulência na revolução que levou Sidónio Pais ao poder. Os acontecimentos combinaram revolução política, com combates entre facções do exército e a substituição do governo, e tumulto popular, com as cada vez mais comuns pilhagens a mercearias. No rescaldo da nova onda de saques, o Jornal de Seguros falava em “prejuízos avultadíssimos que excederam em muito as previsões”. Começaram a chegar aos jornais notícias de incumprimento por parte de seguradoras.69 69 “À companhia de seguros A Lisbonense / Companhia de seguros garantia / Companhia de Seguros Europa”. O Século. 25-12-1917, p.4. Contra aqueles que acusavam as seguradoras de “má-fé, de falta de probidade e até de burla”, o Jornal de Seguros afirmava que todos os pagamentos estavam sendo feitos a tempo e a hora. Mas era indesmentível que os acontecimentos de dezembro de 1917 e os altos pagamentos a que as companhias seguradoras se viram obrigadas a liquidar marcavam “um compasso de espera” no desenvolvimento da indústria seguradora.70 70 “O Seguro nas grandes crises”. Jornal de Seguros. 15-01-1918, p. 2. Para combater as vozes que atacavam as seguradoras, o Jornal de Seguros começou a publicar recibos de liquidação de seguros e mensagens de clientes satisfeitos.71 71 “Documento eloquente”. Jornal de Seguros. 28-02-1918, p. 3.

No final de 1917, a indústria de seguros conheceu o primeiro grande momento de tormenta desde que a República havia sido implantada. A seguradora Europa era um exemplo de uma companhia surgida da febre dos seguros e que foi, especialmente, impulsionada pelo seguro contra greves e tumultos. Fundada em 1916, quando os lucros da guerra eram já substanciais, em menos de um ano, angariou 3.967 contratos.72 72 “A Europa”. Jornal de Seguros. 31-10-1917, p. 1-3. Dada sua natureza: pequena companhia a querer implantar-se no mercado, a Europa foi uma das que mais ativamente se haviam lançado no seguro contra o risco de assalto e tumultos. Em dezembro de 1917, no entanto, a desordem generalizada que viveu a capital portuguesa trouxe-lhe consequências catastróficas. Logo em janeiro, a companhia inseriu no Jornal de Seguros uma publicidade em que tentava mostrar aos críticos como estava a agir corretamente. Com o título de “Seguros de greves, tumultos e assaltos: Escudos 85 297$92” a seguradora apresentava uma lista com 45 nomes e respectivos valores pagos.73 73 “A Europa: seguros de greves, tumultos e assaltos”. Jornal de Seguros. 15-01-1918, p. 3. No relatório e contas relativos a 1917, os diretores da companhia analisaram a hecatombe que se havia abatido sobre a empresa. Segundo eles, os acontecimentos desenrolaram-se “tão extensamente e em circunstâncias tão excepcionais, contra todos os mais elementares princípios das probabilidades”. Lembrando que toda a indústria se tinha “abalançado” no ramo de greves e tumultos, os dirigentes da companhia reconheceram que os acontecimentos de dezembro tinham sido “lição e exemplo de que as bases em que assentava necessitavam de ser corrigidas”74 74 “A Europa: Relatório da Direção e Parecer do Conselho Fiscal”. Jornal de Seguros. 15-10-1918, p. 3. . Apesar de se manter em atividade, a empresa nunca conseguiu se recuperar desta hecatombe. Em 1926, ano de instauração da Ditadura Militar, abriu falência.75 75 FONSECA, Hélder A.; GUIMARÃES, Paulo. A Europa. In: FARIA, Miguel F.; MENDES, José A. (edits). Dicionário de história empresarial portuguesa: séculos XIX e XX. Lisboa: INCM, vol.II, p. 215-216, 2013.

Em 1918, algumas seguradoras começaram a recusar certos riscos devido ao elevado nível de violência pública e insegurança. Perante os acontecimentos de dezembro de 1917, as companhias começaram a colocar entraves à cobertura de certos riscos.76 76 WHEELER, Douglas. História política de Portugal: 1910-1926. Mem Martins: Europa América, 2010, p. 184. Em dezembro de 1918, dias antes do assassinato de Sidónio Pais, Cunha Leal, antigo agente de seguros e futuro apoiante da Ditadura Militar, dizia no parlamento: “nós somos, creio, a única nação em que as companhias seguradoras, mesmo as estrangeiras, já não seguram contra assaltos; e razão de tal facto é que estes atentados são o pão nosso de cada dia, são um rosário de contas que tristíssimos cavalheiros andam desfiando por conta da situação.” Queixando-se dos constantes assaltos, desordens, tumultos que se praticavam devido à fraqueza das autoridades, concluía: “O facto é que as casas não se incendeiam e não se assaltam por si próprias!”.77 77 DCD, 09-12-1918, p. 15.

Sidónio Pais tentou promover reformas de centralização e reforço da autoridade do Estado. O seu assassinato, em dezembro de 1918, exatamente um ano depois da sua ascensão ao poder, e a quase situação de guerra civil que o país experimentou nos primeiros meses de 1919 levaram a uma crise de Estado, com a implantação momentânea da monarquia no norte do país, nos primeiros meses do ano. Se os acontecimentos de dezembro de 1917 tinham mostrado as frágeis base da indústria seguradora em Portugal, especialmente no ramo do seguro contra greves e tumultos, o continuar e agravar da situação nos primeiros meses de 1919 exacerbaram ainda mais a situação. Em 2 e 3 de maio de 1919, dois grandes incêndios em Lisboa, um no “edifício das encomendas postais”, na Praça do Comércio, e o outro na cadeia do Limoeiro marcaram o quotidiano, já instável, da cidade. Os incêndios em si causaram “pavor aos lisboetas”, mas foi a sua origem, “atribu[ída] à propaganda pelo facto dos inimigos da sociedade”, que despertou todas as discussões.78 78 “Fogo e água”. O Jornal do Bombeiro. 30-05-1919, p. 1. A sabotagem aos meios de combate aos incêndios, o corte de mangueiras e a inutilização de reservatórios de água confirmaram a intencionalidade desses incêndios. Depois de alguns anos de estiagem, a contestação à operária à carestia de vida traduzia-se num recrudescer do sindicalismo, incluindo setores violentos que, mais uma vez, recorriam ao fogo como arma de protesto.79 79 PEREIRA, Joana. O ciclo de agitação social global de 1917-1920. Ler História, Lisboa, n. 66, p. 44-55, 2014.

Enfraquecida, enredada em múltiplos processos de fusão e limitada na sua ação pela integração em sistemas financeiros internacionais que, após os acontecimentos de 1917, tinham o país sob vigilância, a indústria seguradora portuguesa não tinha agora a capacidade, criativa e financeira, revelada em 1911. As companhias que tinham surgido durante a década de 1910 ganharam capacidade financeira através da integração em redes internacionais de cosseguro e resseguro. Uma das companhias que tinha segurado o edifício das encomendas postais adjacente ao Terreiro do Paço, tinha esse seguro, no ramo comum do seguro contra incêndios, ressegurado em 23 companhias, quase todas estrangeiras. Essa capacidade, no entanto, tinha custos. Foi precisamente a recusa de uma dessas resseguradoras em pagar a indenização - a companhia em Portugal não tinha contestado esse pagamento - que conduziu o caso à barra dos tribunais.80 80 O Direito: Revista de Jurisprudência. n. 3, 15-02-1920, p. 37-43 (p. 42). Dessa feita, ao contrário do incêndio da Avenida da Liberdade, em outubro de 1910, as seguradoras conseguiram não pagar as indemnizações. Se o incêndio da Avenida da Liberdade tinha constituído rastilho para a invenção de um novo tipo de seguros, o incêndio das encomendas postais em maio de 1919 mostrou o seu esgotamento.

Em 1921, o Financial Times noticiava que cerca de cem empresas operavam no mercado português.81 81 “Insurance in Portugal”. Financial Times. 13-08-1921, p. 6. A constatação de que o mercado estava superpovoado era amplamente aceita82 82 “Insurance in Portugal”. Financial Times. 15-12-1924, p. 15. . Nos anos 1920, a combinação da diminuição dos capitais resultantes do seguro marítimo, um dos motores da indústria durante a guerra, e da recusa ou incapacidade em pagar as indenizações, conduziu ao descrédito público as seguradoras.83 83 “British insurance in Portugal”. The Economist. 12-09-1925, p. 414. Das 48 companhias fundadas durante a guerra apenas 10 ainda existiam em novembro de 1929.

Conclusão

As frágeis bases do seguro contra greves e tumultos foram expostas quando o risco começou a ser percebido como demasiado alto para ser lucrativo. Os acontecimentos de dezembro de 1917 infligiram a primeira hecatombe no mercado segurador português. Esse ramo, que tinha surgido no final de 1910 em resposta ao aumento de protestos políticos violentos, entrou em declínio a partir de 1918. Neste trabalho, analisamos a precocidade desse tipo de seguros em Portugal. As seguradoras encontraram uma forma de comodificar o sentimento de insegurança, mas o Estado ajudou, cedendo espaço à intervenção do mercado em questões de segurança. As declarações de Afonso Costa em 1917 mostram-nos que existiu uma decisão política de transferir uma parte do risco de desordem para instituições privadas. No contexto de uma historiografia que tem explorado os significados culturais e sociais da atividade seguradora, este trabalho mostrou a formação de uma nova forma seguradora.

A percepção do risco e a confiança da burguesia portuguesa em companhias de seguros revelam também mudanças importantes na sociedade portuguesa. A profunda transformação de hierarquias sociais e políticas tradicionais, numa sociedade em crescente ritmo de urbanização e industrialização A “foice de dez réis” era uma já tradicional arma de protesto popular, mas o crescimento do movimento operário integrou-a num repertório de protesto mais moderno. Apesar das mudanças que a República tentou implantar, sobretudo no curto período de vigência do Sidonismo: reforço e reforma do sistema policial e o estabelecimento de novas formas de proteção dos trabalhadores, nunca foi capaz de controlar o operariado. Proprietários e trabalhadores engendraram, então, estratégias de protesto e de segurança inovadoras.

O aparecimento dos seguros contra greves e tumultos nos grandes centros financeiros revela a natureza crescentemente global da economia capitalista. Os seguros feitos nesses grandes centros protegiam, sobretudo, o capital oriundo dos centros do capitalismo global (como alguns proprietários no Caramujo). Era, no entanto, um produto secundário e geograficamente disperso. Em Portugal, no entanto, a indústria seguradora tomou o exemplo e desenvolveu-se tendo no seguro contra greves e tumultos um dos ramos em que as novas companhias apostaram. Se, em Londres, esse era um produto marginal, em Lisboa foi um dos impulsionadores da “febre dos seguros”. A criatividade das companhias portuguesas e uma persistente atmosfera de insegurança tornaram possível esta febre, no entanto, o extremar da violência pública rapidamente revelou os limites da comodificação dos protestos sociais violentos.

Fontes - Jornais

  • DiárioDiário da Câmara dos Deputados 9 dez. 1918.
  • DiáriDiário da República 10 mai. 1912.
  • DiárioDiário do Senado 24 mai.1917.
  • JornalJornal de Seguros 15 ago. 1906, 31 mai. 1907, 31 mai. 1911 30 set.1911, 15 dez. 1911, 15 jun. 1914, 15 set. 1914, 31 out. 1916, 15 jun. 1917, 31 out. 1917, 15 jan. 1918, 15 out. 1918, 31 jul. 1920.
  • IlustraçãoIlustração Portuguesa 04 set. 1911.
  • ManchesterManchester Courier and Lancashire General Advertiser 26 out. 1908.
  • O DireitoO Direito: Revista de Jurisprudência 15 fev. 1920.
  • O JornalO Jornal do Bombeiro 30 mai. 1919.
  • O SéculoO Século 16 abr. 1911, 29 jul. 1913, 25 dez. 1917.
  • The EconomistThe Economist 23 nov. 1912, 13 set. 1913, 05 dez. 1936.
  • The Financial TimesThe Financial Times 08 nov. 1913, 13 ago. 1921, 15 dez. 1924, 12 set. 1925.
  • The TimesThe Times 09 ago. 1911, 06 nov. 1913.

Arquivos

  • InstitutoInstituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo [IANTT], Arquivo Ministério do Interior [AMI], Direcção Geral de Administração Política e Civil [DGAPC], Maço [Mç.] 46, Livro [Lº] 63, Processo n. 356; Mç. 46, L. 63, n. 373; Mç. 47, Lº 63, n. 377/409; Mç. 47, Lº63, n. 563; Mç. 32, Lº 61, n. 212; Mç. 32, Lº 61, n. 215; Mç. 34, Lº 61, n. 627; Mç. 35, Lº 61, n. 807; Mç. 62, Lº 65, n. 750.
  • IANTTIANTT, Arquivo Governo Civil de Lisboa [AGCL], NT903 NR90.
  • ArquivoArquivo da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões [AASSFP], Tranquilidade, 253B; Portugal 248B, Comércio e Indústria 233F; A Nacional, 245D.

Referências

  • CABRAL, António. As minhas memórias políticas Lisboa: Livraria P. Francisco Franco, 1932.
  • CHAVES, Eduardo A. O fogo posto e o recebimento da indemnização de seguro e burla. Scientia Iuridica, Tomo III, p.171-191, 1953.
  • DOYLE, Aaron; ERICSON, Richard. Five ironies of insurance. In: CLARK, Geoffrey; ANDERSON, Gregory; THOMANN, Christian; SCHULENBURG, J.-Matthias G. V. D. The appeal of insurance Toronto: University of Toronto Press, 2010. p. 226-247.
  • ELEY, Geoff. Forging democracy: the history of the left in Europe, 1850-2000. Oxford: Oxford University Press, 2000.
  • EWALD, François. Insurance and Risk. In: BURCHELL, Graham; GORDON, Colin; MILLER, Peter (edits.). The Foucault effect: studies in governmentality. Chicago: Chicago University Press, 1991. p. 197-210.
  • FELDMAN, Gerald D. Civil commotion and riot insurance in fascist Europe, 1922-1941. Financial History Review, Cambridge, v. 10, n. 2, p. 165-184, out. 2003.
  • FONSECA, Hélder A.; GUIMARÃES, Paulo. A Europa. In: FARIA, Miguel F.; MENDES, José A. (edits). Dicionário de história empresarial portuguesa Lisboa: INCM, v. II, p. 215-216, 2013.
  • JENSEN, Richard B. The battle against anarchist terrorism: an international history, 1878-1934 Cambridge: Cambridge University Press, 2014.
  • MARSHALL, Samuel. A treatise on the Law of Insurance Filadélfia: Fry & Kammerer, 1810.
  • LAINS, Pedro. Los progresos del atraso: una nueva historia económica de Portugal Zaragoza: Prensas Universitarias Zaragoza, 2006.
  • MOSS, Eloise. Burglary Insurance and the culture of fear in Britain. The Historical Journal, Cambridge, vol. 54, n. 4, p. 1039-1064, mar. 2011.
  • MOURA, Maria Lúcia. A guerra religiosa na Primeira República Lisboa: Editorial Notícias, 2004.
  • PEARSON, Robin. Fire, property insurance, and perceptions of risk in eighteenth-century Britain. In: CLARK, Geoffrey; ANDERSON, Gregory; THOMANN, Christian; SCHULENBURG, J .-Matthias. The appeal of insurance Toronto: University of Toronto Press , 2010. p. 75-105.
  • PEREIRA, Joana. O ciclo de agitação social global de 1917-1920. Ler História, Lisboa, n. 66, p. 44-55, 2014.
  • PEREIRA, José Pacheco. As lutas sociais dos trabalhadores alentejanos: do banditismo à greve. Análise Social, Lisboa, v. XVI (61-62), n. 1-2, p. 135-156, 1980.
  • PRESTON, Sidney; SICH, Alexander E. Fire insurance during the war. In: HILL, N.; WARNER, S. G.; PRESTON, S.; WATSON, A. W.; BEVERIDGE, W.; SCHOOLING, W. (edits.). War and insurance New Haven: Yale University Press, 1927.
  • TENGARRINHA, José. As greves em Portugal: uma perspetiva histórica do século XVIII a 1920. Análise Social, Lisboa, vol. XVII (67-68), n. 3-4, p. 573-601.
  • TOPIK, Steven C.; WELLS, Allen. Commodity chains in a global economy. In: ROSENBERG, Emily S. A world connecting, 1870-1945 Cambridge: Harvard University Press, 2012.
  • VASCO, Neno. Da porta da Europa: factos e ideias. Lisboa: O Autor, 1913.
  • VENTURA, António; PEDROSO, Alberto. Emílio Costa e o sindicalismo da Formação Libertária à Casa Sindical Lisboa: Seara Nova, 1977.
  • WHEELER, Douglas. História política de Portugal: 1910-1926. Mem Martins: Europa América, 2010.
  • ZEDNER, Lucia. Policing before and after the police: the historical antecedents of contemporary crime control. British Journal of Criminology, Oxford, v. 46, n. 1, p. 78-96, jan. 2006.
  • 1
    PRESTON, Sidney; SICH, Alexander E. Fire insurance during the war. In: HILL, N.; WARNER, S. G.; PRESTON, S.; WATSON, A. W.; BEVERIDGE, W.; SCHOOLING, W. (edits.). War and insurance. New Haven: Yale University Press, 1927. p. 57-97.
  • 2
    MOSS, Eloise. Burglary Insurance and the culture of fear in Britain. The Historical Journal, Cambridge, v. 54, n. 4, p. 1039-1064, mar. 2011.
  • 3
    FELDMAN, Gerald D. Civil commotion and riot insurance in fascist Europe, 1922-1941. Financial History Review, Cambridge, v. 10, n. 2, p. 165-184, out. 2003. p. 166.
  • 4
    ZEDNER, Lucia. Policing before and after the police: the historical antecedents of contemporary crime control. British Journal of Criminology, Oxford, v. 46, n. 1, p. 78-96, jan. 2006.
  • 5
    DOYLE, Aaron; ERICSON, Richard. Five ironies of insurance. In: CLARK, Geoffrey; ANDERSON, Gregory; THOMANN, Christian; SCHULENBURG, J.-Matthias. The appeal of insurance. Toronto: University of Toronto Press, 2010. p. 226-247.
  • 6
    EWALD, François. Insurance and Risk. In: BURCHELL, Graham; GORDON, Colin; MILLER, Peter (edits.). The Foucault effect: studies in governmentality. Chicago: Chicago University Press, 1991. p. 197-210.
  • 7
    PEARSON, Robin. Fire, property insurance, and perceptions of risk in eighteenth-century Britain. In: CLARK, Geoffrey; ANDERSON, Gregory; THOMANN, Christian; SCHULENBURG, J.-Matthias. The appeal of insurance. Toronto: University of Toronto Press, 2010. p. 75-105.
  • 8
    ELEY, Geoff. Forging democracy: the history of the left in Europe, 1850-2000. Oxford: Oxford University Press, 2000. p. 74.
  • 9
    JENSEN, Richard B. The battle against anarchist terrorism: an international history, 1878-1934. Cambridge: Cambridge University Press, 2014. p. 13-36.
  • 10
    TOPIK, Steven C.; WELLS, Allen. Commodity chains in a global economy. In: ROSENBERG, Emily S. A world connecting, 1870-1945. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 2012. p. 591-813.
  • 11
    MARSHALL, Samuel. A treatise on the Law of Insurance. Filadélfia: Fry & Kammerer, 1810. v. 2, p. 791-794. “civil commotion”, “riot”, “tumult”. Todas as traduções são nossas.
  • 12
    PRESTON, Sidney; SICH, Alexander E. Fire insurance during the war. In: HILL, N.; WARNER, S. G.; PRESTON, S.; WATSON, A. W.; BEVERIDGE, W.; SCHOOLING, W. (edits.). War and insurance. New Haven: Yale University Press, 1927. p. 58. “once rioters or rebels set a series of fires it is impossible to say where the destruction will be checked or to what area it will be confined, and the possibilities arising out of warlike operations are even more disturbing”. “they thought the contingencies so remote that exclusion of liability for loss thereby was not a great matter” (p. 61). “evil passions of the disaffected”.
  • 13
    “Riot Risks at Lloyds”. Manchester Courier and Lancashire General Advertiser. 26-10-1908, p. 12. “riot risks”. “damage done to property by rioters and demonstrators”. “feeling of disquietude”; “hunger marchers”.
  • 14
    “Insurance and Civil War”. The Economist. 13-09-1913, p. 487. “intermittent but very active business”.
  • 15
    “Insurance and Civil War”. The Economist. 13-09-1913, p. 487. “both the Rand strike and the Dublin strikes were ugly enough to be alarming, but both were very far removed from civil war, and neither was accompanied by threats of organized and sustained violence employed by leaders of politics and society.”
  • 16
    “Demand for Riot Insurance”. The Times. 06-11-1913, p.18.
  • 17
    “Insurance and War Risks”. The Economist. 05-12-1936, p. 472. “in many countries of the world they have been ready to give cover against the destruction of property by civil disturbances. (...) Recent events in Spain, however, have given them an unpleasant shock”.
  • 18
    “Insurance and civil war”. The Economist. 13-09-1913, p. 487.
  • 19
    “Portugal and war risks”. The Times. 09-08-1911. p. 10; “Riot risks at Lloyd’s: Mexico, New Zealand, ­Venice, Portugal and Ulster all in the market”. The Financial Times. 08-11-1913, p. 6.
  • 20
    CABRAL, António. As minhas memórias políticas. Lisboa: Livraria Popular Francisco Franco, 1932. p.12.
  • 21
    “The Economic Situation of Portugal”. The Economist. 23-11-1912, p. 1071-1072.
  • 22
    PEARSON, Robin. Fire, property insurance, and perceptions of risk in eighteenth-century Britain. In: CLARK, Geoffrey; ANDERSON, Gregory; THOMANN, Christian; SCHULENBURG, J.-Matthias G. V. D. The appeal of insurance. Toronto: University of Toronto Press, 2010. p. 75-105 (p. 84). “fear relates not to what we really feel in the present, but to the expectation of future suffering and, by extension, to a greater awareness of risk and the possibilities of risk avoidance”.
  • 23
    TENGARRINHA, José. As greves em Portugal: uma perspetiva histórica do século XVIII a 1920. Análise Social, Lisboa, v. XVII (67-68), n. 3-4, p. 573-601 (p. 593), 1981.
  • 24
    CHAVES, Eduardo A. O fogo posto e o recebimento da indemnização de seguro e burla. Scientia Iuridica, Tomo III, p.171-191, 1953.
  • 25
    PEREIRA, José Pacheco. As lutas sociais dos trabalhadores alentejanos: do banditismo à greve. Análise Social, Lisboa, v. XVI (61-62), n. 1-2, p. 135-156 (p. 150-153), 1980.
  • 26
    MOURA, Maria Lúcia B.. A guerra religiosa na Primeira República. Lisboa: Editorial Notícias, 2004. p. 223-225, p. 234-239.
  • 27
    Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo [IANTT], Arquivo Ministério do Interior [AMI], Direcção Geral de Administração Política e Civil [DGAPC], Maço [Mç.] 46, Livro [Lº] 63, Processo n. 356.
  • 28
    VASCO, Neno. Da porta da Europa: factos e ideias. Lisboa: O Autor, 1913. p. 86-88.
  • 29
    VENTURA, António; PEDROSO, Alberto. Emílio Costa e o sindicalismo da Formação Libertária à Casa Sindical. Lisboa: Seara Nova, 1977. p. 129-152.
  • 30
    IANTT, MI, DGAPC, Mç. 46, L. 63, n. 373.
  • 31
    IANTT, MI, DGAPC, Mç. 47, Lº 63, n. 377/409.
  • 32
    O Século. 29-07-1913, p. 3.
  • 33
    IANTT, MI, DGAPC, Mç. 47, Lº63, n. 563.
  • 34
    IANTT, MI, DGAPC, Mç. 69, Lº66, n. 420.
  • 35
    “Condenável critério: o incêndio na Avenida no dia da revolução”. Jornal de Seguros. 15-12-1911, p. 1-3.
  • 36
    Jornal de Seguros. 30-09-1911. p. 2.
  • 37
    A produção de cortiça cresceu de forma assinalável desde a década de 1870. Em 1850, o setor ocupava 164 trabalhadores, seis décadas mais tarde empregava 6634 trabalhadores. A cortiça em bruto e processada tornou-se uma das principais exportações portuguesas. Em 1905-1914, a cortiça representou 9,4% das exportações portuguesas, ficava atrás apenas do vinho, e a processada representava 3%. Portugal era um dos principais produtores mundiais de cortiça. Cf. LAINS, Pedro. Los progresos del atraso: una nueva historia económica de Portugal. Zaragoza: Prensas Universitarias Zaragoza, 2006. p. 67-68, 138.
  • 38
    Jornal de Seguros. 30-09-1911, p. 2.
  • 39
    Jornal de Seguros. n. 135, 30-09-1911, p. 2.
  • 40
    IANTT, MI, DGAPC, Mç. 32, Lº 61, n. 212.
  • 41
    IANTT, MI, DGAPC, Mç. 32, Lº 61, n. 215.
  • 42
    IANTT, Arquivo Governo Civil de Lisboa [AGCL], NT903 NR90.
  • 43
    IANTT, AGCL, NT903 NR90.
  • 44
    IANTT, MI, DGPAC, Mç. 34, Lº 61, n. 627.
  • 45
    Diário do Senado DiárioDiário da Câmara dos Deputados. 9 dez. 1918. [DS], 24-05-1917, p. 17-18.
  • 46
    “Insurance in Portugal”. Financial Times. 15-12-1924, p.15. “many companies were established, and not a few individuals who some months before had only a vague knowledge of insurance became all of a sudden directors and managers of insurance companies and firms.”
  • 47
    “Insurance in Portugal”. Financial Times, 13-08-1921, p.6.
  • 48
    “Insurance in Portugal”. Financial Times, 15-12-1924, p.15.
  • 49
    Durante a Primeira Guerra, com a difusão da guerra submarina em larga escala, os valores do seguro marítimo cresceram exponencialmente.
  • 50
    “Insurance in Portugal”. Financial Times. 13-08-1921, p.6. “since the establishment of the Republic a great impetus has been given to insurance against loss or damage arising from riot and civil commotion (…) the business has been decidedly profitable.”
  • 51
    “Seguros que podiam ser adotados pelas nossas companhias”. Jornal de Seguros. 31-05-1907, p.1.
  • 52
    “Greves”. Jornal de Seguros. 15-08-1906, p. 6.
  • 53
    FELDMAN, Gerald D. Civil commotion and riot insurance in fascist Europe, 1922-1941. Financial History Review, Cambridge, v. 10, n. 2, p. 165-184, out. 2003. p. 166.
  • 54
    IANTT, MI, DGAPC, Mç. 35, Lº 61, n. 807.
  • 55
    Arquivo da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões [AASSFP], Tranquilidade, 253B.
  • 56
    AASSFP, Portugal, 248B.
  • 57
    O Século. 16-04-1911, p. 7.
  • 58
    AASSFP, Comércio e Indústria, 233F.
  • 59
    AASSFP, A Nacional, 245D.
  • 60
    “Condenável critério: o incêndio na Avenida no dia da revolução”. Jornal de Seguros. 15-12-1911, p. 1.
  • 61
    “O que é justo!”. Jornal de Seguros. 15-09-1911, p. 1.
  • 62
    Diário da República, n. 109, 10-05-1912.
  • 63
    “Contra as greves”. Jornal de Seguros. 31-07-1920, p. 3.
  • 64
    “Seguros Agrícolas”. Jornal de Seguros. 31-05-1911, p. 1.
  • 65
    FONSECA, Hélder A.; GUIMARÃES, Paulo. A Europa. In: FARIA, Miguel F.; MENDES, José A. (edits). Dicionário de história empresarial portuguesa. Lisboa: INCM, vol. II, p. 215-216, 2013.
  • 66
    IANTT, MI, DGAPC, Mç. 62, Lº 65, n. 750.
  • 67
    “O «sabotage»”. Jornal de Seguros. 31-10-1916, p. 1.
  • 68
    “Os últimos acontecimentos”. Jornal de Seguros. 15-06-1917, p. 1-2.
  • 69
    “À companhia de seguros A Lisbonense / Companhia de seguros garantia / Companhia de Seguros Europa”. O Século. 25-12-1917, p.4.
  • 70
    “O Seguro nas grandes crises”. Jornal de Seguros. 15-01-1918, p. 2.
  • 71
    “Documento eloquente”. Jornal de Seguros. 28-02-1918, p. 3.
  • 72
    “A Europa”. Jornal de Seguros. 31-10-1917, p. 1-3.
  • 73
    “A Europa: seguros de greves, tumultos e assaltos”. Jornal de Seguros. 15-01-1918, p. 3.
  • 74
    “A Europa: Relatório da Direção e Parecer do Conselho Fiscal”. Jornal de Seguros. 15-10-1918, p. 3.
  • 75
    FONSECA, Hélder A.; GUIMARÃES, Paulo. A Europa. In: FARIA, Miguel F.; MENDES, José A. (edits). Dicionário de história empresarial portuguesa: séculos XIX e XX. Lisboa: INCM, vol.II, p. 215-216, 2013.
  • 76
    WHEELER, Douglas. História política de Portugal: 1910-1926. Mem Martins: Europa América, 2010, p. 184.
  • 77
    DCD, 09-12-1918, p. 15.
  • 78
    “Fogo e água”. O Jornal do Bombeiro. 30-05-1919, p. 1.
  • 79
    PEREIRA, Joana. O ciclo de agitação social global de 1917-1920. Ler História, Lisboa, n. 66, p. 44-55, 2014.
  • 80
    O Direito: Revista de Jurisprudência. n. 3, 15-02-1920, p. 37-43 (p. 42).
  • 81
    “Insurance in Portugal”. Financial Times. 13-08-1921, p. 6.
  • 82
    “Insurance in Portugal”. Financial Times. 15-12-1924, p. 15.
  • 83
    “British insurance in Portugal”. The Economist. 12-09-1925, p. 414.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2018
  • Aceito
    31 Out 2018
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org