Acessibilidade / Reportar erro

Discurso sobre o sistema e a vida de Vico, de Jules Michelet

Discourse on the system and the life of Vico, by Jules Michelet

Discurso sobre el sistema y la vida de Vico, de Jules Michelet

RESUMO

Este documento apresenta uma tradução comentada do “Discurso sobre o sistema e a vida de Vico” e seu Prólogo, ambos escritos por Jules Michelet (1798-1874). Esses textos introduzem e apresentam a obra de Giambatistta Vico (1668-1744), em particular sua Ciência nova, que Michelet traduziu e publicou em 1827 e 1835.

Palavras-chave:
Jules Michelet; Giambatistta Vico; Ciência nova

ABSTRACT

This paper presents a commented translation of “A discourse on the system and the life of Vico” and its prologue, both authored by Jules Michelet (1798-1874). These texts introduce and present the work of Giambatistta Vico (1668-1744), particularly his New Science, which Michelet translated and published in 1827 and 1835.

Keywords:
Jules Michelet; Giambatistta Vico; New science

RESUMEN

Este documento presenta una traducción comentada del “Discurso sobre el sistema y la vida de Vico” y su prólogo, ambos escritos por Jules Michelet (1798-1874). Estos textos introducen y muestran la obra de Giambatistta Vico (1668-1744), en particular su Ciencia Nueva, que Michelet tradujo y publicó en 1827 y 1835.

Palabras clave:
Jules Michelet; Giambatistta Vico; Ciencia Nueva

A tradução a seguir contempla dois paratextos: o “Discurso sobre a vida e o sistema de Vico” e seu Prólogo, publicados juntos como introdução às Obras escolhidas de VicoOeuvres choisies de Vico), de Jules Michelet, em 1835. A data de fatura de cada um é diversa: o “Discurso” introduz a tradução da Ciência nova, de Giambattista Vico (1668-1744), que Michelet publica em 1827. Já o Prólogo, encabeçando o mesmo “Discurso”, só vem a público quando Michelet republica sua tradução da obra magna viconiana, acrescentando-lhe ainda outros extratos compilados da obra do filósofo. Esse conjunto de textos será intitulado Obras escolhidas de Vico e será publicado em 1835.

O material aqui traduzido contempla o principal da produção de Michelet sobre o autor, exceção feita ao artigo “Jean-Baptiste Vico”, publicado na Biographie Universelle de ­Michaud, o qual, composto no mesmo ano em que termina a tradução da Ciência nova (1827), é basicamente uma retomada dos elementos do “Discurso”. Se o conjunto de textos exclusivamente voltados para Vico pode parecer insignificante diante do conjunto da produção micheletiana, o papel do filósofo na carreira e na construção da ideia de história defendida por Michelet é estrutural.

“Eu não tive outro mestre a não ser Vico”, afirmava o historiador no que pode ser considerado um de seus mais importantes paratextos: o prefácio de 1869, composto para a primeira publicação completa de seu principal projeto intelectual, a História da França, em 17 volumes compostos entre 1833 e 1867 (MICHELET, 1974MICHELET, Jules. Oeuvres complètes, t IV, Histoire de France, t. I. Paris: Flammarion, 1974., p. 14)1 1 Esse não será o único momento da obra em que presta homenagem pública e reconhece o papel fundador de Vico em sua vida intelectual. Ao longo de sua produção e sobretudo em seus prefácios - espaço privilegiado para as discussões da ordem do método ou da teoria - e em seus diários, remissões a Vico, mais ou menos explícitas, comparecem. Sobre a importância de Vico na construção da historiografia de Michelet, ver, em particular: REMAUD, 1998; LEFORT, 2002; ARAMINI, 2013; TEIXEIRA, 2017. . Filiação assumida com uma obra que descobre ainda na juventude e que será o primeiro a traduzir e divulgar na França oitocentista.2 2 Essa história será melhor detalhada nas biografias sobre Michelet, dentre as quais destaco as duas biografias mais recentes: VIALLANEIX. Michelet, les travaux et les jours - 1798-1874. Paris: Gallimard, 1998; ­PETITIER, Paule. Michelet - l’homme histoire. Paris: Grasset, 2006.

Graças a uma prática diarística que Michelet cultiva desde cedo, sabe-se que foi em fins de 1823 que o então professor do Liceu Sainte-Barbe, aos vinte e cinco anos, consigna pela primeira vez uma obra de Vico (De antiquíssima Italorum sapientia) como potencial referência para seus estudos.3 3 Michelet obtém seu doutorado ès lettres em 1819 e continua, a seguir, estudando e tentando construir um objeto de estudos particular. Sobre essa fase juvenil de sua produção, ver o prefácio de Paul Viallaneix, disposto em MICHELET, 1959 e TEIXEIRA, 1993. À medida que consegue acesso à obra, então pouquissimamente difundida na Europa e ainda sem tradução para qualquer outra língua, o interesse só faz crescer, a ponto de dois anos depois ter se convertido no projeto de traduzir o título principal de Vico, a Ciência nova, para o francês, concretizado em 1827.

Conforme o próprio “Discurso” deixa explícito, a tradução micheletiana não se pretende nem completa nem absolutamente fiel a Princípios de uma ciência nova relativa à natureza comum das nações, título completo da obra de Vico que, devido às reformulações de seu autor, se apresenta em três versões: a de 1725, a de 1730 e a última, considerada sua versão definitiva e lançada em 1744. A exemplo do que faz com o título da obra, transformado em Princípios da filosofia da história, o original viconiano será refundido e adaptado por ­Michelet de maneira bastante livre e plenamente assumida por seu tradutor: “O que trazemos aqui é uma tradução abreviada da edição de 1744. Porém, na exposição do sistema que se vai ler, muitas vezes nos aproximamos do método que o autor utilizou na primeira edição e que nos pareceu mais conveniente ao público francês”. Nenhuma idiossincrasia juvenil preside tal ato. Antes, ele repercute uma prática ainda válida no contexto de então, conforme comprova sua excelente recepção, inclusive entre raríssimos conhecedores da obra de Vico naquele momento.4 4 Sobre a recepção da tradução, assim como mais detalhes sobre a sua feitura, ver VIALLANEIX, 1971, p. 259-275. Ela será essencial na ascensão do professor de liceu a professor de história e filosofia da Escola Normal, primeiro grande passo da carreira universitária de Michelet.

Os detalhes dessa história, assim como seus desdobramentos mais ou menos imediatos na vida e na obra de Michelet não serão reconstituídos aqui. Mas o caráter dessa tradução heterodoxa de Vico, que, por óbvio, também informa os dois paratextos a seguir, merece algumas linhas a mais. Se retomarmos a questão pela via da fortuna crítica viconiana de matriz francesa - mais comumente compelida a ajuizar o caráter da tradução micheletiana - o debate, de um modo geral, gira em torno do grau de percuciência dessa leitura. Enquanto Alain Pons, tradutor mais recente da Ciência nova para o francês, parece menos paciente com o que considera a face romântica anteposta a Vico por Michelet (PONS, 1975PONS, Alain. De la «nature commune des nations» au Peuple romantique. Note sur Vico et Michelet. In: Romantisme, n. 9, 1975, p. 39-49., p. 39-49), Olivier Remaud lista, nessa “interpretação inspirada”, uma série de tópicos do filósofo que, a seu ver, foram fielmente compreendidos e interpretados por Michelet: a relação entre Vico e Descartes, o papel paradigmático da infância como categoria fundamental para a compreensão da lógica de pensamento e ação dos povos primitivos, a relação de complementaridade entre a história dos primeiros séculos de Roma e a história fabulosa dos gregos, a forma pela qual a Providência divina rege a vida dos homens através de meios naturais, a divisão entre direito civil e direito político, entre costumes e formas de governo como uma das causas da decadência da sociedade, os fundamentos da “história ideal eterna”, a episteme da “arte diagnóstica” e da “sabedoria vulgar” e seu alcance crítico no método da Ciência nova. “Todas essas ideias”, afirma Remaud, “pertencem a Vico. Michelet não as desfigura” (REMAUD, 2004REMAUD, Olivier. Les archives de l’humanité - essai sur la philosophie de Vico. Paris: Seuil, 2004., p. 16). A mesma interpretação parece partilhada por Paolo ­Cristofolini, que, em Vico et l’histoire, anexa trechos da tradução micheletiana de Vico, tidos pelo crítico como um trabalho que “merece não ser esquecido” (CRISTOFOLINI, 1995CRISTOFOLINI, Paolo. Vico et l’histoir e. Paris: PUF, 1995., p. 91). Procedimento igualmente adotado por Bruno Pinchard, responsável pela edição anotada e comentada de Sobre a antiga sabedoria da Itália, ao retomar a tradução micheletiana presente em Obras escolhidas de Vico (PINCHARD; VICO, 1993VICO, Giambattista. De l’antique sagesse de l’Italie. Tradução de Jules Michelet, apresentação de Bruno Pinchard. Paris: Flammarion , 1993, p. 11-62).

Embora sem qualquer pretensão à exaustividade, esse poderia ser um resumo do estado da questão vico-micheletiana em território francês atual. Seu dado de partida é a evidência de que o trato de Michelet com Vico não se encaixa nos moldes de um scholar contemporâneo, mas responde e, em alguma medida, ilustra os critérios de tradução, legibilidade e interpretação da sua contemporaneidade. Assim, com suas traduções, mas, sobretudo, através de sua historiografia, Michelet ajudou a dispor Vico na ribalta da vida intelectual de seu tempo e a resgatar a Ciência nova como texto fundamental para se pensar as bases de uma teoria moderna da história.

Sobre esta tradução

A tradução a seguir parte da edição do texto disposta nas Oeuvres complètes de Michelet, tomo 1, dirigidas por Paul Viallaneix e publicadas pela Flammarion. Mantive o padrão citacional de Michelet, no qual as citações aparecem em itálico, seguidas de parêntesis contendo referências sumárias à obra citada, normalmente restringindo-se ao nome do autor e ao título e/ou a uma abreviatura deste. Também respeitei os espaçamentos entre parágrafos propostos por Michelet, cuja vocação é o de separar itens da análise.

Em rodapé, o leitor encontrará dois tipos de nota: as notas do autor (NA), apostas pelo próprio Michelet, e as notas do tradutor (NT), as quais visam situar, esclarecer ou aprofundar elementos textuais e/ou interpretativos do texto micheletiano. Essas notas tradutórias foram, o mais das vezes, inspiradas pelo trabalho editorial de Aurélien Aramini na edição do “Discurso” publicado no volume Philosophie de l’histoire (MICHELET, 2016MICHELET, Jules. Philosophie de l’histoire. Paris: Flammarion (Champs classiques), 2016. (Textos apresentados por Aurélien Aramini, com a colaboração de Maria Juliana Gambogi Teixeira).).

***

MICHELET, Jules. Discours sur le système et la vie de Vico. In: Oeuvres complètes, t. I. Texto introdutório do livro Oeuvres choisies de Vico.

Prólogo

Já havia anteriormente oferecido ao público a obra de Vico. Hoje, oferecerei o próprio Vico, ou seja, sua vida, seu método, o segredo das transformações pelas quais passou esse grande espírito. Tudo isso está disponível, seja nas Memórias que ele escreveu sobre sua vida, seja nos opúsculos dos quais nosso livro fornece a tradução ou a compilação por extratos.5 5 (NT) O livro em questão, Obras escolhidas de Vico (Oeuvres choisies de Vico), publicado em 1835, é, conforme bem informa o autor, um compilado das obras completas de Vico, ao qual acrescenta também sua tradução da Ciência nova, publicada pela primeira vez em 1827. O Prólogo acima foi composto especialmente para a edição de 1835, enquanto o “Discurso sobre a vida e o sistema de Vico”, que o acompanha, serve de prefácio para a edição de 1827.

O método seguido por Vico merece ser observado tanto mais porque talvez jamais tenha havido um inventor de quem menos se pudessem indicar os predecessores. Antes de Vico, nenhuma palavra havia sido dita; depois dele, a ciência se encontrava senão feita, ao menos fundada: o princípio já havia sido anunciado, as grandes aplicações demonstradas.

Que princípio seria esse? O frontispício de que trata a descrição que leremos a seguir é a sua tradução sob forma pitoresca. Foi o próprio Vico quem o dispôs na primeira página da segunda edição de sua Ciência nova (1730).6 6 (NT) A gravura em questão aparece como frontispício da segunda edição da Ciência nova, e é acompanhada de um paratexto intitulado “[Ideia da obra] Explicação da gravura disposta em frontispício para servir de introdução à obra”. Michelet retoma esse longo paratexto, condensando-o em torno de algumas de suas ideias centrais, no parágrafo seguinte, dedicado a comentar a gravura.

Esta mulher de cabeça alada, cujos pés repousam sobre o globo que está acima do altar, é a filosofia, a metafísica. O globo representa o mundo social, fundado sobre a religião do casamento e das tumbas, ou seja, sobre a perpetuidade das famílias; é isto o que indicam a tocha, a pirâmide etc. A filosofia social se projeta para fora do mundo, como se indo de volta para Deus, seu autor.7 7 (NA) A matriz dessa imagem emblemática é platônica e dantesca. Ela parece ter sido tomada de empréstimo dos seguintes versos do Paraíso: “Como o pássaro em sua folha preferida, impaciente com a noite que o priva de ver sua cria e buscar-lhe provento, adianta a hora, sai das ramas, espera e olha com desejo ardente a vinda da aurora. Tal Aquela que eu amo se postava atenta... Eu, a vê-la suspensa e ávida, permaneci como quem ainda deseja muito e, no entanto, goza da esperança…” (Paraíso, canto XXIII) - “Eu olhava os olhos Daquela que emparadisou meu pensamento; e como um homem que vê em um espelho a imagem de uma chama antes da chama mesma, se volta, compara e vê chama e espelha se acordarem como em um canto música e letra; assim eu fui tomado...” (Paraíso, canto XXVIII). (NT) Não foi possível localizar uma tradução específica de onde Michelet poderia ter extraído os trechos da Divina Comédia citados acima. Ao mesmo tempo, nada impede que o tradutor de Vico tenha se lançado também na tradução de Dante, no caso dos trechos em questão. Embora tenha sido possível identificar, nas edições brasileiras dessa obra do autor, os trechos evocados, a relativa distância formal entre elas me fez decidir por traduzi-las a partir do original de Michelet. Do olho divino parte um raio que, ao refletir-se nela, acaba por atingir e iluminar a estátua do cego Homero, representante do gênio popular, da poesia instintiva das nações, origem da civilização. Essa estátua, velha e carcomida, repousa sobre uma base arruinada; parece que o raio, ao iluminá-la, também a destrói. Com efeito, esse Homero no qual se acreditou reconhecer um homem deve perecer como homem, fundir-se na chama da nova crítica. Ou ainda, ele irá engrandecer, tornar-se um ser coletivo, uma escola de poetas, de rapsodos, de homéridas... que digo? Escola? Na verdade, um povo, o povo grego, cujas tradições poéticas os rapsodos só fizeram repetir, amoldar.

Mas, aqui, o povo grego é apenas um exemplo. O mesmo valeria para todo poeta primitivo de todo e qualquer outro povo, bem como tantos dos legisladores antigos. Numa ou Licurgo, Minos ou Hermes poderiam figurar aqui, assim como Homero. As legislações e as religiões são, tanto quanto as literaturas, obra e expressão do pensamento dos povos. Peço, então, licença ao leitor para citar um outro texto meu:

“A palavra da Scienza Nuova é esta: a humanidade é sua própria obra. Deus age sobre ela, mas apenas através dela. A humanidade é divina, mas não há homem divino. Esses heróis míticos, esses Hércules cujos braços separam montanhas, esses Licurgos e Rômulos, ágeis legisladores que, em uma única vida, cumprem a longa obra de séculos, são criações do pensamento dos povos. Apenas Deus é grande. Quando o homem quis homens-deuses, foi preciso que ele acumulasse gerações em um só corpo, que ele resumisse em um só herói as concepções de todo um ciclo poético. A tal preço, criou seus ídolos históricos, Rômulos e Numas. Os povos seguiam prosternados diante de sombras tão gigantescas. A filosofia os põe de pé, dizendo: na verdade o que vocês adoram são vocês mesmos, suas próprias con­cepções.... Essas figuras bizarras e inexplicáveis que flutuam pelos ares, objeto de uma ­admiração pueril, voltam a estar ao nosso alcance. Elas saem da poesia para entrar na ciência. Os milagres do gênio individual se classificam segundo uma lei comum. O nivelamento operado pela crítica atravessa o gênero humano. Esse radicalismo histórico não chega a suprimir os grandes homens. Sem dúvida, há os que se destacam na multidão, ultrapassando-a por uma cabeça ou mesmo por meio corpo; suas faces, porém, não mais se perdem em meio às nuvens. Não são de outra espécie: a humanidade pode se reconhecer em toda a sua história, una e idêntica a si mesma”.8 8 (NA) Ver Histoire romaine. (NT) História romana (Histoire romaine), publicada em 1831, cobre a história inicial da cidade, de suas origens até o fim do período republicano. Trata-se de uma das primeiras publicações de Michelet, que contava completá-la com um segundo volume, dedicado ao Império e jamais escrito. O trecho em questão aparece no “Avant propos” do livro, dedicado (como todos os paratextos da obra micheletiana) a um comentário mais sistemático do método, da fortuna crítica do objeto e dos objetivos da publicação. Histoire romaine encontra-se, hoje, disponível em duas edições: o volume II das Œuvres complètes, publicado pela Flammarion e a edição da Belles Lettres.

A ciência social data do dia em que essa grande ideia foi formulada pela primeira vez. Até então, a humanidade acreditou dever seus progressos aos acasos do gênio individual. Enquanto as revoluções da política, da religião, da arte permaneceram presas à inexplicável superioridade de alguns homens, só restava admirar sem compreender: a história era um espetáculo infecundo, no máximo uma fantasmagoria divertida. Os fatos apareciam como fenômenos individuais e sem generalidade, não se podia deles extrair leis ou induções.

Qual é a influência do indivíduo? Até que ponto o homem mítico, o homem coletivo e o homem individual podem ser considerados como expressão, como símbolo de uma civilização ou de uma época? Aí está uma questão árdua. A ciência, a moral e a religião se empenharam em respondê-la. Não será nesse pequenino prefácio que poderemos tratar de um tema tão grande. Talvez em outra ocasião tentemos dizer o que é o Simbolismo,9 9 (NT) Se Michelet não escreve uma obra literalmente sobre o Simbolismo, seu Origens do direito francês (­Origines du droit français cherchées dans les symboles et les formules du droit universel), publicado em 1837, talvez seja a sua resposta aos temas acima evocados. fixando a crítica desse princípio perigoso e fecundo e explicando como as duas escolas, a simbólica e a antissimbólica - a que generaliza e a que individualiza - ao se combaterem, acabam se controlando, equilibrando uma a outra, sendo, ambas, igualmente necessárias à ciência que vive desse equilíbrio, assim como o equilíbrio da vida comum com a vida individual faz a vida da natureza.

Mas retornemos. Certamente o Memorial biográfico de Vico interessará alguns leitores menos do que eles poderiam esperar.10 10 (NA) Reproduzimos o Discurso preliminar da primeira edição sobre a vida e as obras de Vico, malgrado o risco de repetir alguns detalhes biográficos que também se encontram na Vida de Vico, escrita pelo próprio. (NT) A autobiografia de Vico (Vitta de Giambattista Vico scritta da si medesino ou, na tradução de Michelet, Vie de Vico écrite par lui-même) encontra-se entre a seleta de textos que compõe as Oeuvres choisies de Vico, para o qual este Prólogo, assim como o subsequente “Discurso sobre a vida e o sistema de Vico” servem de prefácio. Há apenas uma edição moderna e completa das Oeuvres choisies de Vico, que integra o volume I das Oeuvres complètes, publicado pela Flammarion. Já o Discours sur la vie et la pensée de Vico foi republicado recentemente, numa edição anotada e comentada em MICHELET, 2016, p. 85-121. A vida de um grande inventor não vai além da história de suas ideias. Nenhuma aventura, poucas anedotas. Vico não saiu de Nápoles. Ele nasceu e envelheceu pobre, exercendo funções obscuras no magistério; ficava feliz e agradecido quando algum dos grandes, os governos espanhol ou austríaco, lhe ofereciam a honra insigne de encomendar um discurso, um epitáfio ou um epitálamo. Que um espírito tão independente tenha demonstrado tamanho respeito e admiração pelo poder é algo que contrasta e poderia espantar aqueles que não conhecem a Itália.

Humanidade vaidosa, gloriazinhas acadêmicas, elogios esplêndidos vindos de uma multidão de ilustres desconhecidos: eis o que se encontrará na vida de todos os letrados dessa época. Em meio a essas misérias, com as quais ele próprio pensava se preocupar, pode-se perceber que sua única ocupação foi a de perseguir essa grande ideia. É preciso observar como ele partiu de longe, como ascendeu penosamente pela solitária e dura trilha de sua descoberta, a cada dia avançando por uma região ainda desconhecida, sem encontrar um só êmulo a suplantar a não ser a si próprio, se modificando, se trans-humanizando (como dizia Dante) à medida que avançava; enfim, terminada a ascensão, sentou-se e, olhando para trás, se deu conta de que, em uma vida de homem, havia escalado uma ciência inteira.

O triste é que, lá chegando, descobriu-se só; ninguém mais podia compreendê-lo. A originalidade das ideias e a estranheza da linguagem o isolavam. Generalizando suas generalidades, formulando e concentrando suas fórmulas, ele as empregava como se fossem locuções conhecidas. Aconteceu-lhe o oposto do que ocorreu com os Sete Adormecidos.11 11 (NT) Remissão à lenda dos Sete Adormecidos de Éfeso, que pertence tanto à tradição cristã quanto à mulçumana. Esquecera a língua do passado e só conseguia falar a do futuro. Porém, se então fora muito cedo, hoje talvez já seja tarde. O tempo nunca chegou para esse grande e infeliz gênio.

Vico frequentemente incorreu no erro de apagar o caminho à medida que avançava. Daí vem a aparente estranheza de seus resultados. Contudo, sua bela e engenhosa polêmica contra a escola de Descartes, contra o uso abusivo do método geométrico, contra o espírito crítico que ameaçava secar e destruir toda a literatura, toda a arte e todo o gênio inventivo, essa parte negativa de sua obra não é menos original do que a outra, que com essa mantém laços estreitos. Em seus Discursos, Vico ataca o criterium cartesiano do senso individual. No ensaio sobre a Unidade do princípio do direito, no pequeno livro sobre a Filosofia das línguas e, enfim, na própria Ciência nova, ele reivindica os direitos do senso comum do gênero humano.12 12 (NT) Unidade do princípio do direito remete, muito provavelmente, ao resumo do original De uno universis iuris principio et fine uno, que aparece nas Oeuvres choisies sob o título De l’unité du principe et de la fin du droit universel. Quanto ao texto que Michelet evoca como filosofia das línguas e tendo em vista a inexistência de tratado assim intitulado por Vico, assim como nenhuma referência similar no próprio índice das Oeuvres choisies, só nos cabe a suposição de que se trata de uma referência ao De antiquissima Italorum sapientia (1710), do qual a compilação micheletiana também traz uma tradução, sob o título De l’Antique Sagesse de l’Italie retrouvée dans les origines de la langue latine. Podemos assinalar, assim, o progresso geral de seu método; mas quantas miradas engenhosas ainda poderíamos indicar no plano dos detalhes! O julgamento sobre Dante, a apreciação dos méritos e dos defeitos da língua francesa, as reflexões sobre a educação, ainda hoje tão válidas e tão admiráveis em sua simplicidade e profundidade. Tudo isso bastaria para demonstrar o quanto de bom senso há no gênio.

Discurso sobre o sistema e a vida de Vico

Diante da rapidez do movimento crítico que Descartes imprimiu à filosofia, o público seria incapaz de notar qualquer um que estivesse fora dessa rota. Eis o porquê de o nome de Vico ser ainda muito pouco conhecido do lado de cá dos Alpes. Enquanto a multidão defendia ou combatia a reforma cartesiana, um gênio solitário fundava a filosofia da história.13 13 (NT) A leitura da Ciência nova como fundadora da filosofia da história é uma flagrante sobreinterpretação de Michelet da obra de Vico, que singulariza sua leitura heterodoxa e abre um flanco crítico na recepção micheletiana do filósofo, evocada na Apresentação a esta tradução. Não acusemos de indiferença os contemporâneos de Vico; busquemos, em vez disso, explicar e demonstrar que a Ciência nova foi tão negligenciada durante o último século porque foi feita para o nosso.

Assim é a marcha natural do espírito humano: primeiro conhecer para, em seguida, julgar; expandir-se para o mundo externo e, mais tarde, voltar para dentro de si mesmo; confiar no senso comum e depois submetê-lo ao exame do senso individual. Inicialmente cultivado pela religião, pela poesia e pelas artes, ele acumula os fatos dos quais, mais tarde, a filosofia irá se utilizar. Já tem o sentimento de muitas verdades, mas ainda não tem sua ciência. É necessário que um Sócrates, um Descartes venha lhe perguntar a partir de qual direito ele as possui, e que os teimosos ataques de um ceticismo impiedoso o obriguem a se apropriar dessas mesmas verdades através de sua defesa. Uma vez incomodado na posse de crenças que tocam o mais profundo do ser, o espírito humano passa algum tempo desdenhando todo o conhecimento que o senso íntimo não possa lhe atestar; mas tão logo volte a se sentir seguro, irrompe com novas forças do mundo interior e retoma o estudo dos fatos históricos. Ao continuar sua busca pelo verdadeiro, não mais negligenciará o verossímil e, assim, a filosofia, comparando e retificando o senso individual e o senso comum, um através do outro, acaba abarcando, em seu estudo do homem, o estudo de toda a humanidade.

Essa última época acaba de começar para nós. O que nos distingue eminentemente é, como costumamos dizer, nossa tendência histórica. Já queremos que os fatos sejam verdadeiros em seus mínimos detalhes; o mesmo amor pela verdade deve, pois, nos conduzir a buscar as relações e observar as leis que as regem, de forma a examinarmos se, enfim, a história pode ser conduzida a uma forma científica.

Este fim, do qual nos aproximamos a cada dia, já há muito foi divisado pelo gênio profético de Vico. Seu sistema surge no começo do último século, a nosso ver como um admirável protesto vindo dessa parte do espírito humano que repousa sobre a sabedoria do passado, conservada através das religiões, das línguas e da história; ou seja, sobre a sabedoria vulgar,14 14 (NT) Retomo, aqui, com alguns cortes e fusões, duas notas de Aurélien Aramini para a reedição do texto presente em Philosophie de l’histoire, já mencionado antes. “Distinta da sabedoria reflexiva (que traduz o italiano sapienza riposta), a ‘sabedoria vulgar’ (sapienza volgare) é um saber pré-reflexivo, procedente do senso comum. Essa forma de “sabedoria”, depositada nos mitos, nas línguas e nos provérbios, precede a sabedoria reflexiva das idades civilizadas e regula a vida social” (487-488). Quanto à noção viconiana de senso comum, outra nota de Aramini informa que este se distingue tanto do senso comum aristotélico quanto do common sens dos filosófos escoceses, em particular Reid e Dugald Stewart, obras de importância na formação filosófica do jovem Michelet. Na explicação de Aramini, esse senso comum viconiano “partilhado por todas as nações [...] e sem o qual elas não teriam saído do estado bestial, remete à sabedoria vulgar e instintiva do qual dão provas em suas origens e que lhes permitiu regular sua vida social. Assim, o senso comum permite que se explique o fato de que todas as nações, sem que haja comunicação entre elas, tiveram - sob formas diferentes, é claro - os mesmos princípios de direito natural (a ideia de providência, os casamentos solenes e as sepulturas)” (p. 493). mãe da filosofia e frequentemente ignorada por ela. Era natural que tal protesto partisse da Itália. Apesar do gênio sutil dos Cardan e dos Giordano Bruno, ali o ceticismo não teve seu desenvolvimento regulado pela Reforma, não alcançando, assim, sucesso nem durável nem popular. O passado, inteiramente ligado à causa da religião, conservou, então, todo o seu peso. A Igreja Católica, invocando sua perpetuidade contra os protestantes, recomendava o estudo da história e das línguas. As ciências que, durante a Idade Média, haviam se abrigado e se diluído no seio da religião, sofreram menos com a divisão do trabalho na Itália do que em outras partes; se, em sua maioria, fizeram pouco progresso, permaneceram, contudo, reunidas. Particularmente a Itália meridional conservava o gosto da universalidade, tão característico do gênio da grande Grécia. Na Antiguidade, a escola pitagórica aliara metafísica e geometria, moral e política, música e poesia. No século XIII, o Anjo da Escola15 15 (NT) Conhecido epíteto de Tomás de Aquino. percorrera o círculo dos conhecimentos humanos no intuito de harmonizar as doutrinas de Aristóteles com as da Igreja. Enfim, no século XVII, os jurisconsultos de reino de Nápoles eram os últimos a tomarem essa antiga definição da jurisprudência: scientia rerum divinarum atque humanarum.16 16 (NT) Tal definição da jurisprudência remonta aos Institutes, de Ulpiano, e poderia ser traduzido por: conhecimento das coisas divinas e humanas. Era nessa região que se deveu tentar, pela primeira vez, a fusão de todos os conhecimentos que tem o homem como objeto em um vasto sistema, que aproximava uma da outra a história dos fatos e a das línguas, esclarecendo ambas através de uma nova crítica, que combina filosofia e história, ciência e religião.

Não obstante, teríamos dificuldade em compreender esse fenômeno se o próprio Vico não nos tivesse legado alguns trabalhos que preparam a concepção de seu sistema (Vida de Vico, escrita por ele mesmo). Os detalhes que iremos ler a seguir são extraídos desse inestimável monumento e os que não encontraram seu lugar aqui foram compilados no Apêndice desse Discurso.17 17 (NT) O apêndice não foi contemplado por esta tradução.

GIAMBATTISTA VICO nasceu em Nápoles, em 1668, filho de um livreiro pobre e recebeu a educação do tempo: no caso, o estudo das línguas antigas, da escolástica, da teologia e da jurisprudência. Mas ele amava demais as generalidades para se ocupar, com gosto, da prática do direito. Advogou apenas uma vez, na defesa de seu pai; ganhou a causa e renunciou ao tribunal - à época, tinha dezesseis anos. Pouco tempo depois, a necessidade o obrigou a aceitar o emprego de professor de direito dos sobrinhos do bispo de Isquia. Vivendo retirado por noves anos na bela solidão de Vatolla, seguiu em liberdade o caminho traçado por seu próprio gênio, dividindo-se entre a poesia, a filosofia e a jurisprudência. Seus mestres foram os jurisconsultos romanos, o divino Platão e Dante, com quem entretinha tantos laços de semelhança, devido ao seu caráter melancólico e ardente. Ainda existe a pequena biblioteca de um convento onde trabalhou e na qual talvez tenha concebido sua primeira ideia da Ciência nova.

“Quando Vico retornou a Nápoles (é ele próprio quem fala), viu-se como um estrangeiro em sua pátria. A filosofia não era mais estudada a não ser através das Meditações de ­Descartes ou em seu Discurso do método, no qual desaprova o cultivo da poesia, da história e da eloquência. O platonismo que, no século XVI, benfazejamente tanto as havia encorajado e que, por assim dizer, ressuscitara a Grécia antiga na Itália moderna, fora relegado à poeira dos claustros. Quanto ao direito, eram preferidos os comentadores modernos aos intérpretes antigos. A poesia, corrompida pela afetação, deixara de beber nas águas de Dante e nos límpidos regatos de Petrarca. Cultivava-se pouco até mesmo a língua latina. As ciências e as letras andavam, ambas, enlanguescidas”.18 18 (NT) Versão condensada e remodelada de diversos trechos da Vita di Vico, procedimento que é semelhante ao que adota em sua versão da Ciência nova e que expressam uma concepção tradutória certamente distinta da moderna, plenamente aceita no contexto e, ao mesmo tempo, claramente consciente de sua heterodoxia.

É que os povos, assim como os indivíduos, não abdicam impunemente de sua originalidade. O gênio italiano queria seguir o impulso filosófico da França e da Inglaterra, anulando a si mesmo. Mas um espírito verdadeiramente italiano não poderia se submeter a essa nova invasão de estrangeiros. Enquanto todo o século avidamente voltava os olhos em direção ao futuro, precipitando-se nos novos caminhos abertos pela filosofia, Vico teve a coragem de se voltar para aquela Antiguidade tão desdenhada, identificando-se com ela. Fechando os comentadores e críticos, pôs-se a estudar os originais, tal como ocorrera durante o renascimento das letras.

Fortalecido por esses estudos densos, ousou atacar o cartesianismo, não apenas em seu lado dogmático, cujo crédito já era pequeno, mas também em seu método, que mesmo seus adversários haviam adotado e a partir do qual esse pensamento dominava toda a Europa. É preciso ler o Discurso no qual compara o método de ensino seguido pelos modernos ao método dos antigos19 19 (NA) E propõe, ali, o seguinte problema: “Não se poderia animar de um mesmo espírito todo o saber divino e humano, de forma que as ciências se dessem as mãos por assim dizer, e que a universidade de hoje representasse um Platão ou um Aristóteles, com todo o saber a mais que temos em relação aos antigos? (NT) Trata-se de um extrato de De nostri temporis studiorum Ratione (1708). Esse discurso foi parcialmente traduzido e fortemente condensado por Michelet em suas Oeuvres choisies de Vico sob o título “Méthode suivie de notre temps dans les études” (MICHELET, 1971, p. 351-359). e observar com quanta sagacidade aponta os inconvenientes do primeiro. Em nenhum outro texto os abusos da nova filosofia foram criticados com mais força e moderação: seu distanciamento com os estudos históricos, seu desprezo pelo senso comum da humanidade, sua mania em transformar em arte o que deve ser deixado à prudência individual, a aplicação do método geométrico a coisas que menos comportam uma demonstração rigorosa etc. Mas, ao mesmo tempo, esse grande espírito, longe de se postar em meio aos inimigos cegos da reforma cartesiana, também soube reconhecer seus méritos - seu olhar partia de muito alto para se contentar com uma apreciação incompleta: “Devemos muito a Descartes por ter estabelecido o senso individual como regra do verdadeiro: deixar que a determinação viesse da autoridade representava uma escravidão degradante. Também lhe devemos muito por ter querido submeter o pensamento a um método; a ordem dos escolásticos não passava de uma desordem. Mas querer que o julgamento do indivíduo reine sozinho, querer submeter tudo ao método geométrico significa cair no extremo oposto. Já é tempo de encontrar um meio termo; de seguir o julgamento individual, mas dando o devido valor à autoridade; de empregar o método, mas um método que varie segundo a natureza das coisas”.20 20 (NA) Resposta a um artigo do jornal literário da Itália no qual seu livro De antiquissima Italorum sapientia ex originibus linguae latinae eruenda (1711) era atacado.

A partir de então, este que conferira à verdade o duplo criterium do senso individual e do senso comum se viu trilhando um caminho à parte. As obras que publicou em seguida não têm mais um caráter polêmico. São discursos públicos, opúsculos nos quais trata separadamente de assuntos que, mais tarde, reuniria em seu grande sistema. Um desses opúsculos intitulava-se: Ensaio em torno de um sistema de jurisprudência no qual o direito civil dos romanos seria explicado pelas revoluções de seu governo. Num outro, tentará provar que a sabedoria italiana dos tempos mais recuados pode ser descoberta nas etimologias latinas. É um tratado completo de metafísica, descoberto na história de uma língua.21 21 (NA) Esta é a única obra cujas ideias não foram transpostas na Ciência nova. (NT) Referência ao opúsculo De antiquissima Italorum sapientia, cuja tradução de Michelet foi retomada em edição recente da ­GF-Flammarion, com apresentação de Bruno Pinchard. Não obstante, uma observação acerca desses primeiros trabalhos permite antever todo o caminho que ainda restava até a Ciência nova: neles, Vico relaciona a sabedoria da jurisprudência romana e a sabedoria que descobre na língua dos antigos italianos ao gênio de jurisconsultos e filósofos, ao invés de explicá-la, como mais tarde o fará, por meio da sabedoria instintiva que Deus oferece às nações. Do mesmo modo, ainda crê, a essa altura, que a civilização italiana e a legislação romana foram importadas do Egito e/ou da Grécia para a Itália.

Até 1719, faltou unidade às pesquisas de Vico; nenhum de seus autores favoritos - Platão, Tácito e Bacon - poderia tê-la fornecido: “O segundo considera o homem tal como é, o primeiro tal como deve ser; Platão contempla o justo com a sabedoria especulativa; Tácito observa o útil com a sabedoria prática. Bacon reúne ambos os caracteres (cogitare, videre). Porém, Platão busca na sabedoria vulgar de Homero mais um ornamento do que uma base para sua filosofia; já Tácito dispersa a sua perseguindo acontecimentos; quanto a Bacon, não abstrai suficientemente, no tocante às leis, os tempos e os lugares, de modo a alcançar as mais altas generalidades. Grotius tem um mérito que lhes falta: ele abarca em seu sistema o direito universal, a filosofia e a teologia, apoiando-os sobre a história dos fatos, verdadeiros ou fabulosos, bem como sobre a história das línguas”.22 22 (NT) Informações extraídas e condensadas por Michelet a partir da Vita di Vico.

A leitura de Grotius ancorou suas ideias e determinou a concepção de seu sistema. Em um discurso pronunciado em 1719, Vico afirmava que “os elementos de todo saber divino e humano podem ser reduzidos a três: conhecer, querer, poder. Seu princípio único é a inteligência. O olho da inteligência, ou seja, a razão, recebe de Deus a luz do verdadeiro eterno. Toda ciência vem de Deus, retorna a Deus, está em Deus.”23 23 (NA) “Omnis divinae atque humanae eruditionis elementa tria, nosse, velle, posse; quórum principium unum mens; cujus oculus ratio; cui aeterni veri lumen praebet Deus... - Haec tria elementa, quae tam existere, et nostra esse, quam nos vivere explicemus: quod quo facilius faciamus, hanc tractationem universam divido in partes três: quarum prima omnia scientiarum principia a Deo esse: in secunda, divinum lumen, sive aeternum verum per haec, quae proposuimus elemnta omnes scientias permeare: easque omnes una arctissima complexione colligatas alias in alias dirigere, et cunctas ad Deum ipsarum principium revocare: in tertia, quidquid usquam de divinae ac humanae eruditionis principiis scriptum, dictumve sit, quod cum his principiis congruerit, verum; quod dissenserit, falsum esse demonstremos. Atque adeo de divinarum atque humanarum rerum noticia haec agam tria, de origine, de circulo, de constantia, et ostendam, origine, omnes a Deo prvenire; circulo, ad Deum redire omnes; constantia, omnes constare in Deo, omnesque eas ipsas praeter Deum tenebras esse et errores.” (NT) Em nota à edição desse texto, Aurélien Aramini informa se tratar de um extrato da Vita di Vico. Ver: MICHELET, 2016, p. 489. A tradução do trecho em latim acima, realizada por Andreia Tamanini, é a seguinte: “Os elementos de toda a erudição divina e humana são três: conhecer, querer e poder. Dos quais, o princípio uno é a mente, cujo olho é a razão, a quem Deus provê a luz da verdade eterna. Expliquemos, pois, esses três elementos, que sabemos tanto existirem e serem nossos, quanto viverem em nós. A fim de que mais fácil o façamos, divido todo este exercício em três partes: na primeira delas, [evidenciaremos que] todos os princípios do conhecimento pertencem a Deus. Na segunda, [falaremos da] luz divina - ou a verdade eterna através desta - a qual propusemos permear todas as formas de conhecimento, alinhar todas elas coligadas umas às outras em estreitíssima conexão e convocar todas juntas de volta ao princípio fundamental que é Deus próprio. Na terceira, demonstraremos que o que quer ou onde quer que seja escrito ou dito sobre os princípios da erudição divina, é verdadeiro aquilo que com esses princípios coincida; aquilo que dissida, é falso. Muito mais além, procederei sobre a conhecença das coisas divinas e humanas sob três aspectos: sobre a origem, sobre o ciclo e sobre a constância; e ostentarei que todas as origens devem provir de Deus, no ciclo todas as coisas devem chegar a Deus, a constância deve conservar todas as coisas em Deus; e todas as coisas para fora de Deus são elas próprias trevas e errância.” Também cuidou de provar a falsidade de tudo o que se afasta dessa doutrina. Alguns disseram que isso era prometer mais do que Pico dela Mirandola, quando expôs suas teses de omni scibili.24 24 (NT) Referência também presente na Vita di Vico, segundo Aramini, 2013, p. 489. A locução em latim, convertida em divisa de Pico de la Mirandola segundo Voltaire, poderia ser traduzida como “de tudo o que se pode saber” e se encontra em seu Conclusiones philosophicae, cabalasticae et theologicae, publicado em 1486. Com efeito, em seu discurso, Vico conseguira demonstrar apenas a parte filosófica de seu sistema, vendo-se obrigado a abandonar as provas, ou seja, toda a parte filológica. Encontrando-se, pois, diante da feliz obrigação de expor todas as suas ideias, não tardou a publicar dois ensaios intitulados Unidade do princípio do direito universal, de 1720 e Harmonia da ciência do jurisconsulto (De constantia jurisprudentis), ou seja, sobre a concórdia entre filosofia e filologia, de 1721. Pouco depois, em 1722, tornou públicas algumas notas sobre ambas as obras, nas quais aplicava a Homero a nova crítica cujos princípios havia exposto.

Porém, esses opúsculos diversos não conformavam um mesmo corpo doutrinário. Assim, cuidou de fundi-los em uma só obra, que apareceu em 1725 com o título: Princípios de uma ciência nova relativa à natureza comum das nações, a partir das quais se revelam novos princípios do direito universal das gentes. Essa primeira edição da Ciência nova também é a última palavra do autor, no que toca o fundo de suas ideias. Mas sua forma foi profundamente alterada nas outras edições que publicou em vida. Na primeira, ainda segue um percurso analítico.25 25 (NA) Vico assinalou muito bem o progresso de seu método: “O que me desagrada em meus livros sobre o direito universal (De juris uno principio e De constantia jurisprudentis) é que parto das ideias de Platão e outros grandes filósofos para descer até o exame das inteligências limitadas e estúpidas dos primeiros homens que fundaram a humanidade pagã, quando deveria ter seguido o caminho inverso. Daí os erros que cometi em certas matérias... - Na primeira edição da Ciência nova, eu me perdi, senão na matéria, pelo menos na ordem que segui. Tratava dos princípios das ideias separando-os dos princípios das línguas” (adições a um prefácio da Ciência nova, publicados com outras peças inéditas de Vico pelo senhor Antonio Giordano, 1818). Acrescentemos a essa crítica o fato de que, na primeira edição, concebera a esperança de uma perfeição estacionária para a humanidade. Essa ideia, reproduzida por tantos filósofos, não mais aparecerá nas edições seguintes. Ela é infinitamente superior em clareza. Contudo, é nas edições de 1730 e 1744 que se deve preferencialmente buscar o gênio de Vico. Ali ele sempre começa por axiomas para deles extrair todas as ideias particulares, esforçando-se para seguir um método geométrico que o tema nem sempre comporta. Malgrado a obscuridade do resultado e o emprego contínuo de uma terminologia bizarra, cuja explicação é frequentemente negligenciada pelo autor, há, no conjunto do sistema tal como apresentado, uma grandeza imponente e uma melancólica poesia que lembra a de Dante. O que trazemos aqui é uma tradução abreviada da edição de 1744. Porém, na exposição do sistema que se vai ler, muitas vezes nos aproximamos do método que o autor utilizou na primeira edição e que nos pareceu mais conveniente ao público francês.

Na infinita variedade de ações, pensamentos, costumes e línguas que se nos apresenta a história do homem, frequentemente reencontramos os mesmos traços, as mesmas características. As nações mais distantes no tempo e no espaço seguem em suas revoluções políticas e em suas revoluções linguísticas uma marcha singularmente análoga. Distinguir os fenômenos regulares dos acidentais e determinar as leis gerais que regem os primeiros; traçar a história universal, eterna, que se produz no tempo sob a forma de histórias particulares, descrever o círculo ideal no qual gira o mundo real: eis o objetivo da nova ciência. Ela é, ao mesmo tempo, filosofia e história da humanidade.26 26 (NT) Retomo aqui parte da nota de Aramini para o trecho em questão (ver MICHELET, 2016, p. 491), na qual destaca a inflexão da leitura micheletiana da obra de Vico. “Esse trecho, destinado a resumir a tese central da Ciência nova, é revelador do deslocamento de sentido operado por Michelet na obra de Vico. Para o filósofo italiano, não é o ‘mundo’ em sua totalidade que segue o ‘círculo ideal’, mas cada nação em seu percurso singular. Assim, as três idades descritas por Vico não remetem à história universal da humanidade, mas à história singular das nações, o que implica uma particularização das idades - divina, heroica e humana - no seio do corso de cada nação”. A análise de Aramini relativa ao que batiza “interpretação atualizante” de Vico se encontra mais bem desenvolvida em ARAMINI, 2013. Sobre o mesmo tema, ver também REMAUD, 2004; REMAUD, 1997; LEFORT, 2002; TEIXEIRA, 2017.

Sua unidade vem da religião, princípio produtor e conservador da sociedade. Até aqui, só se falou em teologia natural; já a ciência nova é uma teologia social, uma demonstração histórica da Providência, uma história dos decretos através dos quais, à revelia dos homens e, frequentemente, apesar deles, ela governou a grande cidade27 27 (NT) No original, “cité”, termo com clara conotação política e para o qual não encontrei um equivalente em português que preservasse o restante de seu campo semântico. Todas as ocorrências do termo “cidade” que se seguem neste texto remetem ao original “cité”. do gênero humano. Quem não experimentaria um prazer divino num corpo mortal ao descobrir, nesse mundo das nações, tão variado em seus traços, tempos e lugares, a uniformidade das ideias divinas?

As outras ciências cuidam de dirigir o homem e aperfeiçoá-lo; mas, até agora, nenhuma ainda teve por objeto o conhecimento dos princípios da civilização de onde surgiram. A ciência que nos revelar tais princípios fornecerá os meios para que afiramos o caminho percorrido pelos povos em seus progressos e declínios, para que calculemos as idades da vida das nações. Só então será possível conhecer os meios através dos quais uma sociedade pode se elevar ou reconquistar o mais alto grau de civilização a que é susceptível; só então será possível acordar teoria e prática, sábios e eruditos, filósofos e legisladores, a sabedoria da reflexão e a sabedoria instintiva; e então, só será possível se afastar dos princípios da ciência da humanização abdicando do caráter de homem e se separando da humanidade.

A ciência nova alimenta-se em duas fontes: a filosofia e a filologia. A filosofia contempla o verdadeiro através da razão; a filologia observa o real, é a ciência dos fatos e das línguas. A filosofia deve apoiar suas teorias na certeza dos fatos; já a filologia precisa tomar de empréstimo à filosofia teorias que elevem os fatos à categoria de verdades universais, eternas.

Qual filosofia será fecunda? Aquela que eleva e dirige a humanidade decaída e eternamente débil, sem arrancá-la à sua natureza nem abandoná-la à sua corrupção. Nesse sentido, fechamos a escola da ciência nova aos estoicos, que desejam a morte dos sentidos, e aos epicuristas, que fazem dos sentidos a regra do homem; aqueles se acorrentam ao destino, estes se abandonam ao acaso, um e outro negam a Providência. Ambas as doutrinas isolam o homem e deveriam ser chamadas de filosofias solitárias. Ao contrário, admitimos em nossa escola as filosofias políticas e, em particular, os platônicos, porque estão de acordo com todos os legisladores acerca de nossos três princípios fundamentais: a existência de uma Providência divina, a necessidade de moderar as paixões e de transformá-las em virtudes humanas, a imortalidade da alma. Essas três verdades filosóficas correspondem a três fatos históricos: a instituição universal das religiões, dos casamentos e das sepulturas. Todas as nações atribuíram a essas três coisas um caráter sagrado; elas as nomearam humanitatis commercia (Tácito) e, numa expressão ainda mais sublime, foedera generis humani.

A filologia, ciência do real, ciência dos fatos históricos e das línguas, fornecerá os materiais à ciência do verdadeiro, a filosofia. Mas o real, obra da liberdade do indivíduo, é incerto por natureza. Qual será o criterium por meio do qual descobriremos em sua mobilidade o caráter imutável do verdadeiro? O senso comum, ou seja, o julgamento irrefletido de um conjunto de homens, de um povo, da humanidade. O concerto geral do senso comum dos povos constitui a sabedoria do gênero humano. O senso comum, a sabedoria vulgar é a regra dada por Deus para o mundo social.

Essa sabedoria é una, ainda que sob a dupla forma das ações e das línguas, cuja variedade se explica pela influência de causas locais, mas cuja unidade imprime um caráter análogo aos povos mais isolados. Esse caráter é sensível, sobretudo no que toca ao direito natural. Interroguem todos os povos a respeito de suas ideias sobre as relações sociais; verão que eles as compreendem, todos, de maneira similar, conquanto sob expressões diversas: é o que se vê nos provérbios, que são as máximas da sabedoria vulgar. Não tentemos explicar essa uniformidade do direito natural supondo que um povo a tenha transmitido a todos os outros. Em todos os cantos, ele é nativo, em todos os cantos, foi fundado pela Providência nos costumes das nações.

Essa identidade do pensamento humano, reconhecida nas ações e na linguagem, resolve o grande problema da sociabilidade do homem, que tanto embaraçou os filósofos. E ainda que não encontrássemos deslindado este nó, poderíamos cortá-lo com tais palavras: Nada permanece por muito tempo fora de seu estado natural; o homem é sociável, pois que se mantém em sociedade.28 28 (NT) Referência aos axiomas 8 e 104, presentes respectivamente nos livros I e II da Ciência nova.

No desenvolvimento da sociedade humana, na marcha da civilização, pode-se distinguir três idades ou três períodos: a idade divina ou teocrática, a idade heroica e a idade humana ou civilizada. A essa divisão responde aquela dos tempos obscuros, fabulosos e históricos. É na história das línguas, em particular, que a exatidão dessa classificação se manifesta. Esta que falamos deveu ser precedida por uma língua metafórica e poética que, por seu turno, foi precedida por uma língua hieroglífica ou sagrada.

Trataremos, principalmente, dos dois primeiros períodos. As causas dessa civilização de que tanto nos orgulhamos devem ser buscadas nas idades que chamamos bárbaras, mas que seriam melhor denominadas religiosas e poéticas; toda a sabedoria do gênero humano ali aparece em esboço e germe. Mas quando tentamos remontar a tempos tão longínquos, quantas dificuldades! A maior parte dos monumentos29 29 (NT) O termo “monumento” refere-se, aqui, ao que chamamos de documentos, principalmente de tipo literário, das antigas civilizações. O privilégio acordado à língua e à sua história, aludido do último parágrafo, apoia-se justamente nesses “monumentos” literários - poemas e corpora mitológicos - que são um dos principais objetos filológicos da Ciência nova. desapareceu e os que restaram foram alterados, desnaturados pelo preconceito das idades posteriores. Não podendo explicar as origens da sociedade e não se resignando a ignorá-las, criou-se uma representação da barbárie antiga a partir da civilização moderna. As vaidades nacionais sustentaram-se na vaidade dos sábios, que tanta glória se fazem em recuar à origem de suas ciências prediletas. Aturdidos diante do poderoso instinto que guiou os primeiros homens, exageramos suas luzes e a elas atribuímos uma sabedoria que, na realidade, era a de Deus. Para nós, persuadidos que, em tudo, os começos são simples e grosseiros, consideraremos os Zoroastros, os Hermes e os Orfeus menos como autores do que como produtos e resultados da civilização antiga, assim como reportaremos a origem da sociedade pagã ao senso comum, que aproximou uns dos outros os homens ainda estúpidos das primeiras idades.

Os fundadores da sociedade são, a nosso ver, aqueles ciclopes de que fala Homero, gigantes pelos quais começa tanto a história profana quanto a história sagrada. Após o dilúvio, os primeiros homens, exceção feita aos patriarcas, ancestrais do povo de Deus, deveram retornar à vida selvagem e, pelo efeito da mais dura educação, retomaram o talhe gigantesco dos homens antediluvianos. (Nudi ac sordidi in hos artus, in haec corpora, quae miramur, excrescunt. Tácito, Germania).30 30 (NT) Referência extraída do livro XX do A Germânia, de Tácito. Colidido com a edição francesa do autor, o trecho completo poderia ser assim traduzido: “[Em qualquer casa], as crianças crescem nuas e sujas até que adquiram esses membros, esses corpos que admiramos”.

Eles se tinham dispersado na vasta floresta que cobria a terra, inteiramente entregues às necessidades físicas, selvagens, sem lei, sem Deus. Em vão a natureza os envolvia em maravilhas; quanto mais regulares eram os fenômenos - dignos, por isso, de admiração - mais o hábito lhes tornava indiferentes. Quem poderia dizer como despertar o pensamento humano?... Mas o trovão se fez escutar, seus efeitos terríveis são notados; assustados, os gigantes reconhecem, pela primeira vez, uma potência superior à deles e a nomeiam Júpiter; assim, nas tradições de todos os povos, Júpiter aterra31 31 (NT) No original, o verbo é “terrasser”. Se se pode aplicá-lo no sentido de aterrorizar e submeter, ele também admite significados mais claramente ligados ao vocábulo terra (terre), que mantêm relação com o campo semântico que será explorado por Vico e pela tradução de Michelet. Para mais informações sobre o termo, sugiro, entre outros, uma consulta ao dicionário de Émile Littré, disponível no link: https://www.littre.org os gigantes. Essa é a origem da idolatria, filha da credulidade e não da impostura, como tanto já se disse.

A idolatria foi necessária ao mundo sob o âmbito social: qual outra potência, que não essa de uma religião cheia de terrores, teria domado o estúpido orgulho da força que, até então, isolava os indivíduos? Sob o âmbito religioso: não seria preciso que o homem passasse por essa religião dos sentidos, para chegar à da razão e desta, à religião da fé?

Mas como explicar esse primeiro passo do espírito humano, essa passagem crítica da brutalidade à humanidade? Como, num estado de civilização tão avançado quanto o nosso, quando os espíritos já adquiriram, através do uso das línguas, da escrita e do cálculo uma irrefreável disposição para a abstração, como nos recolocar na imaginação desses primeiros homens, inteiramente mergulhados nos sentidos e como que enterrados na matéria? Felizmente, sobre a infância da espécie e seus primeiros desenvolvimentos, ainda nos resta o mais seguro e ingênuo dos testemunhos: a infância do indivíduo.

A criança admira tudo, porque ignora tudo. Cheia de memória, imitadora ao mais alto grau, sua imaginação tem uma potência proporcional à sua incapacidade de abstrair. Ela julga tudo a partir de si mesma e atribui a todo movimento uma vontade.

Tais foram os primeiros homens. Eles fizeram da natureza um vasto corpo animado, tão apaixonado quanto eles próprios. Falavam frequentemente através de signos; pensavam que os raios e trovões eram signos desse ser terrível. Novas observações multiplicaram os signos de Júpiter, e esse conjunto deu origem a uma língua misteriosa, através da qual o deus dava a conhecer sua vontade aos homens. A inteligência dessa língua tornou-se uma ciência, conhecida como divinação, teologia, mística, mitologia, musa.

Pouco a pouco, todos os fenômenos da natureza, todas as relações da natureza com o homem e dos homens entre si tornaram-se divindades. Emprestar vida aos seres inanimados, emprestar corpos às coisas imateriais, compor seres que não existem completamente em nenhuma realidade, eis a tripla criação do mundo fantástico da idolatria. Deus, em sua pura inteligência, cria os seres porque os conhece; os primeiros homens, fortes em sua ignorância, criavam à sua maneira, pela força de uma imaginação que se poderia considerar completamente material. Poeta quer dizer criador; eles foram, portanto, poetas, e tal foi o sublime de suas concepções que eles próprios se assustaram e caíram, tremendo, diante de sua obra (Fingunt simul creduntque. Tácito).32 32 (NT) “Os que imaginaram isso creram, ao mesmo tempo, nisso”, poderia ser uma tradução aproximada desse fragmento oriundo dos Anais, de Tácito.

Foi para essa poesia divina, que criava e explicava o mundo invisível, que se inventou o nome sabedoria, posteriormente reivindicado pela filosofia. Com efeito, a poesia já era, para as primeiras idades, uma filosofia sem abstração, pura imaginação e sentimento. O que os filósofos compreenderam depois, os poetas já haviam sentido antes; e se, como o disse a Escola, nada está na inteligência que não tenha estado antes nos sentidos, os poetas foram o sentido do gênero humano, os filósofos, sua inteligência.33 33 (NA) Filosofia é uma poesia sofisticada (Montaigne, III tomo, p. 216, Edição Lefèvre).(NT) A citação anterior, reportada à “Escola”, ou seja, à Escolástica, é, segundo nota de Aramini, de origem aristotélica, extraída do Da alma e teria sido tomada como adágio por essa matriz filosófica.

Os signos através dos quais os homens começaram a exprimir seus pensamentos eram os objetos mesmos que haviam divinizado. Para dizer o mar, eles o mostravam com a mão; mais tarde, disseram Netuno. Essa é a língua dos deuses, de que fala Homero. Os nomes dos trinta mil deuses latinos recolhidos por Varrão, os nomes dos deuses gregos, igualmente numerosos, formavam o vocabulário divino desses dois povos. Em sua origem, como a língua divina só podia ser falada por ações, quase toda ação era consagrada; a vida não passava de uma sucessão de atos mudos de religião. Daí proveio, na jurisprudência romana, as acta legitima, pantomima que acompanhava todas as transações civis. Os hieróglifos foram a escrita própria a essa língua imperfeita, e não invenções de filósofos, desejosos de esconder os mistérios de uma sabedoria profunda. Todas as nações bárbaras foram obrigadas a começar assim, antes de poderem compor um melhor sistema de linguagem e escrita. Essa língua muda convinha a uma idade dominada pelas religiões: deveriam ser respeitadas, muito mais do que refletidas.

Durante a idade heroica, a língua divina ainda subsistia, ao passo que a língua humana ou articulada começava. Mas, além delas, essa idade teve uma língua própria; falo dos emblemas e das divisas, nova espécie de signo, cuja relação com o pensamento é apenas indireta. Essa é a língua falada pelas armas dos heróis e continua sendo aquela da disciplina militar. Transportada para a língua articulada, deveu ter dado origem às comparações, às metáforas etc. Em geral, a metáfora compõe o fundo das línguas.

O primeiro princípio que deve nos guiar na pesquisa das etimologias é o de que a marcha das ideias corresponde à das coisas. Ora, os graus da civilização podem ser assim indicados: florestas, cabanas, vilas, cidades ou sociedade de cidadãos, academias ou sociedades de sábios; os homens, primeiro, habitam as montanhas, em seguida, as planícies e, finalmente, as margens. As ideias e o aperfeiçoamento da linguagem deveram seguir tal ordem. Esse princípio etimológico basta para as línguas indígenas, aquelas dos países bárbaros que se mantiveram impenetráveis aos estrangeiros, até o advento de guerras ou do comércio. Tal princípio demonstra o quanto os filólogos estavam errados ao estabelecer que a significação das línguas é arbitrária. Sua origem foi natural, consequentemente, sua significação deveu ser fundada na natureza. Isso pode ser observado no latim, língua mais heroica, menos refinada do que o grego; nela, todas as palavras são extraídas de figuras referentes a objetos agrestes ou selvagens.

A língua heroica empregou nomes próprios ou nomes de povos para exprimir substantivos comuns. Os antigos romanos diziam um Tarentino para falar de um homem perfumado. Todos os povos da Antiguidade chamavam um herói de Hércules. Essa criação de caracteres ideais, embora pareça o esforço de uma arte engenhosa, foi uma necessidade para o espírito humano. Vejam as crianças: dão os nomes das primeiras pessoas e das primeiras coisas que viram a todas as outras coisas nas quais descobrem alguma analogia. Assim também os primeiros homens, incapazes de formar uma ideia abstrata do poeta ou do herói, chamaram todos os heróis pelo nome do primeiro, todos os poetas pelo nome do primeiro... Em função de nosso amor instintivo pela uniformidade, acrescentaram a essas primeiras ideias ficções em singular harmonia com as realidades e, pouco a pouco, os nomes herói e poeta, inicialmente designando tal ou qual indivíduo, abarcaram todos os traços de perfeição que conformariam o tipo ideal do heroísmo e da poesia. O verdadeiro poético, resultado dessa dupla operação, foi mais verdadeiro do que o verdadeiro real; afinal, que herói histórico poderia preencher tão perfeitamente o caráter heroico quanto o fez Aquiles, da Ilíada?

Essa tendência humana de enquadrar tipos ideais através de nomes próprios cobriu de dificuldades e de aparentes contradições os começos da história. Tais tipos acabaram sendo tomados como indivíduos. Assim, todas as descobertas feitas pelos antigos egípcios foram atribuídas a Hermes; a primeira constituição de Roma, incluindo aí sua parte moral, que tanto lembra o produto de costumes e hábitos, sai, completa e pronta, da cabeça de Rômulo; todas as conquistas, todos os trabalhos da Grécia heroica compõem a vida de Hércules; Homero, enfim, figura solitário na passagem do tempo heroico ao histórico, único representante de uma civilização inteira. Admirável privilégio: esses prodígios humanos não foram lentamente criados pelo tempo e pelas circunstâncias; ao contrário, nasceram de si mesmos e parecem ter criado seu século e sua pátria. Como, então, espantar-se de que a Antiguidade os tenha tomado como deuses?

Ora, basta que se considere os nomes de Hermes, de Rômulo, de Hércules e de Homero como as expressões de um dado caráter nacional em uma dada época - a designação de tipos de espírito inventivo entre os egípcios, da sociedade romana em suas origens, do heroísmo grego, da poesia popular das primeiras idades da Grécia - que as dificuldades desaparecem e as contradições se explicam: uma imensa claridade ilumina as trevas antigas.

Tomemos Homero e vejamos como todas as inverossimilhanças de sua vida e de seu caráter se transformam, através dessa interpretação, em conveniências e necessidades. Por que todos os povos gregos disputaram entre si seu nascimento, reivindicando-o como compatriota? Porque cada tribo nele reconhecia seu caráter, porque a Grécia inteira nele se reconhecia, porque ela era, em si mesma, Homero. - Por que opiniões tão diversas acerca do momento em que ele viveu? Porque, efetivamente, durante os cinco séculos que se seguiram à guerra de Troia, ele viveu na boca e na memória dos homens. - Jovem, compôs a Ilíada... Jovem então, a Grécia, ardente de paixões sublimes, violenta e generosa, fez Aquiles para seu herói, herói da força. Na velhice, compôs a Odisseia... Mais madura, a Grécia concebeu, muito depois, o caráter de Ulisses, herói da sabedoria. - Homero foi pobre e cego... na pessoa dos rapsodos, que recolhiam os cantos populares e iam repetindo-os de cidade em cidade, ora em praças públicas, ora nas festas dos deuses. À época, como hoje, os cegos deviam o mais das vezes levar a vida na mendicância e sem pouso; ademais, a superioridade de sua memória os deixava mais aptos a reter tantos milhares de versos.

Não sendo Homero um homem, mas um conjunto de cantos improvisados por todo um povo e recolhido pelos rapsodos, ele se encontra assim justificado frente às críticas que lhe foram feitas, relativas à baixeza das imagens, à permissividade e à mistura de dialetos. Quem ainda poderia se espantar com o fato de ele ter elevado os homens à grandeza dos deuses e rebaixado deuses ao tamanho da fraqueza humana? O vulgo não faz os deuses segundo sua imagem?

O gênio de Homero explica-se, pois, sem dificuldade; a incomparável potência de invenção que seus personagens oferecem à admiração, a originalidade selvagem de suas comparações, a vivacidade de suas pinturas de morte e de batalhas, seu patético sublime, tudo isso não é o gênio de um homem, mas o da idade heroica. Quanta força juvenil não tinham, então, a imaginação, a memória e as paixões que inspiram a poesia?

Os três principais títulos atribuídos a Homero revelam-se, agora, mais bem motivados: trata-se, de fato, do fundador da civilização na Grécia, do pai dos poetas e da fonte de todas as filosofias gregas. Esse último título merece uma explicação: não é que os filósofos tenham tirado seus sistemas de Homero, embora tenham buscado nele a confirmação de suas fábulas. Mas ali descobriram uma fonte de pesquisas e uma facilidade a mais para a exposição e popularização de suas doutrinas.

Pode-se, contudo, ainda insistir: supondo que um povo inteiro foi poeta, como puderam inventar tantos artifícios de estilo, episódios, belos achados, ritmos poéticos? E como poderiam não os ter inventado? Os achados vieram da dificuldade de se exprimir; os episódios, da inabilidade em distinguir e separar coisas que não têm o mesmo fim. Quanto ao número musical e poético, ele é natural aos homens; os gagos tentam falar cantando; na paixão, a voz se altera e se aproxima do canto. Os versos, desde sempre, precederam a prosa.

Passar da poesia à prosa significava abstrair e generalizar: pois a linguagem da primeira é totalmente concreta, particular. A poesia em si mesma, embora então oriunda do uso vulgar, também recebeu expressões gerais: os nomes próprios que, na indigência das línguas, serviam para designar os caracteres (tipos), ela os substitui por nomes imaginários, concebendo, então, caracteres puramente ideais. Aí se deu o começo de sua terceira idade, a idade humana da poesia.

Uma vez conhecidas a origem da religião, da poesia e das línguas, conhecemos a origem da sociedade pagã. Os poemas de Homero são seu principal monumento. Junte-se a eles a história dos primeiros séculos de Roma, que é o mais perfeito comentário da história fabulosa dos gregos. Com efeito, tendo sido Roma fundada num momento em que as línguas vulgares do Latium tinham feito grandes progressos, o heroísmo romano ainda jovem, imerso entre tantos povos já maduros, exprimiu-se em língua vulgar, ao passo que o dos gregos o fez em língua heroica.

O começo da religião foi o começo da sociedade. Os gigantes, apavorados pelo trovão que lhes revelava uma potência superior, refugiaram-se nas cavernas. O estado bestial se encerra conjuntamente ao fim de suas andanças erráticas: investindo num asilo regular, pela força retiveram uma companhia e a família começou. Os primeiros pais de família são também os primeiros sacerdotes e como a religião constitui, nesse momento, toda a sabedoria, são ainda os primeiros sábios. Mestres absolutos de suas famílias, são os primeiros reis. De onde vem o nome patriarcas (pais e príncipes). Em meio a uma tal barbárie, seu jugo só pode ser duro e cruel; o Polifemo de Homero é, aos olhos de Platão, a imagem desses primeiros pais de família. E é preciso que assim tenha sido, a fim de que os homens, domados pelo governo da família, estejam aptos a obedecer às leis do governo civil por vir. Mas esses reis absolutos da família estão, também eles, submetidos às potências divinas, de cujas ordens são os intérpretes para suas mulheres e seus filhos. E como, então, não há ação que não esteja submetida a Deus, esse governo é, com efeito, teocrático.

Eis a idade do ouro, tão celebrada por poetas, idade em que os deuses reinaram sobre a Terra. Toda a virtude dessa idade está em sua superstição bárbara que, não obstante, serviu para conter os homens, fazendo face à sua brutalidade e ao seu orgulho feroz. Por mais horror que nos inspirem essas sanguinárias religiões, não nos esqueçamos de que foi sob sua influência que se formaram as mais ilustres sociedades do mundo. O ateísmo não funda nada.

Logo, a família deixa de se compor apenas por indivíduos ligados pelo sangue. Infelizes ainda presos à promiscuidade de bens e de mulheres - e às querelas assim produzidas -, desejando escapar dos insultos dos violentos, recorreram aos altares dos fortes, situados nas alturas. Esses altares formam os primeiros asilos, vetus urbes condentium consilium, diz Tito-Lívio.34 34 (NT) Alain Pons, em sua tradução para o francês da Ciência nova (Fayard, 2001), traduz a expressão oriunda do livro 1 de História romana como “velho plano dos fundadores das cidades” (VICO, 2001, p. 19). Os fortes matavam os violentos e protegiam os refugiados. Saídos de Júpiter, ou seja, nascidos sob os auspícios, eram heróis por nascimento e por virtude. Assim se formou o caractere ideal do Hércules antigo; os heróis eram heráclides, filhos de Hércules, tal como os sábios eram chamavam filhos da sabedoria.

Os recém-chegados, integrando a sociedade por interesse e não por religião, não partilhavam das prerrogativas dos heróis, em particular a do casamento solene. Eram recebidos sob a condição de servir seus defensores como escravos. Porém, tornando-se numerosos, revoltam-se contra tal rebaixamento e exigem uma parte das terras que cultivavam. Por todo canto em que os heróis foram vencidos, cederam terras que, porém, continuavam a derivar deles. Tal foi a primeira lei agrária, origem das clientelas e dos feudos.

Assim se organizou a cidade: os pais de família formaram uma classe de nobres, de patriarcas, conservando o triplo caráter de reis de suas casas, sacerdotes e sábios, ou seja, depositários dos auspícios. Os refugiados compuseram a classe dos plebeus, compagnons, clientes, vassalos, sem outro direito além do usufruto das terras que provinham dos nobres.

Todas as cidades heroicas foram governadas aristocraticamente; os reis das famílias submeterem seu império doméstico ao de sua ordem. Os maiorais da ordem heroica foram chamados reis da cidade e administravam os assuntos comuns, relativos à guerra e à religião.

Essas pequenas sociedades eram essencialmente guerreiras (pólis, pólemos). Estrangeiro (hostis), em sua linguagem, é sinônimo de inimigo. Os heróis se dignificavam com nome de bandido (ver Tucídides) e, com efeito, exerciam o roubo e a pirataria. Internamente, as cidades heroicas não eram mais tranquilas. Os antigos nobres, diz Aristóteles (Política), juraram eterna inimizade aos plebeus. A história romana o confirma: ao passo que os plebeus combatiam pelo interesse dos nobres e em detrimento dos seus, os nobres os arruinavam pela usura, aprisionavam em celas particulares, arrebentavam de pancada. Mas o amor pela honra que, em repúblicas aristocráticas, fomenta essa violenta rivalidade entre as ordens, por outro lado também estimula, na guerra, generosa emulação. Os plebeus devotam-se à salvação da pátria, às bravuras dignas de memória, buscando se mostrar dignos de partilhar dos privilégios dos nobres. Tais querelas, que tendem a estabelecer a igualdade, são o mais potente meio para o engrandecimento das repúblicas.

Para completar esse quadro das idades divina e heroica, tracemos um paralelo entre a história do direito civil e a do direito político. Na primeira descobrimos todas as vicissitudes da segunda. Se os governos são o resultado dos costumes, a jurisprudência varia segundo a forma do governo. Foi o que não perceberam nem os historiadores, nem os jurisconsultos; eles nos explicam as leis, evocam a instituição sem marcar sua relação com as revoluções políticas - ou seja, apresentam-nos os fatos isolados de suas causas. Perguntem-lhes o porquê de a jurisprudência antiga dos romanos estar imersa em tantas solenidades e mistérios; não saberão outra coisa além de acusar a impostura dos patrícios.

Na primeira idade, o direito e a razão são o que vem ordenado do alto, o que os deuses revelaram através dos auspícios, dos oráculos e de outros signos materiais. O direito é fundado numa autoridade divina. Pedir a mínima explicação seria uma blasfêmia. Admiremos a Providência que permitiu, numa época na qual os homens eram incapazes de discernir o direito, a razão verdadeira, que eles descobrissem em seu próprio erro um princípio de ordem e boa condução. A jurisprudência, ciência desse direito divino, só poderia ser o conhecimento dos ritos religiosos; a justiça repousava inteiramente na observância de certas práticas e cerimônias. Daí o respeito supersticioso dos romanos por suas acta legitima; para eles, as núpcias ou o testamento eram chamados justa desde que cumpridos os ritos.

O primeiro tribunal foi o dos deuses; era por eles que clamavam as vítimas de alguma injustiça, eram eles os invocados como testemunha e juiz. Quando os julgamentos da religião se regularizaram, os culpados eram sacrificados, anatematizados; em razão disso, a sentença era a morte. Essa sentença era pronunciada tanto contra um povo quanto contra um indivíduo; as guerras (pura e pia bella) eram julgamentos de Deus. Todas tinham um caráter religioso: os arautos que as declaravam conjuravam os inimigos e desafiavam seus deuses para fora dos muros de suas cidades; os vencidos eram considerados sem deuses; os reis, arrastados pelo carro dos triunfadores romanos, no Capitólio, eram oferecidos a Júpiter Feretriano e, então, sacrificados.

Também os duelos foram uma espécie de julgamento divino. As repúblicas antigas - diz Aristóteles em sua Política - não dispunham de leis judiciárias para punir os crimes e reprimir a violência. O duelo era o único meio de impedir que guerras individuais se eternizassem. Sem poder reconhecer uma causa realmente justa, os homens tomavam por justa a que fosse favorecida pelos deuses. O direito heroico foi o direito da força.

A violência dos heróis só conhecia um freio: o respeito à palavra. Uma vez pronunciada, a palavra era-lhes tão santa quanto a religião, imutável como o passado (fas, fatum, de fari). Aos atos religiosos que, por si só, compunham toda a justiça da idade divina e que poder-se-ia denominar fórmulas de ação, sucederam as fórmulas faladas. Essas últimas herdaram o respeito que inspiravam as primeiras e a superstição face a tais fórmulas foi, também, inflexível e impiedosa: uti língua nuncupassit, ita jus esto (Doze Tábuas).35 35 (NT) Aramini oferece a fórmula completa que figura nas XII Tábuas, e cuja tradução seria: “Em caso de venda ou transferência de posse, o efeito legal principia tão logo haja sua publicização por viva voz” (p. 497). Agamenon afirmou que iria imolar sua filha; é, pois, preciso que a imole. Não façamos como Lucrécio, gritando Tantum relligio potuit suadere malorum!...36 36 (NT) Extrato de Da natureza, de Lucrécio, que poderia ser traduzido por “Quantos males provindos da religião!”. Nesses tempos de violência, tal horrífica fidelidade era necessária; a fraqueza, submetida à força, ao menos não precisava temer seus caprichos. - A equidade dessa idade não é, pois, equidade natural, porém equidade civil; ela é, em jurisprudência, o mesmo que a razão de estado em política: um princípio de utilidade, de conservação social.

A sabedoria consiste, então, no uso hábil das palavras, na aplicação precisa, na apropriação da linguagem aos fins visados. Eis a sabedoria de Ulisses; eis a sabedoria dos antigos jurisconsultos romanos, com seus famosos cavere. Responder a partir do direito não significava outra coisa senão precaver os requerentes, preparando-lhes para circunstanciar diante dos tribunais o caso contestado de maneira que fórmulas de ações se lhes relacionassem ponto a ponto e de modo que o magistrado não pudesse recusar sua aplicação. - Imitando as fórmulas religiosas, as fórmulas legais da idade heroica envolviam-se nos mesmos mistérios: o segredo, o apego as coisas estabelecidas são a alma das repúblicas aristocráticas.

As fórmulas religiosas, constituindo-se puramente de ação, nada tinham de geral; assim também as fórmulas legais, em seus começos, não se reportavam senão a um fato e um indivíduo; trata-se de simples exemplos, a partir dos quais, em seguida, são julgados fatos análogos. A lei, ainda completamente particular, só tem por si a autoridade (dura est, sed scripta est)37 37 (NT) Aramini informa se tratar de uma fórmula de Ulpiano, que poderia ser vertida por “A lei é severa, mas é escrita” (MICHELET, 2016, p. 497). ; ela ainda não está fundada em um princípio, uma verdade. Até então, só existe direito civil; é com a idade humana que começa o direito natural, o direito da humanidade reflexiva. A justiça dessa última idade considera o mérito dos fatos e das pessoas; uma justiça cega seria falsamente imparcial; sua igualdade aparente seria, com efeito, desigualdade. As exceções, os privilégios são muitas vezes frutos de demandas provenientes da equidade natural; assim também os governos humanos saberão impor à lei aquilo que interessa à igualdade.

À medida que as democracias e as monarquias substituem as aristocracias heroicas, a importância da lei civil sobrepuja cada vez mais a lei política. Nessas últimas, todos os interesses privados dos cidadãos restringiam-se aos seus interesses públicos; em governos humanos, sobretudo em monarquias, os interesses públicos só ocupam o espírito em função de interesses privados. Ademais, com a suavização dos costumes, os afetos particulares ganham cada vez mais força, substituindo o patriotismo.

Nos governos humanos, a igualdade que a natureza estabeleceu entre os homens ao dar-lhes a inteligência - traço essencial da humanidade - é consagrada na igualdade civil e política. Os cidadãos são, nesse caso, iguais, primeiramente como soberanos da cidade, em seguida como sujeitos de um monarca que, distinto de todos os outros, lhes dita as mesmas leis.

Nas repúblicas populares bem ordenadas, a única desigualdade que subsiste é determinada pelo censo. Deus quer que assim o seja, a fim de favorecer a economia em detrimento da prodigalidade, a indústria e a previdência contra a indolência e a preguiça. O povo assim dirigido, no geral, deseja a justiça; tão logo entre no governo, confecciona leis justas, ou seja, geralmente boas.

Porém, pouco a pouco os Estados populares se corrompem. Os ricos não consideram mais suas fortunas como um meio de superioridade legal, mas como um meio de tirania; o povo que, sob governos heroicos, reclamava por igualdade, quer, agora, dominar também; não faltam chefes ambiciosos apresentando-lhes leis populares, leis que tendem a enriquecer os pobres. As querelas não são mais legais; elas se decidem através da força. Donde as guerras civis internas e as guerras injustas no exterior. Desordenadamente, as potências se desafiam; e a anarquia, a pior das tiranias, força o povo a se refugiar na dominação de um só. Assim, a necessidade de ordem e de segurança funda as monarquias. Eis a lei monárquica (para falar como os jurisconsultos) através da qual Tácito legitima a monarquia romana sob Augusto: Qui cuncta discordiis fessa sub imperium unius accepit.38 38 O trecho citado por Michelet é recuperado por Aramini nos Anais de Tácito e poderia ser assim vertido, em sua forma completa, para o português: “[A potência militar de Lépido e de Antônio passou para Augusto] que, com o título de ‘príncipe’, recebeu sob sua autoridade absoluta a totalidade do Estado, esgotado pelas guerras civis” (MICHELET, 2016, p. 498).

Fundadas na proteção dos mais fracos, as monarquias devem ser governadas de uma maneira popular. O príncipe estabelece a igualdade, ao menos quanto à obediência; ele humilha os grandes e esse rebaixamento, por si só, já representa uma liberdade para os pequenos. Dispondo de um poder ilimitado, ele não consulta a lei, mas a equidade natural. Assim, a monarquia é o governo mais conforme à natureza, em tempos de civilização mais avançada.

Os monarcas glorificam-se com o título de clementes e tornam as penas menos severas. Eles diminuem, assim, esse terrível poder paterno, oriundo das primeiras idades. A benevolência da lei chega até os escravos e mesmo os inimigos são mais bem tratados, ao passo que os vencidos conservam seus direitos. O direito a ser cidadão, do qual as repúblicas costumam ser bastante avaras, é prodigado; e o piedoso Antonino quer, segundo disse Alexandre, que o mundo seja uma só cidade.

Eis toda a vida política e civil das nações, tão logo conservem sua independência. Elas passam sucessivamente pelos três governos. A legislação divina funda a monarquia doméstica e dá início à humanidade; a legislação heroica ou aristocrática forma a cidade e limita os abusos da força; a legislação popular consagra a igualdade natural na sociedade; a monarquia, enfim, deve deter a anarquia e a corrupção pública de onde proveio.

Quando o remédio é fraco, inevitavelmente vem de fora um outro, mais eficaz. O povo corrompido era escravo de suas paixões; torna-se escravo de uma nação melhor, que o submete pelas armas e, assim fazendo, o redime. Pois são duas as leis naturais: “quem não pode se governar, obedece” e “aos melhores, o império do mundo”.

Pois se um povo, em tal miserável estado de depravação, não fosse socorrido nem pela monarquia, nem pela conquista, então, ao último dos males a Providência aplicaria o último dos remédios. Todos os indivíduos desse povo ter-se-iam isolado em seus interesses privados; não se poderia encontrar dois que se acordassem, cada um seguindo o seu prazer e seu capricho. Cem vezes mais bárbaros, nesse último período da civilização, do que o foram em sua infância! Pois a primeira barbárie era da natureza, a segunda é da reflexão; a primeira foi feroz mas generosa; um inimigo podia fugir ou se defender; já essa última, não menos cruel, também é covarde e pérfida; é abraçando que ela prefere golpear. Assim, não nos enganemos: vemos uma multidão de corpos, mas quando procuramos por almas humanas, a solidão é imensa; não passam de bestas selvagens.

Que pereça, pois, uma tal sociedade, pelo furor das facções, pela fúria desesperada das guerras civis; e que tais cidades voltem a ser florestas e que as florestas sejam, outra vez, o abrigo dos homens e que, à força dos séculos, sua engenhosa malícia e perversa sutileza desapareçam sob a ferrugem da barbárie. Assim, estúpidos, aparvalhados e insensíveis aos refinamentos que os havia corrompido, só conhecerão as coisas indispensáveis à vida; pouco numerosos, não lhes faltará o necessário; e então, de novo, mostrar-se-ão susceptíveis à cultura; conjuntamente à antiga simplicidade, ver-se-á, daí a pouco, ressurgir a piedade, a veracidade, a boa-fé sobre as quais está fundada a justiça e que são a beleza da ordem eterna, estabelecida pela Providência.

Foi após essas severas depurações que Deus renovou a sociedade europeia, sobre as ruínas do Império Romano. Dirigindo as coisas humanas segundo os inefáveis decretos de sua graça, ele estabelecera o cristianismo opondo a virtude dos mártires à potência romana, os milagres e a doutrina dos Pais à vã sabedoria dos Gregos. Mas era preciso bloquear os novos inimigos que, de todas as partes, ameaçavam a fé cristã e a civilização: ao Norte, os godos arianos, no Mediterrâneo, os árabes maometanos que, ademais, contestavam ao autor da religião seu caráter divino.

Viu-se assim renascer a idade divina e o governo teocrático. Viu-se reis católicos, cobertos com as vestes dos diáconos, colocar a cruz em suas armas, em suas coroas, fundando ordens religiosas e militares a fim de combater os infiéis. Então recomeçaram as guerras pias da Antiguidade (pura e pia bella), as mesmas cerimônias para declará-las: os santos protetores dos inimigos eram desafiados para fora dos muros da cidade sitiada e tentava-se roubar suas relíquias. Os julgamentos divinos reapareceram sob o nome de purgações canônicas; os duelos eram um exemplo, embora não reconhecidos pelos cânones. As bandidagens e as represálias da Antiguidade, assim como a dureza da servidão heroica reapareceram, sobretudo entre infiéis e cristãos. Os asilos do mundo antigo renovaram-se nos bispados e abadias; é a necessidade dessa proteção que motivará boa parte das constituições de feudos. Por que tantos locais escarpados ou escondidos têm nomes de santos? Porque suas capelas serviam de asilo. A idade muda dos primeiros tempos do mundo ressurgiu, vencedores e vencidos incapazes de se compreender, nenhuma escrita em língua vulgar. Os sinais hieroglíficos foram empregados para demarcar os direitos senhoriais sobre casas, tumbas, rebanhos e terras. Assim, reencontramos na Idade Média a maioria dos traços já observados na mais alta Antiguidade.

Ainda que todas as observações anteriores sobre a história do gênero humano não estivessem apoiadas no testemunho de filósofos, historiadores, gramáticos e jurisconsultos, não continuaríamos, através delas, a reconhecer nesse mundo a grande cidade das nações, fundada e governada por Deus? - Elevamos às alturas a sabedoria legislativa dos Licurgos, dos Sólon e dos decênviros, aos quais reportamos a tão celebrada boa ordem das três mais gloriosas cidades, as mais destacadas em virtude cívica. E, no entanto, quão inferiores são em grandeza e duração, quando comparadas à república do universo!

O milagre de sua constituição é que, em cada uma dessas revoluções, ela descobriu na própria corrupção do estado precedente os elementos da nova forma que pode salvá-la. É claramente necessário haver, aqui, uma sabedoria superior à do homem...

Essa sabedoria não se nos impõe por leis positivas, mas para nos governar, serve-se de costumes que livremente adotamos. Repitamos, pois, o primeiro princípio da Ciência nova: os homens fizeram eles próprios o mundo social, tal qual ele é, mas esse mundo saiu de uma inteligência frequentemente contrária e sempre superior aos fins particulares a que tais homens se propuseram. Esses fins, de alcance muito estreito, são, para ela, meios para alcançar fins maiores e mais amplos. Assim, os homens isolados ainda desejam o prazer brutal e daí resulta a santidade dos casamentos e a instituição da família; os pais de família querem abusar de seu poder sobre seus servidores e a cidade começa a nascer; a ordem dominadora dos nobres pretende oprimir os plebeus e acaba se expondo à servidão da lei, fonte de liberdade para o povo; o povo livre tende a desafiar o freio da lei e, dessa maneira, se sujeita a um monarca; o monarca crê conservar seu trono degradando seus súditos através da corrupção, mas assim não faz senão prepará-lo para suportar o jugo de um povo mais valente; enfim, quando as nações buscam se autodestruir, são dispersas na solidão das florestas... e a fênix da sociedade renasce das cinzas.

Tal é o resumo, sem dúvida muito incompleto, desse vasto sistema; deixamo-lo para a meditação de nossos leitores. A extensão nos impede de seguir Vico nas engenhosas aplicações de seus princípios. Aqui, acrescentaremos apenas algumas palavras acerca do destino desse autor e de sua obra.

A Ciência nova obteve algum sucesso na Itália e sua primeira edição esgotou-se em três anos. Muitos personagens de relevo, dentre os quais o papa Clemente XII, dirigiram a Vico cartas elogiosas. Alguns sábios de Veneza, interessados em reimprimir a Ciência nova na cidade, convenceram seu autor a escrever sua Vida, de modo a que fosse inserida numa ­Antologia das vidas dos literatos mais distintos da Itália.

Porém, no restante da Europa, a grande obra de Vico não produziu qualquer efeito. Leclerc, que resenhara o livro De uno universi juris principio para a Biblioteca Universal, não menciona a Ciência nova.39 39 (NT) Referência à monumental obra de Jean Leclerc (também conhecido como Giovanni Clerico), ­Bibliothèque ancienne et moderne pour servir de suíte aux Bibliothèques universelles et choisies. O Journal de Trévoux traz uma simples menção. O Jornal de Leipzig, um artigo calunioso, enviado de Nápoles.

Frequentemente empregado pelos vice-reis espanhóis e austríacos na composição de discursos, versos e alocuções solenes, nem assim Vico saiu da indigência na qual nascera. Seu único recurso para suplementar a baixa renda que recebia pela cadeira de retórica na Universidade de Nápoles eram as aulas particulares de latim. No mesmo momento em que terminava a Ciência nova, fracassava em um concurso para a cadeira de direito.

Nessa difícil posição, seu único consolo era o cuidado com suas duas filhas bem-amadas, das quais a primeira teve sucesso na poesia italiana. Segundo disse o editor de seus Opúsculos, a partir de informação de um dos filhos desse grande homem, era tocante ver o filósofo, nos intervalos de seus penosos deveres, brincar com suas meninas. Um amigo que, certa feita, encontrou-o com elas, não pode impedir-se de repetir a seguinte passagem de Tasso: “É Alcides que, com a roca, diverte com narrativas fabulosas as filhas de Meônia”. Essa felicidade doméstica andava entremeada em amargura. Um de seus filhos foi vítima de uma longa e cruel doença. Um outro tornou-se, graças à má conduta, a vergonha da família e Vico foi obrigado a solicitar sua prisão.

Com o advento dos Bourbon, sua condição de vida pareceu melhorar; foi nomeado historiógrafo do rei e conseguiu que seu filho Gennaro, reconhecido por seus méritos e probidade, lhe sucedesse como professor. Porém, tais favores chegaram tarde demais. O peso da idade e as dolorosas enfermidades já o haviam abatido. Enfim, como suas forças o abandonavam dia após dia, passou quatorze meses sem falar nem reconhecer seus próprios filhos. Só saiu desse estado para se dar conta da proximidade da morte e, tendo cumprido seus deveres cristãos, expirou recitando os salmos de Davi, em 20 de janeiro de 1744. Tinha oitenta e sete anos.

Não deixemos um homem tão raro sem antes ouvi-lo sobre como suportou tantos trabalhos: “Que seja para sempre louvada - disse em carta - essa Providência que, mesmo quando, para nossos olhos fracos, lembra uma justiça severa, na realidade é puro amor e bondade. Desde que compus minha grande obra, sinto que sou um novo homem. Não mais experimento a tentação de declamar contra o mau gosto do século, visto que ao me negar o lugar que gostaria, ele me deu a ocasião para compor a Ciência nova. Digo? Talvez eu me engane, mas pretendo que não: a composição dessa obra me dotou de um espírito heroico que me dispôs acima do medo da morte e da calúnia dos rivais. Sinto-me assentado sobre uma rocha de diamantes quando penso no julgamento de Deus, o qual faz justiça ao gênio através da estima do sábio!... 1726”.

Retomemos, ainda, embora nos custe, as últimas linhas saídas de sua pluma: “Agora, Vico nada mais tem a esperar deste mundo. Derrubado pela idade e pelo cansaço, esgotado pelos problemas domésticos, atormentado por dores convulsivas nas pernas e vítima de um mal rangente que já lhe consumiu parte considerável do cérebro, ele renuncia inteiramente aos estudos e envia ao padre Louis-Dominique, recomendado por sua bondade e talento para poesia elegíaca, o manuscrito de notas sobre a primeira edição da Ciência nova, com a inscrição seguinte:

Ao Tibúlio cristão, Padre Louis-Dominique, Giambattista Vico, Perseguido e alquebrado Pelas contínuas tempestades de uma fortuna inimiga, Envia esses restos desafortunados da Ciência nova; Possam eles encontrar nesse porto um lugar de repouso.

E após ter relembrados os obstáculos e contradições que combateu, acrescenta o seguinte:

“Vico abençoava as adversidades que o conduziram aos estudos. Retirado em sua solidão como em um forte inexpugnável, meditou e escreveu alguma obra nova, vingando-se nobremente de seus detratores. Foi assim que ele veio a descobrir a Ciência nova... Desde então, pensou não ter mais nada a invejar a Sócrates, de quem Fedro disse: ‘Vivo, a inveja o condenou; porém suas cinzas foram absolvidas. Que me assegurem de sua glória e eu não recusarei sua morte!40 40 (NA) Cujus non fugio mortem, si famam assequar, /Et cedo invidioe, dummodo absolvar cinis. ’”

Referências

  • ARAMINI, Aurélien. Michelet, à la recherche de l’identité de la France Besançon: Presses Universitaires de Franche-Comte, 2013.
  • CRISTOFOLINI, Paolo. Vico et l’histoir e. Paris: PUF, 1995.
  • LEFORT, Claude. La cité des vivants et des morts Paris: Belin, 2002.
  • MICHELET, Jules. Écrits de jeunesse Paris: Gallimard, 1959. (Texto estabelecido e anotado por Paul Viallaneix).
  • MICHELET, Jules. Oeuvres complètes , t . I Paris: Flammarion, 1971.
  • MICHELET, Jules. Oeuvres complètes, t IV, Histoire de France, t. I Paris: Flammarion, 1974.
  • MICHELET, Jules. Philosophie de l’histoire. Paris: Flammarion (Champs classiques), 2016. (Textos apresentados por Aurélien Aramini, com a colaboração de Maria Juliana Gambogi Teixeira).
  • PETITIER, Paule. Michelet - l’homme histoire. Paris: Grasset, 2006.
  • PONS, Alain. De la «nature commune des nations» au Peuple romantique. Note sur Vico et Michelet. In: Romantisme, n. 9, 1975, p. 39-49.
  • REMAUD, Olivier. Les archives de l’humanité - essai sur la philosophie de Vico Paris: Seuil, 2004.
  • REMAUD, Olivier. La magistrature de l’histoire Paris: Michalon, 1998
  • TEIXEIRA, Maria Juliana Gambogi. A profetisa e o historiador Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2017.
  • TEIXEIRA, Maria Juliana Gambogi. Michelet e a questão da linguagem. Miscelânea. Revista de Literatura e Vida Social Assis: UNESP, v. 14, jul-dez 2013, p. 199-215.
  • VIALLANEIX. Michelet, les travaux et les jours - 1798-1874 Paris: Gallimard, 1998.
  • VIALLANEIX. Introduction. In: MICHELET, Jules. Oeuvres complètes, t. I. Paris: Flammarion, 1971. p. 259-275.
  • VICO, Giambattista. La science nouvelle Tradução e apresentação de Alain Pons. Paris: Fayard, 2001.
  • VICO, Giambattista. De l’antique sagesse de l’Italie Tradução de Jules Michelet, apresentação de Bruno Pinchard. Paris: Flammarion , 1993
  • 1
    Esse não será o único momento da obra em que presta homenagem pública e reconhece o papel fundador de Vico em sua vida intelectual. Ao longo de sua produção e sobretudo em seus prefácios - espaço privilegiado para as discussões da ordem do método ou da teoria - e em seus diários, remissões a Vico, mais ou menos explícitas, comparecem. Sobre a importância de Vico na construção da historiografia de Michelet, ver, em particular: REMAUD, 1998; LEFORT, 2002; ARAMINI, 2013ARAMINI, Aurélien. Michelet, à la recherche de l’identité de la France. Besançon: Presses Universitaires de Franche-Comte, 2013.; TEIXEIRA, 2017TEIXEIRA, Maria Juliana Gambogi. Michelet e a questão da linguagem. Miscelânea. Revista de Literatura e Vida Social. Assis: UNESP, v. 14, jul-dez 2013, p. 199-215..
  • 2
    Essa história será melhor detalhada nas biografias sobre Michelet, dentre as quais destaco as duas biografias mais recentes: VIALLANEIX. Michelet, les travaux et les jours - 1798-1874. Paris: Gallimard, 1998VIALLANEIX. Michelet, les travaux et les jours - 1798-1874. Paris: Gallimard, 1998.; ­PETITIER, Paule. Michelet - l’homme histoire. Paris: Grasset, 2006PETITIER, Paule. Michelet - l’homme histoire. Paris: Grasset, 2006..
  • 3
    Michelet obtém seu doutorado ès lettres em 1819 e continua, a seguir, estudando e tentando construir um objeto de estudos particular. Sobre essa fase juvenil de sua produção, ver o prefácio de Paul Viallaneix, disposto em MICHELET, 1959MICHELET, Jules. Écrits de jeunesse. Paris: Gallimard, 1959. (Texto estabelecido e anotado por Paul Viallaneix). e TEIXEIRA, 1993TEIXEIRA, Maria Juliana Gambogi. A profetisa e o historiador. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2017..
  • 4
    Sobre a recepção da tradução, assim como mais detalhes sobre a sua feitura, ver VIALLANEIX, 1971VIALLANEIX. Introduction. In: MICHELET, Jules. Oeuvres complètes, t. I. Paris: Flammarion, 1971. p. 259-275., p. 259-275.
  • 5
    (NT) O livro em questão, Obras escolhidas de Vico (Oeuvres choisies de Vico), publicado em 1835, é, conforme bem informa o autor, um compilado das obras completas de Vico, ao qual acrescenta também sua tradução da Ciência nova, publicada pela primeira vez em 1827. O Prólogo acima foi composto especialmente para a edição de 1835, enquanto o “Discurso sobre a vida e o sistema de Vico”, que o acompanha, serve de prefácio para a edição de 1827.
  • 6
    (NT) A gravura em questão aparece como frontispício da segunda edição da Ciência nova, e é acompanhada de um paratexto intitulado “[Ideia da obra] Explicação da gravura disposta em frontispício para servir de introdução à obra”. Michelet retoma esse longo paratexto, condensando-o em torno de algumas de suas ideias centrais, no parágrafo seguinte, dedicado a comentar a gravura.
  • 7
    (NA) A matriz dessa imagem emblemática é platônica e dantesca. Ela parece ter sido tomada de empréstimo dos seguintes versos do Paraíso: “Como o pássaro em sua folha preferida, impaciente com a noite que o priva de ver sua cria e buscar-lhe provento, adianta a hora, sai das ramas, espera e olha com desejo ardente a vinda da aurora. Tal Aquela que eu amo se postava atenta... Eu, a vê-la suspensa e ávida, permaneci como quem ainda deseja muito e, no entanto, goza da esperança…” (Paraíso, canto XXIII) - “Eu olhava os olhos Daquela que emparadisou meu pensamento; e como um homem que vê em um espelho a imagem de uma chama antes da chama mesma, se volta, compara e vê chama e espelha se acordarem como em um canto música e letra; assim eu fui tomado...” (Paraíso, canto XXVIII). (NT) Não foi possível localizar uma tradução específica de onde Michelet poderia ter extraído os trechos da Divina Comédia citados acima. Ao mesmo tempo, nada impede que o tradutor de Vico tenha se lançado também na tradução de Dante, no caso dos trechos em questão. Embora tenha sido possível identificar, nas edições brasileiras dessa obra do autor, os trechos evocados, a relativa distância formal entre elas me fez decidir por traduzi-las a partir do original de Michelet.
  • 8
    (NA) Ver Histoire romaine. (NT) História romana (Histoire romaine), publicada em 1831, cobre a história inicial da cidade, de suas origens até o fim do período republicano. Trata-se de uma das primeiras publicações de Michelet, que contava completá-la com um segundo volume, dedicado ao Império e jamais escrito. O trecho em questão aparece no “Avant propos” do livro, dedicado (como todos os paratextos da obra micheletiana) a um comentário mais sistemático do método, da fortuna crítica do objeto e dos objetivos da publicação. Histoire romaine encontra-se, hoje, disponível em duas edições: o volume II das Œuvres complètes, publicado pela Flammarion e a edição da Belles Lettres.
  • 9
    (NT) Se Michelet não escreve uma obra literalmente sobre o Simbolismo, seu Origens do direito francêsOrigines du droit français cherchées dans les symboles et les formules du droit universel), publicado em 1837, talvez seja a sua resposta aos temas acima evocados.
  • 10
    (NA) Reproduzimos o Discurso preliminar da primeira edição sobre a vida e as obras de Vico, malgrado o risco de repetir alguns detalhes biográficos que também se encontram na Vida de Vico, escrita pelo próprio. (NT) A autobiografia de Vico (Vitta de Giambattista Vico scritta da si medesino ou, na tradução de Michelet, Vie de Vico écrite par lui-même) encontra-se entre a seleta de textos que compõe as Oeuvres choisies de Vico, para o qual este Prólogo, assim como o subsequente “Discurso sobre a vida e o sistema de Vico” servem de prefácio. Há apenas uma edição moderna e completa das Oeuvres choisies de Vico, que integra o volume I das Oeuvres complètes, publicado pela Flammarion. Já o Discours sur la vie et la pensée de Vico foi republicado recentemente, numa edição anotada e comentada em MICHELET, 2016, p. 85-121.
  • 11
    (NT) Remissão à lenda dos Sete Adormecidos de Éfeso, que pertence tanto à tradição cristã quanto à mulçumana.
  • 12
    (NT) Unidade do princípio do direito remete, muito provavelmente, ao resumo do original De uno universis iuris principio et fine uno, que aparece nas Oeuvres choisies sob o título De l’unité du principe et de la fin du droit universel. Quanto ao texto que Michelet evoca como filosofia das línguas e tendo em vista a inexistência de tratado assim intitulado por Vico, assim como nenhuma referência similar no próprio índice das Oeuvres choisies, só nos cabe a suposição de que se trata de uma referência ao De antiquissima Italorum sapientia (1710), do qual a compilação micheletiana também traz uma tradução, sob o título De l’Antique Sagesse de l’Italie retrouvée dans les origines de la langue latine.
  • 13
    (NT) A leitura da Ciência nova como fundadora da filosofia da história é uma flagrante sobreinterpretação de Michelet da obra de Vico, que singulariza sua leitura heterodoxa e abre um flanco crítico na recepção micheletiana do filósofo, evocada na Apresentação a esta tradução.
  • 14
    (NT) Retomo, aqui, com alguns cortes e fusões, duas notas de Aurélien Aramini para a reedição do texto presente em Philosophie de l’histoire, já mencionado antes. “Distinta da sabedoria reflexiva (que traduz o italiano sapienza riposta), a ‘sabedoria vulgar’ (sapienza volgare) é um saber pré-reflexivo, procedente do senso comum. Essa forma de “sabedoria”, depositada nos mitos, nas línguas e nos provérbios, precede a sabedoria reflexiva das idades civilizadas e regula a vida social” (487-488). Quanto à noção viconiana de senso comum, outra nota de Aramini informa que este se distingue tanto do senso comum aristotélico quanto do common sens dos filosófos escoceses, em particular Reid e Dugald Stewart, obras de importância na formação filosófica do jovem Michelet. Na explicação de Aramini, esse senso comum viconiano “partilhado por todas as nações [...] e sem o qual elas não teriam saído do estado bestial, remete à sabedoria vulgar e instintiva do qual dão provas em suas origens e que lhes permitiu regular sua vida social. Assim, o senso comum permite que se explique o fato de que todas as nações, sem que haja comunicação entre elas, tiveram - sob formas diferentes, é claro - os mesmos princípios de direito natural (a ideia de providência, os casamentos solenes e as sepulturas)” (p. 493).
  • 15
    (NT) Conhecido epíteto de Tomás de Aquino.
  • 16
    (NT) Tal definição da jurisprudência remonta aos Institutes, de Ulpiano, e poderia ser traduzido por: conhecimento das coisas divinas e humanas.
  • 17
    (NT) O apêndice não foi contemplado por esta tradução.
  • 18
    (NT) Versão condensada e remodelada de diversos trechos da Vita di Vico, procedimento que é semelhante ao que adota em sua versão da Ciência nova e que expressam uma concepção tradutória certamente distinta da moderna, plenamente aceita no contexto e, ao mesmo tempo, claramente consciente de sua heterodoxia.
  • 19
    (NA) E propõe, ali, o seguinte problema: “Não se poderia animar de um mesmo espírito todo o saber divino e humano, de forma que as ciências se dessem as mãos por assim dizer, e que a universidade de hoje representasse um Platão ou um Aristóteles, com todo o saber a mais que temos em relação aos antigos? (NT) Trata-se de um extrato de De nostri temporis studiorum Ratione (1708). Esse discurso foi parcialmente traduzido e fortemente condensado por Michelet em suas Oeuvres choisies de Vico sob o título “Méthode suivie de notre temps dans les études” (MICHELET, 1971MICHELET, Jules. Oeuvres complètes , t . I. Paris: Flammarion, 1971., p. 351-359).
  • 20
    (NA) Resposta a um artigo do jornal literário da Itália no qual seu livro De antiquissima Italorum sapientia ex originibus linguae latinae eruenda (1711) era atacado.
  • 21
    (NA) Esta é a única obra cujas ideias não foram transpostas na Ciência nova. (NT) Referência ao opúsculo De antiquissima Italorum sapientia, cuja tradução de Michelet foi retomada em edição recente da ­GF-Flammarion, com apresentação de Bruno Pinchard.
  • 22
    (NT) Informações extraídas e condensadas por Michelet a partir da Vita di Vico.
  • 23
    (NA) “Omnis divinae atque humanae eruditionis elementa tria, nosse, velle, posse; quórum principium unum mens; cujus oculus ratio; cui aeterni veri lumen praebet Deus... - Haec tria elementa, quae tam existere, et nostra esse, quam nos vivere explicemus: quod quo facilius faciamus, hanc tractationem universam divido in partes três: quarum prima omnia scientiarum principia a Deo esse: in secunda, divinum lumen, sive aeternum verum per haec, quae proposuimus elemnta omnes scientias permeare: easque omnes una arctissima complexione colligatas alias in alias dirigere, et cunctas ad Deum ipsarum principium revocare: in tertia, quidquid usquam de divinae ac humanae eruditionis principiis scriptum, dictumve sit, quod cum his principiis congruerit, verum; quod dissenserit, falsum esse demonstremos. Atque adeo de divinarum atque humanarum rerum noticia haec agam tria, de origine, de circulo, de constantia, et ostendam, origine, omnes a Deo prvenire; circulo, ad Deum redire omnes; constantia, omnes constare in Deo, omnesque eas ipsas praeter Deum tenebras esse et errores.” (NT) Em nota à edição desse texto, Aurélien Aramini informa se tratar de um extrato da Vita di Vico. Ver: MICHELET, 2016, p. 489. A tradução do trecho em latim acima, realizada por Andreia Tamanini, é a seguinte: “Os elementos de toda a erudição divina e humana são três: conhecer, querer e poder. Dos quais, o princípio uno é a mente, cujo olho é a razão, a quem Deus provê a luz da verdade eterna. Expliquemos, pois, esses três elementos, que sabemos tanto existirem e serem nossos, quanto viverem em nós. A fim de que mais fácil o façamos, divido todo este exercício em três partes: na primeira delas, [evidenciaremos que] todos os princípios do conhecimento pertencem a Deus. Na segunda, [falaremos da] luz divina - ou a verdade eterna através desta - a qual propusemos permear todas as formas de conhecimento, alinhar todas elas coligadas umas às outras em estreitíssima conexão e convocar todas juntas de volta ao princípio fundamental que é Deus próprio. Na terceira, demonstraremos que o que quer ou onde quer que seja escrito ou dito sobre os princípios da erudição divina, é verdadeiro aquilo que com esses princípios coincida; aquilo que dissida, é falso. Muito mais além, procederei sobre a conhecença das coisas divinas e humanas sob três aspectos: sobre a origem, sobre o ciclo e sobre a constância; e ostentarei que todas as origens devem provir de Deus, no ciclo todas as coisas devem chegar a Deus, a constância deve conservar todas as coisas em Deus; e todas as coisas para fora de Deus são elas próprias trevas e errância.”
  • 24
    (NT) Referência também presente na Vita di Vico, segundo Aramini, 2013, p. 489. A locução em latim, convertida em divisa de Pico de la Mirandola segundo Voltaire, poderia ser traduzida como “de tudo o que se pode saber” e se encontra em seu Conclusiones philosophicae, cabalasticae et theologicae, publicado em 1486.
  • 25
    (NA) Vico assinalou muito bem o progresso de seu método: “O que me desagrada em meus livros sobre o direito universal (De juris uno principio e De constantia jurisprudentis) é que parto das ideias de Platão e outros grandes filósofos para descer até o exame das inteligências limitadas e estúpidas dos primeiros homens que fundaram a humanidade pagã, quando deveria ter seguido o caminho inverso. Daí os erros que cometi em certas matérias... - Na primeira edição da Ciência nova, eu me perdi, senão na matéria, pelo menos na ordem que segui. Tratava dos princípios das ideias separando-os dos princípios das línguas” (adições a um prefácio da Ciência nova, publicados com outras peças inéditas de Vico pelo senhor Antonio Giordano, 1818). Acrescentemos a essa crítica o fato de que, na primeira edição, concebera a esperança de uma perfeição estacionária para a humanidade. Essa ideia, reproduzida por tantos filósofos, não mais aparecerá nas edições seguintes.
  • 26
    (NT) Retomo aqui parte da nota de Aramini para o trecho em questão (ver MICHELET, 2016, p. 491), na qual destaca a inflexão da leitura micheletiana da obra de Vico. “Esse trecho, destinado a resumir a tese central da Ciência nova, é revelador do deslocamento de sentido operado por Michelet na obra de Vico. Para o filósofo italiano, não é o ‘mundo’ em sua totalidade que segue o ‘círculo ideal’, mas cada nação em seu percurso singular. Assim, as três idades descritas por Vico não remetem à história universal da humanidade, mas à história singular das nações, o que implica uma particularização das idades - divina, heroica e humana - no seio do corso de cada nação”. A análise de Aramini relativa ao que batiza “interpretação atualizante” de Vico se encontra mais bem desenvolvida em ARAMINI, 2013. Sobre o mesmo tema, ver também REMAUD, 2004REMAUD, Olivier. La magistrature de l’histoire. Paris: Michalon, 1998; REMAUD, 1997; LEFORT, 2002LEFORT, Claude. La cité des vivants et des morts. Paris: Belin, 2002.; TEIXEIRA, 2017.
  • 27
    (NT) No original, “cité”, termo com clara conotação política e para o qual não encontrei um equivalente em português que preservasse o restante de seu campo semântico. Todas as ocorrências do termo “cidade” que se seguem neste texto remetem ao original “cité”.
  • 28
    (NT) Referência aos axiomas 8 e 104, presentes respectivamente nos livros I e II da Ciência nova.
  • 29
    (NT) O termo “monumento” refere-se, aqui, ao que chamamos de documentos, principalmente de tipo literário, das antigas civilizações. O privilégio acordado à língua e à sua história, aludido do último parágrafo, apoia-se justamente nesses “monumentos” literários - poemas e corpora mitológicos - que são um dos principais objetos filológicos da Ciência nova.
  • 30
    (NT) Referência extraída do livro XX do A Germânia, de Tácito. Colidido com a edição francesa do autor, o trecho completo poderia ser assim traduzido: “[Em qualquer casa], as crianças crescem nuas e sujas até que adquiram esses membros, esses corpos que admiramos”.
  • 31
    (NT) No original, o verbo é “terrasser”. Se se pode aplicá-lo no sentido de aterrorizar e submeter, ele também admite significados mais claramente ligados ao vocábulo terra (terre), que mantêm relação com o campo semântico que será explorado por Vico e pela tradução de Michelet. Para mais informações sobre o termo, sugiro, entre outros, uma consulta ao dicionário de Émile Littré, disponível no link: https://www.littre.org
  • 32
    (NT) “Os que imaginaram isso creram, ao mesmo tempo, nisso”, poderia ser uma tradução aproximada desse fragmento oriundo dos Anais, de Tácito.
  • 33
    (NA) Filosofia é uma poesia sofisticada (Montaigne, III tomo, p. 216, Edição Lefèvre).(NT) A citação anterior, reportada à “Escola”, ou seja, à Escolástica, é, segundo nota de Aramini, de origem aristotélica, extraída do Da alma e teria sido tomada como adágio por essa matriz filosófica.
  • 34
    (NT) Alain Pons, em sua tradução para o francês da Ciência nova (Fayard, 2001), traduz a expressão oriunda do livro 1 de História romana como “velho plano dos fundadores das cidades” (VICO, 2001VICO, Giambattista. La science nouvelle. Tradução e apresentação de Alain Pons. Paris: Fayard, 2001., p. 19).
  • 35
    (NT) Aramini oferece a fórmula completa que figura nas XII Tábuas, e cuja tradução seria: “Em caso de venda ou transferência de posse, o efeito legal principia tão logo haja sua publicização por viva voz” (p. 497).
  • 36
    (NT) Extrato de Da natureza, de Lucrécio, que poderia ser traduzido por “Quantos males provindos da religião!”.
  • 37
    (NT) Aramini informa se tratar de uma fórmula de Ulpiano, que poderia ser vertida por “A lei é severa, mas é escrita” (MICHELET, 2016, p. 497).
  • 38
    O trecho citado por Michelet é recuperado por Aramini nos Anais de Tácito e poderia ser assim vertido, em sua forma completa, para o português: “[A potência militar de Lépido e de Antônio passou para Augusto] que, com o título de ‘príncipe’, recebeu sob sua autoridade absoluta a totalidade do Estado, esgotado pelas guerras civis” (MICHELET, 2016, p. 498).
  • 39
    (NT) Referência à monumental obra de Jean Leclerc (também conhecido como Giovanni Clerico), ­Bibliothèque ancienne et moderne pour servir de suíte aux Bibliothèques universelles et choisies.
  • 40
    (NA) Cujus non fugio mortem, si famam assequar, /Et cedo invidioe, dummodo absolvar cinis.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2019
  • Aceito
    14 Out 2019
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org